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Aline Maria dos Anjos Silva DE CAPITU AOS AMORES DE CAPITU: UMA ANÁLISE COMPARA- TIVA ENTRE OS ROMANCES DE MACHADO DE ASSIS E FERNAN- DO SABINO

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Aline Maria dos Anjos Silva

DE CAPITU AOS AMORES DE CAPITU: UMA ANÁLISE

COMPARA-TIVA ENTRE OS ROMANCES DE MACHADO DE ASSIS E

FERNAN-DO SABINO

Pará de Minas 2013

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Aline Maria dos Anjos Silva

DE CAPITU AOS AMORES DE CAPITU: UMA ANÁLISE

COMPARA-TIVA ENTRE OS ROMANCES DE MACHADO DE ASSIS E

FERNAN-DO SABINO

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Letras da Faculdade de Pará de Minas como re-quisito parcial para conclusão do Curso de Letras. Orientadora: Dr.ª Ana Paula Ferreira.

Pará de Minas 2013

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Aline Maria dos Anjos Silva

DE CAPITU AOS AMORES DE CAPITU: UMA ANÁLISE

COMPARA-TIVA ENTRE OS ROMANCES DE MACHADO DE ASSIS E

FERNAN-DO SABINO

Monografia apresentada à Coordenação de Le-tras da Faculdade de Pará de Minas como requi-sito parcial para a conclusão do curso de Letras. Orientadora: Dr.ª Ana Paula Ferreira

Aprovado em: ___/____/____

___________________________________________________________________ Orientadora: Dr.ª Ana Paula Ferreira

___________________________________________________________________ Examinadora: Irani G. C. Ribeiro

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O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida.

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RESUMO

O objetivo do presente trabalho é realizar uma análise crítica e comparativa entre os romances Amores de Capitu, de Fernando Sabino, e Dom Casmurro, de Machado de Assis. A referência teórica principal será a teoria de Antonio Candido que trabalha questões sobre a construção do personagem próprio do gênero romance. Através disso, poder-se-ão identificar as possíveis diferenças entre as obras em estudo. Também será empregada a teoria de Afonso Romano de Sant’Anna que, através da análise estrutural do romance brasileiro, trabalha a narrativa de estrutura simples e a narrativa de estrutura complexa. Diante das observações do referido autor, serão mostradas as diferenças de sentido que pode haver quando o narrador passa de primeira para a terceira pessoa, uma vez que, Dom Casmurro é narrado em primeira pessoa (Bento) e Amor de Capitu em terceira. A pesquisa também contará com as teorias de Mikhail Bakhtin, sobretudo observações sobre a “pessoa que fala no

ro-mance”. O pensamento de Bakhtin é importante para o presente estudo por enfocar

a diversidade das linguagens no mundo romanesco. O estudo mostrará a linguagem usada pelos personagens e o plurilinguismo que há em sua estruturação. Também será levada em consideração a teoria de Norman Friedman sobre o foco narrativo. Por meio da análise estrutural, serão observadas as semelhanças e distinções das duas obras para que se chegue a uma conclusão sobre o enigma Capitu. Assim, o trabalho tentará mostrar as diferenças quanto ao nível de narração e os efeitos que essa mudança provoca na obra Amor de Capitu.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 6 1.1Objetivos ... 8 1.1.1 Objetivo geral ... 8 1.1.2 Objetivos específicos ... 8 2 PERSPECTIVAS TEÓRICAS ... 10 2.1 A personagem do romance ... 10 2.2 A estrutura da narrativa ... 12

2.3 A pessoa que fala no romance ... 15

2.4 O foco narrativo ... 17

3 METODOLOGIA ... 19

3.1 Análises das obras ... 20

3.1.1 Análise estrutural de Dom Casmurro, de Machado de Assis ... 20

3.1.2 Análise estrutural de Amor de Capitu de Fernando Sabino ... 24

3.2 A sequência narrativa nas obras ... 26

3.3 O papel do narrador e seus ângulos de visão ... 27

4 CONCLUSÃO ... 34

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1 INTRODUÇÃO

A presente proposta de pesquisa visa construir uma análise crítico-literária comparativa entre a obra Amor de Capitu, de Fernando Sabino e, Dom Casmurro, de Machado de Assis.

A ideia desse estudo nasceu a partir da leitura de Dom Casmurro, de Macha-do de Assis. A história de Bento e Capitu trouxe muitas curiosidades, e, então come-çaram a surgir reflexões sobre os acontecimentos presentes na obra e, sobretudo, Capitu. Talvez pelo fato de a história não possuir um final preciso, a pesquisa do te-ma e análise da obra de Machado passará a ser alvos de ute-ma curiosidade inquietan-te. Na busca de informações e fatos relevantes, que pudessem trazer respostas para entendimento do romance machadiano, a obra de Fernando Sabino, O Amor de Ca-pitu, pode muito contribuir para tal pesquisa.

A obra Amor de Capitu, de Fernando Sabino, é uma releitura de Dom Cas-murro de Machado de Assis, e dela se difere em vários aspectos estruturais, princi-palmente, quanto à sua narrativa, embora a base do enredo seja a mesma. Sabino opta por um narrador em terceira pessoa, porém a narrativa continua centralizada na visão do próprio Bentinho.

Um grande mito está presente no universo de suposições, reflexões e incerte-zas de Bentinho em relação ao amor de Capitu. Trata-se de um mundo desconheci-do cheio de inquietações e dúvidas que devoram e atormentam os leitores desde o lançamento da obra no século passado, até os dias atuais. A teia que envolve a tra-ma da vida de Capitu com seus “olhos de ressaca”, seduzindo e encantando, leva o leitor para um mundo de inúmeras possibilidades, tornando-se como uma mina ines-gotável. Capitu, “a cigana oblíqua e dissimulada”, mantém tais características desde a infância. Talvez Bentinho tivesse se apaixonado primeiro por sua imagem de me-nina misteriosa, mas, ao se deparar com uma mulher faceira, e surpreendentemen-te, encantadora, viu-se completamente vulnerável a ela. Por muitos motivos, Bento demonstra insegurança e ciúmes em excesso, motivo pelo qual, o leitor passa tam-bém duvidar da fidelidade de Capitu.

Fernando Sabino “recria” toda a trama em Amor de Capitu numa tentativa de saciar-nos na busca de inúmeras perguntas sem respostas que giram em torno do romance machadiano, como as constantes reflexões de Bentinho sobre os compor-tamentos de Capitu.

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Sabino conseguirá desvendar a intrigante história de Capitu e Bentinho? Res-ponderá às inúmeras perguntas que giram em torno do suspense da trama? Como sua “recriação” poderá influenciar o pensamento crítico em relação à obra de Ma-chado?

Serão mostrados por meio da pesquisa aqui proposta, alguns aspectos consi-deráveis em relação à análise das duas obras, buscando respostas para dúvidas sobre o romance intrigante de Machado. Capitu realmente teria traído Bentinho? Talvez pela escassez de reações, Capitu seja alvo de dúvidas com relação aos seus sentimentos. Ao contrário, estaria certo de sua suspeita e nesse caso, Capitu pode-ria na verdade estar ocultando uma paixão por Escobar, o melhor amigo de Benti-nho?

Diante desses questionamentos, a proposta de pesquisa se justifica pelo es-tudo da construção dos personagens tanto na obra de Machado de Assis, Dom Casmurro, quanto na obra de Fernando Sabino, Amor de Capitu. O estudo das per-sonagens nas duas obras contribuirá em pesquisas literárias no sentido de orientar, direcionar, estudos sobre o tema aqui proposto. Serão apresentadas aos estudiosos, professores e mestres, algumas questões sobre os romances a serem estudados, levando-os a reflexões que poderão contribuir no âmbito da crítica literária brasileira. Para melhor organização do presente estudo, esta monografia está estruturada de forma a apresentar na seção inicial, uma introdução que permita identificar o tema e problematização, objetivos, além de contemplar a estrutura dos capítulos do trabalho proposto.

A segunda seção trata-se das perspectivas teóricas utilizadas para aprofun-damento do tema com embasamento científico das teorias de alguns autores de re-nome. Apresenta-se inicialmente Antônio Candido que trabalha a personagem do romance. Em seguida tem-se a teoria de Affonso Romano Sant’Anna que discute sobre a estrutura da narrativa dentro do romance. Logo após apresentam-se as questões de literatura e estética de Mikhail Bakhtin que fala sobre a pessoa que fala no romance. Finalizando as teorias, tem-se Norman Friedman que trabalha a tipolo-gia do narrador.

