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COLETÂNEA CARTAS DE AMOR completa Junho 2006

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ADEMAR BOGO

Setor de Formação Nacional – MST

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SUMÁRIO

01 – À organização 02 – Noite companheira 03 – Ao destino

04 – A flor e o militante 05 – À imagem

06 – Aos dentes 07 – Á cooperação 08 – Ao suor 09 – Aos sonhos 10 - À terra 11- A democracia 12 - Ao tempo 13 - Ao perfume 14- À solidariedade 15 - Para sermos iguais 16 - Ao Socialismo 17 - O nosso Afeganistão. 18 - A Cuba

19 - Ao Che

20 - Ás verdades já aprendidas 21 – Ao Natal na Reforma Agrária 22 – À poesia sertaneja

23 – Ao ano novo 24 - Às palavras 25 – Às ilusões

26 - Ao Josué de Castro 27 - À Mulher

28 – À Palestina 29 - Ao mês de Abril 30 – Às Sementes 31 – Á Utopia 32 - À Verdade 33 – A Ética e a Moral

34 – Aos filhos da Guerra Fria 35 – Ás vítimas da ALCA 36 - Ao passarinho do sertão 37 – À Juventude

38 – Às Eleições 39 – Aos que educam 40 – Ao Estudo 41 – Ao José Gomes 42 – Às Crianças Palestinas 43 – Ao Presidente

44 – Ao ano do alimento 45 - Aos despejados

46 – Ao Jornal Brasil de Fato 47 - Pela Paz

48 – À indignação

49 – Às vítimas das Drogas 50 - Aos que resistem 51 – Às vítimas da liberdade 52 – À autodeterminação 53 – À felicidade

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55 - Ao aniversário 56 – Aos festejos juninos 57 – Ao Boné do MST 58 – À cordialidade 59 – Ao Estado de Direito 60 – À Consciência 61 – À Organicidade 62 – A quem lavra 63 - Ao Ânimo 64 – À irreverência 65 – Aos Pais sem terra 66 – À Pátria

67 – Ao dia da Árvore 68 – À Obediência 69 – À Primavera

70 Às vítimas de injustiças 71 – Às semelhanças

72 – Aos Presos da Terra 73 - À Soberania 74 – Ao Senso Moral 75 – À Biodiversidade 76 – Ao direito de existir 77 – A quem serve

78 – Às crianças brasileiras 79 – Ao Livro

80 – Aos Finados 81 – Às condolências 82 – A Palmares de Zumbi 83 – Aos 20 Anos

84 – À alegria

85 – À Ética órfã da Política 86 – Ao Oito de Março 87 – Aos críticos 88 – Ao óbvio 89 – Aos desatentos

90 – Às Famílias Sem Terra 91 - À herança

92 – Ao Dia do Livro 93 - Às cores

94 – Ao desrespeito 95 - À Militância 96 – À Educação 97 – Ao cultivo da Base 98 – À Justiça

99 – Á Política 100 – À Devolução

101 – Aos Dilemas da Humanidade 102 – Aos Partidos Políticos 103 – Às Sesmarias

104 À Olga

105 – Ao Trabalho Voluntário 106 Às Eleições

(4)

110 – Ao Jequitinhonha 111 – Às Vitórias 112 - À Formação 113 – À Mística 114 – Às Marchas 115 – Às lutas 116 – À Sutileza 117 – Às Jornadas 118 – À Agroecologia 119 – Aos que Marcharam 120 – Ao Futuro

121 – Ao Comportamento 122 – À Salvação da Alma 123 – Às Mensalidades 124 – À Franqueza 125 – À Generosidade 126 – À Firmeza das Idéias 127 – Ao Calcanhar de Aquiles 128 – Ao Termo Inteiro 129 – Às Causas e os Efeitos 130 – Aos Provérbios Populares 131 – Às Décadas

132 – Às Jornadas Socialistas 133 – À Pátria de Caveiras 134 – Às Bandeiras 135 – A Nós

136 – A Grande Política 137 – À Confiança 138 – Ao Desarmamento 139 – Ao Rio São Francisco 140 – Ao Reconhecimento 141 – Aos Desaparecidos

142 – Aos amigos e amigas do MST 143 – Ao Fogo

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165 - À Tecnologia 166 – Aos Sem Lugar

167 – Aos Filhos Da Barbárie 168 – Às Modas e os Modelos 169 – Aos Dias Normais 170 – À Dialética do Futebol 171 – À Cultura Popular 172 – À Legítima Defesa 173 – Às Viagens

174 – Às Sementes Humanas 175 – Ao Gênero

176 – Ao Saber Popular 177 – À Espera

178 – Aos lados 179 – À Ironia

180 – Ao Aprendizado 181 – Aos Eleitores

182 – Às Crianças Sonhadoras 183 – Aos Movimentos Sociais 184 – Ao Arrependimento 185 – Aos Tempos Imortais 186 – Aos Enigmas

187 – À Esperança 188 – Ao Pensar 189 – À Atualidade 190 – À Conjuntura 191 – Ao Ascenso 192 – Ao criador 193 – Ao Projeto 194 - Feliz Ano Novo 195 – Ao Estorvo 196 – Aos Ancestrais 197 – Ao Luto 198 – À Poesia

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Cartas de amor Nº 01

À ORGANIZAÇÃO

Corre o tempo mansamente, como as águas dos riachos, a procura do que o destino lhes prometeu: desafiar o infinito para ser eterno.

O tempo vive a contradição de ser velho e novo ao mesmo tempo. Quando uma saudade o torna saudosista, surge uma vontade de fazer algo que ainda não existe, e, como criança, engatinha em busca das condições de provocar a nova travessura. Iniciar mais um passo, pela corcunda da velha história.

Uma organização também tem os seus tempos: velhos e novos. Desliza sobre eles pelas colunas de gente, como se fossem trilhos, que levam os vagões da história, carregados de saudades e sonhos.

O caminho feito precisa ser cuidado, para que as fezes do inimigo não venham tirar o perfume das flores já floridas. A história tem esta preciosidade, de guardar oxigênio, escondido nos pulmões das gerações que nascem, com pena e saudade das que já foram.

Os corpos são canais que se encostam para deixar passar o sangue e os sonhos produzidos. Os que se enterram, formam o canal já pronto; os que se movem, cavam ainda o lugar onde se deitarão para envelhecer. Envelhecer é ficar parado. Novo é o que se realiza.

Orgulhosa é a história. Tem o cuidado de não se repetir, pelo simples fato de que não pode voltar atrás. Voltar significa pisar sobre o próprio corpo. Por isso segue em frente. A cada dia aparece com um novo vestido. Mais triste, quando seus filhos não pensam nada novo. Mais florido, quando os sonhos se transformam em passos e desafiam todos os limites.

Quando pára, uma organização envelhece. Quando a poesia não se transforma em canto, quando a vitória não se transforma em pranto.

Quando repete e pisa o próprio peito, tentando caminhar o passo feito. Anda para trás; quando os pulmões não sentem os aromas das manhãs.

Se as gerações de quadros não se multiplicam, são pedaços do canal não feito que para trás ficam; por onde vazará a energia, perdida, que tira da organização a própria vida.

Quando as relações entre as pessoas não evoluíram, as mulheres ainda têm o seu senhor, é sinal que o coração bate, mas já não tem amor.

Onde o jovem no campo em tenra idade, diverte-se atraído pelas luzes da cidade. E a criança cansada já de andar, ainda não aprendeu a soletrar, a palavra liberdade.

Se o veneno é jogado sobre a terra, é porque foi declarada a guerra, contra inimigos “inferiores”, que nada podem, a não ser, ajudar os humanos a desenvolver valores.

Quando a teoria se torna escassa, é porque apenas se percebe a força que vem da massa; mas se a força tem pouca consistência, falta aí um bocado de ciência.

Se as instâncias já não são tão ativas, se tornaram pouco representativas e correm o risco de andar a esmo é preciso incentivar, todos a participar, e cada um representar-se a si mesmo.

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Cartas de amor Nº 02 NOITE COMPANHEIRA

Há como tradição em nossa cultura, de usar o preto como sinal de luto e respeito pelos que já foram se plantar, na terra conquistada e, preparar na eternidade o lugar para nós que ainda aqui penamos.

Mas o vermelho é a cor dos lutadores! Ele deve simbolizar como no nascimento, o sangue que traz à vida, este acontecimento. E o que é a morte senão um novo renascer? A não ser que este que se vai, viveu apenas a vida do corpo, por isso, apenas devolve à terra o que dela recebeu.

O preto da noite nada tem de tristeza! Como uma barraca de lona preta armada, nos faz nascer para um novo dia cheio de luzes, repleto de belezas.

É isso que diz nossa bandeira. Em suas cores predomina o vermelho que acalora, mas tem lá o preto, porque a noite não quis ficar de fora.

