INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
MARÍLIA ALFENAS DE OLIVEIRA SÍRIO
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS, EPIDEMIOLÓGICAS E CONCENTRAÇÕES DE SÓDIO E POTÁSSIO NO COLOSTRO DE NUTRIZES HIPERTENSAS E
NÃO HIPERTENSAS, ATENDIDAS EM UM SERVIÇO DE SAÚDE EM MARIANA, MG
MARÍLIA ALFENAS DE OLIVEIRA SÍRIO
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS, EPIDEMIOLÓGICAS E CONCENTRAÇÕES DE SÓDIO E POTÁSSIO NO COLOSTRO DE NUTRIZES HIPERTENSAS E
NÃO HIPERTENSAS, ATENDIDAS EM UM SERVIÇO DE SAÚDE EM MARIANA, MG
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Biológicas do
Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, da
Universidade Federal de Ouro Preto, como
parte integrante dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Biológicas, área de concentração:
Bioquímica Estrutural e Fisiológica
Orientador:
Prof. Dr. Marcelo Eustáquio Silva
Catalogação: sisbin@sisbin.ufop.br
S619c Sírio, Marília Alfenas de Oliveira.
Características clínicas, epidemiológicas e concentração de sódio e potássio no colostro de nutrizes hipertensas e não hipertensas, atendidas em um serviço de saúde em Mariana, MG . [manuscrito] / Marília Alfenas de Oliveira Sírio. – 2005.
xvi, 125f.: il.,tab.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Eustáquio Silva.
Área de concentração: Bioquímica estrutural e fisiológica.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas.
1. Hipertensão - Teses. 2. Puerpério – Teses 3. Sódio – Teses. 4. Potássio - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Núcleo de pesquisas em Ciências Biológicas. II. Título.
A meus pais Alencar e Maria,
a meu esposo Luiz Carlos,
AGRADECIMENTOS
A DEUS,
meu parceiro de todos os momentos,
agradeço esta oportunidade
e a alegria de poder concluir
mais este sonho.
AO ORIENTADOR
Prof. Dr. Marcelo Eustáquio Silva,
meus sinceros agradecimentos
pelo conhecimento científico compartilhado
pelos conselhos ditados pela experiência
pelo tempo dedicado
pela segurança transmitida
pelo apoio
pela paciência
Ao Sr. José da Cruz Vieira, ex-administrador da SBSC – Hospital Monsenhor Horta,
que aprovou e viabilizou a realização deste estudo.
Às nutrizes, pela imprescindível participação.
Ao Dr. Arnaldo Alves da Silva, grande estudioso da hipertensão arterial, com quem
discuti muitos artigos e cuja opinião foi, para mim, valiosa.
À Maria Elizabeth Gomes Murta, bioquímica da SBSC- Hospital Monsenhor Horta,
sempre disposta a responder meus questionamentos, quando este estudo era apenas um
projeto.
À enfermeira Adriana Guerra pela colaboração na aplicação da metodologia escolhida.
Ao Prof. Cornélio de Freitas Carvalho, por ceder o laboratório de Química do ICEB
para a realização das dosagens propostas.
À Profª Cristina Passos, que elegemos como nossa co-orientadora.
Ao Prof. Rinaldo Cardoso dos Santos, pela revisão criteriosa deste trabalho.
A Antônio Otávio de Souza Sobrinho, estudante do curso de Química Industrial, que
auxiliou na realização das dosagens bioquímicas.
A Heberth de Paula, pela assistência no processamento dos dados.
À Cida, Goreth e Jair, pela atenção, carinho e competência na função que exercem na
Secretaria do NUPEB, Biblioteca da ENUT e Laboratório de Nutrição Experimental da
ENUT, respectivamente.
Aos professores do NUPEB, por terem me proporcionado grandes momentos de
aprendizagem e atualização de meus conhecimentos científicos.
Aos colegas do mestrado, especialmente a Ana Paula e Maria Luísa, pela amizade e
apoio e à Cléia Barbosa, nutricionista entusiasta do aleitamento materno, com quem
RESUMO
O colostro, que é o primeiro leite secretado após o parto, é rico em proteínas,
vitaminas e sais minerais, dentre eles o sódio e o potássio. Estes são dois nutrientes
essenciais ao organismo e estão envolvidos na regulação da osmolaridade, pH e volume
dos líquidos corporais. Já é bem documentado o papel do sódio na regulação da volemia
e um consumo elevado de sódio, principalmente por indivíduos sal-sensíveis, é
fundamental na gênese da hipertensão arterial sistêmica. O potássio exerce uma função
protetora contra a hipertensão, frente a um elevado consumo de sódio. O objetivo deste
estudo foi comparar as concentrações de sódio e potássio no colostro de 48 horas de 105
puérperas nutrizes, sendo 33 hipertensas e 72 não hipertensas, atendidas na SBSC –
Hospital Monsenhor Horta, em Mariana-MG, de junho a novembro de 2003. Dados
dessas nutrizes foram obtidos de entrevista estruturada e busca em prontuários médicos.
A coleta do colostro seguiu técnica recomendada por VINHA (1987, 1994) e as
determinações dos íons no colostro seguiram recomendações de KEENAN et al (1982).
As nutrizes foram selecionadas para os grupos das não hipertensas (68,6 %) com média
de PA de internação de 111/70 mmHg e hipertensas (31,4%) com média de PA de
internação de 159/103 mmHg. As médias das concentrações de sódio e potássio obtidas
no colostro de 48 horas das nutrizes não hipertensas foram, respectivamente, 87,2 (±
4,31) mmol/L e 14,45 (± 4,24) mmol/L, e no grupo das nutrizes hipertensas foram,
respectivamente, 87,75 (± 11,83) mmol/L e 14,49 (± 4,24) mmol/L. Quando se testaram
associações da hipertensão com os níveis de sódio e potássio no colostro, bem como
com as variáveis: idade, paridade, história familiar (mãe e pai) de hipertensão arterial
sistêmica, idade gestacional, peso do recém-nascido e fatores socioeconômicos, apenas
a idade e a paridade associaram significativamente com a hipertensão (p≤0,05). Quando se testaram associações das concentrações de sódio e potássio com as variáveis acima
citadas, encontrou-se associação significativa (p≤0,05) da variável história paterna de hipertensão com a concentração de sódio no colostro, e da variável idade com a
concentração de potássio no colostro. Pelo presente estudo conclui-se que as médias das
concentrações de sódio e potássio no colostro de 48 horas das nutrizes não hipertensas e
hipertensas não apresentaram diferenças significativas.