A terceira seção trata-se da metodologia utilizada, a maneira como o trabalho foi desenvolvido, bem como os métodos utilizados. Também na mesma seção tem-se a análitem-se estrutural de Dom Casmurro e em tem-seguida a análitem-se estrutural de Amor de Capitu. Ainda nessa seção obtêm-se as questões que se referem à análise

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com-parativa das obras em estudo, como o ângulo de visão do narrador, que procura mostrar as diferenças de sentido quando o narrador passa de primeira para terceira pessoa. Em seguida, é mostrada a figura do narrador, que apresenta a tipologia do narrador segundo a teoria de Norman Friedman. Finalizando, é apresentada a se-quência narrativa, que mostra a construção da narrativa nas obras.

Por fim, são apresentadas, no quarto capítulo, as conclusões obtidas no de-senvolvimento do trabalho e algumas observações relevantes obtidas pela análise das obras.

1.1Objetivos

1.1.1 Objetivo geral

Analisar as obras Amor de Capitu, de Fernando Sabino, e Dom Casmurro, de Machado de Assis, a fim de explicitar traços de continuidade e de ruptura presentes na obra de Sabino.

1.1.2 Objetivos específicos

Identificar o ângulo de visão do narrador em ambas as obras: Dom Cas-murro e Amor de Capitu;

Investigar os recursos buscados por Sabino para a releitura da Capitu ma-chadiana;

Investigar as diferenças de sentido que os romances em estudo podem assumir em diferentes aspectos literários;

Apontar as diferenças de sentido quando o narrador passa de primeira pa-ra a terceipa-ra pessoa, uma vez que Dom Casmurro é narpa-rado em primeipa-ra pessoa e Amor de Capitu em terceira;

Comparar a abordagem da suposta traição de Capitu nas duas obras;

Arrolar os comportamentos, características de Capitu e as reflexões de Bentinho em torno do enigma da traição nas duas obras;

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Relacionar os sentimentos de Capitu e a escassez de sentimentos íntimos verdadeiros não demonstrados nas obras que possam auxiliar no enten-dimento de sua personalidade nos dois romances.

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2 PERSPECTIVAS TEÓRICAS

Para a realização da pesquisa com a temática de análise das obras de Amor de Capitu de Fernando Sabino, e Dom Casmurro, de Machado de Assis, na constru-ção das personagens, serão analisados os seguintes autores: Antônio Candido, Af-fonso Romano de Sant’Anna, Mikhail Bakhtin e Norman Friedman.

2.1 A personagem do romance

CANDIDO, 1995, trabalha questões teóricas sobre a construção do persona-gem próprio do gênero romance. A obra do referido autor será utilizada como auxílio para entender a construção da personagem dentro do romance em geral e, em es-pecífico, nas obras em estudo. Uma vez que a presente pesquisa trata de questões relacionadas à construção das personagens, as postulações desse autor se fazem necessárias para que se identifiquem as diferenças de sentido que os romances po-dem assumir, em diferentes aspectos literários.

Embora a personagem seja o que há de mais vivo dentro de um romance, não se pode caracterizá-la sendo o elemento mais importante. É considerável que o leitor tenha certa afinidade pela personagem que desenvolve a história, sendo esta mais comunicativa, atuante. Porém, o elemento mais importante dentro de um ro-mance é a construção estrutural das personagens. Candido afirma que:

a construção das personagens é estabelecida e, racionalmente dirigida pe-lo escritor, que delimita e encerra, numa estrutura elaborada, de gestos, de frases, de objetos significativos, marcando a personagem para a identifica-ção do leitor, sem com isso diminuir a impressão de complexidade e rique-za. (CANDIDO, 1995, p.58)

Assim, podemos afirmar que o escritor poderá colocar em suas personagens todo o teor vital desejado, caracterizando-as como seres complexos, contraditórios, indecisos, complicados, intrigantes, dissimulados, entre outras.

Graças aos recursos de caracterização, o romancista é capaz de dar a im-pressão de um ser ilimitado, contraditório, infinito na sua riqueza; mas nós apreendemos, sobrevoamos essa riqueza, temos a personagem como um todo coeso ante a nossa imaginação. (CANDIDO, 1995, p.59)

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Portanto, há uma relação estreita entre personagem e autor. Além disso, o romance se parece muito com a vida real. É possível que o romancista crie suas personagens a partir da vida real se essa for a sua escolha, e, por isso, muitas ve-zes, a ficção se confunde com as experiências já vividas. Entretanto, há um grande diferencial que envolve ficção e realidade.

A vida real não tem uma ordem correta de acontecimentos, nem pode ser or-ganizada ao modo particular conforme os desejos e aspirações. Mas o romance de-pende de uma organização, uma ordem de acontecimentos dos fatos e, sobretudo a caracterização de cada uma das personagens conforme a imaginação e criação do autor. Essa organização é o elemento decisivo da verdade dos seres fictícios, o princípio que lhes dá a vida e os faz parecer mais coesos, mais comunicativos e a-tuantes, de modo que se pareçam mais reais que os próprios seres vivos. Segundo Candido “esta organização é o elemento decisivo da verdade dos seres fictícios, o princípio que lhes infunde a vida, calor e os faz parecer mais coesos, mais apreensí-veis e atuantes do que os próprios seres vivos”. (CANDIDO, 1995, p.60).

Diante disso, o vínculo entre o autor e a sua personagem se estabelece de tal forma que o romancista fica dependente de sua próprias imaginação.

Candido expõe em sua obra diversos tipos de personagens de acordo com o processo de construção utilizado. Para a pesquisa em questão, foi selecionada uma delas, na qual a personagem criada é baseada na realidade. Essa personagem, é caracterizada por Candido como um ser em transformação que, passa por diversas experiências, resultando em um ser introspectivo e reflexivo. Assim, suas raízes de-saparecem na personalidade fictícia resultante, que, ou não têm qualquer modelo consciente, ou os elementos tomados à realidade não podem ser tratados pelo au-tor, ou seja, o próprio autor fica incapaz de determinar a proporção exata de cada personagem. Nesse caso, as personagens obedecem a um tipo de impulso sem de-finição, ou a estímulos (grandes paixões) que, apesar da experiência de vida das personagens, são mais sentimentais do que realistas. Seria o caso das personagens de Machado de Assis, em especial Bento e Capitu. Desse modo Candido esclarece, a respeito da criação das personagens:

o que se dá é um trabalho criador, em que a memória, a observação, a ima-ginação se combinam em graus variáveis, sob a égide das concepções inte-lectuais e morais. O próprio autor seria incapaz de determinar a proporção exata de cada elemento, pois esse trabalho se passa em boa parte nas

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es-feras do inconsciente e aflora a consciência sob formas que podem iludir. (CANDIDO, 1995, p.74).

As personagens dos romances são escolhidas pelos romancistas na sua for-ma física e espiritual, de for-maneira que os elementos levem o leitor a ifor-maginar o perfil traçado, sua imagem e caráter. Todo o processo de construção do personagem é obtido pelo leitor através dos detalhes que o romancista insere nas páginas de seus romances. Desse modo, a personagem parece ter vida própria e se torna um dos elementos essenciais do romance.

Os elementos que um romancista escolhe para apresentar a personagem, física e espiritualmente, são por força indicativa. Que coisa sabemos de Ca-pitu, além dos “olhos de ressaca”, dos cabelos, de “certo ar de cigana, obli-qua e dissimulada”? O resto decorre da sua inserção nas diversas partes de Dom Casmurro; e embora não possamos ter a imagem nítida da sua fisio-nomia, temos uma intuição profunda do seu modo de ser, - pois o autor convencionalizou bem os elementos, organizando-os de maneira adequada. Por isso a despeito do caráter fragmentário dos traços constitutivos, ela e-xiste, com maior integridade e nitidez do que um ser vivo. A composição es-tabelecida atua como uma espécie de destino, que determina e sobrevoa, na sua totalidade, a vida de um ser; os contextos adequados asseguram o traçado convincente da personagem, enquanto os nexos frouxos a com-prometem, reduzindo-a à inexpressividade dos fragmentos. (CANDIDO, 1995, p.78,79).

Assim, as personagens criadas pelos romancistas podem nascer de modelos comprováveis, ou seja, a verdade da ficção é comparada com a verdade da existên-cia e o leitor tem a ilusão de que essa verdade é assegurada de modo absoluto pela verdade real. Quando o leitor acredita na verdade da personagem, criada no roman-ce, o imaginário mistura-se com a realidade, e, a história que, parece incoerente, é aceita. A maneira como o romancista irá organizar as personagens e suas ações será o referencial para a aceitação ou não do leitor.