Um Sem Terra é filho da noite que os caminhões transportam em busca do amanhecer. O ronco que causa medo também anuncia a liberdade, mostrando que o balançar é parte deste jeito novo de nascer.

Caminhos estreitos não diminuem as distâncias, porque a hora é a barra do dia. Se correr demais, tem que parar, se atrasar um pouco, precisa andar mais ligeiro, a hora de nascer não espera por ninguém, porque ninguém segura do nascer a rebeldia.

É bom viajar à noite, cada coisa quer ficar perto da gente para não se perder. Ao mesmo tempo em que tememos; nos escondemos. É o jeito de saber acontecer.

Dizem que à noite, “todos os gatos são pardos”, ninguém se diferencia quando carrega os fardos. Seguimos alinhados na longa penitência, mas quem faz a estrada não é a força, mas sim a persistência.

E o preto da noite se mistura ao carvão das fogueiras, ao bramido das lonas estiradas, às letras da bandeira. Também alcança o fundo das panelas que, envergonhadas, já não vão às prateleiras.

A fumaça das lenhas encharcadas, quando teimam em não queimar, sai preta. As roçadas aceradas ficam escuras, a espera do plantar que irá abraçar a colheita.

O feijão preto, o caldo fresco, o pão queimado. Tudo se combina. A cor dos olhos que descobre a terra por debaixo da neblina.

O Assum Preto tem o canto mais lindo e sertanejo. No temporal que engole sem dó cada lampejo. E nos olhos que se fecham, para provar o calor de cada beijo.

A semente germina em cada cova, aberta em plena luz, tapada se escurece. Para lembrar do tempo; fecham-se os olhos para que a escuridão revele em plena prece; o que diz o coração que bate em sua caixa escura e assim se aquece.

Enfim, o escuro da noite, na bandeira vira cor, não é dor, não é pranto ou sentimento. É apenas um jeito diferente de dizer, que um Sem Terra precisa pra nascer, um abraço apertado vindo do firmamento.

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Cartas de amor Nº 03

AO DESTINO

Aprendemos na filosofia que, “A história não é se não a luta do ser humano para alcançar seus objetivos”. Sendo assim, deveríamos entender que, nos movemos em torno de sonhos individuais e coletivos que estabelecemos.

Somos então, se quisermos, responsáveis pelo nosso destino, ou pelo que podemos ser no futuro.

Laio, antigo senhor de Tebas, soube pelo oráculo que seu filho Édipo recém nascido, haveria um dia de assassiná-lo, e, se casaria em seguida com a própria mãe. Antecipa-se ao destino e manda matar o próprio filho. Mas suas ordens não são cumpridas e o menino abandonado, crescerá com outra família em um lugar distante.

Um dia ao consultar o oráculo, Édipo, toma conhecimento do destino que lhe fora reservado, e para não matar o suposto pai que o criou, foge de casa. No caminho encontra um desconhecido, desentende-se com ele e o mata, sem saber que é Laio, seu pai verdadeiro. Foge para a cidade de Tebas e encontra Jocasta, viúva de Laio. Ignorando ser sua mãe verdadeira, casa-se com ela e assim se cumpre a ordem do destino.

Esta história poderia ter outro final, se Laio tivesse assumido e resolvido o problema de outra forma, ficando junto ao filho e estabelecido um novo objetivo a ser alcançado com ele para mudar o próprio destino.

Existem muitas coisas a nosso redor que, fingimos não ser conosco, ou tentamos nos livrar das responsabilidades como fez Laio com Édipo, mas como tal, um dia as conseqüências cairão sobre nós mesmos ou sobre as futuras gerações.

Tomemos como exemplo a destruição da natureza. Há dezenas de anos vêm-se derrubando árvores, aplicando-se inseticidas, adubos químicos, provocando erosão, e tantos outros males. Lentamente secam os rios, extinguem-se os pássaros e insetos, não chove mais regularmente, reproduzem-se com maior facilidade as formigas e os cupins, e cada vez fica mais difícil produzir e permanecer na agricultura.

Se há 100 anos atrás, alguém escrevesse: chegará o dia em que o filho, Ignorante, matará a própria mãe, casará com a Fome sua irmã; terão muitos filhos, magros, doentes e analfabetos. Morrerão de calor, de sede, sem comida e envenenados. Quem acreditaria?

Novamente o destino apresentaria duas alternativas: matar o filho logo ao nascesse ou educá-lo para que soubesse medir as conseqüências de seus atos, colocando em sua consciência, valores como objetivos a serem alcançados.

Nossos descendentes daqui há muitos anos, poderão contar outra história, se agirmos diferente. Dirão eles: Houve um Movimento que decidiu imitar o criador. Ao mesmo tempo em que fazia nascer as criancinhas, as educava para que conhecessem e respeitassem os pais, os irmãos e a natureza.

Preparava jardins, reconstruía as florestas, fazia renascer os rios através do plantio de árvores em suas margens, não usava venenos nem adubos químicos e respeitava todas as espécies de vida, pois sabia que nenhuma era menos importante que a vida humana.

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Cartas de Amor

Nº 04

A FLOR E O MILITANTE

As plantas forjam sua descendência, preparando com paciência o botão, depois a flor, de onde saem as sementes e se espalham como gente.

Presa ao galho a flor serve às abelhas, que procuram através de seu quartel a matéria para fazer o mel; por isso se deixa penetrar, sem medo de se machucar.

Saciadas, as abelhas vão embora. Levam a doçura repartida para manter a vida da colméia. Voltam noutro dia para completar a ceia.

A flor em seu balanço fica para cumprir o destino sem descanso: perfumar o ambiente e fazer no silêncio aparecer cada semente. Bela missão é essa de servir: exalar perfume e produzir.

O militante não é a abelha que vai de flor em flor, mas a própria flor que atrai para si a responsabilidade, de responder a cada uma com doçura e verdade que, lutar e vencer é saber perfumar de amor à humanidade. Envolver cada pessoa num grande abraço e, depois, andar juntos os outros passos.

Para avisar as abelhas, a flor, usa o perfume e sua cor; sinais que orientam também o lutador. Passado os dias a flor madura e satisfeita, deixa murchar as pétalas de seu brilho, para fazer nascer de si os próprios filhos. E como uma caverna que abre suas portas, deixa sair contentes as sementes que transparecem mortas.

Mas é engano. A semente quer o tempo de germinação para, em silêncio levantar-se lentamente do chão; imitar a sua espécie com as cores; crescer e também se encher de flores.

A planta da semente busca entrar por cada fresta, puxada pelo sol, ajuda a construir e a expandir a floresta.

Militantes: mulheres e homens em cada ação fazem-se a si próprios e a organização. Tem ela o jeito de seus passos, o carinho de seus gestos e a acolhida de seus braços. Confundem-se em suas identidades, que ao não poder vê-los a sociedade, procura seu perfume em cada marca de saudade.

Militante, é aquele que se comporta como a flor exuberante, não como as estrelas que brilham mas estão muito distantes. Flor é como gente, nasce em toda parte, e por saber o seu lugar, transforma-se em semente. Estrela não! Nasce uma vez só e vive de seu brilho, sem nunca poder dizer que teve um filho.

A flor perfuma o jardim e a mesa do auditório. Murcha de pressa na sala do escritório. Se não houver cuidado, o ar ali ventila mais pesado e a flor perde o encanto e a alegria. Como o perfume é um tanto destemido, quer espaço para circular e se livrar da poeira da burocracia.

As flores se multiplicam com o vento. Por que não crescem em quantidade nos acampamentos e assentamentos? Será por causa da fumaça ou por que o brilho das estrelas inibe o seu crescimento?

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Cartas de Amor Nº 05 À IMAGEM

Narciso, um menino na antiga Grécia, nasceu muito bonito. Cresceu sendo admirado por todos, principalmente pelas mulheres; mas ele não sabia e não ligava para isso.

Seus pais guardavam o segredo e temiam pelo futuro do rapaz. Ao consultar o oráculo, uma espécie de “consulta aos deuses”, o sacerdote lhes dissera que ele teria vida longa e feliz, desde que nunca visse sua própria imagem.

Um dia seus pais se descuidaram e ele debruçou-se sobre um lago para beber água, viu sua imagem e apaixonou-se por ela. Não suportando a paixão, atirou-se na água para pegar a imagem e morreu. Compadecida, a deusa do amor o transformou numa bela flor, que ao florir, se debruça sobre as águas, para refletir e admirar a própria imagem.

Nascemos e crescemos também nós como Narciso. Já não podíamos nos apaixonar pela liberdade porque as cercas tapavam a face da terra bela, e, não conseguíamos ver nossa beleza refletida na beleza dela.

Quem não vê a imagem de sua face refletida em outro alguém, não se apaixona nunca nem amará ninguém.

Vivemos muitos anos sem saber que a beleza e a força dos Sem Terra, somente eram vistas pelo temor da classe dominante. Estes evitavam que chegássemos perto das cercas para não acordarmos o latifúndio massacrante.

