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AGRICULTURA FAMILIAR: UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL 1

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1 AGRICULTURA FAMILIAR: UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL1

Indaia Dias Lopes Doutoranda no Programa de Pós-graduação em História da Universidade de Passo Fundo (PPGH/UPF); Bolsista Fundação Universidade de Passo Fundo. E-mail: indaia_lopes@yahoo.com.br Resumo: O objetivo deste artigo é discutir o conceito de agricultura familiar e as abordagens realizadas acerca desta terminologia a partir de diferentes autores. Trata-se de uma pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa dos dados coletados por meio de livros, artigos científicos e legislação. A terminologia agricultura familiar se consolidou no Brasil na década de 1990, abarca diversas identidades e caracteriza-se como um segmento onde existe interligação entre unidade familiar e unidade de produção, onde a principal fonte de renda provém da agricultura. A discussão apresentada neste estudo permite compreender historicamente a agricultura familiar enquanto sujeitos que vivenciaram diversas mudanças no meio rural e buscaram se adaptar à realidade social e econômica de cada período.

Palavras-chave: Camponês; Colono; Agricultor familiar.

Introdução

A agricultura familiar possui importante papel para as diferentes regiões brasileiras, perpassando aspectos econômicos, produtivos, produção de ecossistemas e dinâmicas sociais e culturais. Em regiões onde há o predomínio dos modos de produção familiar e camponês, em comparação a locais onde a agricultura patronal é predominante, identifica-se significativos avanços em termos de capital social e desenvolvimento territorial (STROPASOLAS, 2017).

No Brasil, a agricultura familiar corresponde a 77% dos estabelecimentos agropecuários e ocupa 80,9 milhões de hectares de área, representando 23% do total de estabelecimentos rurais do país. Tal segmento contribui para a agropecuária do país com 23% de toda a produção agropecuária (IBGE, 2017), refletindo assim a importância desta categoria social. Assim, justifica-se a escolha desta temática.

O conceito de agricultura familiar representa um importante avanço para este segmento e o reconhecimento por parte do Estado com a implementação de uma legislação própria2. Porém, requer um significativo esforço, pois esta terminologia abarca inúmeras identidades e atores sociais presentes no meio rural, tais como indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, assalariados rurais, dentre outros, que vem buscando

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação Universidade de Passo Fundo (FUPF).

2 Para fins de política pública para a agricultura familiar, a Lei nº 11.326/2006 contempla a definição de

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2 conquistar seu espaço e a utilização de uma terminologia abrangente também pode prejudicar a visibilidade desses sujeitos (BERGAMASCO; DELGADO, 2017).

Diversos estudos3 vêm discutindo e abordando os diferentes conceitos sobre o agricultor familiar e a importância desta categoria social para o desenvolvimento da agricultura brasileira e para o abastecimento de alimentos no país. Neste contexto, o objetivo deste trabalho é discutir conceito de agricultura familiar e as abordagens realizadas acerca desta terminologia a partir de diferentes autores, contribuindo para a historiografia acerca desta temática e para o avanço das discussões já empreendidas por outros estudos.

Este trabalho faz parte da tese da autora, iniciada no ano de 2018 e vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade de Passo Fundo (UPF) e foi organizado com os resultados preliminares da etapa teórico-conceitual do estudo. Quanto ao nível do estudo trata-se de uma pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa dos dados coletados por meio de revisão bibliográfica em livros, artigos e legislação. Os resultados obtidos foram analisados em contraste com a literatura especializada sobre a temática.

Este artigo está organizado em quatro seções, a contar por esta introdução. A seção dois aborda-se o conceito de campesinato. Na terceira seção discorre-se sobre os conceitos de colono. A quarta seção apresenta o conceito de agricultura familiar a partir de diferentes autores. Por fim, segue-se as considerações finais, seguidas das referências.

As diferentes abordagens sobre o campesinato

Em seus estudos sobre o camponês na França e na Alemanha no século XIX, Engels (1981) discute questões relacionadas ao problema do campesinato. A população camponesa a que o autor se refere, caracterizava-se por elementos distintos, que variavam de acordo com as peculiaridades de cada região. Engels (1981, p. 62) caracteriza o pequeno camponês como: “ ... o proprietário ou arrendatário – principalmente o primeiro – de um pedaço de terra não maior do que ele possa cultivar, de modo geral, com sua própria família, nem menor do que possa sustentá-lo e aos familiares”.