2.2 A estrutura da narrativa

SANT’ANNA, 1973, através da análise estrutural do romance brasileiro traba-lha a narrativa de estrutura simples e a narrativa de estrutura complexa, o que é im-portante ter em vista na presente pesquisa para que, através das observações anali-sadas pelo autor, se possam responder as questões sobre as diferenças de sentido que pode haver quando o narrador passa de primeira para a terceira pessoa, uma

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vez que, Dom Casmurro é narrado em primeira pessoa (Bento) e Amor de Capitu em terceira.

Sant’Anna, afirma que:

1. É possível a fixação de dois modelos interpretativos da narrativa em qualquer época: narrativa de estrutura simples e narrativa de estrutura complexa. 2. A narrativa de estrutura simples está ligada ao mítico e ideoló-gico e busca uma semelhança do real, tem sentido denotativo, preocupando com seu significado. 3. A narrativa de estrutura complexa é aquela que foge as regras da ideologia e do mítico para desenvolver o imaginário, ou seja, vai além do que parece real, tem sentido conotativo baseando-se no signifi-cante. (SANT’ANNA, 1973, p.16).

Assim, o presente estudo encaminha-se para uma compreensão da narrativa de estrutura complexa, uma vez que, ao analisar o romance Dom Casmurro de Ma-chado de Assis, nota-se um distanciamento do mítico e, principalmente do ideológi-co, sobretudo quanto à ruptura do tradicional, com inversões de significados e signi-ficantes. Segundo Sant’Anna:

bem diferente é a posição de Machado de Assis, que parece ter sido quem iniciou entre nós a narrativa de estrutura complexa. Ele efetiva a subversão do código do real e do ideológico em favor do simbólico ao contestar a ra-zão sobre a qual a comunidade se ergue e colocá-la no mesmo nível de sandice, mostrando que verdade e mentira são resultantes de um código preestabelecido e que a ausência é tão presente como a mais presente das realidades. Não é por acaso que em Machado temos um antirromântico (an-timítico) e um antirrealista (anti-ideológico). É que ele fundou sua obra num terreno mais difícil e sem os suportes tradicionais. Ele faz uma inversão: em vez de uma obra denotativa alinhavando os significados, ele articula um u-niverso de conotação prenhe de significantes. (SANT’ANNA, 1973, p.22).

Contudo, a narrativa de estrutura complexa, foge dos padrões tradicionais, ou seja, Machado de Assis procura mudar o sentido da história no romance. Desse mo-do, o leitor se depara com outra estrutura, muito diferente do convencional. O desfe-cho dos romances de Machado de Assis contraria o esperado, por isso, pode ser considerado um antirromântico. O leitor, sobretudo menos critico, termina a leitura do romance frustrado, pois em Dom Casmurro, por exemplo, o objetivo de Bentinho (que era conseguir “atar” as duas pontas de sua vida) não é atingido. O final contra-ria o esperado pelo leitor, ou seja, foge aos conceitos dos romances tradicionais.

Diante disso, ao que parece, Machado ultrapassa as barreiras do coerente e do convencional e, ao apresentar seus romances em narrativas de estrutura com-plexa, é capaz de deixar o leitor cheio de inquietações. Tais inquietações, não

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po-dem ser respondidas pelo romancista, pois o desfecho da história foi estruturado propositalmente para este fim: fazer despertar no leitor a curiosidade, reflexões e hipóteses sobre o romance.

Assim, a narrativa de estrutura complexa, contraria as regras tradicionais dos romances brasileiros, até então.

Outra questão a se considerar é a necessidade de entender o texto para além da estrutura da narrativa que, dentro da série literária pode ser classificada em dois aspectos. Segundo Sant’Anna, podem-se classificar as narrativas como: a narrativa ideológica e a narrativa contraideológica. (SANT’ANNA1973, p.40,42)

Para a presente pesquisa, será aprofundado o estudo da narrativa contraide-ológica dentro da série literária.

Pode-se dar que uma narrativa não esteja interessada em descrever o es-paço real nem ideológico contra ideologicamente e que seu autor se afaste da norma estilística de sua época e produza uma obra de opacidade mais intensa. Os personagens não são exatamente confrontáveis com as figuras do dia a dia, as cenas se passam nas paisagens reconhecíveis e a técnica de narrar se afasta dos métodos usuais. A tarefa de verificação da opacida-de opacida-de uma obra, conquanto possa ser orientada empírica e intuitivamente, é de difícil execução. Há que conceber a obra como um todo divisível em al-guns níveis que se articulam. Esses níveis podem variar com argúcia do analista. Geralmente dividimos nos níveis da narração/personagem/língua. O estudo desses níveis indicará a complexidade das obras, complexidade que aqui aparece como sinônimo de espessamento da escrita. (SANT’ANNA, 1973, p.48,49).

Diante disso, pode-se afirmar que um romance pode ser dividido em partes que se articulam, ou seja, uma trabalha ligada à outra em um sistema dependente. Narração, personagem e fala são os níveis de articulação usados pelo romancista para indicar a complexidade da obra. A narrativa contraideológica será, então, aque-la em que o romancista utiliza-se de argumentos que levem o leitor à descoberta do inverso. A narrativa contraideológica acontece quando se afasta do código estético vigente, podendo se definir pela diferença em relação às demais.

Em seus romances, Machado de Assis, em nível da narração, trabalhou sobre a opacidade (narração, personagem e língua) dentro e fora da série literária. Macha-do preferiu evidenciar o simbólico ao invés Macha-do real. O importante era trabalhar a his-tória na ficção, ou seja, sua simbologia conforme a criação da obra. Segundo Sant’Anna “em nossa literatura parece ter sido Machado de Assis, na ficção, quem primeiro trabalhou insistentemente no espaço simbólico, privilegiando antes os sig-nos que a realidade empírica”. (SANT’ANNA, 1973, p.49).

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Os romances de Machado de Assis possuem vínculos com um universo sim-bólico, muito individualizado, pelo qual ele coloca em xeque a ideologia literária e a ideologia da comunidade. Dentro de seus romances, Machado parece problematizar questões sociais, transmitindo ao leitor suas ideias através do simbólico. Em Dom Casmurro, pode-se notar, através do narrador-personagem, o modo como Machado de Assis expõe as questões amorosas da personagem. Bento, conhecido como Dom Casmurro, desconfia da fidelidade de Capitu, sua esposa. As indagações do narrador-personagem são tão convincentes que, o próprio leitor também passa a desconfiar de Capitu. Assim, o simbólico pode ser um dos principais aspectos a se-rem analisados dentro de uma narrativa, uma vez que, sua representação está inse-rida diretamente na forma em que a estrutura da narrativa foi construída, sendo esta contraideológica.

2.3 A pessoa que fala no romance

BAKHTIN, 1988, em sua obra A Teoria do Romance, aborda temas plausíveis para a presente pesquisa. Dentre os temas, será necessária a análise da pessoa que fala no romance, para que se possam investigar as diferenças de sentido que os romances de Machado de Assis e Fernando Sabino podem assumir em diferentes aspectos literários.

A diversidade das linguagens no mundo romanesco pode acontecer de várias maneiras: seja como estilos impessoais, imagens personificadas, narradores ou per-sonagem. Segundo Bakhtin,

a linguagem é dada ao romancista estratificada e dividida em linguagens di-versas. É por isso que mesmo onde o plurilinguismo fica no exterior do ro-mance, onde o romancista se apresenta com uma só linguagem totalmente fixa (sem distanciamento, sem refração, sem reservas), ele sabe que esta linguagem não é igualmente significante para todos ou incontestável, que ela ressoa em meio do plurilinguismo [...]. (BAKTHIN, 1988, p.134).

Desse modo, a linguagem apresentada no romance parece ser única e direta, porém, o romancista não pode ignorar as línguas múltiplas que o circundam. As lín-guas múltiplas são aquelas que os falantes podem trazer em seu discurso, ou seja, algo próprio de quem está falando, que o torna original. Essas linguagens penetram

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no romance, através das pessoas que falam e tornam possível o melhor conheci-mento das características e personalidade das pessoas que se apresentam no dis-curso romanesco. Bakhtin destaca três momentos indispensáveis para a compreen-são da linguagem apresentada no romance.