Um dia, porém, ao debruçar-nos sobre o lago do latifúndio, vimos nosso esqueleto refletido, como a rosa na pintura do vestido. Mergulhamos por entre os fios de arame farpados, levantamos barracos e bandeiras e, na canseira, morremos como seres explorados. Renascemos na história como seus construtores e sujeitos para formarmos com as faces rosadas, um jardim de um novo jeito.

Com a força de todas as raças nos reunimos, para formar uma só imagem feita com todas as cores. Resgatamos o que tinham tomado das gerações passadas: os sonhos e a auto-estima, e escrevemos em cada alma, um canto de amor à vida.

Descobrirmos a beleza contida em cada gesto de solidariedade. Percebemos que ela é a sinfonia nascida da ansiedade que, existe em todos os corpos, impulsiona a formação e sustenta a ousadia, de quem sonhou um dia, construir com as próprias mãos a liberdade.

Assim fizemos despertar a primavera nas consciências. Nascemos de passos firmes movidos com paciência. Descobrimos que é possível negar a imagem distorcida pela miséria e reconstruí-la com as cores, sons, perfumes e conhecimentos, sem mágoa, dor ou arrependimento.

Assim, nos igualamos à flor que desabrocha para deixar ver a sua beleza . Fechar-se é sufocar o perfume, inibir as cores e violentar a natureza.

Narcisos Sem Terra somos. Tossindo entre a fumaça no meio dos latifúndios ou na beira das estradas, como flores vermelhas já desabrochadas.

Ao balanço do vento resistimos. Mas um dia as pétalas cairão devagarinho. Não será o final, apenas um sinal para os que vierem, para que enxerguem o caminho.

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Cartas de Amor Nº 06 AOS DENTES

Quem já parou para pensar onde fica o lugar de cada dente? Sentimos falta ao sorrir quando deixam de existir, estes que deveriam estar bem na frente.

Se não sorrimos a boca fica pequena e a face carrancuda. Por isso é que precisamos ter cuidado, porque uma vez só podem ser trocados; a natureza só nos deu uma muda.

Quando nascemos o leite materno traz os dentes em separado, e nos entrega quando nos deitamos para mamar. A outra muda vem no “bolso”, que fica a nosso gosto o dia de se plantar.

Como uma roça que amadurece pouco a pouco, vamos colhendo e replantando cada um, até que um dia em uma avaliação, nos damos conta que, da velha geração dos dentes, já não sobrou nenhum.

Aí o fogo do açúcar desfila suas chamas e come o tronco esburacando o caule de cada arvorezinha, que aos poucos deixa de ser branquinha e, como um tição preto fumegante, dói entristecendo ainda mais a gente.

Então o que fazer para aliviar a tal “queimura”?- pensa triste a pobre criatura, se debatendo segurando o toco. Vai enraivecido procurar socorro, quando alguém puxando o dente adoecido, enaltecido ali lhe deixa um grande oco.

Fica, portanto um vazio na fileira. Por que será que nasceram em carreiras, como soldados à espera do combate? Mas não tem jeito, assim é que foram feitos.

E lá se vai o desdentado levando um vazio em cada pelotão. Todos notam sua ausência, mas ninguém fala, pois, soldado lembra repressão!

A marcha segue em frente em seu destino, mas os lábios escondem algo clandestino, por não sorrir abertamente e bem feliz.

É que, como as florestas a golpes de machado se deitaram, os ricos sem vergonha desdentaram, grande parte dos pobres de meu país.

E os lábios tapando essa caverna, se contorcem toda vez que alguém palpita e, expõe em outra boca bonita, os danados enfileirados bem certinho. ‘Como fica bem você de dentes’, diz ele escondendo a janela um tanto envergonhado. ‘É pena que não são meus, são emprestados!’.

Quando sem dentes a gente não é nada, fugimos até de quem gosta de contar piadas, porque inevitavelmente teremos que sorrir. É um sacrifício ter que conversar, principalmente quando a prosa demorar, cansa o lábio superior para não deixar a boca abrir.

Mas, o sacrifício não é apenas ao lábio de cima! Morre com os dentes arrancados também a auto-estima, que cada qual com ela nasceu.

Por isso, dente não é só dente, é mais! É aquilo que faz da gente um ser social altivo, sorridente e feliz. Sem eles também se derrota um gigante país.

Que mais dizer aos militantes, que lutam e labutam na linha de frente? Pouco precisa dizer mais; preocupar-se com quem vem atrás, porque, nessa história há uma só verdade. Para se conquistar totalmente a liberdade, os lutadores precisam ter os dentes.

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Cartas de amor Nº 07

A COOPERAÇÃO

Vamos falar da morte como algo natural. Na vida e na morte da convivência social.

A princípio, só há morte de algo já formado, que com o tempo em outros elementos vai sendo transformado.

Até aqui nada de especial, pois a transformação concreta também é natural. Cada coisa vai crescendo em pleno movimento, como se em toda massa existisse um bom fermento.

Cresce então em quantidade, e quando alguém percebe e impõe seu jeito, aparece ali a qualidade. Isso ganha importância quando passa pelas mãos da militância.

Assim podemos formular uma questão: é possível morrer em nós o espírito da cooperação? Vejamos pela história, onde foi que ela apareceu? No inicio da formação humana quando um só macaco não podia carregar um cacho de bananas. Assim sustentavam em vários o peso sobre as pernas e levavam o alimento até as cavernas.

Mais adiante, a roda em movimento, fez do ofício profissão e os instrumentos passavam de mão em mão, até que um dia a máquina a vapor, engoliu um a um cada trabalhador. Sobraram os mais experientes, que foram levando a cooperação em frente.

Assim a história deu seu giro, as mudanças foram transformando-se em suspiros e alcançaram a informática e a genética. Os que não acompanharam, impressionados, ficaram com a sua aparência ainda mais patética.

Este veloz desenvolvimento chegou arrastando-se até a porta de nossos assentamentos. - O que quer? – perguntam os mais preocupados - Transformar cada Sem Terra em um cooperado?

Assim se tentou dar vida a algo que nasceu sobre a terra repartida. Porque morre então a cooperação, se é ela a principal força de produção?

O campo é diferente da cidade companheiro. Lá, para organizá-la basta ter um patrão “com bom” dinheiro. Na agricultura é diferente, para cooperação viver e ir em frente, deve nascer primeiro no coração da gente.

Ainda falta algo para esta tese ser verdade. No campo a cooperação deve ter germes de nova sociedade. Sobrevive, quando as pessoas aprendem a ser livres, firmes, como os pilares de uma comunidade.

Um pouco mais talvez ainda resta, é difícil diferenciar ao longe como na floresta, algo que pelo jeito não se diferencia. A árvore só pode ser diferente se aprender a espalhar sementes e fazê-las nascer apesar da sombra fria.

Por isso cooperar entre os arames dos lotes é difícil como buscar água no deserto, no campo esta idéia só dá certo, quando se misturar trabalho com ideologia. Aí, cooperar, lutar e amar, rimarão nos versos da mesma poesia.

Para isso precisa formação. A consciência substitui o patrão. A força organizada constrói a utopia. Uma coisa apenas ainda falta, é manter a velocidade sempre alta, nas rodas que transportam a alegria.

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Cartas de amor Nº 08

AO SUOR

Quando o suor nasce da pele nua, anuncia que o trabalho e a luta continuam a moldar o corpo dos guerreiros. Mas é sinal também que sobre a terra, colocada como esteira, há espaço para o abraço da guerreira.

Os tempos ficam difíceis de viver, principalmente porque o suor deixa de verter. Fica no corpo procurando atalho, porque o capital elimina os postos de trabalho.

Sem trabalho os córregos não descem pelo couro e o ser humano deixa no país de ser o principal tesouro.

Fala-se em indigência quando o trabalho deixa de ser consciência e o ser social mendiga pelas ruas. Dorme estirado em pleno chão, mesmo no frio aparenta ser verão, deixando as costas e as pernas todas nuas.

Sem suar o corpo está na ociosidade, por ter saído do campo e migrado para a cidade. Ali, sem trabalho não há vida, não há renda, enquanto a terra adormece por debaixo das fazendas.

O retorno é inevitável para quem quer renascer. Se, é de terra que foi feito o homem e terra voltará a ser! Só há duas formas para isso poder acontecer: suar ou se deixar morrer.

Na terra conquistada o ser humano torna-se semente que rompe como o fogo o elo das correntes. A fome vai embora quando se tem algo para ocupar os dentes.

Quando os elos na terra conquistada não abrem de verdade, estão congelados sob o frio da propriedade, fazendo os lutadores, da terra, tornar-se proprietários e senhores. Esta friagem corrosiva mata toda a energia criativa e impede a prática de valores.

Não somente por falta de valores morrem as sementes, também das flores que não nascem livremente, no meio da terra conquistada, ressequida. Se apenas do egoísmo o suor brota, a liberdade ainda é tão remota, quanto a uva não plantada: nunca se tornará bebida.