Engels (1981) acreditava que o pequeno camponês, devido as mudanças que ocorriam na Europa no período supracitado, estavam destinados a desaparecer. Diversos estudos desenvolvidos com origem em teorias marxistas, principalmente na década de

3 Ver: Lamarche (1993; 1998); Wanderley (2009); Motta (2010); Schneider (2016); Delgado e Bergamasco

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3 1970 e 1980, baseavam-se também em aspectos negativos da pequena produção e acreditavam que esse modelo de produção estava em vias de desaparecer com o avanço do capitalismo no meio rural (PICOLOTTO, 2014).

Motta (2010) considera que o termo camponês necessita um enorme esforço de conceituação, visto que há uma ampla bibliografia sobre esta temática. A autora relata que uma vertente da literatura compreende o fenômeno do campesinato como algo datado historicamente e determinado em função da localização geográfica, citando como exemplo o agricultor parcelar europeu. Por outro lado, outra parcela da literatura defendia que ocorreria o fim do camponês com avanço do capitalismo, como exposto por Engels (1981), ocorrendo a divisão das classes rurais em proletários e burgueses. O campesinato não desapareceu e, segundo Motta (2010), esta categoria ainda persiste nas sociedades modernas.

Considerando a diversidade de definições acerca do camponês, Motta (2010) destaca que é possível elencar algumas características comuns e que estão interligadas. O camponês é o sujeito que possui uma parcela de terra para produzir e, tal produção é assentada na força de trabalho da família. Assim, a unidade camponesa, sendo familiar, é também unidade de produção e de consumo. Nesse sentido, a autora aponta que alguns autores utilizam um ou alguns desses elementos, adicionando ou extraindo outros também.

Wanderley (2009, p. 40) também considera a centralidade da família como característica principal do campesinato, assim, nas palavras da autora: “entendido como uma forma social particular de organização da produção, o campesinato tem como base a unidade de produção gerida pela família”.

Discorrendo sobre a concentração de terra na história agrária brasileira, Guimarães (1982, p. 299) explica que:

O campesinato brasileiro, como classe, formou-se posteriormente à implantação do sistema latifundiário, às vezes com o seu consentimento, como no caso dos núcleos coloniais; às vezes à sua revelia, como no caso das posses; às vezes por sua iniciativa e conveniência, como irá acontecer, já no presente século, em São Paulo. Aí, foram os próprios fazendeiros de café que, numa tentativa de evitar as fugas de colonos, durante a virada do século, instalaram uns poucos grupos de proprietários, na intenção de que se formassem com eles uma força de reserva para os trabalhos ocasionais da lavoura. “É preciso fixar o imigrante ao solo – dizia o relatório do Ministro da Agricultura em 1901 – mas é preciso fazer isto de modo a deixá-lo à disposição da grande lavoura quando ela tiver necessidade de seus braços”.

Segundo Wanderley (1996, p. 12), historicamente o campesinato brasileiro é marcado pela luta dos camponeses para ter acesso ao mercado e por diversas derrotas nos

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4 embates vivenciados. Para a autora, um dos aspectos mais relevantes da luta dos camponeses brasileiros situa-se no esforço realizado para constituir um “lugar de vida e de trabalho, capaz de guardar a memória da família e de reproduzi-la para as gerações posteriores”.

Seyferth (2011) observa que campesinato e camponês são palavras indispensáveis, uteis, porém difíceis de conceituar tendo em vista a diversidade do universo empírico em que estão inseridas. Assim, a autora destaca que:

... a economia camponesa não pode ser vista apenas como resquício de um passado précapitalista, conforme o postulado de pesquisadores que preferiram situar o “verdadeiro” camponês no sistema de servidão medieval. A multiplicidade dos dados empíricos mostra que ela se insere no sistema mundial de modo específico e a partir de suas próprias demandas (SEYFERTH, 2011, p. 400).

Existe uma diversidade de terminologias que identificam o campesinato brasileiro, tais como: “bóias-frias”, trabalhador rural, agricultor familiar e também termos com maior historicidade, como: caboclo, meeiro, foreiro, sitiante e, mais recentemente, além dos “sem-terra”, surgiram os quilombolas. Além disso, é necessário considerar também aqueles que se enquadram no conceito de trabalhador-camponês, o que pode ser verificado em muitas regiões no Sul do Brasil. Este trabalhador-camponês pode ser caracterizado por deter uma pequena parcela de terra, associado ao trabalho assalariado com deslocamento temporário ou diário (SEYFERTH, 2011).