1. No romance, o homem que fala e sua palavra são objetos tanto de repre-sentação verbal como literária. O discurso do sujeito falante no romance não é apenas transmitido ou reproduzido, mas representado artisticamente, e, à diferença do drama, representado pelo próprio discurso. (do autor). O discurso exige procedimentos formais, especiais do enunciado e da repre-sentação verbal. 2. O sujeito que fala no romance é um homem essencial-mente social, historicaessencial-mente concreto e definido e seu discurso é uma lin-guagem social (ainda que em embrião) e não um dialeto individual. O cará-ter individual, e os destinos individuais e o discursos individual são por si mesmos, indiferentes no romance. 3. O sujeito que fala no romance é sem-pre, em certo grau, um ideológico, e suas palavras são sempre um ideolo-gema. Uma linguagem particular no romance representa sempre um ponto de vista particular sobre o mundo que aspira a uma significação social. (BAKHTIN, 1988, p.135).

Assim, a pessoa que fala no romance é determinada pela linguagem dentro de um discurso que o autor poderá propor como uma língua peculiar em relação às outras línguas. As linguagens podem ser concretizadas no meio social e histórico através das imagens físicas e também da imagem de sua linguagem. A pessoa que fala no romance é caracterizada pela sua linguagem, podendo ser essa criada pelo autor, de acordo com o meio social vivenciado pelas personagens, ou simplesmente pela sua forma física.

Para o gênero romanesco, não é a imagem do homem em si que é a carac-terística, mas justamente a imagem de sua linguagem. Mas para que essa imagem se torne precisamente uma imagem de arte literária, deve se tornar discursos da boca que falam, unir-se à imagem do sujeito que fala. (BAKH-TIN, 1988, p.137).

Desse modo, a pessoa que fala no romance, é caracterizada não somente pe-la sua imagem física, mas pepe-la sua linguagem. O autor do romance poderá compor o discurso de suas personagens conforme seu desejo de criação, porém a lingua-gem utilizada será ponto essencial para a verdade da personalingua-gem.

A partir das línguas múltiplas, citadas anteriormente, o romancista irá repre-sentar suas personagens, visando o domínio literário das representações destas lin-guagens, sem se preocupar com a reprodução exata e completa das linguagens empíricas.

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Bakhtin afirma que o plurilinguismo é essencial no entendimento da pessoa que fala no romance. Trata-se de várias vozes do discurso, ou seja, múltiplas lín-guas inseridas no discurso do romance. O diálogo é, no romance, uma espécie par-ticular, pois ele carrega em si a multiformidade infinita de temas que não se resol-vem e nem se podem resolver, apenas ilustram os diálogos das personagens. As-sim, o argumento do romance serve para a representação dos sujeitos que falam e seus universos ideológicos. No romance, realiza-se o reconhecimento da própria linguagem do autor em uma linguagem do outro, e, o reconhecimento da própria vi-são do autor na vivi-são de mundo do outro.

Para o entendimento do romance, faz-se necessário o conhecimento das lin-guagens do plurilinguismo, uma percepção diferenciada, um olhar mais profundo. Bakhtin afirma que:

o romance não apenas não dispensa a necessidade de um conhecimento profundo e sutil da linguagem literária, mas requer, além disso, o conheci-mento das linguagens do plurilinguismo. O romance requer uma expansão e aprofundamento do horizonte linguístico, um aguçamento de nossa percep-ção das diferenciações sócio linguísticas. (BAKHTIN, 1988, p.163).

Considerar, portanto, as condições de produção da linguagem do "sujeito que fala no romance" (como o discurso é construído, que motivações levam o persona-gem a abordar temas sob determinado foco, qual a condição sócio-ideológica desse sujeito) é importante para um entendimento mais profundo da estrutura narrativa. É o que se pretende no que se refere à análise das obras em estudo.

2.4 O foco narrativo

Norman Friedman, 1989, trabalha em sua obra questões relacionadas ao foco narrativo. Os estudos contidos em sua obra serão necessários para a análise da fi-gura do narrador. A presente pesquisa tratará de assuntos relacionados à mudança do foco narrativo que passa de primeira para terceira pessoa na análise das obras Dom Casmurro e Amor de Capitu.

Segundo Norman Friedman para se compreender e interpretar bem uma obra literária, dentre outros fatores, é importante conhecer a figura do narrador. É interes-sante saber quem conta a história em questão. É necessário identificar em relação

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ao foco narrativo, se se trata de um narrador em primeira ou terceira pessoa, se é um narrador personagem, qual a posição do narrador em relação à história, o modo como o narrador se comunica com o leitor, o ângulo de visão que ele oferece ao lei-tor. Dentre outras categorias, Friedman trabalha com quatro principais.

A primeira refere-se ao Autor Onisciente Intruso (Editorial Omniscience): é o tipo de narrador que tem liberdade para narrar à vontade, para colocar-se acima, na periferia, no centro ou de frente aos acontecimentos. Comunica-se com o leitor atra-vés de suas próprias palavras, pensamentos e percepções. Como característica principal tem a intrusão, isto é, os comentários que tece sobre a vida, os costumes, os caracteres e a moral dos personagens.

A segunda refere-se ao Autor Onisciente Neutro (Neutral Omniscience): assim como o onisciente intruso, este também narra em terceira pessoa e utiliza-se do mesmo ângulo, distância e canais em relação à história. Porém, distingue-se daque-le principalmente pela ausência de instruções e comentários gerais ou mesmo sobre o comportamento dos personagens.

A terceira refere-se ao “Eu” Como Testemunha (“I” as Witness): este narra em primeira pessoa, vivendo os acontecimentos descritos como um personagem secun-dário que observa. E por se tratar de personagem secunsecun-dário, seu ângulo de visão é mais limitado, pois narra da periferia dos acontecimentos, não conhece o pensamen-to dos outros personagens, ou seja, não é onisciente, e apenas infere e lança hipó-teses.

A quarta refere-se ao Narrador-Protagonista (“I” as Protagonist): nesta catego-ria, também some a onisciência do narrador. Este, na verdade, é um personagem central que não tem acesso ao pensamento dos demais personagens. Ele narra de um centro fixo, limitado quase que exclusivamente às suas percepções, pensamen-tos e sentimenpensamen-tos.

Assim, com base nessa tipologia proposta por Friedman, pode-se classificar o narrador de Dom Casmurro e o narrador de Amor de Capitu. A partir da verificação das características do narrador, poderão ser apontadas as diferenças de sentido quando o narrador passa de primeira para a terceira pessoa.

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3 METODOLOGIA

Para a análise crítica das obras em estudo, aprofundou-se nos detalhes das duas obras, observando as diferenças que mudam o sentido da história e a constru-ção das personagens. Ao analisar as obras, foi importante, dentre outros fatores, conhecer a figura do narrador. Por isso, a ênfase da pesquisa foi a análise da cons-trução do foco narrativo de Sabino.

Foi importante identificar quem narrava a história. O foco-narrativo pode ser em primeira ou terceira pessoa, pode ser um narrador-personagem, mero observa-dor ou onisciente, como já explicitado em seção anterior.Também foi observada a posição do narrador em relação a história e o modo como ele se comunica com o leitor. Nesse sentido, foi importante responder à pergunta: a abolição da narrativa em primeira pessoa poderá mudar o desfecho do romance machadiano?

A pesquisa apresentou-se do tipo qualitativa, pois se tratou de uma pesquisa bibliográfica. Segundo Gil, 1946, a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído, principalmente de livros e artigos científicos e utiliza-se, fundamentalmente, da contribuição de diversos autores sobre determinado tema.

Para a presente pesquisa foram analisadas as obras Dom Casmurro de Ma-chado de Assis e Amor de Capitu de Fernando Sabino realizando-se um estudo comparativo-relexivo.

O método utilizado foi o comparativo, considerando as obras em diferentes aspectos literários. Segundo Lakatos e Maconi, 2003, o método comparativo é usa-do tanto para comparações de grupos no presente, no passausa-do, ou entre os existen-tes e os do passado, quanto entre sociedades de iguais ou de diferenexisten-tes estágios de desenvolvimento. O método comparativo permite analisar o dado concreto, deduzin-do deduzin-do mesmo os elementos constantes, abstratos e gerais.

Fez-se uma comparação entre as obras no sentido perceber continuidades de rupturas de Sabino em relação à obra original. Capitu demonstra ser meiga inocente e, em algumas vezes, mostra-se dissimulada e misteriosa quanto aos seus senti-mentos. Tais fatos foram analisados no sentido de tentar descobrir sua real persona-lidade: menina doce, graciosa e inocente ou mulher ardilosa e traiçoeira?