O suor do retirante é frio. Parte silencioso como as águas do rio, que choram lambendo a raiz da castanheira. Passo a passo sem pressa de chegar, pois não tem tempo e nem lugar, onde depositar sua canseira.

Mas o suor que faz o passo faz também o militante. Caminha como a sombra se esgueirando entre as frestas retorcidas da utopia. Sabe que no lombo desnudo das montanhas, descansa o despertar de um novo dia.

O parasita não sua, porque bebe o suor do condutor que com ardor a causa então provoca. Ao contrário, o danado acomodado nada oferece em troca.

Pior ainda, quando atacado o parasita, procura mil recursos e passa a defender-se com discursos. Bate forte com a mão direita sobre o peito, acha ter mais importância e, na sua ignorância, pensa também ter mais direitos.

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Cartas de amor Nº 09 AOS SONHOS

É proibido sonhar quando a alma não quer sentir e, nem sequer imaginar os passos que deve dar, teimando em se acomodar pra não ver a flor florir.

Há sonhos que dão errado. Há sonhos de desespero. Há sonhos de pesadelos e, alguns de solidão. Há sonhos egoístas, fatalistas, entreguistas que alimentam a exploração.

Os sonhos verdadeiros são coerentes; espalham em cada passo um bocado de sementes, para fazer o jardim do amanhecer. São os que movem as mãos e os braços, para oferecer o corpo, aos abraços de prazer.

Sonhar que se está sozinho é não ser nada. Os sonhos são a madrugada que espera o dia se fazer. Pesadelo não existe para quem sonha ao lado de alguém que também sonha. Que não se envergonha de sonhar com outro alguém, que busca o mesmo destino, como o menino que chama pela mãe.

Sonhar é não querer ir só para um lugar melhor. É ver em cada olhar um pedaço do lugar onde descansa a esperança. Quem sonha sempre é criança; tem energia, tem alegria, tem confiança...

É duro sonhar perto dos desanimados. É como ver a flor se abrir às margens de um rochedo: o sonho é engolido pela indecisão e o medo.

É preciso sonhar com as montanhas de onde vem o guerrilheiro ao lado da companheira, trazendo uma bandeira embrulhando o coração. Trazendo a revolução organizada em fileiras, desfazendo-se em brincadeiras de roda, de São João; que se misturam à poeira dos passos de cada irmão.

É preciso sonhar com a floresta que se empresta para cada geração. Que pede proteção, dá o fruto e a raiz, cura a dor e a cicatriz feita na pele queimada. Dá sombra, terra molhada e faz a gente feliz.

Sonhar com a água doce na cacimba e no açude. Sonhar com a juventude; as margens do rio perfeitas. Sonhar com as boas colheitas das lavouras irrigadas; com a água à beira da estrada, que nos leva até ao futuro. Sonhar também com ar puro, e o beijo da namorada.

É preciso sonhar mais: sentir de perto o distante, aproximar o horizonte e surpreender a utopia, que chega um pouco por dia em cada passo caminhado. Sonhar com o céu nublado prometendo água nova, com as sementes nas covas; nascendo um povo mudado.

Sonhar com os passarinhos cantando sobre as escolas. Sonhar com jogos de bola, com danças e cantorias. Sonhar com a alegria que se dá até de esmola.

Sonhar com muitos valores, com uma nova cultura e, também com a ternura e a generosidade. Com a solidariedade na palma da mão aberta; cama, colchão e coberta e uma mesa com fartura.

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Cartas de Amor Nº 10 À TERRA

Disse o velho índio à tribo, mantendo no olhar o brilho: “O que acontecer à terra, acontecerá a seus filhos”.

É a sentença dada pela própria natureza, que mostra aos homens tão “fortes” a sua grande fraqueza; por não saber conviver, destroem só para fazer, da morte surgir riqueza.

E assim despem a terra, de toda sua cobertura, deixando à mostra as feridas em sua carne batida, veias secas, sem poder levar a vida.

Parece uma chapa quente expulsando os animais, os pássaros e os insetos; povos perdem os direitos, deixando de ser sujeitos, e vão se amontoando em alguns poucos locais.

Em seu ventre machucado jogam os fortes venenos, como se fosse remédio. Os filhos que nela vivem misturando a dor e o tédio, procuram sem resultado, o ar puro, que vinha de trás da encosta. Hoje a chuva cai e lava deixando os ossos à mostra.

Como a careca do homem se descabela a montanha, luzindo ao calor do sol que bate em sua crosta dura, onde as unhas dos arados passam, mas já não arranham.

Folhas secas já não caem. A terra morre de fome. E se ela nada produz, nada os seus filhos comem. Sem água a terra endurece. O peixe some, e então no homem, a fome cresce.

Quando a lua surge no alto, já não tem o que fazer. Olha acanhada e não vê aquele trabalhador que, banhado de suor, parava pra adormecer.

As fases da lua não vogam, crescente, cheia ou minguante, isso ficou tão distante, esquecido na memória, porque hoje a grande glória, das modernas invenções é cuidar das plantações com água que queima o abrigo, como se milhões de insetos fossem todos inimigos.

Muita contaminação, muita fome, muita sede. Não há canto de cigarras nem gente que arma redes. Já não se espalham sementes, nem há vizinhos e visitas, falta pomares floridos, danças, vestidos de chita.

Os pobres tocos das árvores, abraçados às cicatrizes, olham tristes para os troncos que arrastados vão embora. Igual à população que um dia deixou o sertão; sem raízes vive agora.

Terra escura, vermelha ou matizada, deixou de sorrir porque se aposentaram as enxadas. Em cada cabo havia gente, com os pés espalhando o mato e que produziam canções naquele mundo pacato.

O silêncio das enxadas calou o braço sofrido que ficou sem serventia, como o dia de chuva forte. A terra perdeu aos poucos milhões de seus habitantes, as empresas transformaram sábios em ignorantes.

Não se sabe o que se planta, o que se colhe e o que se come. Hoje nos laboratórios sementes mudam de nome, que depois vão lá pra terra como se fosse uma guerra onde há duas partes lutando. A cada palmo plantado, tanques, em tratores traçados, vão a vida bombardeando.

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Cartas de amor Nº 11

À DEMOCRACIA

É de fato uma loucura, gente de alta cultura e de moral tão tacanha, pregar a democracia, agarrados ao poder, mas que de tanto esbanjar, decidiram se fartar de coisas bastante estranhas.

Primeiro comeram o espaço e nossa população, sem ter lugar pra ficar abandonou o sertão. Veio morar na cidade, onde as imobiliárias, já tinham se precavido e o povo foi espremido nas encostas sedentárias.

Aí comeram as florestas para fazer mais fortuna. Todos os animais silvestres e as espécies mais comuns foram todas dizimadas, porque para esta camada já não há limite algum.

Comeram o conhecimento e os bancos das escolas, o povo ficou sem ter o direito de estudar e nem casa pra morar neste mundo traiçoeiro, porque esta minoria, com toda a sabedoria, comeu também o dinheiro.

Foram avançando mais e comeram a saúde. Os dentes da juventude, sem ficarem intrigados, é por isso que dizemos de modo pouco feliz que somos enquanto país, os campeões dos desdentados.

Comeram a voz do povo e este deixou de falar, só tem direito de ver o que alguns podem fazer de forma impopular, sentindo grande emoção, na voz da televisão e nas letras do jornal.

Ainda comeram os empregos não há onde trabalhar. As pernas de nosso povo para não poder andar. Dos braços, comeram o esquerdo e os dedos da mão direita, deixando o indicador, para usá-lo com temor e aliviar as tensões, nas máquinas eletrônicas, no tempo das eleições.

Democracia de um dedo só? Faz dó, faz dó, faz dó...

Desta forma acreditam que existem iguais direitos, porque todos os políticos de fato são sempre eleitos e, esta é uma verdade que não há quem não aceite. Mas de que vale apertar os botões em um só dia, é isto democracia se em casa falta até o leite?

Muitos até se convencem e a farsa, ajudam a montar. Fecham um olho ao Tio Sam, mas não é para piscar. É apenas para dizer que o dedo só dá prazer, pra aquele que se eleger, e que nada irá fazer para lhes desagradar.

A democracia do medo é feita por um só dedo, que tira o que deu de tarde, já no outro dia cedo.

Mas a história é muito sábia, pouco a pouco nos ensina, que a pobreza não é feita por orientação divina e nem a democracia, usando apenas um dedo, onde gente até por medo, vota em quem lhe domina.

Pouco a pouco a consciência vai ocupando o vazio, resgatando todo o brio deste povo brasileiro. Do sono vai acordando, para fazer vomitar tudo o que os ricos comeram, e se eles nunca entenderam entenderão num só dia: que o dedo indicador mesmo se erguendo sozinho, pode apontar o caminho da nova democracia.