Há, contudo, na percepção de Carrara (2008), uma característica fundamental ao modo de produção camponês e que deve ser considerada ao analisar este conceito, que reside no baixo nível técnico do modo material de produção. Para este autor, o campesinato é um modo de produção específico e sua produção visa o autoconsumo, o que, devido a suas características, se encontra em vias de extinção e está em desconformidade ao pretendido pela Via Campesina4.

Ao elencar algumas características do modelo camponês, Lamarche (1998) define essas unidades de produção como semi-autárquicas, fundamentalmente assentadas na família, ademais, tais produtores consideram-se independentes. Conforme o autor, é importante destacar que unidades de produção camponesas não são sinônimo de unidades de produção de subsistência, mesmo essa função estando presente nesse modelo.

4 A Via Campesina é um movimento camponês importante no cenário mundial recente e vêm ganhando

destaque pelas suas propostas alinhadas principalmente com as temáticas da reforma agrária, soberania alimentar, questões relacionadas a gênero, biodiversidade, direitos humanos e agricultura camponesa sustentável (RIBEIRO, 2013).

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5 De colono a agricultor familiar

No Sul do Brasil, o agricultor familiar se identifica com a autodenominação de colono. Conforme Motta (2010, p. 102), o colono é:

... membro de uma colônia, pequeno proprietário, trabalhador agrícola, principalmente imigrante ou descendente deste. É um camponês típico, caracterizado pela pequena propriedade rural e que se dedica à produção familiar de subsistência e de mercado, normalmente sem utilização de mão de obra externa ao grupo familiar. Eram eles que, embora conduzidos e acompanhados, que realizaram, em última instância, a tarefa de colonizar.

Os imigrantes – alemães e italianos –, no decorrer do século XIX e até meados do século XX, partiam da Europa como camponeses – bauer e contadini, respectivamente – atrelados ao trabalho agrícola. Chegados ao Sul do Brasil, foram instalados em núcleos, denominados de colônias, e gradualmente, assumiram a identidade comum pela qual eram designados – colonos ou kolonist –, como uma oposição ao lavrador nacional5, introduzindo um sistema de produção colonial, baseado no pequeno lote rural, trabalho familiar, produção de subsistência, com a comercialização do excedente, organizados em linhas ou picadas coloniais. Essa estrutura, com algumas variações, predominou nas colônias velhas alemãs e italianas, e foi reproduzida nas colônias novas, na mesorregião noroeste (ROCHE, 1969; GIRON; CORSETTI, 1990)6.

Na prática cotidiana, prevalece o termo colono associado a agricultura familiar, cuja diferenciação ou oposição em relação ao grande proprietário se dá pela designação recente de empresário rural. Nota-se que a base produtiva permanece sendo a camponesa, contudo, a cada época, por demandas legais, identidades múltiplas e relações de alteridade, a terminologia empregada é atualizada, motivada pelas diferentes condições culturais, econômicas e sociais (ROCHE, 1969; THOMPSON, 1998).

O termo colono foi utilizado em um período significativo do século XIX para se referir ao imigrante, e, posteriormente, sendo “apropriado como categoria de identidade

etnizada de acordo com a procedência nacional” (SEYFERTH, 2011, p. 405). Assim,

Seyferth (2011) evidencia que a categoria agricultura familiar, vastamente utilizada tanto no meio acadêmico quanto das políticas públicas brasileiras, ampara o modelo de colonização europeia, tal como ocorreu no Sul do Brasil.

5 Zarth (1997) considera que no sul do Brasil caboclo não pode ser confundido com camponês. Para este

autor, o caboclo é o lavrador nacional, que possui um modo de vida diferenciado, semelhante ao dos indígenas.

6 Os imigrantes, ao estabeleceram-se nas terras concedidas pelo governo brasileiro, primeiramente foram

agricultores e artesãos rurais, como lhes havia sido solicitado, chamados dessa forma de colonos. O colono, explica Roche (1969), era o homem que estava ligado a terra que explorava.

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6 Agricultura familiar: a elaboração de um conceito

Autores como Feíto (2016), Lamarche (1993); Motta (2010); Schneider (2016) e Wanderley (2001) vêm discutindo e conceituando o termo “agricultura familiar”. Pautada nesses estudos e na legislação brasileira, esta seção se propõe a refletir acerca deste termo, contribuindo para o entendimento sobre esta categoria social e o seu papel na sociedade. Assim, a partir do exposto, elaborou-se o Quadro 1 apresentando a definição de diferentes autores para essa expressão.

Quadro 1 – Definição de diferentes autores para a expressão agricultura familiar.

