PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: UMA INTERPRETAÇÃO A PARTIR DA IMPRENSA ESPECIALIZADA Bruno Leonardo Barcella Silva 1, Everaldo Santos Melazzo 2 1 Graduando em Geografia – Unesp – Presidente Prudente, Bolsista iniciação Científica PIBIC/CNPq. 2 Professor Doutor do programa de Pós‐Graduação em Geografia Unesp ‐ Presidente Prudente. E‐mail: bruno_barcella@hotmail.com RESUMO Este trabalho refere‐se à apresentação de resultados parciais de uma pesquisa em andamento que tem como objetivo geral analisar as principais transformações que vem passando o mercado imobiliário brasileiro no período recente, desenvolvida no âmbito do Gasperr – Grupo acadêmico Produção do Espaço e Redefinições Regionais e da ReCiMe – Rede de pesquisadores sobre cidades médias. O recorte aqui proposto refere‐se a investigar e analisar tais elementos tendo como ponto de partida a visão produzida pela imprensa especializada, tomando‐a não apenas como canal de divulgação de fatos e acontecimentos, mas também como produtora de visões e expectativas sobre o papel do mercado imobiliário no conjunto da economia brasileira que, por sua vez, influenciam os agentes atuantes sobre o mercado, conformando suas decisões na e sobre a cidade.
Palavras‐chave: Mercado imobiliário, produção do espaço urbano, imprensa especializada,
Construção Mercado, Produção imobiliária.
INTRODUÇÃO E OBJETIVOS
Este trabalho apresenta os resultados parciais de uma pesquisa de iniciação científica em andamento (com bolsa PIBIC/CNPq) que tem como objetivo geral analisar as principais transformações que vem passando o mercado imobiliário brasileiro no período recente. No caso específico pretende‐se contribuir com um conjunto de investigações em andamento, sistematizando e analisando um conjunto de dados e informações sobre o mercado imobiliário brasileiro, através de matérias publicadas em revista especializada na área.
A escolha da referida fonte a partir da qual foi elaborado o banco de dados e informações resulta do fato desta se constituir em publicação especializada, tendo sido consultadas e lidas integralmente 115 edições, publicadas entre agosto de 2001 e fevereiro de 2011, até o momento. Foram selecionados 500 artigos, matérias jornalísticas e de opinião considerados como fundamentais para entender as mudanças do mercado imobiliário brasileiro nos anos 2000, seja do ponto de vista macro e microeconômicos, seja ainda em relação à referência a uma ou mais cidades em particular ou em relação, ainda, a temas nacionais ou locais. Tal material foi organizado em eixos/palavras‐chave, visando estabelecer caminhos para sua análise.
Assim, o presente trabalho visa expor os primeiros resultados obtidos, interpretando‐os com base nas bibliografias acadêmicas recentes lidas e discutidas a respeito das transformações
por que vem passando a produção e o consumo imobiliário e seus rebatimentos sobre as cidades brasileiras. Ao assumir como fonte de dados primários o material publicado, ou seja, conjuntos de informações previamente trabalhados.
O Presente trabalho tem como objetivo contribuir com dados e informações para o desenvolvimento do projeto “A produção econômica do espaço urbano em cidades de porte médio: uma análise comparativa da dinâmica imobiliária recente”, identificar empresas e agentes mais atuantes através de lançamentos de diferentes objetos imobiliários, cidades alvo, suas áreas de atuação, articulação com capitais internacionais, formas de financiamento etc., sistematizar informações sobre o aquecimento do mercado imobiliário, em particular seus efeitos sobre o aumento de preços de terrenos, apreender e definir as características de um novo perfil do mercado imobiliário brasileiro nos últimos anos, identificar quais tem sidos os rebatimentos dessa produção imobiliária nas cidades brasileiras, identificar como a imprensa especializada na área tem entendido e reproduzido a produção econômica do espaço urbano, identificar em que medida e como as transformações apuradas dizem respeito, também, a processos que passam a ocorrer cada vez mais em cidades não metropolitanas ou grandes cidades, mas também e particularmente em cidades médias. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Leitura de 115 edições da Revista “Construção Mercado” (editora PINI), que trata de assuntos relacionados ao tema sob abordagem; Seleção dos artigos, matérias e notas relevantes ao tema proposto; Criação de um banco de palavras‐chave, organizado por eixo temático; Elaboração de quadros para organização dos artigos relevantes em cada palavra‐chave; Classificação das 500 matérias selecionadas em cada eixo e palavra‐chave; Início da interpretação do material obtido na coleta, considerando‐se a data de publicação e os eixos/palavras‐chave.