ABSTRACT
Colostrum, the first milk secreted after delivery, is rich in proteins, vitamins and
minerals, sodium and potassium amongst them. These are essential nutrients to the
organism and are involved in the regulation of osmolarity, pH and volume of corporals
fluids. The role of sodium in the regulation of volemy is well documented and a high
sodium intake, especially by sal-sensivite individuals, is considered as fundamental in
the genesis of arterial systemic hypertension. Potassium exerts a protective function
against hypertension in the presence of a high sodium intake. The aim of this study is
comparing the concentrations of sodium and potassium in the 48-hour colostrum of 105
breast-feeders mothers in postpartum period, 33 hypertensive and 78 non hypertensive,
attended at SBSC - Monsenhor Horta hospital, Mariana, MG, from june to november
2003. Data from these mothers were obtained from a structured interview and from a
search in the medical registers of patients. Colostrum collection followed the technique
recommended by Vinha (1987, 1994) and ion determinations in colostrum were done
according to Keenan et al. (1982). Mothers were selected for the groups of non
hypertensive (68,8%) with average of admission blood pressure of 111/70 mmHg and
hypertensive (31,4%) with average of admission blood pressure of 159/103 mmHg. The
average concentrations of sodium and potassium obtained from 48-hour colostrum of
non hypertensive mothers were respectively 87,2 (± 14,31) mmol/L and 14,45 (± 4,24)
mmol/L; amongst the hypertensive ones the values were 87,75 (± 11,83) mmol/L and
14,40 (± 4,24) mmol/L. When associations of hypertension with colostrum levels of
sodium and potassium, as well as the variables: age, parity, family (father and mother)
history of hypertension, gestational age, weight of the newborn and socioeconomical
factors were tested, only age and parity were significantly associated with hypertension
(p≤0,05). When associations of sodium and potassium concentrations with the above cited variables were tested, positive results (p≤0,05) were found between age and colostrum potassium concentrations. In the present study the average concentrations of
sodium and potassium in the colostrum of non hypertensive and hypertensive
breast-feeders mothers showed no significant differences.
SUMÁRIO
RESUMO ...VI
ABSTRACT...VII
1. INTRODUÇÃO...1
2. REVISÃO DA LITERATURA...3
2.1. Aleitamento Materno...3
2.1.1. A síntese do leite humano...3
2.1.1.1. Aspectos morfofisiológicos da lactação...3
2.1.1.2. A produção celular do leite humano...5
2.1.1.3. Controles neuroendócrinos da lactação...8
2.1.2. O colostro...9
2.1.3. Sódio e potássio no leite humano...12
2.1.4. A percepção do sabor salgado...14
2.1.5. Amamentação e a idade materna...16
2.1.6. Breve histórico do aleitamento materno no Brasil ...18
2.2. Hipertensão Arterial ...25
2.2.1.Definição e dados epidemiológicos...25
2.2.2. Aspectos etiopatogênicos e fisiopatológicos...27
2.2.3. Regulação da pressão arterial...30
2.2.4. Sódio, potássio e a hipertensão arterial...35
2.2.5. A sensibilidade ao sal...42
2.2.6. A hipertensão na gestação...46
2.2.7. Fatores de risco na infância para HAS tardia...51
3. OBJETIVOS...56
3.2. Objetivos específicos...56
4. MATERIAL E MÉTODOS...57
4.1. Natureza do estudo...57
4.2. População do estudo...57
4.3. O processo amostral...58
4.4. Instrumento de coleta de dados...60
4.5. Obtenção da amostra...60
4.6. Preparação da amostra e análise...62
4.7. Variáveis obtidas da entrevista...62
4.7.1. Idade materna...62
4.7.2. Paridade...62
4.7.3. História familiar de HAS...62
4.7.4. Idade gestacional...63
4.7.5. Peso ao nascer...63
4.7.6. Indicadores socioeconômicos...63
4.8. Análise estatística...63
4.9. Aspectos éticos...63
5. RESULTADOS...64
5.1. Forma de apresentação...64
5.2. Caracterização das nutrizes...65
5.3. Caracterização dos grupos de nutrizes não hipertensas e hipertensas...73
5.4. Concentrações de sódio e potássio no colostro...78
5.5. Estudos de associações...82
6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...88
6.2. Hipertensão...96
6.3. Níveis de sódio e potássio no colostro das nutrizes...100
6.4. Estudos de associações com as concentrações de sódio e potássio no colostro...106
7. CONCLUSÕES...109
8. PERSPECTIVAS...110
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...111
Lista de Gráficos e Tabelas
GRÁFICO 1. Distribuição das nutrizes do estudo, atendidas na SBSC – Hospital
Monsenhor Horta, em Mariana - MG, quanto ao estágio de vida: adolescentes (10 a 19
anos) e adultas (idade igual ou superior a 20 anos) nas diferentes faixas etárias
GRÁFICO 2. Distribuição das nutrizes do estudo, atendidas na SBSC – Hospital
Monsenhor Horta, em Mariana – MG, quanto a paridade: primíparas (que tiveram
apenas um parto) e multíparas (que tiveram mais de um parto), por faixa etária.
GRÁFICO 3. Distribuição das nutrizes do estudo, atendidas na SBSC – Hospital
Monsenhor Horta, em Mariana – MG, quanto à procedência: zona rural e zona urbana,
por faixa etária
GRÁFICO 4. Distribuição percentual por faixa etária, das nutrizes do estudo, atendidas
na SBSC – Hospital Monsenhor Horta, em Mariana – MG, segundo a renda familiar
bruta mensal, em termos de números de salários mínimos
GRÁFICO 5. Distribuição percentual por faixa etária, das nutrizes do estudo, atendidas
na SBSC – Hospital Monsenhor Horta, em Mariana - MG, segundo o comparecimento
ao pré-natal
GRÁFICO 6. Distribuição percentual por faixa etária, das nutrizes do estudo atendidas
na SBSC – Hospital Monsenhor Horta, em Mariana - MG, segundo o acesso a
GRÁFICO 7. Distribuição percentual das nutrizes adolescentes atendidas na SBSC –
Hospital Monsenhor Horta, em Mariana – MG, segundo o acesso a orientações para o
sucesso do aleitamento materno através de diferentes agentes: profissionais da saúde
(Prof), amigos, parentes, livros, revistas e televisão (TV)
GRÁFICO 8. Distribuição percentual das nutrizes adultas atendidas na SBSC – Hospital
Monsenhor Horta, em Mariana – MG, segundo o acesso a orientações para o sucesso do
aleitamento materno através de diferentes agentes: profissionais da saúde (Prof),
amigos, parentes, livros, revistas e televisão (TV)
TABELA 1. Classificação diagnóstica da hipertensão arterial
TABELA 2. População estimada de adolescentes e adultos na cidade de Mariana, MG,
em 2004
TABELA 3. Aspectos dos nascimentos, no período de 1998 a 2001 no município de
mariana, MG
TABELA 4. Caracterização das nutrizes do estudo – número (n) e porcentagem (%),
atendidas na SBSC – Hospital Monsenhor Horta, em Mariana - MG, quanto à idade,
paridade e história familiar de hipertensão, idade gestacional e peso do recém-nascido, e
distribuição dessa população nos grupos das nutrizes não hipertensas e hipertensas que
apresentaram: hipertensão arterial sistêmica crônica, doença hipertensiva específica da
gravidez (DHEG) ou DHEG superposta à hipertensão arterial crônica (DHEG + HASc)
TABELA 5. Média dos pesos dos recém-nascidos (RNs), em gramas, das nutrizes
atendidas na SBSC - Hospital Monsenhor Horta, em Mariana-MG, que compuseram os
TABELA 6. Média dos valores, em mmHg, obtidos das aferições das pressões arteriais
sistólicas de internação (PASI) e de coleta (PASC) e pressões arteriais diastólicas de
internação (PADI) e de coleta (PADC), das nutrizes atendidas na SBSC - Hospital
Monsenhor Horta, em Mariana – MG., distribuídas nos grupos das nutrizes não
hipertensas e hipertensas
TABELA 7. Médias das concentrações de sódio e potássio, em mmol/L, no colostro
das nutrizes atendidas na SBSC - Hospital Monsenhor Horta, em Mariana-MG,
distribuídas nos grupos das nutrizes não hipertensas e hipertensas
TABELA 8. Médias de sódio e potássio (em mmol/L) no colostro das nutrizes do
estudo, caracterizadas pelas variáveis biológicas: estágio de vida, paridade, história
familiar de hipertensão, idade gestacional e peso do recém-nascido, atendidas na SBSC
- Hospital Monsenhor Horta, em Mariana, MG.