Autor Definição

Lamarche7 (1993) [...] a uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho

estão intimamente ligados à família. A interdependência desses três fatores no funcionamento da exploração engendra necessariamente noções mais abstratas e complexas, tais como a transmissão do patrimônio e a reprodução da exploração.

Wanderley (2001) A agricultura familiar é entendida como aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo.

Brasil (2006) De acordo com a Lei nº 11.326/2006, é considerado agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que exerce atividades no meio rural, cumprindo simultaneamente os requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento [...];IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

Motta (2010) O termo agricultura familiar se referia a segmentos de produtores (modernos) integrados ao mercado pela especialização e sob o uso intensificado de instrumentos de trabalho concebidos sob a lógica da produção industrial. A autora ainda destaca que a agricultura familiar é compreendida enquanto a formas de organização da produção, onde a família detém os meios de produção e, concomitantemente executa as atividades produtivas.

Feíto (2016) A agricultura familiar é um tipo de produção onde a unidade de produção e a unidade familiar estão fisicamente interligadas, tendo na agricultura a principal fonte de renda e onde a força de trabalho é predominantemente familiar.

Schneider (2016) Unidades de trabalho e produção, que em geral trabalham em um pequeno pedaço de terra, quase sempre de propriedade privada (embora não necessariamente), por meio da qual retiram o essencial para alimentar a própria família, mas também para vender, comprar, intercambiar e acumular.

Fonte: Elaboração pela autora a partir de Lamarche (1993); Wanderley (2001); Brasil (2006); Motta (2010); Feíto (2016); Schneider (2016).

As definições de agricultura familiar apresentadas no Quadro 1 evidenciam os esforços e o destaque dos estudos rurais em conceituar a agricultura familiar. Dessa

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7 forma, reconhece-se o agricultor familiar enquanto um segmento ou uma categoria social caracterizada pela interligação entre unidade familiar e unidade de produção, do qual a principal fonte de renda provém do trabalho na agricultura.

Existe uma extensa bibliografia sobre esta temática, porém, Motta (2010) aponta que é necessário considerar as inúmeras significações que esta terminologia possui, e que remete a uma diversidade de situações históricas e socioeconômicas.

Lamarche (1993) entende que as formas de exploração camponesas são familiares, porém, não pode-se considerar todas as formas de exploração familiares como camponesas. Ao realizar um estudo comparado em diferentes países8, o autor identificou que, por exemplo, na França, as explorações familiares são originárias do modelo camponês, enquanto na região de Zaghouan, na Tunísia, as explorações originam-se de um modelo pautado na produção mercantil, com mão-de-obra externa à família. Por outro lado, Lamarche (1993) identificou que no Sul do Brasil, mais especificamente na região de Ijuí9, como resultado do modelo de colonização ocidental diferente, a sociedade agrária atual fundamenta-se no modelo camponês, tal como ocorre em Quebec 10 ou Saskatchewan11.

Em relação as generalizações dos conceitos de camponeses e agricultores familiares, Schneider (2010, p. 111) argumenta que:

... para efeito de sua compreensão teórica e conceitual é preciso distinguir camponeses de agricultores familiares e mostrar que suas características, seu modo de existência e sua forma de reprodução obedecem a características socioculturais e a uma racionalidade econômica que não são análogas. Embora mantenham semelhanças entre si, como a propriedade de um pequeno lote de terra, o uso predominante do trabalho da família na execução das tarefas produtivas, o acesso à terra mediante a herança, a manutenção dos vínculos sociais assentadas em relações de parentesco, entre outras, o traço fundamental que distingue os agricultores familiares dos camponeses assenta-se no caráter dos vínculos mercantis e das relações sociais que estabelecem à medida que se intensifica e se torna mais complexa a sua inserção na divisão social do trabalho, ou seja, é o maior envolvimento social, econômico e mercantil que torna o agricultor familiar, ao mesmo tempo, mais integrado e mais dependente em relação à sociedade que lhe engloba.

Sob outra perspectiva, para compreender a diversidade das formas de produção da agricultura familiar, Ploeg (2006) sustenta que existem duas formações sociais desta categoria, as quais ele intitula de: forma camponesa e forma empresarial. Para este autor,

8 Ver: Lamarche (1993; 1998).

9 O município de Ijuí está localizado na região noroeste do Estado do RS, foi fundado no ano de 1890 com

a denominação de Colônia de Ijuhí, recebendo imigrantes de diferentes países (IBGE, s/d).