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Ainda foram analisadas as personagens, comparando-as nas duas obras, ve-rificando uma possível mudança quanto aos seus comportamentos e atitudes, de acordo com sua construção, no desenrolar da história.

3.1 Análises das obras

3.1.1 Análise estrutural de Dom Casmurro, de Machado de Assis

Narrado em primeira pessoa, Dom Casmurro foi publicado em 1900, embora a data da edição seja de 1899. A obra significou, por mais de 60 anos apenas, mais um exemplo de adultério feminino explorado na literatura realista. Entretanto, em 1960, a professora americana Helen Cadwel propôs a sua releitura, apontando Ben-tinho, e não a esposa, Capitu, como o problema central a ser desvendado. Dom Casmurro é um livro complexo e cada leitura origina uma nova interpretação. Ma-chado de Assis faz na narrativa do romance algo curioso: ele cria um narrador que afirma que foi traído e o leitor não consegue decidir-se se ele está mentindo ou não. O emprego de capítulos curtos, da já conhecida ironia, do pessimismo amar-go e de técnicas narrativas renovadoras, como as digressões, metalinguagem e in-tertextualidades, características já conhecidas do autor, mantém-se também nesse romance.

A narrativa exerce a função de uma autobiografia do protagonista, Bentinho. Assim, a memória é um vínculo entre a narrativa presente e, a suposta verdade dos fatos. Esse resgate pela memória a partir do presente (flashback) é falho, já que o tempo foi distanciado dos fatos no momento da escrita. Com isso, a narrativa não poderia seguir um caráter linear, nascendo fragmentada e digressiva.

Esse processo de escrita tem a nítida intenção de atribuir ao leitor o papel de explicar a maior dúvida de Bentinho: teria sido traído pela esposa com seu melhor amigo, Escobar, ou não? Ao final da narrativa, nota-se ainda a mesma dúvida, pois não se consegue provar a culpa ou a inocência de Capitu. Essa dúvida persiste por que o narrador tanto fornece indícios da existência do adultério quanto da pureza do comportamento da esposa. Entretanto, ele procura de todo modo, através de sua narrativa, convencer os leitores da culpa de Capitu, o que terminaria por justificar sua decisão de abandoná-la (juntamente com o filho) posteriormente.

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A ação na obra não é dinâmica, já que predomina o elemento psicológico. A narrativa é digressiva, ou seja, interrompida todo o tempo por fugas da linearidade para acrescentarem-se pensamentos ou lembranças fragmentadas do narrador. A obra é composta por pequenos capítulos permeados de dúvidas e inquietações so-bre a suposta traição. O narrador personagem busca provas que possam comprovar a sua tese.

O foco narrativo é em primeira pessoa, por Bento Santiago, que escreve a história de sua vida. Dessa forma o romance funciona como uma autobiografia de um homem já envelhecido que tenta preencher sua solidão com a recordação de um passado de que nunca se distancia verdadeiramente, pois fora marcado pelo sofri-mento pessoal.

O tempo é cronológico, apresenta-se como referência o ano de 1857, no mo-mento que José Dias sugere a D. Glória a necessidade de apressar a ida de Benti-nho para o seminário. Em 1858, BentiBenti-nho vai para o seminário. Em 1865, BentiBenti-nho e Capitu casam-se. Em 1872, Bentinho e Capitu separam-se. Observando melhor es-sas datas, percebe-se que, entre a ida de Bentinho para o seminário e o casamento, decorrem sete anos, entre este último e a separação mais sete anos. Se tomarmos em conta essa “suposta coincidência”, percebe-se que cada período forma um ciclo completo, sendo o principal deles: ascensão, plenitude e declínio ou morte do senti-mento amoroso.

Porém, não é a cronologia que predomina na obra. O mais importante para o narrador não é ação, mas a reflexão sobre os fatos que são narrados a partir das memórias de Bentinho.

O espaço da narrativa é o Rio de Janeiro. O narrador leva o leitor em sua tra-jetória pelos bairros e ruas do Rio, desde o Engenho Novo, onde escreve sua obra, até a Rua de Matacavalos, onde passou sua infância e conheceu Capitu. É interes-sante lembrar, que as duas casas amarram-se novamente num círculo perfeito, já que a do Engenho Novo foi construída à semelhança da casa de Matacavalos. A tentativa do narrador de atar as duas pontas da vida parece funcionar não apenas na ligação entre o presente e o passado, mas também na própria estrutura da obra. As personagens são apresentadas a partir das descrições de seus dotes físi-cos. Portanto, a descrição é funcional, típica do Realismo. As personagens são: Ca-pitu, Bentinho, Escobar, Sancha, Tio Cosme, Tia Justina, Dona Glória, José Dias,

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senhor Pádua e dona Fortunata, padre Cabral, Ezequiel, Pedro Santiago (pai de Bentinho).

Capitu, "criatura de 14 anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo,... morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo... calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos".(ASSIS, 1992, p.25) Personagem que tem o poder de surpreender: "Fiquei aturdido. Capitu gostava tanto de minha mãe, e minha mãe dela, que eu não podia entender tamanha explosão".(ASSIS,1992, p.32). Segundo José Dias, Capitu possuía "olhos de cigana oblíqua e dissimulada”,(ASSIS, 1992,p.46), mas para Bentinho os olhos pareciam "olhos de ressaca"; "Traziam não sei que fluido misterioso e energético, uma força que arrastava para dentro, com a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca" (ASSIS,1992, p.55). A personagem é pintada leviana, fútil, a que desde pequena só pensa em vestidos e penteados, a que tinha ambições de grandeza e luxo.

Bentinho, também protagonista, que ocupa lugar de uma espécie de anti-herói, não pretendia ser padre como determinara sua mãe, mas tencionava casar-se com Capitu, sua amiga de infância. Um fato interessante é que os planos, para não entrar no seminário, eram sempre elaborados por Capitu. Na velhice, momento da narração, era um homem fechado, solitário e triste. As lembranças de um passado triste e doloroso tornaram-no um indivíduo de poucos amigos. Desde menino, foi sempre mimado pela mãe, pelo tio Cosme, por prima Justina e pelo agregado José Dias. Essa superproteção tornou-o um indivíduo inseguro e dependente, incapaz de tomar decisões por conta própria e resolver seus próprios problemas. Essa insegu-rança foi, sem dúvida, um dos geradores do ciúme e da suspeita de adultério que estragaram sua vida.

As personagens secundárias são descritas pelo narrador conforme seu paren-tesco e suas opiniões, como por exemplo, Dona Glória, mãe de Bentinho, que dese-java fazer do filho um padre, devido a uma antiga promessa, mas, ao mesmo tempo, desejava tê-lo perto de si, retardando a sua decisão de mandá-lo para o Seminário. Portanto, no início encontra-se como opositora, tornando-se depois, adjuvante. Também aparece Tio Cosme, irmão de Dona Glória, advogado, viúvo, "tinha escritó-rio na antiga Rua das Violas, perto do júri... trabalhava no crime"; "Era gordo e pesa-do, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos". (ASSIS, 1992, p.17). Ocupa

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uma posição neutra: não se opunha ao plano de Bentinho, mas também não intervi-nha como adjuvante. Outra personagem é José Dias, agregado, "amava os superla-tivos", "ria largo, se era preciso, de um grande riso sem vontade, mas comunicativo... nos lances graves, gravíssimo", "como o tempo adquiriu curta autoridade na família, certa audiência, ao menos; não abusava, e sabia opinar obedecendo", "as cortesias que fizesse vinham antes do cálculo que da índole". (ASSIS, 1992, p.14). Tenta, no início, persuadir dona Glória a mandar Bentinho para o seminário, passando-se, de-pois, para adjuvante. Vestia-se de maneira antiga, usando calças brancas engoma-das com presilhas, colete e gravata de mola. Teria cinquenta e cinco anos. Depois de muitos anos em casa de dona Glória, passou a fazer parte da família, sendo ou-vida pela velha senhora. Não apenas cuidava de Bentinho como o protegia de forma paternal.

Prima Justina, prima de dona Glória, muito egoísta, ciumenta e intrigante. Vi-úva, e segundo as palavras do narrador: "vivia conosco, por favor, de minha mãe, e também por interesse", "dizia francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo, e a Paulo o que pensava de Pedro". (ASSIS, 1992, p.18). Pedro de Albuquerque Santia-go, falecido, era o pai de Bentinho. A respeito do pai o narrador coloca: "Não me lembro de nada dele, a não ser vagamente que era alto e usava cabeleira grande; o retrato mostra uns olhos redondos, que me acompanham para todos os lados...”.