TABELA 9. Associação entre as variáveis maternas, peso ao nascer, aspectos do
pré-natal e situação sócio-econômica das nutrizes atendidas na SBSC – Hospital Monsenhor
Horta, em Mariana - MG, e a presença ou ausência de hipertensão arterial nas nutrizes
do estudo
TABELA 10. Associação entre as variáveis maternas, peso ao nascer, aspectos do
pré-natal e situação sócio-econômica das nutrizes atendidas na SBSC – Hospital Monsenhor
Horta, em Mariana - MG, e os valores de sódio referidos como faixa de normalidade
TABELA 11. Associação entre as variáveis maternas, peso ao nascer, aspectos do
pré-natal e situação sócio-econômica das nutrizes atendidas na SBSC – Hospital Monsenhor
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS NESTE ESTUDO
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
SBSC – Sociedade Beneficiente São Camilo
HAS – hipertensão arterial sistêmica
HASc – hipertensão arterial sistêmica crônica
DHEG – doença hipertensiva específica da gestação
PS – pressão sangüínea
PAS – pressão arterial sistólica
PASI – pressão arterial sistólica de internação
PASC – pressão arterial sistólica de coleta
PAD – pressão arterial diastólica
PADI – pressão arterial diastólica de internação
PADC – pressão arterial diastólica de coleta
Na – sódio
K – potássio
RN – recém-nascido
Significado das Palavras-Chaves
- Hipertensão Arterial Sistêmica: níveis pressóricos iguais ou superiores a 140/90
mmHg para a população adulta.
- Puerpério: período em que as modificações locais e sistêmicas provocadas pela
gravidez e parto no organismo da mulher retornam à situação do estado pré-gravídico.
- Sódio: é o cátion mais abundante no espaço extracelular dos seres do reino animal,
determinando o volume de fluido estracelular. Regula a osmolaridade, pH e volume dos
líquidos corporais.
- Potássio: é o principal cátion do líquido intracelular. Juntamente com o sódio está
envolvido na manutenção do equilíbrio hídrico normal, equilíbrio osmótico e equilíbrio
1. INTRODUÇÃO
Muito tem-se estudado sobre a nutrição dos seres humanos e sua relação com as
doenças crônico-degenerativas na vida tardia. Em se tratando de nutrição, o primeiro e
mais natural dos alimentos disponíveis ao ser humano é o leite materno e, mais
especificamente, o colostro: a primeira secreção das glândulas mamárias destinada ao
recém-nascido, que lhe confere nutrição, hidratação e proteção. O leite materno é
extremamente defendido como o alimento mais apropriado e seguro ao lactente. Mota
(1990) cita Guimarães, que em 1858 já afirmava ser o leite humano um alimento
especial e de excelência, e recomendava usar nos primeiros seis meses, leite humano
exclusivo e, só após o aparecimento dos primeiros dentes, introduzir outros alimentos.
Inúmeros trabalhos foram realizados sobre a composição química do leite
materno, na tentativa de desvendar o que o torna capaz de garantir o crescimento e
desenvolvimento adequado da criança no primeiro ano de vida. Sabe-se hoje, da
presença de imunoglobulinas capazes de conferir imunidade ao lactente, da quantidade
de ferro que, embora seja pequena, é de ótima biodisponibilidade ao organismo do
recém-nascido, dos ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa, dentre eles o
docosahexaenóico, de grande importância para o desenvolvimento do sistema nervoso,
da estrutura especial da caseína (micelas pequenas e leves) que a torna melhor digerível.
Ainda assim, a composição do leite humano ainda não foi exaustivamente estudada.
Poucos trabalhos abordaram a composição do leite materno com relação aos íons sódio
e potássio. Poucos trabalhos também abordaram qualquer relação do leite materno a
enfermidades. O presente estudo tem o propósito de investigar a possível existência
dessa relação.
Neste contexto, considerando as doenças crônico-degenerativas, e tendo a
nutrição como uma de suas múltiplas causas, ressaltamos a hipertensão arterial que é, na
atualidade, um dos males de maior prevalência na população mundial, observado nos
diferentes grupos étnicos e nas diversas faixas etárias, alcançando altas taxas de
morbi-mortalidade. Já é fato comprovado na comunidade científica a correlação entre a
elevada ingestão de sódio e a hipertensão arterial em animais de laboratório e nos seres
elevação dos níveis pressóricos em conseqüência ao consumo de uma dieta
hiperssódica.
O consumo de sódio entre 5 e 15 mmol/dia para crianças de zero a seis meses e
entre 11 e 33 mmol/dia para a idade de seis a doze meses é considerado apropriado,
seguro e adequado. Consumos excedentes a estes valores deveriam ser evitados como
medida de precaução para crianças, que podem ser hereditariamente predispostas à
hipertensão arterial sistêmica (SCHAEFER & KUMANIKA, 1985).
Segundo Contreras (1978), a exposição precoce a alimentos altamente salgados
pode promover um consumo crônico excessivo de sal, na medida em que o apetite
humano para quantidades supra-normais de sal é suposto de ser culturalmente induzido.
Uma vez adquirido, na primeira infância, o hábito do consumo de elevadas
concentrações de sódio, e baixas concentrações de potássio, o ser humano teria maior
predisposição às doenças cardiovasculares, independente do contexto social em que se
insere ou da existência de um fator genético que o predispõe à hipertensão arterial
sistêmica.
Nota-se, então, a importância de se estudar a nutrição infantil para, se
necessário, propor mudanças precoces no hábito alimentar, que venham beneficiar a
saúde, prevenindo patologias futuras e garantindo uma melhor qualidade de vida ao ser
humano.