Leitura de produções bibliográficas acadêmicas entendidas como fundamentais para o entendimento do assunto sob abordagem.
RESULTADOS
A leitura e sistematização de 115 edições da Revista “Construção Mercado” resultou na elaboração de um banco de dados com mais de 500 matérias/reportagens, classificadas de acordo com a data da publicação, eixo temático, separados por segmentos publico ou privado e por
escalas marco e microeconômicos e pelas seguintes palavras‐chave: crédito publico ou privado, financeirização, abertura de capital, política habitacional, lançamentos imobiliários, tendências e mercado, agentes (empresas que compõem o circuito imobiliário) e cidades citadas. Para isso foi necessário o cruzamento entre os assuntos tratados nas publicações coletadas e as palavras‐ chave, como exposto no Quadro 01. Este foi organizado por eixo‐temático/palavras‐chave, separados por assuntos macro e microeconômicos para identificar as diferentes formas de articulação/atuação desde lançamentos imobiliários e edificações, grandes planos habitacionais, atuação na bolsa de valores e grandes incorporações, bem como matérias diretamente relacionas ao mercado imobiliário, pelo seu segmento publico ou privado. Tal separação por segmento se fez necessário pela forte atuação do Estado recentemente através do Programa Minha Casa Minha Vida, bem como pela redução de juros, ampliação dos volumes de crédito disponível e aumento dos prazos de financiamento.
Assuntos Segmento Palavras‐chave Número
de matérias Setor Público Crédito público; Política habitacional; Infra‐estrutura urbana; Habitação Social; Atuação de órgãos e instituições; 59 Macroeconômico: Setor Privado Financiamento (linhas de crédito próprias); Financeirização e Bolsa de valores (Fundos mútuos, fundos imobiliários e Compra e venda de Títulos, securitização); Abertura de Capital das empresas nacionais; Capital Interno (empresas nacionais); Capitais Externos (empresas estrangeiras); Agentes: Incorporadoras, construtoras; imobiliárias e outras; Ciclo Imobiliário (boom e crise); Especulação imobiliária; Expectativas imobiliárias 90 Microeconômicos: Edificação; Projetos relevantes; Comportamento de Preços e Custos da edificação; Comportamento de preços e custos da terra; Concentração (fusões e aquisições); Centralização (sede das empresas); Terceirização; Gestão (empresarial e canteiro de obras – inovações e mudanças); Avaliação de Imóveis – técnicas e usos; Carga Fiscal 64 Matérias de relação direta com o mercado imobiliário Mercado Residencial; Lançamentos Imobiliários importantes; Painel do Mercado; Rota do Negócio 220 Outros: Tendência de Mercado; Cidades; Região; Questões relacionadas à Construção; Terceirização; Segmento de construção 32 Quadro 1. Classificação e número de matérias publicadas
Fonte: Dados da Revista Construção Mercado (Editora PINI); Org: do Autor.
A partir da literatura consultada e da análise das matérias publicadas na revista é possível apontar, preliminarmente, que as aludidas transformações tem se dado tanto no plano da organização dos capitais, quanto na dimensão espacial de suas ações. Assim, a abertura de capitais
imobiliários nas bolsas de valores, a entrada de investimentos estrangeiros neste mercado, a atuação de empresas, antes exclusiva em áreas metropolitanas, deslocando‐se para cidades médias e o significativo aumento da atuação do Estado através de programas habitacionais tem aquecido o mercado e provocado a valorização de terrenos e imóveis edificados e também a ampliação da atuação das incorporadoras, o que acarreta mudanças e alterações intra e inter‐ urbanas, na medida em que como lhes é próprio da dimensão espacial de valorização este capitais a busca por
“... alterar os padrões de ocupação de áreas, operando conversões nos usos do solo, modificando suas características (de adensamento, verticalização) e alterando as características dos imóveis ali localizados” (Melazzo, 1993, p.25).