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Cartas de Amor Nº 12 AO TEMPO

Um povo desenvolvido, sentia-se protegido por um pássaro veloz. Uma águia na verdade, que comia as liberdades, impondo pesadas ordens, com a força de sua voz.

Seu ninho, uma atração. Levava com a força de suas pernas, as riquezas que encontrava, e quando alguém a contestava, usava a “palmatória”, uma nota promissória, de certa dívida externa.

Seus vôos não tinham divisas nem fronteiras. Seus produtos deviam estar em todas as prateleiras. Sua língua? Uma imposição. A moeda? Uma lei: a dolarização.

Armamentos? Sempre produziu. Poluía o planeta com gases e fumaça, e se alguém a contestasse, saia das reuniões fazendo ameaças.

Suas relíquias? Preservadas. Forças altamente preparadas, delas tomavam conta. Constava: uma casa branca, dois prédios de 122 andares, e um conjunto de cinco pontas.

Um dia a águia e seus filhos adormeceram. Três penas de sua cauda desprenderam e velozes voaram para o ar. Por azar, foram se chocar contra as torres alvissareiras, e lá desceram elas mergulhadas na poeira.

A águia triste e desmoralizada, por ter levado tal rasteira, procurava os culpados, com olhar desconfiado, pois, as penas tinham se desgarrado de sua própria sambiqueira.

Quem provocou as penas a voarem? Quem instigou de longe e de bem perto? Quem bombardeou nas selvas e no deserto? Quem matou com chumbo e de fome a céu aberto milhões de inocentes? Pois, as penas que caíram, eram frutos bem maduros que jogaram suas sementes. Bem entendido: “Quem com unhas fere, com unhas será ferido”.

E o que faziam os “vitimados” quando a águia ciscava e abatia, durante anos, meses e dias, outros Estados? Por acaso não era terrorismo, jogar bombas, durante a madrugada, quando dormiam as crianças desde de Granada? A seguir os milhões que morreram de emboscadas, em outros pontos, vítimas da triste sina, como até hoje na extinta Palestina, sem direito a gritar, e muito menos a se mostrar na tela da televisão? Dizem que: “Quem vê cara não vê coração”, mas muito sentimento pode esconder um grande fingimento.

Pedir clemência a quem, se és poderosa? Pedir ajuda a quem, se tens autonomia? Não há coisa mais hipócrita e ilegítima, quando o carrasco se coloca como vítima.

Enfim, o tempo venceu mais uma vez. A eternidade não existe para um reinado! Todo poder pode ser contestado. Ninguém é tão sabido que não aprenda uma lição. Se um povo pode ter a sua nação. Um país a sua soberania. A prepotência tem limites e se deita diante de quem aprendeu a olhar o tempo com os olhos marejados de utopia.

Terrorismo é o que vivemos aqui, marcados e mandados pelos silvos do FMI. Viver sobressaltados em permanente insônia, vendo as garras da águia depredar a Amazônia. Ser obrigados a engolir a Coca-Cola e ver nossas crianças e jovens sem escola.

Terrorismo não é apenas bombardear, se chocar e matar seres altivos. É mais! É fingir que mata de repente, no entanto deixa a penar, vivos. Ter que tirar da boca a comida e engolir em seco uma ferida, enquanto o império mantém-se na orgia, bebendo a hemorragia de nossa carne ressequida.

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Cartas de Amor Nº 13

AO PERFUME

O ódio é um péssimo companheiro. Filho do descontrole emocional. É quase irracional. Com ele o império vira bicho: se retrai, se contrai, se destrói. Não se faz herói da prepotência nem da indecência, pois a conseqüência é o lixo.

A indignação não é ódio. É razão misturada a sentimentos. Sem momentos de avalanches, que desmanchem a consciência. É clemência, paciência e generosidade. É não aceitar pela metade algo que deve ser inteiro. É ver no desconhecido um companheiro, quando luta pela mesma liberdade.

O ódio do império esconde um grande medo: ser surpreendido por segredos. Por isso alimenta a mágoa, que lhe cega a esperança. Fica com a desconfiança de beber a própria água. Repetindo: de que vale a prepotência, a ganância, a intolerância e a mágoa, se, quem se diz dono do mundo, no fundo, tem medo de beber a própria água?

É bom ver a opulência desmanchando-se em poeira. É como se uma espessa cabeleira fosse varrida pela ventania, pagando em um só dia, o que fez o tempo inteiro. Sentindo de perto o cheiro da vergonha do Rei que ficou nu. Sem ninguém que o conforte, como um chicote em sua mão, batendo sem perdão, no próprio couro cru.

Satisfação; é um sentimento onde se mistura suspiro com sorriso. Onde o juízo acalenta a utopia. Vê, prevê e guia, a arte de edificar ternura.; um renascer em cada criatura que se alimenta de eterna rebeldia.

Chega o dia em que os tiranos ficam como os cães idosos que perderam os dentes e já não mordem, mesmo mantendo nos velhos olhos a sanguinária ira. Suas causas são feitas de mentiras e não servem para animar a liberdade. Nem a noite que amedronta, controla a eternidade. Ela não detém a ousadia da luz, que arrebata seu capuz, com gestos de solidariedade.

A mesma força que obriga os tiranos a se unirem, pode levá-los à destruição. A força dos povos nutre-se de indignação. Pode acordar em luta após a longa pausa, e unir-se ao redor de uma só causa: pisar sobre os tiranos e resgatar em dias todos os anos, que se perderam por debaixo da opressão.

Como as florestas incendiadas, clamando pela chuva se parecem as nações. Devem aos tiranos, o que já não podem mais pagar. Como o fogo que queima devagar até chegar ao lago da revolta. Ali o grande encontro guarda uma saída: voltar, e numa festa, fazer como a floresta: em cada galho, vê um atalho para deixar brotar a nova vida.

As mãos dos lutadores estão ligadas aos braços que distribuem abraços, e não à violência e ao terror, estas são as armas do imperador, que faz da dor a sua missão. Põe a culpa de seus atos em quem canta uma canção, condenando a harmoniosa melodia. Esconde-se por trás da economia como um rato a espreitar o queijo, e não sabe o calor que tem um beijo, pois sua boca é amarga e cheia de covardia.

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Cartas de Amor Nº 14 À SOLIDARIEDADE

Somos como os brotos das sementes espalhados campo a fora, em busca de uma fresta na terra para respirar a liberdade. O canto da verdade pertence ao que chamamos vida; semente é como gente, não pode ser comida.

A aurora do nascimento avisa pela dor quando a semente quer deixar de ser flor. Fecundar é sua vontade. Procura por isso resvalar pela umidade, por um canal que lhe instigue o olho a abrir-se feito a força de um vulcão, para romper a crosta, que se prostra, diante da marcha desta revolução.

Se a crosta é dura os ombros do broto forçam sua abertura. Assim, com força e com ternura, desponta aquilo que procura forma, não é uma reforma, é nascimento de algo terno e puro, que quer espaço, para ligar-se por um laço, do passado ao futuro. Onde se vê, por antecedência, o fruto já maduro.

A chuva como lágrimas refrescantes, lava os olhos nas cascas das sementes, enfileiradas nos canteiros, que sobem com uma boina na cabeça como um novo guerrilheiro que, envergonhado com matizes indefinidos, põe força para ser reconhecido, é o lutador se fazendo em cada um de seus gemidos.

E o horizonte se estende como uma bandeira à espera pelos passos de quem caminha. Engatinha preguiçoso na garupa das montanhas a espera do aceno do raiar do novo dia, desvendando os segredos e aproximando a utopia.

Os brotos temerosos nascem enrolados. Os destemidos buscam desde cedo seguir o seu caminho. Os que olham para cima, já tomaram em suas mãos a auto-estima. O queixo levantado em constantes movimentos, como um tornado sendo o acontecimento.

O universo é o invólucro da semente humana, nele se encontram os povos para lutar contra os senhores, dando força e vida aos valores.

A castanha tem a casca dura, mas o broto teimoso sempre fura a sua rudeza. Nenhum império com sua fúria incontida, pode deter um nascimento, pois dentro dele apesar do sofrimento, existe vida, força da natureza.

A casca da semente em sua triste fadiga, cumpre o papel de ser barriga. Por mais dura que seja por fora, guarda dentro de si a aurora do dia que se avizinha. A utopia é uma arvorezinha, que dorme e quer nascer, depende do querer de quem os seus passos alinha.

É justo que existam diferenças. Sementes de todas as qualidades, cada qual com sua identidade. Delas, vêm os brotos com suas cores: operários, camponeses, professores, como na floresta, cheia de silenciosos construtores.

Há sementes em todos os continentes, África, Antártida, Ásia, Europa, Oceania e América, algumas com fuzis em punho buscam abrir a terra, é a rebeldia dizendo ser capaz, de lutar contra a vontade dos impérios e fazer nascer a paz.