Pedro de Albuquerque Santiago, falecido, era o pai de Bentinho. A respeito do pai o narrador registra: "não me lembro de nada dele, a não ser vagamente que era alto e usava cabeleira grande; o retrato mostra uns olhos redondos, que me acom-panham para todos os lados...”. (ASSIS, 1992, p.18).

Sr. Pádua e Dona Fortunata, pais de Capitu. O primeiro, "era empregado em repartição dependente do Ministério da Guerra" e a mãe "alta, forte, cheia, como a filha, a mesma cabeça, os mesmos olhos claros”. (ASSIS, 1992, p.28) Jamais se opuseram à amizade de Capitu e Bentinho.

Padre Cabral, é um personagem importante no que diz respeito às críticas machadianas na obra. O personagem aprova a solução para o caso de Bentinho se a mãe do menino sustentasse outro estudante, que quisesse ser padre, no Seminá-rio, teria cumprido à promessa.

Escobar, amigo de Bentinho, seminarista, "era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos,... como tudo". (ASSIS, 1992, p.72) Ezequiel Es-cobar foi colega de seminário de Bentinho e, como este, não tinha vocação para o

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sacerdócio, casou-se com Sancha, melhor amiga de Capitu. Gostava de matemática e do comércio. Quando saiu do seminário, conseguiu dinheiro emprestado de dona Glória para começar seu próprio negócio. Morreu afogado depois de enfrentar a res-saca do mar e, portanto, é o acusado que não pode se defender.

Sancha, companheira de Colégio de Capitu, que mais tarde casa-se com Es-cobar.

Ezequiel, filho de Capitu e Bentinho. Tem o primeiro nome de Escobar. Quan-do pequeno, imitava as pessoas. Vai para a Europa com a mãe, estuQuan-dou antropolo-gia e mais tarde volta ao Brasil para rever o pai. Morre na Ásia de febre tifoide.

Todos os elementos da narrativa são amarrados para a construção de uma espécie de discurso de acusação. Nesse sentido, Bentinho narrador, exerce a fun-ção de narrador, construindo seu discurso, por meio de suas habilidades de advoga-do, com a própria subjetividade.

3.1.2 Análise estrutural de Amor de Capitu de Fernando Sabino

A obra Amor de Capitu, faz uma leitura fiel de Dom Casmurro, expondo os mesmos fatos, suprimindo, apenas alguns capítulos da obra original por se tratar de digressões do narrador Bentinho.

A narrativa inicia-se pela infância de Bentinho; o namoro, entre o protagonista e Capitu; as angústias do seminário, a amizade entre Bento e Escobar; a influência de José Dias na mudança da promessa que tornaria Bentinho padre; o casamento de Sancha e Escobar; o casamento de Bento e Capitu; o nascimento da filha de Sancha e Escobar; o nascimento de Ezequiel; a morte de Escobar; o ciúme e as desconfianças de Bentinho; a possível semelhança entre Escobar e Ezequiel; a se-paração de Capitu e Bentinho; a morte de Capitu; a morte de Ezequiel; a velhice de Bentinho; a escritura do livro.

Todos os fatos são narrados com fidelidade à obra original, inclusive com a manutenção da ordem cronológica e também, da linguagem utilizada por Machado de Assis, suprimindo-se apenas alguns termos que caíram completamente em desu-so e não fazem mais sentido para a época atual, como por exemplo, “lábios” em vez de “beiços”; “rosto” em vez de “cara”; “é verdade” em vez de “é deveras”, entre ou-tros.

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As personagens também são fiéis à obra original. A diferença está no posicio-namento do narrador que nos apresenta as personagens de uma forma tal como ele as observa, sem a interferência direta de suas percepções, como acontecia em Dom Casmurro. Desse modo, as personagens e seus valores são observados pelo narra-dor-personagem Bentinho, que sugere aos leitores suas próprias percepções sobre a vida e a personalidade das personagens. Os leitores só podiam conhecer os fatos e as respectivas personagens pela voz do narrador Bentinho, que por ser persona-gem também, poderia interferir na interpretação dos fatos narrados.

Em Amor de Capitu, com o narrador em terceira pessoa, pode-se observar e interpretar o posicionamento das próprias personagens. O autor, reescrevendo a obra em terceira pessoa, dá às personagens a liberdade de expressarem-se por si mesmas, bem como conferir maior autonomia aos leitores para tirarem suas próprias conclusões dos acontecimentos narrados e dos comportamentos expressados pelas personagens.

O tempo e o espaço da narrativa também são colocados como os mesmos da obra original, ou seja, há a permanência da ordem cronológica dos fatos. Porém, suprime a interferência do tempo psicológico, uma vez que as ações predominam sobre a reflexão. A narrativa inicia-se pela infância da personagem central, passan-do pela sua apassan-dolescência e fase adulta até culminar em seu envelhecimento. Benti-nho assiste a todo o desenrolar dos fatos; o amadurecimento, a velhice e a morte de todas as personagens, sendo a “testemunha ocular” de todos os fatos.

O espaço narrado é o mesmo da obra escrita em 1888, ou seja, o cenário é a cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil. A obra mantém a expressividade artística e cultural da cidade do Rio de Janeiro do século XIX que ditava as regras e os cos-tumes da sociedade brasileira da época.

As temáticas expostas na obra também são as mesmas do texto original, permanecendo todo o conflito gerado por Bentinho em Dom Casmurro. O amor de infância entre Bento e Capitu; o afastamento do seminário; a amizade com Escobar; o ciúme doentio de Bentinho por Capitu; a possibilidade da traição de Capitu e Es-cobar são algumas das temáticas que se colocam como principais para o desenrolar do romance.

A questão do ciúme e da traição ainda são os temas principais e que condu-zem todo o enredo da narrativa. Por mais que a narração seja feita em terceira pes-soa, fica-se expressamente notável a influência da personagem Bentinho

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conduzin-do a interpretação e o direcionamento conduzin-dos fatos. Assim, a narrativa ainda é conduzi-da no sentido de acusação conduzi-da personagem Capitu, como quem verconduzi-dadeiramente agiu de forma infiel e leviana.

Portanto, a maior contribuição de Fernando Sabino reside na arquitetura do narrador que, apesar de passar para terceira pessoa, não muda o desfecho da histó-ria. É o que se passa a analisar na próxima parte do presente trabalho.

3.2 A sequência narrativa nas obras

Para Sant’Anna, 1973, existem dois modelos de narrativa, a de estrutura sim-ples e a narrativa de estrutura complexa, sendo a última àquela que foge às regras da ideologia e do mítico, vai além do que parece real, tem sentido conotativo. Por isso, a mudança de narrador de primeira para terceira pessoa é de suma importân-cia para análise comparativa das obras em estudo. Assim, a narrativa complexa de Dom Casmurro foge dos padrões tradicionais, pois Machado de Assis procura mudar o sentido da história no romance. O que interessa, de fato, na obra não é evolução das ações, mas as revelações que vão sendo construídas por meio do discurso do narrador. Por essa utilização do romance complexo, o autor é considerado um antir-romântico, como já afirmado em seção anterior. O final da história contraria o espe-rado pelo leitor, pois foge aos conceitos dos romances tradicionais. No caso de Dom

Casmurro, o objetivo de Bentinho era “atar” as duas pontas de sua vida, porém não

o concretiza.

Já foi visto que, em Dom Casmurro, temos um texto com características psi-cológicas. Então, além de uma narrativa complexa, tem-se uma narrativa de memó-ria e, assim, uma narrativa não linear: a memómemó-ria não é ordenada cronologicamente, mas obedece a determinados sentimentos que despertam sensações “perdidas” no subconsciente:

Contando aquela crise do meu amor adolescente, sinto uma coisa que não sei se explico bem, e é que as dores daquela quadra, a tal ponto se espiri-tualizaram com o tempo que chegam a diluir-se no prazer. Não é claro isto, mas nem tudo é claro na vida ou nos livros. A verdade é que sinto um gosto particular em referir tal aborrecimento, quando é certo que ele me lembra outros que não quisera lembrar por nada (ASSIS, 1992, p. 110).

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Assim, à medida que a memória segue seu curso, lembranças surgem e, com elas, reflexões. E essa estrutura marcará a não linearidade do texto de Machado, que se tornou tão particular em toda sua obra.