Poderia, então, o leite materno de nutrizes hipertensas conter níveis de sódio e
potássio inapropriados ao recém-nascido, expondo-o a condições de risco para
hipertensão arterial na vida adulta? Para conhecer as concentrações de sódio e potássio
no colostro de 48 horas de nutrizes hipertensas e não hipertensas, realizou-se o presente
estudo envolvendo as nutrizes atendidas na clínica obstétrica da Sociedade Beneficente
São Camilo – Hospital Monsenhor Horta, situado na cidade de Mariana, MG, no
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. ALEITAMENTO MATERNO
2.1.1. A SÍNTESE DO LEITE HUMANO
2.1.1.1. ASPECTOS MORFOFISIOLÓGICOS DA LACTAÇÃO
Lactação é uma característica única dos mamíferos e esta capacidade de
proporcionar alimento ideal para filhos, independente da estação do ano, confere-lhes
vantagens evolutivas sobre outras espécies (OMS, 1994). O leite é produzido na
glândula mamária mais especificamente nas células alveolares (EUCLYDES, 1997).
As glândulas mamárias sofrem a maioria de sua morfogênese pós-natalmente na
adolescência e idade adulta, em contraste com a maioria dos órgãos, que são
desenvolvidos pré-natalmente (LAWRENCE & LAWRENCE, 1999).
O desenvolvimento intra-uterino da glândula mamária se inicia no fim da 6ª
semana de gestação (OMS,1994). Valdés et al (1996) e Carmo et al. (2002) discorrendo
sobre a fisiologia mamária, citam 3 fases distintas do processo de lactação: a
mamogênese - desenvolvimento da glândula mamária e início da produção do leite na
gestação, a lactogênese (ou apojadura) - início da lactação e a lactopoiese (ou
galactopoiese) - manutenção da lactação.
As mamas são preparadas para a amamentação desde a 16ª semana de gestação,
sem nenhuma intervenção ativa da mãe. Elas se mantêm inativas devido a um balanço
de hormônios inibitórios que suprimem as respostas de células-alvo. Nas primeiras
horas e dias pós-parto, as mamas respondem a mudanças no meio hormonal e a
estímulos gerados pela sucção do recém-nascido, para produzir e liberar o leite
(LAWRENCE & LAWRENCE, 1999).
Uma complexa seqüência de eventos, governada pela ação hormonal, prepara a
mama para a lactação. A proliferação lóbulo-alveolar e ductal dependem de hormônios
sexuais, especialmente o estrógeno. Pouco antes da puberdade, uma expansão mais
rápida do sistema de ductos inicia-se nas fêmeas, sob ação do estrogênio. O completo
crescimento dos alvéolos requer estimulação pela progesterona (LAWRENCE &
LAWRENCE,1999).
A glândula mamária é formada por três tipos de tecidos: o glandular do tipo
túbulo-alveolar, o conjuntivo, que conecta os lóbulos e o adiposo, que ocupa os espaços
inter-lobulares (VALDÉS et al., 1996).
Figura 1. Anatomia da Mama
Na mulher madura a mama contém entre 15 a 25 segmentos ou lóbulos de tecido
glandular envolvidos pelo tecido conjuntivo (OMS,1994). Segundo King (1994), o
tecido glandular formando alvéolos, produz o leite que posteriormente é conduzido ao
mamilo através de pequenos canais ou ductos. Antes de atingir o mamilo, os ductos se
tornam mais largos e formam os seios lactíferos, nos quais o leite é armazenado.
Aproximadamente 10 - 20 ductos muito finos ligam os seios lactíferos ao exterior,
através do mamilo (KING, 1994). Segundo a OMS (1994), os ductos mamários
principais (seios lactíferos) se distendem sob a aréola, área pigmentada em volta do
milímetros da superfície da pele, serve provavelmente como um marcador visual para o
bebê. O leite é coletado nos seios lactíferos, que são comprimidos tanto na
amamentação quanto na ordenha manual.
2.1.1.2. A PRODUÇÃO CELULAR DO LEITE HUMANO
A biossíntese do leite envolve um sítio celular onde ocorrem os processos
metabólicos (LAWRENCE & LAWRENCE, 1999). A secreção do leite é o processo
pelo qual as células epiteliais dos alvéolos da glândula mamária sintetizam os
constituintes do leite e os entregam ao lúmen glandular (VALDÉS, et al., 1996).
Os alvéolos mamários e os condutos menores são recobertos por uma camada de
células epiteliais que secretam continuamente ao lúmen (NEVILLE, 1987). Os
componentes do leite são obtidos por síntese da célula mamária ou por transporte do
plasma sanguíneo através destas células. Cada célula secretora da glândula mamária
funciona como uma unidade completa, produzindo leite com todos os seus constituintes
(VALDÉS et al., 1996).
As células secretoras são polarizadas com abundante retículo endoplasmático
rugoso e dictiossomos Golgi acima do núcleo, que é pequeno e rodeado por muitas
mitocôndrias. A superfície apical tem microvilosidades e a superfície basal é
extensivamente convoluta para o transporte ativo de materiais da corrente sangüínea
para dentro da célula. As células secretoras são cuboidais, mudando para uma forma
cilíndrica pouco antes da secreção do leite (LAWRENCE & LAWRENCE, 1999).
Neville (1991), Valdés, et al, (1996) e Lawrence & Lawrence (1999) relataram
sobre os mecanismos pelos quais os constituintes do leite são carreados pela célula
epitelial do alvéolo até o lúmen alveolar. Segundo esses autores, os mecanismos são:
- Difusão: água e íons monovalentes (sódio, potássio, cloro, etc.) se
difundem através da membrana das células alveolares até o lúmen
- Exocitose: a membrana que envolve proteínas e certos carboidratos se
funde à membrana celular, que se abre e deixa sair a proteína livre de sua
membrana envolvente até a luz alveolar.
- Proteínas, lactose, cálcio, fosfato e citrato são armazenados dentro das
vesículas do Golgi e passam para dentro do lúmen dos alvéolos por
exocitose.
- Secreção apócrina: os lipídios são secretados por este mecanismo, no
qual a célula perde parte de sua membrana e citoplasma e passa a fazer
parte dos glóbulos de gordura.
- Pinocitose: as imunoglobulinas são transportadas pelas células alveolares
através de um receptor transcelular.
- Via Paracelular: onde células e outros componentes obtidos do plasma ou
fluído intersticial passam livremente para o lúmen alveolar através dos
espaços intercelulares, existentes durante a gestação, mas que se fecham
assim que a lactação seja bem estabelecida.
Segundo Valdés et al. (1996), nos três primeiros dias pós-parto as mamas
aumentam de volume e o fluxo sangüíneo das mamas aumenta ainda mais. As células
secretoras aumentam de tamanho, mostram abundante retículo endoplasmático,
desenvolvido aparelho de Golgi e numerosas microvilosidades no seu pólo apical.
Inicia-se o fechamento dos espaços intercelulares e quando os alvéolos se distendem
para secreção do colostro (ou do leite), as células epiteliais perdem sua forma cuboidal e
tornam-se achatadas.
Durante a gestação, a glândula mamária acumula no lúmen dos alvéolos uma
substância denominada de pré-colostro, também chamada de leite pré-parto (ALLEN,
1991). O pré-colostro é formado principalmente por exsudato do plasma, células,
imunoglobulinas, lactoferrina, soroalbumina, sódio, cloro e uma pequena quantidade de
lactose (VALDÉZ, 1996). Segundo Lawrence & Lawrence (1999) sua composição
durante a gravidez, permitindo que fluidos e solutos fluam entre o espaço lácteo e o
fluido intersticial da glândula mamária. Sódio, potássio, cloro, magnésio, cálcio, fosfato,
sulfato e citrato passam através da membrana das células alveolares em ambas direções.