O imperialismo é um inseto que come o olho da semente. É preciso combatê-lo ferozmente, não importa com que roupa se apresente. Sua perversidade se combate de verdade com a solidariedade de todos os continentes.

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Cartas de Amor Nº 15

PARA SERMOS IGUAIS

Para ver-nos nas flores, façamos os jardins. Eles crescerão na alma das futuras gerações, que repetirão em canções as intenções plantadas; como as rosas rosadas que espelham as paixões.

Para ver-nos nas águas, preservemos os rios. Eles são os trilhos que multiplicarão os filhos de todas as espécies. Com os bens naturais é preciso fazer mais, assumir o seu cuidado. As empresas multinacionais entram cada vez mais, no coração das águas para controlarem os passos da vida. Com sofisticadas redes, prendem os direitos, fazendo de quem da terra é sujeito, beber a própria sede.

Para ver-nos nas árvores, preservemos as florestas. Elas garantirão para cada geração a recompensa: cuidar de suas doenças e purificar o ar. Ajudarão a molhar e a evitar os desertos que já estão bem perto. Só no Brasil, ficamos envergonhados, de saber, que já chegam a 574 Km².

Para termos o pão, preservemos a terra. Ela é a mão que alimenta oferecendo a cada boca suas colheitas. A erosão, a contaminação o fogo e a má utilização dos recursos naturais, já fazem a cada hora, uma espécie ir embora, de flores, ervas, insetos ou de animais. E para nunca mais.

Para ouvirmos um canto, preservemos os passarinhos. Eles sempre dizem do seu jeito, que o maior tesouro do homem ou do touro, está no próprio peito. Não é o coração, mas a força da paixão que move a tempestade da vontade de voar, e ao mesmo tempo de cantar. O pássaro não engana; por ser qualificado, aplica o ditado de “assobiar e, ao mesmo tempo, chupar cana”.

Para ganharmos um beijo, preservemos o homem e a mulher. É a única possibilidade de dizer que a vontade de amar triunfará. Preservemos o olhar para poder andar. Preservemos o amor para zelar da flor. E preservemos a verdade para que vingue a solidariedade.

Como é difícil provar que o futuro se constrói pelo presente! Que, quem aqui está, nada mais fará que lutar para preservar o que se tem, que tomamos emprestado das gerações que vêm. Todas nascem pacíficas e controladas, mas se obrigam a lutar para consertar o que, os que passam primeiro, como em fim de festa, sujam o espaço inteiro.

Quem nasce achará seu espaço já virado, por aqueles que não souberam comportar-se no presente ou no passado.

O imperialismo destrói e impõe normas para que as sobras dos rios se tornem grandes negócios. Já não se coloca como sócio, quer ser proprietário, da água onde ela estiver. Por isso dizem que o FMI, recomenda às nações que acelerem as privatizações de todos os mananciais. Isso é demais!

Dizem que estratégico é investir na indústria, no petróleo e em tecnologias. Mas as conseqüências por todos conhecidas é que: uma nação sem água e sem comida, não terá sua descendência repetida. Estratégico mesmo é investir na vida.

“Quem semeia ventos, colhe tempestades”. Ainda falta revelar-se totalmente esta verdade. Façamos alguma coisa! Ainda sobra da vida, pelo menos a metade.

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Cartas de Amor Nº 16

AO SOCIALISMO

É preciso despertar enquanto é cedo. Perder o medo de dizer de que lado se está. Como a chuva que também cai devagar, e não deixa de cumprir com sua sina; molha todas as plantas com neblina e lava a poeira do calor. Beija a boca doce de cada flor e limpa as impurezas do ar que o império contamina. Por isso, desperta América Latina!

É verdade que tivemos no passado erros cometidos pelo “socialismo de Estado”, que nos jogou para a periferia da história. Que negou quase um século de memória e de sonhos interrompidos por canhões, mas jamais tantos povos e nações, conseguiram juntamente tanta glória.

Um vazio pode-se dizer. Um vazio nasceu no lugar das frustrações. Mas quem é o império para querer dar lições, qual chicote querendo acariciar? Sopra onde não pode beijar, qual dragão sem sorrir mostrando os dentes, faz da mídia um chocalho de correntes, tripudiando sobre alguém que não morreu. Se de um lado se agarra aos judeus, de outro devora os palestinos, e oprime africanos e latinos, pondo a culpa no tempo que não cedeu.

É verdade que há uma confusão que engole as utopias. Desmontou-se a ideologia na maioria das cabeças congeladas. Que tinham aprendido a marteladas, pela ordem dos partidos comunistas, mas então não eram marxistas? Pois, a ciência não pode ser acorrentada.

Dois pólos continuam a se enfrentar, mesmo tendo caído o muro de Berlim. Aquilo não significou o fim da briga entre a ética e a opulência. Acontece que, quando se tira da história a ciência, os sentimentos é que tomam conta, por isso um dos pólos virou o islamismo e se defronta, no vácuo deixado pelo socialismo.

É isso que precisamos decifrar. Caso contrário ficaremos sobre o muro. A guerra não é entre puros e impuros, mas entre ricos e desfavorecidos. Os Talibãs por mais erros que tenham cometido, influídos por sua religião, mas por trás de seus atos existe uma nação, que há anos luta contra impérios intrometidos.

O imperialismo é o inimigo da humanidade. Ele faz o terror entrar pelas janelas. Milhões e milhões morrem asfixiados, sem poder dizer sequer um não. Já foram ao Vietnã e perderam para nossa alegria, preparemo-nos pois, chegará o nosso dia, de lutar cantando uma canção.

Pátria ou morte! Pátria ou morte! Viva a solidariedade. É a guerra do míssil contra a carta que leva até a casa do império o pó que envenena o ar, para ele saber como é ruim morrer sem respirar, como faz morrer nosso planeta. Morte ao boi, “ao boi da cara preta” que não pega ninguém, pois as crianças já não têm mais medo de careta.

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Cartas de Amor Nº 17

O NOSSO AFEGANISTÃO

O nosso Afeganistão é aqui com guerra e tudo, governado também por cabeçudos, com apenas uma diferença: lá o povo reage à sentença imposta pela crueldade, aqui apesar da fome imensa, ainda se prega a passividade.

Há um “novo” vocábulo criado pelo imperialismo, descrito em todas páginas de jornais, chamam de bioterrorismo e nada mais, aos ataques sofridos com um pó, mas quem primeiro inventou este arsenal que agora não consegue controlar?

A ciência a serviço do mal, ligada à área da biologia, já na guerra da Coréia no século passado, os americanos têm usado sem se quer prever os requisitos e explodiram uma bomba com mosquitos, eliminando milhares de vidas, e assim se forçou um armistício e as coréias ficaram dividas.

No Vietnã não foi tão diferente, um agente poderoso foi usado, para secar as florestas e facilitar o combate aos guerrilheiros, a guerra terminou muito ligeiro, sem o império ter chegado ao seu intento, mas o veneno ficou e com o vento, foi entrando após a guerra em todos os pulmões, por isso por várias gerações, ali se suporta o sofrimento.

Na guerra do Irã contra o Iraque, onde o império em detrimento da miséria, ensinou o segundo a produzir as bactérias que hoje são usadas nesta fúria insana, comendo as narinas da nação americana, que queimam igual ferro envolto em brasa, o medo chegou às portas de sua casa, e olha que faz apenas uma semana!

Mas a arma mais potente em andamento, que ataca primeiro a legislação, são os trangênicos, meu amigo, meu irmão, que comem as vísceras no atacado. Nos shoppings e nos supermercados, se disparam os mísseis contra a vida, é o bioterrorismo então legalizado, que o povo enganado leva como comida.

Ao contrário do que faziam no passado, onde as ameaça aos humanos eram feitas em segredo, todas as espécies hoje estão com medo a espera de que lhes roubem os seus genes, como os órgãos de crianças que também pelo império econômico traficados, é o terrorismo mais qualificado, que apenas ao império só faz bem.

E o terror da dívida externa? É a ciência econômica a serviço do mal, que dá plenos direitos ao capital, usando siglas para disfarçar o nome, enquanto 50 milhões de brasileiros já não comem, é terror ou não morrer de fome? Por que isto o império ignora? Uma dúzia de crianças morre a cada hora, é o presente e o futuro do Brasil que se consome.

Bioterrorismo, é o termo, pois surgido, criado, alimentado e desenvolvido, pela ganância e a elevada ignorância dos Estados Unidos, que inventaram através de sua ciência, mísseis que valem milhões. Os pobres fazem das cartas seus canhões, e as enviam com cuidado e muito zelo, tendo como custo apenas um simples selo, é o troco dos cordeiros dados aos leões.

Por último, é preciso destacar que, a tecnologia dia a dia foi poluindo o ar. O tratado de Kioto o império não assinou. De que vale o ar condicionado e o computador, se o dono do mundo tem medo de respirar?