A análise que vem sendo desenvolvida trata de interpretar tal material à luz da perspectiva dos autores citados, buscando correlacionar as visões expostas/produzidas nas matérias ao momento econômico atual de forte expansão da produção imobiliária e a cidade daí resultante. Assim, é notável o deslocamento do foco das matérias publicadas ao longo do tempo de abordagens centradas na construção civil em si, ou seja, na organização dos processos construtivos e seus materiais, para as estratégias das incorporações imobiliárias, os movimentos de cada agente no mercado, as perspectivas de valorização de distintos tipos de imóveis, a expansão do financiamento e alargamento do potencial mercado consumidor, sua financeiração crescente e a difusão da ação das empresas para além das metrópoles e grandes cidades como mostra o Gráfico 01.
Gráfico 01. Número de matérias relacionadas ao Mercado Imobiliário por Ano.
Uma primeira síntese indica, portanto, que cada vez mais e com maior intensidade aparece a ênfase na produção do ambiente construído para além da produção de objetos imobiliários singulares e esse aumento e ênfase de matérias referentes à dinâmica do mercado imobiliário se dá com maior intensidade no período após 2005, período em que houve um boom nos negócios imobiliários no Brasil e dos anos de 2007 a 2009, a partir do estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, acarretando uma crise econômica generalizada, cujos desdobramentos chegam aos dias atuais.
DISCUSSÃO
Como já afirmado, o desafio aqui proposto refere‐se a investigar e analisar tais elementos tendo como ponto de partida a visão produzida pela imprensa especializada, tomando‐a não apenas como canal de divulgação de fatos e acontecimentos, mas também como produtora de visões e expectativas sobre o papel do mercado imobiliário no conjunto da economia brasileira que, por sua vez, influenciam os agentes atuantes sobre o mercado, conformando suas decisões na e sobre a cidade.
Trata‐se, assim, de desvendar os elementos centrais daquilo que Villaça (2003) aponta: que a imprensa no Brasil é a porta voz da elite brasileira, refletindo suas visões de mundo e contribuindo para o processo que ele denomina como “falta de visão”, em que o estudo da produção do espaço urbano na visão da mesma é de suma importância, pois ela vai ser a intermediadora da noticia para o leitor, ou seja, é importante desvendar qual tem sido o espaço produzido por ela para o leitor.
“Ultimamente tenho procurado pesquisar a segregação urbana e a visão – ou falta de visão – que nossa elite tem dela. Parto da hipótese de que a imprensa em geral é porta‐voz dessa elite. Reflete suas visões de mundo e de suas cidades e, portanto, seus interesses. Em meu ultimo livro publiquei os resultados de duas pesquisas que realizei por intermédio da Folha de São Paulo e do Jornal do Brasil para ver qual era a cidade de São Paulo e qual era a cidade do Rio de Janeiro que esses jornais transmitiam a seus leitores.”. (Villaça, 2003, p. 36).
Nesse trecho do livro “Urbanização Brasileira: Redescoberta”, do ano de 2003, Flávio Villaça apresenta de maneira clara a importância de estudar qual tem sido a realidade que a imprensa brasileira tem relatado ou até mesmo construído para seus leitores, produzindo assim o que ele chama de “falta de visão”, que para o autor é uma das grandes causas da segregação urbana.
A partir desse conjunto de justificativas fica evidente a importância de se entender e interpretar corretamente a imprensa em meio a sua complexidade, opiniões e ideologias incorporadas em seus trabalhos. Sendo assim esse processo tem como principio entender que é possível a identificação de “duas realidades” na análise da imprensa.
Faz‐se assim necessário compreender que a imprensa não apenas informa e retrata a realidade em movimento, mas também e fundamentalmente produz esta mesma realidade nos termos propostos e desenvolvidos por Abramo (2003). Assim, assume‐se aqui a postura de que a imprensa não apenas reproduz a realidade, mas fundamentalmente a produz, manipulando diferentes estratégias e mecanismos, dentre eles aquele denominado pelo autor como “padrão de ocultação”.