Água também passa em ambas direções, predominantemente das células alveolares, mas
também do fluído intersticial.
Allen, et al. (1991), relatam, segundo dados obtidos do estudo da composição do
leite humano, uma concentração de sódio no leite pré-parto igual a 61,3 ± 25,8 mmol/L
e de potássio igual a 18,3 ± 5,6 mmol/L.
À iniciação da lactação, mudanças nas junções “tight” de vazadas para muito
justas bloqueiam o movimento paracelular de lactose e íons (LAWRENCE &
LAWRENCE, 1999). Segundo Allen, et al. (1991) a via paracelular se fecha e a
concentração de sódio e cloro no leite sugere que o fluxo através da via paracelular deva
ser muito baixo comparado com processos da membrana plasmática que opera para
manter a concentração dessas substâncias no leite.
Presume-se que a concentração intracelular de potássio é mantida alta, e aquela
de potássio baixa, por uma bomba na membrana basal (LAWRENCE &
LAWRENCE,1999). Nickerson & Akers (1984) afirmam que durante o estabelecimento
da lactação há um fluxo constante de íons do epitélio alveolar para o leite que é
continuamente produzido. Para Lawrence & Lawrence (1999), o sódio e o potássio são
distribuídos de acordo com o gradiente de potencial elétrico. O leite é eletricamente
positivo, quando comparado com o fluido intracelular.
Nos primeiros dias após o parto, a glândula mamária secreta o colostro: um
fluído amarelado e viscoso que preenche as células alveolares no último trimestre da
gestação, sendo secretado por alguns dias após o nascimento (OMS,1994; KING, 1994;
2.1.1.3. CONTROLES NEUROENDÓCRINOS DA LACTAÇÃO
A produção do leite numa glândula mamária previamente preparada depende
fundamentalmente da prolactina, hormônio hipofisário que atua nas células alveolares
determinando a síntese do leite (OMS, 1994, VALDÉS, et al.1996, CARMO et al,
2002).
No terceiro trimestre da gravidez, os níveis plasmáticos de prolactina estão
muito elevados, contudo sua ação galactopoiética permanece bloqueada pelos altos
nÍveis de esteróides placentários, especialmente a progesterona (VALDÉS et al., 1996).
Os receptores lactogênicos que têm afinidade semelhante para prolactina e lactogênio
placentário humano (HPL), são predominantemente ocupados pelos HPL (LAWRENCE
& LAWRENCE, 1999). A dequitação placentária determina o brusco decréscimo dos
hormônios placentários, desbloqueando a glândula mamária face ao estímulo da
prolactina, iniciando-se a lactogênese (VALDÉS, et al. 1996).
A OMS (1994) descreve sobre os reflexos maternos envolvidos na lactação: o da
produção do leite, envolvendo o hormônio prolactina e o de ejeção de leite envolvendo
a ocitocina. Ambos são sensíveis à força motora da lactação: a sucção. A estimulação
das terminações nervosas do complexo mamilo-areolar pelo bebê envia impulsos pela
via neural reflexa aferente para o hipotálamo, resultando na secreção de prolactina pela
hipófise anterior e ocitocina pela hipófise posterior. A prolactina ganha a corrente
sangüínea, chega às mamas e estimula a produção alveolar inicial, ativa a transcrição de
genes relacionados à síntese de proteínas do leite, da alfa-lactalbumina e, portanto, da
lactose nas células alveolares.
O leite que encontra-se nos alvéolos mamários não flui espontaneamente até os
seios lactíferos, devido à pressão capilar dentro dos condutores microlobulares e,
portanto, não se encontra disponível ao lactente. Este só pode extrair o leite da glândula
mamária quando o leite chega aos seios lactíferos como resposta ao reflexo de descida
do leite (VALDÉS et al., 1996). Da mesma forma que a prolactina, a ocitocina é
produzida quando as terminações nervosas do mamilo são estimuladas pela sucção
Segundo Valdés, et al. (1996), microfibrilas mioepteliais que rodeiam os
alvéolos têm receptores específicos para a ocitocina, que chega às mamas pela corrente
sangüínea. A ocitocina produz a contração das microfibrilas mioepiteliais provocando
compressão dos alvéolos e promovendo a ejeção do leite.
O reflexo de ejeção desencadeado pelo estímulo da boca do recém-nascido sobre
a aréola e o mamilo determina que o leite flua dos alvéolos até os condutos maiores e
seios lactíferos, de onde pode ser removido pelo lactente (VALDÉS et al., 1996).
Embora a liberação de ambas ocitocina e prolactina seja desencadeada pela
estimulação dos mamilos, alguma ocitocina é liberada por outras vias sensoriais, tais
como a visual, tátil, olfatória e auditiva. Assim, a mulher pode liberar leite se visualizar,
tocar, ouvir, sentir o cheiro ou pensar em sua criança (NEWTON, 1992). Para a
manutenção da secreção do leite, lactopoiese, durante o período pós-parto, o principal
fator é representado pelo reflexo neuroendócrino da sucção (CARMO et al, 2002).
2.1.2 - O COLOSTRO
Os estágios consistentemente identificáveis do leite humano são colostro, leite
de transição e leite maduro e seus relativos conteúdos são significantes para
recém-nascidos e suas adaptações fisiológicas para a vida extra-uterina (LAWRENCE &
LAWRENCE, 1999).
Durante os primeiros quatro dias após o parto, a glândula mamária produz o
colostro, fluido amarelado e espesso composto pelo pré-colostro que vai se mesclando
progressivamente com o leite que começa a ser produzido (VALDÉS et al,1996).
O colostro é a primeira secreção láctica da nutriz após o parto e é um alimento
de alta densidade e pequeno volume (OMS, 1994). O volume de colostro nos primeiros
dias pós-parto varia de 2 a 20 mL por mamada, sendo suficiente para satisfazer as
necessidades do recém-nascido (VARELA, 1983; KING, 1994; VALDÉZ, 1996). No
início, o recém-nascido recebe pequeno e importante volume de colostro e, no prazo de
OMS (1994) e Lawrence & Lawrence (1999) relataram que o colostro possui
mais proteínas, vitaminas lipossolúveis (A, E e K) e minerais como o sódio, potássio,
cloro e zinco e menos lactose, gordura e vitaminas hidrossolúveis. O colostro possui
quase três vezes mais proteínas que o leite maduro. Também as vitaminas lipossolúveis
encontram-se em alta concentração no colostro, destacando-se o beta-caroteno, que
confere sua cor amarelada (VALDÉZ, 1996).
O colostro evolui para leite maduro entre 3 a 14 dias após o parto. (OMS, 1994).
O colostro humano é conhecido por diferir do leite maduro na composição. O valor
médio de energia é 67 Kcal/dL comparado com 75 Kcal/dL do leite maduro
(LAWRENCE & LAWRENCE, 1999).