10 Quebec localiza-se no Canadá, na América do Norte. 11 Saskatchewan também localiza-se no Canadá.

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8 as principais diferenças entre estas duas formas sociais de agricultura familiar estão nas formas em que a produção, a distribuição e a apropriação de valor estão estruturadas.

O termo agricultura familiar amplia o grupo de sujeitos que se enquadram nesta categoria e permite que se retire a associação de ineficiência e pobreza a esse grupo, ou seja, não é possível afimar que um agricultor familiar é sempre pequeno produtor e pobre (SCHNEIDER, 2016).

A agricultura familiar desempenha um importante papel em todo o mundo, contribuindo para a redução da fome e da pobreza rural através da produção e do desenvolvimento sustentável das áreas rurais. Buscando reconhecer e apoiar a agricultura familiar, a FAO propôs no ano 2011 instituir 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF), ou International Year of Family Farming (IYFF12). Deste

modo, para os propósitos do AIAF, a FAO (2013) buscou algumas características para definir a agricultura familiar:

A agricultura familiar (que inclui todas as atividades agrícolas de base familiar) é um meio de organizar a produção agrícola, florestal, pesqueira, pastoral e aquicultura, que é gerenciada e operada por uma família e depende predominantemente do trabalho familiar, incluindo mulheres e homens. A família e a fazenda estão ligadas, co-evoluem e combinam funções econômicas, ambientais, sociais e culturais.

No nível nacional, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, a Agricultura Familiar (AF) é a forma predominante de agricultura no setor de produção de alimentos. Nesse contexto, o desenvolvimento de modalidades viáveis de agricultura familiar é essencial para a consecução do desenvolvimento sustentável nos sistemas de produção agrícola, florestal e pesqueiro (FAO, 2013, p. 1).

Esta iniciativa da FAO representa o reconhecimento e a importância desta categoria social enquanto produtora de alimentos e destacando suas potencialidades para a segurança alimentar e também para eliminar a pobreza mundial. Neste contexto, o Brasil ocupa papel de destaque enquanto formulador de políticas públicas13 para a agricultura familiar (GRISA, 2017).

Considerações finais

Este trabalho teve como objetivo discutir o conceito de agricultura familiar a partir da perspectiva de diferentes autores. Considera-se neste trabalho a agricultura familiar como uma categoria social a qual possui raízes camponesas, mas entendida no Sul do

12 A iniciativa em lançar um ano dedicado à agricultura familiar, em âmbito mundial, surgiu no ano de

2008, no Fórum Mundial Rural (WRF), que contou com a colaboração de mais de 350 organizações, 60 países e cinco continentes. Assim, em 2011 a FAO propôs que as Nações Unidas declarassem em 2014 o Ano Internacional da Agricultura Familiar (FAO, 2013).

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9 Brasil como o colono. O colono vem da Europa, com a identidade do camponês e, no Sul do Brasil, assume a identidade de colono em oposição ao lavrador nacional. Do ano de 200614 em diante, com a consolidação das políticas públicas para esta categoria social, ele assume a identidade de agricultor familiar.

A partir da literatura utilizada (ROCHE, 1969; THOMPSON, 1998) entende-se a agricultura familiar como uma prática que o colono tinha, que o camponês assume e o agricultor familiar também, dada as diferentes condições culturais, econômicas e sociais de cada período histórico. A terminologia agricultura familiar se consolidou no Brasil a partir da criação de políticas públicas e abarca uma diversidade de identidades, que vai desde os sem-terra, quilombolas, indígenas, pescadores artesanais, dentre outros.

A partir do exposto, a discussão realizada nesta trabalho não tem como objetivo criar tipologias ou estabelecer conceitos definitivos e limites entre as definições de camponês, colono e agricultor familiar, mas sim, de retomar o debate realizado a partir de diferentes autores acerca destes conceitos e de pensar historicamente nas mudanças que estes sujeitos vivenciaram e as formas como buscaram se adaptar a realidade social e econômica. Esse estudo permite considerar que a agricultura familiar familiar possui duas grandes vertentes: uma que concebe a terra como modo de vida e dela retira seu sustento e sua subsistência, se aproximando do conceito de camponês; e, a outra, que considera a terra como forma de acumulação de capital e se caracteriza por formas mais modernas de exploração da terra.

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14 No ano de 2006 foi implementada a Lei nº 11.326, que estabelece as diretrizes para a formulação da

Política Nacional da Agricultura Familiar e dos Empreendimentos Familiares Rurais, definindo o que se considera por agricultor familiar.

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