“Por isso o padrão de ocultação é decisivo e definitivo na manipulação da realidade: tomada a decisão de que um fato “não é jornalístico”, não há a menor chance de que o leitor tome conhecimento de sua existência por meio da imprensa. O fato real foi eliminado da realidade, ele não existe. O fato real ausente deixa de ser real para se transformar em imaginário. E o fato presente na produção jornalística, real ou ficcional, passa a tomar o lugar do fato real e a compor, assim, uma realidade diferente da real, artificial, criada pela imprensa.”. (Abramo, 2003, p. 27).
Segundo o mesmo autor, a imprensa por meio de diversos artifícios de manipulação das noticias, possui o “poder” de produzir uma realidade de acordo com sua vontade. Reside ai a grande importância de estudar as transformações do mercado imobiliário a partir da imprensa, ao ponto de ser possível analisar essas transformações sob duas diferentes visões de realidade, uma “realidade real”, que seria relativa às verdadeiras transformações desse mercado a partir de estudos baseados em bibliografias referentes ao assunto e produções cientificas nesse âmbito e a outra, que se relaciona à visão da imprensa, que tenta reproduzir a necessidade da demanda de noticias sob determinada perspectiva, da ideologia e da opinião de quem “produz as noticias”, e que por força dos padrões de manipulações nelas empregadas propicia a transformação de “realidade artificial ou imaginaria” em uma “realidade real”.
Por fim, considerando‐se as condições da atual urbanização brasileira pela ótica de Santos(1993), estamos presenciando o auge das determinações e condicionantes impostos pelo meio‐técnico‐científico‐informacional e, tal como por ele apontado no livro “A Urbanização Brasileira”, do ano de 1993.
“Esse meio técnico‐cientifico (Melhor será chama‐lo de meio técnico‐ cientifico‐informacional) é marcado pela presença da ciência e da técnica nos processos de remodelação do território essenciais às
produções hegemônicas, que necessitam desse novo meio geográfico para sua realização. A informação em todas as suas formas, é o motor fundamental do processo social e o território é equiparado para facilitar a sua circulação.”. (Santos, 19933, p. 35‐36).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do conjunto do material trabalhado duas questões centrais se colocam para análise seguinte: A primeira sobre o papel da imprensa na formação de expectativas para a atuação dos agentes econômicos que passam a assumir, cada vez mais, estratégias de atuação na escala nacional. A segunda refere‐se, de um lado à dissociação entre a dinâmica imobiliária e o acesso à cidade como direito fundamental e, de outro, a crescente mercantilização da produção e consumo da habitação.
A cidade, neste contexto, passa a ser tratada como um “negócio” onde se articulam as estratégias de ampliação de rentabilidade do setor e os espaços urbanos passam a ser apenas “mercadorias”, como matéria prima para a implantação de seus produtos, mostrando a grande importância de se estudar e descobrir os diferentes rebatimentos no espaço urbano e de investigar qual tem sido o espaço urbano produzido por esse setor que é alimentado por grandes incorporações privadas, muitas vezes com o apoio do Estado. Chama a atenção, ainda, o viés da leitura de tais processos apenas e tão somente a partir do olhar metropolitano, desprezando as diferentes realidades da urbanização brasileira e suas dinâmicas próprias, sugerindo fortes componentes de homogeneização de lógicas econômicas na produção destes espaços tão diversos. A partir da exploração cada vez mais acurada deste conjunto de matérias espera‐se elaborar uma interpretação sobre a importância cada vez maior do setor imobiliário para a análise dos padrões recentes da urbanização brasileira.
REFERÊNCIAS
ABRAMO, Perseu; Padrões de Manipulação na Grande Imprensa; Editora Fundação Perseu Abramo; 2003.
CONTRUÇÃO MERCADO. São Paulo: PINI, 2001‐2011 – Mensal.
MELAZZO, E. S. Mercado imobiliário, expansão territorial e transformações intra‐urbanas: Caso
de Presidente Prudente‐SP. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR, 1993. Dissertação de mestrado
VILLAÇA, Flávio. Tendências e problemas da urbanização contemporânea no Brasil In: CASTRIOTA, Leonardo Barci (Org.), Urbanização brasileira, redescobertas. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2003, pp.260‐271.
VILLAÇA, Flávio. Espaço intra‐urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001.