Segundo Lawrence & Lawrence (1999) a gordura contida principalmente no
centro dos glóbulos, aumenta de 2% no colostro para 2,9% no leite de transição e 3,6%
no leite maduro. A concentração de gordura na secreção pré-parto é apenas de 1 g/dL e
93% desta gordura é triglicerídeo, aumentando para 97% no colostro. Os diglicerídeos,
monoglicerídeos e ácidos graxos livres, todos aumentam da secreção pré-parto para a
secreção pós-parto. O nível de fosfolípides declina nesse mesmo período, do colostro
para o leite maduro. A glândula mamária também secreta o colesterol que está
envolvido no desenvolvimento do tecido cerebral e na mielinização das células
nervosas.
Além de nutrir e hidratar, o colostro desempenha um papel crucial na proteção
do recém-nascido contra infecções (OGRA & OGRA., 1989). O número de células
mononucleares imunologicamente competentes tem seu mais alto nível no colostro
(LAWRENCE & LAWRENCE, 1999). O colostro humano e o leite materno contêm
uma série de elementos celulares, como macrófagos, leucócitos, células epiteliais,
linfócitos e outras e acredita-se que existe uma série de reações celulares dinâmicas no
leite materno (OGRA & OGRA, 1989). O leite humano, principalmente na fase de
colostro, fornece estímulo necessário para o desenvolvimento dos mecanismos de
defesa intestinal, ou seja, ele contém fatores tróficos, incluindo hormônios, fatores de
crescimento, peptídeos, aminoácidos e glicoproteínas, os quais desempenham
também, rico em imunoglobulinas, principalmente a IgA secretora (IgAS), que
encontram-se ativas para uma gama de patógenos e antígenos alimentares (HANSON et
al, 1989). O componente secretor, ou peça de transporte, é elaborado nas células
alveolares das mamas e une duas moléculas de IgA sérica, formando o complexo
dimérico IgA-secretor, que passa para o leite, onde apresenta propriedades antigênicas
especiais de amplo espectro de ação (ALMEIDA, 1999) protegendo a criança até que
ela comece a produzir seus próprios anticorpos (KING, 1994). Outro papel
antimicrobiano, de efeito bacteriostático, é desempenhado pela lactoferrina que
complexa o ferro, tornando-o limitante para os microrganismos. Sua concentração é
elevada no colostro, cerca de 1 a 2 g/ 100 mL (ALMEIDA, 1999). Segundo Valdés et
al. (1996), a concentração de IgA e lactoferrina, junto a grande quantidade de linfócitos
e macrófagos, confere uma condição protetora ao recém-nascido.
Segundo Ogra & Ogra et al. (1981), o colostro também favorece o
desenvolvimento de uma flora intestinal predominantemente constituída de
bifidobactérias, que inibem o crescimento de microrganismos patogênicos e ainda limita
a exposição do lactente a esses agentes nocivos e também a proteínas estranhas. O
colostro também possui a lisozima, uma enzima lítica que atua sobre as paredes
celulares das bactérias e junto com a IgAS é sinérgica, podendo destruir bactérias
patógenas como a Escherichia coli (VINAGRE & DINIZ, 2002).
O colostro é laxativo e auxilia a eliminação do mecônio (KING, 1994). O
mecônio contém um fator de crescimento essencial para os Lactobacillus bifidus e é o
primeiro meio de cultura no lúmen intestinal estéril do recém-nascido (LAWRENCE &
LAWRENCE, 1999). Mota (1990), no seu discurso sobre aleitamento materno, cita
Francisco de Melo Franco, autor do primeiro livro de pediatria escrito em língua
portuguesa, em 1790, que dedicou um capítulo à nutrição das crianças, onde
recomendava o uso do colostro, por suas propriedades laxativas, condenando o costume
generalizado na época, de não oferecer leite humano nos primeiros três dias após o parto
e o uso de purgantes.
Lawrence & Lawrence, (1999), relatam que o volume de colostro varia de
principalmente aquelas que tiveram seus bebês amamentados precocemente, têm
colostro mais facilmente ao nascimento, e o volume aumenta mais rapidamente.
O Ministério da Saúde (2002) faz recomendações para uma alimentação
saudável para crianças brasileiras menores de 2 anos de idade: até os seis meses, dar
somente leite materno, sem oferecer água, chás ou qualquer outro alimento; a partir dos
seis meses, oferecer de forma lenta e gradual, outros alimentos, mantendo o leite
materno até os dois anos de idade ou mais.
2.1.3. SÓDIO E POTÁSSIO NO LEITE HUMANO
Sódio, cloro e potássio são os principais eletrólitos presentes nos fluídos
corporais. (GRUMASH et. al., 1993). Tanto no leite materno como nas fórmulas
lácteas, o sódio e o potássio estão na fração aquosa (RODRIGUEZ, et al., 2002).
Segundo Allen et al. (1991), a composição do leite pré-parto quanto aos valores
de sódio e potássio mostra, respectivamente: 61,26 ± 25,82 mmol/L e 18,30 ± 5,67
mmol/L.
Lawrence & Lawrence (1999) apresentam diferenças na composição do leite
humano e no plasma sangüíneo, quanto aos valores de sódio e potássio, que são
respectivamente 57 mg% (24,8 mmol/L) e 15 mg% (3,8 mmol/L) no leite humano
maduro e 320 mg% (139,1 mmol/L) e 18 mg% (4,6 mmol/L) no plasma sangüíneo.
Os valores de sódio, encontrados no colostro humano, leite humano de transição,
leite humano maduro e leite de vaca são respectivamente: 48 mg/dL (20,9 mmol/L),
29mg/dL (12,6 mmol/L), 15 mg/dL (6,5 mmol/L) e 58 mg/dL (25,2 mmol/L) e os
valores encontrados para o potássio, nos mesmos tipos de leite, são respectivamente: 74
mg/dL (18,9 mmol/L), 64 mg/dL (16,4 mmol/L), 57 mg/dL (14,5 mmol/L) e 145 mg/dL
Segundo a OMS (1994), os níveis de sódio do leite de vaca são 3,6 vezes
maiores que no leite humano (leite humano: 7 mmol/L ou 16 mg/dL; leite de vaca: 22
mmol/L ou 50 mg/dL).
Ereman et. al. (1987) afirmaram que, dos minerais no leite humano, a
concentração de sódio é a mais variável, flutuando durante o dia e durante todo o
período de lactação. Estes autores sugeriram que o cortisol pode regular os eletrólitos do
leite, por ressaltar o efeito da prolactina sobre as trocas sódio-potássio no epitélio
mamário. Mudanças nos níveis de cortisol plasmático e prolactina durante o dia pode,
portanto, explicar algumas das variações da concentração de sódio no leite, embora a
razão para a maior variabilidade do sódio que do potássio no leite permanece obscuro.
Keenan, et al. (1982), relatou uma variação diária entre 22 a 80% nos eletrólitos
do leite de ratas e estas mudanças variaram à medida que o período de lactação
progrediu, mas foram independentes da dieta materna. Restrição de sódio na dieta das
ratas não influenciou os níveis no leite.