Ao contrário do texto de Machado de Assis, a estrutura psicológica não se re-pete em Sabino e a narração em terceira pessoa favorece a linearidade do texto. Tem-se uma história com princípio, meio e fim bem explícitos. O narrador é oniscien-te neutro, portanto, intrusões e comentários gerais estão ausenoniscien-tes. O oniscien-texto segue um fluxo contínuo: vê-se Bentinho adolescente lutando para sair do seminário, de-pois, Bentinho já bacharel em direito casando-se com Capitu e, finalmente, um Ben-tinho já amadurecido corroído pela dúvida do adultério.

3.3 O papel do narrador e seus ângulos de visão

Ao analisar a obra de Machado de Assis, Dom Casmurro, observa-se que a narrativa é desenvolvida em primeira pessoa, tendo como narrador-personagem Bentinho. O fato de Bento ser o narrador faz com que a narrativa assemelhe-se com uma autobiografia. Bento resgata, em sua memória, fatos acontecidos no passado, mas, ao fazer tal retomada no presente, transforma a narrativa em algo não linear, ou seja, uma narrativa fragmentada, digressiva. Machado de Assis, ao criar Bento, transfere ao personagem uma estrutura diferenciada de personagens comuns nos romances convencionais.

O romance é construído através das personagens, principalmente por Bento Santiago que narra a história segundo seu ângulo de visão. A narrativa de Bento é o grande diferencial para o enredo do romance, pois é baseado em fatos narrados a-través de flashbacks e suposto indícios de traição. Assim, a narrativa de Bento, pcura convencer que Capitu é culpada. Por isso, pode-se dizer que a estrutura do ro-mance machadiano influencia diretamente a opinião do leitor, uma vez que, em pri-meiro momento, o narrador-personagem coloca-se em um ângulo neutro de visão para contar os fatos, atitudes, situações, sem passar uma opinião própria dos acon-tecimentos.

Em um segundo momento, o narrador-personagem opõe-se a esse ângulo de reconstrução do passado, demonstrando toda sua infelicidade e desilusão. Ele expõe os fatos, faz análises, mas não consegue total evidência em suas reflexões

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nem tampouco comprovar de modo contundente sua hipótese acerca da traição. O leitor, após suas reflexões, é que fará a interpretação dos fatos, pois o romance não apresenta elementos concretos que possam demonstrar a veracidade das acusa-ções de Bento em relação à Capitu.

Segundo Cândido, 1995, o essencial do romance, não é a personagem, mas sim a construção estrutural do romance. Portanto, o romance se baseia em uma re-lação entre o ser vivo e o ser fictício, manifestada através da personagem, que é a concretização deste. A personagem é a representação do ser vivo, porém, dentro de um plano imaginário construído pelo romancista. Desse modo, pode-se afirmar que a construção do romance é dada através da construção da personagem. O romance é norteado pela personagem que assume determinando papel dentro da história nar-rada construindo assim a estrutura do romance. Conforme Cândido, 1995, o escritor pode colocar em suas personagens todo o teor vital desejado, caracterizando-as como seres complexos, contraditórios, indecisos, complicados, intrigantes, entre ou-tros. Foi o que Machado de Assis fez ao criar Bento, sendo este, um sujeito precon-ceituoso, ingênuo, cheio de manias, mimado pela mãe tornando-se inseguro e ex-tremamente ciumento.

Diante de tantas indagações e suspeitas sobre o enredo da obra de Dom Casmurro, Fernando Sabino, recria a mesma obra, sem o narrador em primeira pes-soa. A nova obra é apresenta com o narrador em terceira pessoa, eliminando, as-sim, as intervenções de Bento Santiago que conta a história, segundo seu ângulo de visão na obra original.

Ao reescrever a obra de Machado de Assis, Sabino não foi atraído pela su-posta infidelidade da personagem principal, mas tentou descobrir se a dúvida teria sido premeditada pelo autor, através de um narrador evasivo, inseguro, ingênuo, preconceituoso e casmurro como o apelido que assumiu para si mesmo. Pode-se perceber a postura de Sabino em relação à possível traição de Capitu, pois ele tenta dar voz à personagem injustiçada por Machado de Assis, que não lhe permitiu de-fender-se frente às acusações de traição.

Assim, nessa recriação, percebe-se em Sabino a necessidade de conferir voz à personagem feminina citada ou dar aos leitores a responsabilidade de verificação dos fatos, sem a interferência do narrador em primeira pessoa.

Outro aspecto importante que se observa é a utilização do discurso indireto li-vre em Amor de Capitu, para expor as sensações de Bentinho (por vezes, é difícil

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identificar com clareza a quem pertencem às considerações): “Com que então ele amava Capitu, e Capitu o amava! Realmente, andavam sempre juntos, mas não lhe corria nada que fosse secreto entre os dois.” (SABINO, 2004, p.19); “Não, ele não sabia a que comparar aqueles olhos de Capitu. Olhos de ressaca? Isso mesmo, de ressaca: é o que lhe dava ideia aquela feição nova”. (SABINO, 2004, p.53).

Sabino, além de fazer uma homenagem ao escritor, Machado de Assis, pro-cura desfazer um dos mistérios mais famosos da ficção brasileira, ou seja, a traição de Capitu. Para desfazer esse mistério, Sabino resolveu escrever uma narrativa em terceira pessoa para tentar obter imparcialidade em relação às questões ensejadas na narrativa (o ciúme exacerbado de Bentinho; a possível traição de Capitu; as se-melhanças físicas entre Escobar e Ezequiel, entre outras).

Embora o narrador Bento se distancie dos fatos narrados, Sabino, em sua a-presentação ao seu romance, afirma que Capitu poderia ser considerada culpada, uma vez que há indícios que comprovam isso, como, por exemplo, o filho Ezequiel se parecer com Escobar e também possuir o mesmo nome. Outro exemplo, quando Escobar morre, Capitu desespera-se e não esconde a dor e a tristeza ao compare-cer em seu funeral. Por isso, a dúvida da traição continua também na narrativa de Sabino. A narrativa em terceira pessoa não desfaz a dúvida que paira sobre a fideli-dade de Capitu. Isso acontece por que Sabino preserva o mesmo enredo da obra original, ou seja, a história continua a ser contada sob o ângulo de visão de Bento.

Segundo Norman Friedman (1989) pode-se classificar a figura do narrador Bentinho, na obra Dom Casmurro, como narrador protagonista, uma vez que, base-ando-se em sua teoria, é a personagem central que não tem acesso ao pensamento das demais personagens. Já em Amor de Capitu, tem-se um narrador onisciente neutro: a história é narrada em terceira pessoa e, apesar da onisciência do narrador, percebe-se que ele não penetra no íntimo de todas as personagens. Tem-se, portan-to, um narrador onisciente e um não onisciente, respectivamente.

Verifica-se, então, como esse fator pode influenciar na obra.

Segundo Fábio Lucas, em Dom Casmurro: “O titular da fala é Bentinho. Por sua voz é que identificamos as demais personagens, incluindo-se a própria Capitu [...]. O cerne, pelo visto, constitui o ponto de vista do narrador [...]” (LUCAS, 1992, p. 5). Pode-se dizer que as personagens são conhecidas através das descrições de Bento que narra à história.

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Assim, segundo a teoria de Bakhtin, 1988, a pessoa que fala no romance é determinada pela sua linguagem, ou seja, o modo de expor suas ideias. Bakhtin a-firma ainda que, o autor do romance poderá compor o discurso de suas persona-gens conforme seu desejo de criação, porém, a linguagem utilizada será ponto es-sencial para a verdade do personagem.

Desse modo, Machado de Assis, insere em seu personagem Bentinho uma linguagem diferenciada, no qual indaga, supõe acontecimentos e chega a levar o leitor a concordar com suas opiniões. Bentinho, de um modo particular, além ser um narrador protagonista, ainda tem um forte poder de persuasão diante dos fatos ocor-ridos. Já na velhice, profundamente desiludido com sua existência e vazio de si mesmo, decide reatar o fio da sua vida através de uma narrativa de memória. Corro-ído pela angústia da traição, tece um texto no qual o leitor conhece os fatos pelo seu testemunho unicamente. Advogado que era, mostra os fatos pelo seu ponto de vista, convencido e tentando convencer seu interlocutor da “verdade”. Porém, nesse tribu-nal, Capitu não ganhou o direito de defesa: ou seja, temos apenas uma visão parcial da realidade.