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Cartas de Amor Nº 18

A CUBA

Estivemos em Cuba em busca de alento para nossos sentimentos. Era verdade o que se dizia; lá povo é um composto de coragem e ousadia. Não se entrega nem desanima, anda de cabeça erguida demonstrando auto-estima.

A quem vai, a princípio a surpresa é instigante, pergunta-se sobre o grande comandante que, embora o tempo lhe tenha tirado das faces a juventude, comporta-se como um guerrilheiro, move-se o tempo inteiro e aparenta boa saúde.

O que vimos ali, com o que temos aqui, não se compara. O povo segue fielmente os ensinamentos de Martí e Che Guevara. Convencido, não pensa o contrário. Empenha-se no trabalho voluntário.

Os camponeses têm consciência da missão e produzem alimentos para toda a nação. Misturam ideologia e sentimento; há uma estátua de Martí em cada assentamento. Exposto, em uma praça florida. Ali se percebe que a ideologia tem vida.

Como um menino, Fidel passeia entre o povo. É o velho guerrilheiro que encarna as qualidades sonhadas do homem novo. Com sua farda verde oliva, demonstra confiança, não descansa. Anda e abraça com simplicidade, apesar de sua idade.

Perdeu a maciez da pele e a robustez das pernas que o fazem andar mais lento, mas não demonstra fraqueza nem temor. É querido pelo povo por ser este lutador, que, não pára de falar do socialismo, enquanto, sem trégua combate o imperialismo.

Não há propagandas de mercadorias. Nas ruas se respira ar puro e ideologia. Todos sabem, em qualquer idade, o que é a revolução e a ela se dedicam com paixão.

Em Santa Clara está o Che, descansando no memorial com mais 38 guerrilheiros postos em forma, onde ele é o comandante. A arquitetura é feita como se eles descansassem para seguir adiante.

Os valores estão em toda parte. Comprova-se de fato que a revolução é uma arte. As proporções entre nós são diferentes e mudam a consistência. Lá o país é pequeno, mas o povo é a potência. Aqui o país é imenso, mas pequena é a consciência.

O que dizer para aqueles que criticam? Que o socialismo de lá é cheio de defeitos? Para quem quer mordomias, de fato em Cuba não tem jeito. Não cabe lá a “democracia” daqui com suas injustiças astronômicas. Lá o povo tem o básico e não vota em máquinas eletrônicas. Nem por isso deixa de ser feliz, participa ativamente da defesa do país. Quem assim procede é bem visto. Quer mais democracia que isto?

Aos que lá vão e voltam magoados e criticando, é sinal que estão se petrificando.

Quanto a nós, dizemos sem constrangimento, que Cuba representa um farol neste momento. Aceso no meio do oceano, nas barbas do Tio Sam, expondo sua ousadia. É sinal que aquele povo se alimenta de utopia.

Resumindo, pode-se dizer livremente sem apertos: fomos a Cuba, não vimos erro algum; estavam escondidos atrás dos acertos.

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Cartas de Amor Nº 19

AO CHE

Em Santa Clara de longe se avista, o grande comandante comunista. Jovem e esbelto na estátua que o moldura, parecendo ser viva a criatura.

Não há quem não se emocione ao ver o retrato tão fiel, talvez mais do que ficar frente a frente com Fidel.

Em outro ponto, é outra a situação. Pode-se descer e pegá-lo pela mão. Está logo à frente de onde, na batalha decisiva, o trem saiu dos trilhos. Sem o fuzil. Olhar de confiança. Nos braços carrega uma criança como se fosse um filho. Assim também nós nos sentimos, descendentes do comandante que seguimos.

No memorial estão os guerrilheiros, enfileirados como companheiros, a espera da voz do comandante, dando-lhes ordens para seguir adiante. Ali se encontram objetos deformados que foram tão preciosos quando por eles usados.

Mas o Che não está apenas neste velho mostruário. Está no coração do povo, no trabalho voluntário. Na moral, nos valores e nos sentimentos. Na defesa do país e no comportamento.

As crianças têm orgulho de serem socialistas. Defendem a revolução e todas as suas conquistas. Tem no olhar uma chama de esperança. Percebe-se apenas pela voz que são crianças.

A juventude está à disposição, para cumprir socialmente a sua função. Em suas faces já não se vê as velhas cicatrizes, buscam manter da cultura suas raízes e vão, em massa, prestar ajuda solidária a outros países.

Ali se vê que o Che não foi apenas um comandante militar. Mas um ser inquestionável que sentia e sabia amar. Que tinha um pensamento em cada mão, na boca, uma sing ela canção, que atraia os ouvidos de seu povo e ouvindo cada qual se tornou novo.

Este artista arquiteto de um só sonho, que enfrentava o perigo tão risonho, pois sabia o valor que tinha a vida. Como pode sua voz ser esquecida, se suas ordens eram cantos nas trincheiras? Seus planos eram como brincadeiras, de crianças tentando moldar o mundo, por isso era seu carisma tão profundo de enfrentar limites e desrespeitar fronteiras.

Poeta do fuzil que não podia caber só em uma ilha. Seguiu pelas Américas abrindo trilhas, como um raio de luz penetrando nas florestas. Com suas idéias foi rasgando frestas, nas velhas teorias petrificadas. Fez dos passos, teses elaboradas que, a seu ver sempre foram modestas.

Guerreiro da consciência. Lutador para extirpar a ignorância. Deu aos humanos a máxima importância, porque acreditava na ciência. Transformou o conformismo em impaciência. Os limites em degraus entre as batalhas. Colocou os acertos sobre as falhas. Combateu em si mesmo as deficiências.

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Cartas de amor Nº 20

ÀS VERDADES JÁ APRENDIDAS

Não diga que é preciso organizar o povo Nem que os Bancos exploram o cidadão Que a água não pode ser privatizada E o caminho é a revolução.

Que a terra está entregue ao latifúndio A renda está muito concentrada O governo é conivente com o império

Que as idéias socialistas não estão superadas. Que a soberania está quase perdida

O desemprego é irreversível O homem está irreconhecível Porque o consumismo já o venceu. Que há milhões de indigentes pelas ruas A fome come a vida das crianças O povo perdeu as referências A mídia atenta contra a inteligência E a “esquerda” se rendeu.

Não diga que a globalização não é coisa do presente Que a “elite” é inconseqüente

Os governos de “esquerda” são incoerentes E o império já domina a humanidade. Que o problema do povo é a propriedade Que a riqueza é a fonte da violência E que é preciso elevar a consciência. São verdades talvez muito batidas

Que sem ação podem perder a própria vida. Não. Não diga nada!

Pergunte se há um caminho... uma estrada? Se está disposto a alinhar os passos

E convencido a descruzar os braços Para agarrar com força a solução? Pergunte o que é a revolução? Porque é chegado o momento

Onde as palavras já não servem como exemplo. Entenda de uma vez:

Que a dominação e a liberdade podem ter a mesma idade. Há momentos em que uma só olhada

Organiza uma longa caminhada

E incendeia o coração dos que já não se queixam. Acredite, que tudo guarda uma força interna Que as injustiças não conseguem ser eternas

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Cartas de Amor Nº 21

AO NATAL NA REFORMA AGRÁRIA

Neste ano, no natal, não ouviremos sinos, porque as risadas dos “meninos”, que passeiam livres e contentes, já podem mostrar e exibir os seus presentes. Ao contrário de seus pais quando crianças, onde o natal servia apenas de frustrações das esperanças.

Agora nos pés cansados pode-se ver que estão todos calçados. As camas deixaram de ser giraus e a comida melhora sempre mais.

Nas cozinhas fervem as panelas. A energia substitui a luz das velas. Nos terreiros passeiam as galinhas, é a prova de que a lona nunca abandona aquele que com luta o passo alinha.

As lágrimas agora são de emoção. Escorrem pelas faces qual perfume em formação limitando a fonte que do rio e a nascente. Com a alegria de receber e dar presentes, gotejam sem envergonhar o rosto. O pão é comido com mais gosto. Nos berços já não morrem os descendentes.

O natal na reforma agrária tem gosto de vitórias, como se um canto nascesse em cada dia. A ocupação enfim se fez poesia, a decisão também se fez destino, e o homem velho renasceu, se fez menino.

A mãe consegue se deitar mais cedo. Nas noites já não sopra mais o medo de não se ter futuro. O fruto pende dos galhos já maduro. O leite como nas cachoeiras penetra borbulhante em cada mamadeira.

O fogo aceso no terreiro, espera a visita de um guerreiro que partiu e não viu cada vitória. Vive, em todo caso, na memória e festeja soprando as labaredas, que se movem como se fossem de seda.

O mugir dos animais completa os sons da harmonia, que faz do latifúndio um tempo antigo, onde vegetava só capim, agora, enfim, amadurece o trigo.