Em um estudo longitudinal, Hofman & Hazebroek (1983) encontraram um
declínio nos níveis de sódio de 20 mmol/L para 15 mmol/L na primeira semana. No
oitavo dia, Lawrence & Lawrence (1999) encontraram níveis iguais a 8 mmol/L, e na
quinta semana foram estabilizados em 6 mmol/L. Mudanças tempo-dependentes na
composição do leite foram também relatadas por Allen et al. (1991) que observaram
decréscimos de 25% ou mais no sódio, potássio e citrato de 1 a 6 meses. Estes autores
afirmam que a composição do leite está sempre em transição.
Wack et. al. (1997) analisaram a composição de 140 (cento e quarenta) amostras
de leite materno de 30 (trinta) lactantes. Os valores médios maternos, com seus
respectivos desvios-padrões para o sódio foram de 141 ± 17 mg/L (6,1 mmol/L) e de
480 ± 11 mg/L (12,3 mmol/L) para o potássio. Esses valores foram estáveis em toda a
lactação, após uma fraca diminuição nos primeiros quatro meses.
Grumash et al. (1993) analisaram a composição do leite materno de mães
brasileiras que geraram neonatos a termo, pequenos para a idade gestacional (grupo A),
(grupo B) e de mães de neonatos a termo, com peso adequado para a idade gestacional
(grupo C) e concluíram que os níveis de sódio no colostro e leite materno até o 60º
(sexagésimo) dia pós-parto era cerca de duas vezes mais elevado no leite das mães do
grupo A quando comparados aos valores de sódio determinados no leite das mães do
grupo C. O sódio foi também elevado nos 7º (sétimo), 15º (décimo quinto) e 30º
(trigésimo) dias no leite de mães do grupo B.
Ontsouka et al. (2003) encontraram níveis de sódio e potássio iguais a 27 ± 1
mmol/L e 44 ± 1 mmol/L, respectivamente, no colostro de bovinos e relataram que as
concentrações de sódio e cloro foram significativamente mais altas no colostro que no
leite maduro.
Existe um crescente interesse pelo estudo dos minerais na nutrição humana,
particularmente nas crianças. Assim, é essencial determinar os conteúdos de minerais no
leite materno e em fórmulas infantis, para que, sabendo-se a quantidade de leite
ingerido, pode-se determinar a ingestão dos elementos essenciais (RODRIGUEZ, et
al.,2002).
2.1.4. A PERCEPÇÃO DO SABOR SALGADO
Há um número relativamente grande de estudos sobre a percepção do sabor nos
prematuros, recém-nascidos e lactentes. Estes estudos demonstram que a sensibilidade
aos sabores surge em diferentes momentos do desenvolvimento. A sensibilidade pelos
sabores salgado e amargo muda após o nascimento, sendo o sabor salgado aquele que
representa o exemplo mais claro desta mudança (BEAUCHAMP & MENELLA, 1997).
Segundo Beauchamp & Menella (1999), as papilas gustativas aparecem pela
primeira vez, por volta da 7ª ou 8ª semana de gestação e, na 13ª à 15ª semanas,
começam a se assemelhar, morfologicamente, à papila adulta. Estudos com lactentes
prematuros apóiam a hipótese da preferência pelo sabor doce presente antes do
sensoriais ao sistema nervoso central no 6º mês de gestação e que as conexões neurais
são adequadas para provocar alterações na salivação e na sucção.
Ao nascimento, os lactentes respondem com expressão facial positiva ao sabor
doce e com uma expressão negativa aos sabores azedo e amargo (BIRCH, 1999).
Steiner (1997), relata que nenhuma resposta facial distinta foi observada para a
estimulação com sal. Neonatos humanos não diferenciam a ingestão de solução salina
ou água (KARE & BEAUCHAMP et al., 1985). Mattes (1997) sugeriu que os neonatos
carecem de habilidade para detectar estímulo salgado ou julgam ser de igual
palatabilidade para a água pura.
Birch (1999) relata que por volta dos quatro meses os lactentes começam a
mostrar uma preferência pelo sal. Para Beauchamp & Menella (1997) estas mudanças
evolutivas da preferência pelo sal podem refletir mudanças de sensibilidade
(independentes da experiência), podem ser conseqüência de experiências específicas ou
o resultado de ambas as situações. Com a idade de 18 meses, a preferência por soluções
salinas desaparece (na realidade, ocorre uma rejeição); ao contrário, as crianças
começam a exibir preferências definidas por sal em um alimento fluido (sopa) e em
outros alimentos (por exemplo, cenoura) (BEAUCHAMP & MENELLA, 1999). Para
Kare & Beauchamp (1985), a indiferença ou rejeição ao sal estaria relacionada à menor
necessidade e tolerância aos eletrólitos, devido à sua imaturidade renal. Como o leite
humano supre a necessidade da criança, parece não existir vantagem na atração por
substâncias salgadas. No período dos 4 aos 6 meses de idade, observa-se aumento na
preferência pelo sabor salgado, coincidindo com o período em que se verifica uma
maturação significativa dos rins. Em contrapartida, recente estudo conduzido por Zinner
et al (2002) sobre a pressão sangüínea neonatal e a responsividade ao paladar salgado,
afirma que o neonato já nasce capaz de perceber o sabor salgado.
Shiffman (1999), relata que o sabor salgado dos sais de sódio resulta do influxo
de íons de Na+ através dos canais de sódio nas membranas das células gustativas. O
canal é específico; lítio, que também pode passar facilmente, também é salgado, embora
outros cátions (ex: potássio) que não “se ajustam”, não são estritamente salgados. Esta
(MATTES, 1997). Segundo Ye et al. (1992), o sabor salgado pode ser modificado por
ânions que se difundem pelas junções estreitas através das vias paracelulares e modulam
as respostas do paladar aos cátions. Este achado sugere que a unidade funcional para a
percepção do sabor não está confinada à célula gustativa individual, mas também inclui
o seu microambiente paracelular (SHIFFIMAN, 1999).
2.1.5. A AMAMENTAÇÃO E A IDADE MATERNA
Dos 3,2 milhões de nascimentos registrados em 1999 no Brasil, a maior
concentração por idade da mãe correspondeu à faixa de 20 a 24 anos (31%),
sobressaindo também o alto percentual de mães entre 15 e 19 anos (23%). A maior
proporção de mães adolescentes foi observada na Região Norte (30%) e a menor
proporção na região Sudeste (20%) (Ministério Saúde, 2001).
A Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS), realizada no país em
1996, revelou que 18% das jovens entre 15 e 19 anos já tinham iniciado sua vida
reprodutiva, sendo que destas, 14,3% já eram mães de pelo menos um filho vivo. Essa
mesma pesquisa também revelou que as mulheres iniciam sua vida reprodutiva por
volta dos 22 anos, com grandes diferenciais segundo a escolarização: foi de 4,9 anos a
diferença entre a idade mediana ao ter o primeiro filho das mulheres sem nenhuma
escolaridade e aquelas com 9 a 11 anos de estudo (BRASIL, 1997).