Assim, Bentinho constitui-se num narrador pouco confiável. Ele tenta conven-cer sobre aquilo que narra, mas os leitores, não sabem se seu testemunho é verda-deiro, por ser unilateral e extremamente pessoal. Por ser protagonista, não há onis-ciência; o centro da narrativa é fixado em si mesmo.

Em Amor de Capitu, encontra-se outro enfoque. O leitor já tem sua atenção aguçada a partir do título, ao passo que no romance de Machado de Assis o título está centrado em Bentinho, na “recriação” de Sabino o foco cai em Capitu. Aqui, o narrador já não será mais em primeira, mas em terceira pessoa. O narrador de Dom Casmurro quer convencer, o de Sabino mantém-se à distância. Porém, é interessan-te ressaltar que, apesar de poder caracinteressan-terizar o narrador de Sabino como oniscieninteressan-te neutro, sua narrativa não é tão neutra assim. Ele se limitou ao âmbito da visão do próprio Bentinho – como revela neste testemunho:

a narrativa na terceira pessoa, por mim empreendida, não empresta neces-sariamente ao relato condições de conhecimento do que se passa no íntimo de todos os personagens. O método escolhido, embora na terceira pessoa, foi em máxima parte o de centralizar o relato no testemunho de apenas um deles. [...] Assim, procurei reviver os acontecimentos do livro a partir do mesmo ângulo do narrador original [...] (SABINO, 2004, p. 232).

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Logo, mesmo no romance de Sabino, o ângulo de visão é relativo: embora não tenha mais Bentinho como titular da fala, mesmo assim, tem-se uma narrativa ajustada ao seu foco; embora tenha uma narrativa em terceira pessoa, o íntimo de todas as personagens não será desnudado. E, assim como em Dom Casmurro, aqui também não se tem a voz de Capitu: ainda neste tribunal ela não ganhou o direito de defesa. O próprio Sabino declara, na Apresentação, sua crença na culpa de Capitu: “O que sempre me atraiu neste romance admirável não foi a intrigante e, todavia ób-via infidelidade da personagem principal” (SABINO, 2004, p. 8). No entanto, não ex-plicita isso em seu romance.

Assim, tem-se a impressão que o narrador de Sabino é onisciente, porém como Sabino opta por manter o texto de Machado integral em termos de conteúdo, não acrescentando nenhum elemento de ficcionalidade. O narrador só revela Pen-samentos de Bentinho e não dos outros personagens, como no exemplo da cena do primeiro beijo de Capitu e Bentinho. Em narração original:

grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se rápida, eu recuei até a pa-rede com uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros.Quando eles me clarearam, vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua. (ASSIS, 1992, p.57).

Observa-se que Bentinho não tem conhecimento da sensação íntima de Capi-tu; ele relata apenas suas atitudes externas: ele sabe que ela ergueu-se rapidamen-te e fitou seu olhar no chão, mas não conhece o verdadeiro efeito inrapidamen-terno provocado nela pelo beijo. Já suas próprias sensações descritas são íntimas: ele relata sua ver-tigem, seus olhos escuros e sua mudez momentânea. Por ser narrador-protagonista, não alcança a intimidade dos outros personagens.

Nessa mesma cena, Sabino, mesmo narrando em terceira pessoa, não reve-lará a intimidade de Capitu. Aqui, sua onisciência traz à luz apenas a sensação in-terna de Bento. O narrador se coloca na periferia dos acontecimentos, centrando-se na visão original do narrador Dom Casmurro:

Grande foi a sensação do beijo. Capitu ergueu-se, rápida, ele recuou até a parede com uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando clarearam, viu que Capitu tinha os seus no chão. Não se atreveu a dizer na-da: ainda que quisesse, faltava-lhe voz (SABINO, 1999, p. 55).

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Nota-se que também aqui a reação descrita de Capitu é apenas externa: ela ergue-se se rapidamente e fita o olhar no chão; e as de Bentinho, internas: a mesma vertigem, os mesmos olhos escuros e a mesma mudez momentânea. Em Dom Casmurro, o narrador é um personagem. Bentinho vivenciou os fatos narrados e se sente traído. Mais que reviver o que viveu, ele pretende iluminar a culpa de Capitu. Talvez mais do que isso ainda: através de uma narrativa de memória, na qual o de-sejo evidente era “atar as duas pontas da vida”, Bento tenta entender-se e encon-trar-se consigo mesmo, refletindo, o que faz seu texto assumir uma estrutura psico-lógica – como considera Fábio Lucas: “Vale dizer que a confissão literária é o veícu-lo atravessado pela reflexão da personagem sobre si mesma” (LUCAS, 1992, p. 6).

Essa estrutura psicológica do texto literário tornou-se, posteriormente, algo próprio da modernidade. O exemplo maior que se pode ilustrar na literatura brasileira do século XX está, seguramente, em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.

Riobaldo, também na velhice, tece uma narrativa de memória com um supos-to interlocusupos-tor, refletindo sobre supos-toda sua existência até a morte de Diadorim – bus-cando, evidentemente, um significado para si mesmo e a vida: “E me cerro, aqui, mire e veja. Isto não é o de um relatar passagens de sua vida, em toda admiração. Conto o que fui e vi, no levantar do dia. Auroras” (ROSA, 1986, p. 538).

Esse processo psicológico é importante, pois, o fim evidente da psicoterapia é levar o paciente a encontrar-se consigo mesmo, achar um ponto de equilíbrio no seu âmago através da memória de fatos passados. O paciente, na busca de sua organi-zação mental, relembra fatos, muitas vezes, traumatizantes, dando voz à sua memó-ria e somente à sua memómemó-ria. Nesse método, vale apenas o que o paciente diz: é através da voz da sua memória que ele tenta reconstruir-se.

Ora, de outra forma não age Bentinho em Machado de Assis. Na tentativa de encontrar-se consigo mesmo, de “atar as duas pontas da vida”, ele precisa refletir sobre todo o passado e concluir que em tudo fora uma vítima do destino. Assim, es-se fato torna-o um narrador pouco confiável. Ele precisa libertar-es-se do es-sentimento de culpa e, para isso, dialoga apenas com sua consciência – que quer Capitu culpada:

O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. 1: “Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”. Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu

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meni-na, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca (ASSIS, 1992, p. 183-84).

É fácil notar nesse fragmento um descuido da consciência de Bentinho. O verso citado por ele corrobora essa suposição: é como se a dúvida estivesse ecoan-do em seu pensamento: “Será que fui realmente traíecoan-do ou foi meu ciúme ecoan-doentio que me fez deturpar a realidade” (ASSIS, 1992, p.172) Ele prefere crer que não. Capitu e Ezequiel já estão mortos e não há como voltar atrás. Nesse duelo da sua consciên-cia, a necessidade fala mais alto: é melhor concluir que Capitu sempre fora a mesma “cigana oblíqua e dissimulada” desde a infância.

Seguramente, o texto de Amor de Capitu, por estar em terceira pessoa não assumirá essa característica psicológica. Ao contrário do narrador de Dom Casmur-ro, o narrador aqui não será um personagem. Portanto, ele não viveu os fatos narra-dos, nem se sente traído. Não há nele a necessidade de libertar-se de algum senti-mento de culpa. Como narrador onisciente, ele apenas expõe os fatos. Porém, como já dito, Sabino optou por narrar do mesmo ângulo de visão de Bentinho. E, como no texto original temos conhecimento apenas dos seus pensamentos e sentimentos, o mesmo conflito interior do final de Dom Casmurro aparecerá em Amor de Capitu:

Restava saber se a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou esta foi mudada naquela em consequência de algum procedi-mento seu [de Bentinho]. O corria-lhe um trecho da Bíblia: “Não tenhas ciú-mes de tua mulher, para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”. Mas acreditava que não era isso: lembrava- se de Capi-tu menina, tinha de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fru-ta dentro da casca (SABINO, 1999, p. 227).

Percebe-se presente acima o mesmo duelo interno apresentado em Dom Casmurro. Apesar de não se poder afirmar que o texto de Sabino assuma uma es-trutura psicológica, contudo, o processo psicológico permanece no interior do perso-nagem central. Há o mesmo conflito de vozes, o que torna a narrativa de Fernando Sabino também pouco confiável.

Então, conclui-se que a posição de ambos os narradores é unilateral, fixada em apenas um ângulo de visão. Ambos querem a condenação de Capitu. Bentinho porque se sente traído e também porque não suportaria carregar dentro de si para sempre o peso de uma injustiça; o narrador de Sabino porque só revela o testemu-nho de Bento – e esse lhe parece verossímil.

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