Violas e violeiros; vultos de outrora renascendo. Roupas que não têm mais os remendos. Chapéus que não estão mais esgaçados. Lembranças que contam o passado. Lágrimas que secam sem surgir. É o tempo de se permitir; viver, sonhar e ser sonhado.

Porteiras escancaradas dormem silenciosas, quietas. Roseiras orvalhadas se emprestam aos poetas que deitam nos jardins para poder amar; sem medo de que alguém venha chamar, ou pedir o lugar destes casais, já há tantos lugares tão iguais, que falta gente para os ocupar.

Neste natal, há mil coisas sendo ditas. Há mil faces rosadas, mais bonitas, há mil beijos saindo em cada boca. Há mil coisas sendo repartidas, há mil desejos a realizar na vida que é tão boa que parece curta e pouca.

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Cartas de amor Nº 22 À POESIA SERTANEJA

Sem a terra repartida, que prazer que tem a vida? Pensava o sertanejo sem um prato de comida. Só um punhado de terra daria conta de sua lida? Onde plantaria seus pés todos cheios de feridas? Se por tudo onde passava, a cerca estava estendida Ia mais rápida do que ele caminhando nas subidas. Com pernas feitas de estacas e a espinha retorcida

De arames com seus grampos, margeando a estrada sem vida. Deitou-se para morrer sob a lona ressequida

Mas teve sorte o poeta de sonhar com a saída E ao acordar divulgou a mensagem recebida

E contou aos seus vizinhos, o que vira em sua dormida. Sonhei com terras plantadas, sonhei com flores floridas Sonhei com casas pintadas... frutas amadurecidas. Sonhei com jovens cantando em escolas construídas Com mulheres liderando as batalhas tão sofridas. Sonhei com árvores grossas e matas verdes crescidas Sonhei com água corrente despencando das descidas. Sonhei com trabalho feito com as minhas mãos despidas Cereais e plantações se transformando em comida

Abraços dados com força em cada espécie de vida. Sonhei com ocupações, marchas e estradas compridas Sonhei com a revolução, multidões vendo saídas Riquezas acumuladas de uma só vez repartidas. Sonhei puxar com as mãos, todas as idéias retidas Em levar conhecimento a consciências adormecidas. A levantar a bandeira de todas causas perdidas Sonhei com grandes vitórias e a dominação vencida. Sonhei com minha cabeça, levantada e bem erguida Sonhei em fazer a história sem coisas dadas escondidas A buscar com minhas forças as coisas oferecidas. Sonhei em fazer do campo de minha pátria querida Um lugar de gente livre se amando em terras carpidas Um espaço de prazer sem ter vontades contidas. E todos os que ouviram, sentiram as forças retidas A moverem devagar as pernas enfraquecidas E levantaram os corpos feito uma água fervida

Borbulhando contra as cercas que fácil foram rompidas E os arames gotejaram toda maldade contida

Ali nasceu uma estrada... nunca mais interrompida. Hoje a terra repartida, dá gosto viver a vida.

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Cartas de Amor Nº 23 AO ANO NOVO

Este ano vai ser bom, choveu em todo o país. Prenuncia a fecundação de um sonho que tem raiz. Se chove na agricultura, a nossa velha cultura diz que o tempo vai ser bom. Com a semente na mão perfura-se todo o chão pra se fazer o plantio, mas, se isso não se fizer, sobre a terra despida ficam marcas e feridas da água que vai pro rio.

O “bem” tem sua aspereza, semelhante à rapadura, que oferece doçura extraída da dureza. Assim é a natureza e a vida que segue em frente, quando o “bem” fica doente é preciso ter cuidado, porque o sonho plantado pode morrer com a semente!

Mas o ano vai ser bom também para quem lutar, é preciso semear nesta terra preparada. É preciso resgatar (isto é uma grande verdade), a nossa privacidade duramente escrafunchada. Onde os nossos inimigos semearam muito medo, descobriram alguns segredos de nossa germinação, por isso com as próprias mãos, torturam os brotos nascendo.

Recompor nossos segredos é a tarefa imediata. Sem eles, as velhas chibatas baterão sem resistência, porque toda persistência vem de segredos mantidos. Mas, quando são descobertos, os inimigos ficam certos, de nos terem demolido.

Muitas forças de esquerda se queimaram com a luz, já são brotos de bambus num caule oco grudados, iludidos, mascarados, já sem criatividade, pensam que sem germinar podem crescer e chegar a ter própria identidade.

A identidade do broto é a do caule que o sustenta, enquanto o caule agüenta o broto segue com vida. Mas quando há epidemias, ou fortes crises de vento, o mesmo comportamento tem o broto infeliz, porque da velha matriz vem sua profissão de fé, pois é a mesma raiz que os faz ficar em pé.

As sementes não são brotos, têm raízes independentes, crescem e são resistentes, tendo a própria identidade. Germinam no campo certo, fazem surgir o projeto de uma nova sociedade.

Isso é que dá garantia aos segredos preservados, os brotos domesticados já não querem ter segredos, para não se surpreenderem por isso tremem de medo, sempre que o caule balança, como se fossem crianças querendo adormecer, e na sua ilusão louca, levam o dedo até a boca e fingem sentir prazer.

Se no país chove bem, bem a semente germina, renasce a auto-estima e passa a ser o fenômeno, é este o grande termômetro que mede a germinação, quando com o coração rega-se a força dos passos e sustenta-se com os braços o projeto em formação.

Ser fenômeno das mudanças com suas mil inovações. Fazer nossas plantações com sementes naturais. Reproduzir nos quintais, hortaliças e pomares; plantar em todos os lugares vontade de lutar mais.

Ser fenômeno político que atrai a juventude. Mostrar, tomar atitudes frente a degeneração. Dar ao jovem condição de ser também dirigente; colocá-lo frente a frente com a própria libertação.

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Cartas de Amor Nº 24 ÀS PALAVRAS

Falar a verdade é importante; mas não deve haver nada mais atormentante que a alma dos políticos. Usam a boca como arma para disparar palavras sem prudência, fazem isto para se garantir, mas não deixam de ferir de morte as suas próprias consciências.

Quando o político é eleito, só elogios se vêm sair da caixa de seu peito. Quando perde, fica retrancado: não fala de imediato; analisa os fatos para depois emitir o seu “achado”.

Quando perde uma, duas, três e vai tentar a quarta vez, no desespero, começa a elencar os erros. Rebela-se de um jeito bem primário e aventureiro; acha que os adversários o derrotaram não pelas virtudes, mas pelas palavras rudes usadas pelos companheiros.

Assim expõe a sua sentença: “Quereis vós, que vosso candidato vença com esse palavreado? Que iremos re-estatizar as empresas já privatizadas, resgatar o dinheiro, não pagar a dívida externa e estatizar o sistema financeiro? Isto não se diz mais não senhor, nem mesmo em campanhas para vereador! Muito menos para presidente. As palavras devem ser bem diferentes!”.

Dizem que o peixe morre pela boca, isto é verdadeiro? Quem morre pela boca é o político interesseiro; com uma advertência: morre em sua consciência por primeiro.

Com belas falações, questiona os companheiros em suas razões: “Porque é que perdemos tantas eleições?” E dispara a resposta desta vez sem emissários: “Não pode ser pelas virtudes de nossos adversários!”

Vejamos então. Se há doze anos a esquerda não ganha a eleição por ter a língua afiada, significa que seus erros estão nas palavras “mal” faladas? Esta é a lógica da reflexão: falando “bem”, a direita ganhou cada eleição!

Então o jeito é se “desmanchar”. Deixar de falar tão diferente, engrenar um discurso eloqüente que não diga nada, mas que engane muita gente.

Na verdade o que está sendo dito, há muito tempo na memória vem escrito. Pelos ternos bem cortados já transparecia. Para alguns porém era bobagem, mas de fato, nesta tenção imensa, a linguagem era ainda o que fazia a diferença.

Por isso é preciso prestar sentido: Neste país, de esquerda ainda há algum partido? Se pelo sim, responda com ações. Se pelo não, poupe o ar de seus pulmões.

Não é virtude ao errado se igualar. Mudar o discurso e rastejar para ver se a elite o aceita. A verdade é dizer sem emoção, a “esquerda” já perdeu a próxima eleição, e não é por capricho nem vingança, é que na elite há pessoas de inteira confiança e não será mudando de discurso nem de jeito, que um candidato de fora desta classe será aceito. A não ser que seja por acidente, mas aí o candidato já estará bem diferente.

É uma pena ver os sonhos desfolhados, mas os passos haviam denunciado, que, por falta de formação e militância, os combates perderam a importância. Por isto sobraram as palavras para modificar neste arsenal. Isto frustra quem ainda da revolução é um devoto, mas o segredo está em que, para caçar votos, é inútil um quadro formador, precisa-se em cada esquina de um bom “atirador” (de palavras afinal), conhecido como cabo eleitoral. Há milhares no Brasil com nome e endereço, o que diferencia um do outro, é apenas o preço.

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