No estudo conduzido por Gama et al. (2002), verificou-se que o risco de parto
prematuro e de baixo-peso ao nascer foi significativamente maior no grupo das mães
adolescentes. Neste estudo também se observou que puérperas de 20-34 anos com
experiência de gravidez na adolescência apresentaram os piores indicadores de
condições de vida. Estas gestantes apresentaram pior nível de escolaridade, ausência de
emprego remunerado, maior exposição a abortos e maior percentual de proles
numerosas.
Dewan et al (2002) conduziram um questionário para levantamento do
primíparas, que fizeram seu pré-natal no Hospital das Mulheres de Liverpool. A maioria
das mulheres (83%) sabia que o leite materno era o melhor alimento para o seu bebê.
Somente 45% planejaram amamentar e a maioria (27,7%) estava no grupo das não
adolescentes. O conhecimento sobre aleitamento materno foi muito pobre entre as
adolescentes. Diferenças significativas foram observadas entre adolescentes e não
adolescentes para vários fatores: adolescentes tinham um baixo nível educacional, a
maioria estava desempregada e eram solteiras. Estas características também têm sido
mencionadas por outros autores e provavelmente refletem uma menor probabilidade das
adolescentes amamentarem. Frota & Marcopito (2004) relataram que a dificuldade para
amamentar nos primeiros dias, de ocorrência mais elevada entre as mães adolescentes,
mostrou-se fortemente associada ao desmame, independente de outros fatores.
Lamounier et al. (1998) entrevistando 261 gestantes adolescentes em uma
maternidade pública da cidade de Belo Horizonte, MG, observaram que a média de
idade foi de 16,9 anos (mediana de 17 anos), 78% não planejaram a gravidez, 77,4%
estavam na primeira gravidez, 22,6% tinham duas ou mais gestações e 85,4% fizeram o
pré-natal. Dentre as gestantes adolescentes, 93,5% eram alfabetizadas sendo que 36,8%
tinham de 1 a 4 anos de estudo e 52,5% tinham de 4 a 8 anos de estudo.
Segundo Motil, et al. (1997), as quantidades de leite produzidas por mães
adolescentes foram significativamente menores na 6ª, 12ª, 18ª e 24ª semanas pós-parto,
que aquelas produzidas pelas mães adultas. As adolescentes produziram de 37 a 54%
menos leite entre a 6ª e a 24ª semanas pós-parto respectivamente, que as adultas. A
composição do leite, incluindo energia, lactose, gordura, nitrogênio total, nitrogênio
não-protéico, sódio, potássio, cálcio e fósforo, mostrou pequena diferença entre as
mulheres adolescentes e adultas. A exceção foi para a concentração de sódio, que foi
significativamente maior nas adolescentes que nas adultas na 6ª e 12ª semanas, mas não
na 18ª e 24ª semanas pós-parto. Outros estudos têm sugerido que o leite de mães
adolescentes, particularmente o colostro, pode mostrar uma variação na composição em
resposta ao diminuído volume de leite (VITOLO, et al., 1993). Humenick et al. (1998)
estudando a composição do leite no 6º dia pós-parto, concluiram que elevadas
adversos na amamentação na 4ª semana pós-parto, possivelmente associados a variáveis
psicosociais.
2.1.6. BREVE HISTÓRICO DO ALEITAMENTO MATERNO NO BRASIL
O aleitamento materno, função biológica aperfeiçoada por milhões de anos de
evolução e com adequação natural espécie-específica, é indiscutivelmente superior a
qualquer outra forma artificial de aleitar a criança, que possa ser concebida pela
tecnologia humana (WOISKI, 1995).
A industrialização, a urbanização, o uso da mão-de-obra mais barata da mulher,
a desvalorização pela sociedade da maternidade e a descoberta das fórmulas de leite em
pó foram os principais responsáveis pela diminuição do aleitamento materno no nosso
século, com repercussões desastrosas na saúde das nossas crianças e das parturientes
(VINAGRE, 2002).
Carvalho & Tamez (2002) ressalta um importante fator de promoção do
desmame precoce: o apogeu do “marketing” das fórmulas infantis, que ocorreu nas
décadas de 60 e 70, quando existia uma permissividade total: distribuição de amostras
grátis de leite em pó, “enfermeiras” das companhias iam até as favelas demonstrar o
preparo correto da mamadeira, publicidade livre para o público em geral dos leites
infantis, ajuda financeira a pediatras e suas sociedades para participação e organização
de congressos, brindes em seus consultórios, etc. Dessa forma, o desestímulo à
amamentação foi induzido e deste bombardeio publicitário surgiu o imaginário leite em
pó modificado infantil, até hoje não considerado leite de vaca, e sim leite
“maternizado”.
A partir dos anos 70, iniciou-se um movimento mundial para a retomada das
práticas antigas de amamentação. No Brasil este movimento consolidou-se com a
criação do “Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno” – PNIAM, em
Saúde, e diversas instituições governamentais e não governamentais (LEÃO et al.,
1989).
O desenvolvimento do PNIAM, ocorrido a partir de 1981, resultou na retomada
da valorização do leite materno. Em 1982, a Portaria 18 do INAMPS/MS estabeleceu a
obrigatoriedade de alojamento conjunto (VENÂNCIO & MONTEIRO, 1998,
ALMEIDA, 1999).
Para atender aos lactentes clinicamente impossibilitados de serem amamentados
por suas próprias mães, tornou-se crescente a necessidade de leite humano ordenhado
disponível em quantidades suficientes à demanda. Assim, o Ministério da Saúde,
através da Portaria nº 322/88 regulamentou a implantação e o funcionamento de Bancos
de Leite Humano, além do desenvolvimento de um Programa Nacional de Apoio
Técnico a essas unidades (ALMEIDA, 1999). Os bancos de leite têm papel muito
importante a desempenhar na promoção do aleitamento materno, uma vez que garantem
a oferta de leite humano aos recém-nascidos de alto risco (prematuros e de baixo peso) e
ao mesmo tempo estimulam as mães a fazer a extração do leite enquanto o filho não
recebe alta hospitalar, assegurando, assim, que a produção láctea não seja afetada
(EUCLYDES, 1997).
Lamounier (1996) relata que em 1990 o Brasil foi um dos países participantes de
um encontro realizado em Florença, Itália, promovido pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em busca de
mecanismos que pudessem ser desenvolvidos para proteção, promoção e apoio ao
aleitamento materno. Nesta época foi produzido e adotado pelos participantes do
encontro “Aleitamento Materno na Década de 90: Uma iniciativa Global” um conjunto
de metas chamado “Declaração de Innocenti”, que resgatava o direito da mulher de
aprender e praticar a amamentação com sucesso. Neste encontro também foi idealizada
uma estratégia denominada “Iniciativa Hospital Amigo da Criança – IHAC” cujo
objetivo básico consiste na mobilização de profissionais de saúde e funcionários de
hospitais e maternidades para mudanças de rotinas e condutas visando o desmame
Desde então, o Brasil participa ativamente incentivando, promovendo e
apoiando o aleitamento materno em hospitais e maternidades (SALVIANO, 2004). As
estratégias e experiências utilizadas para aumentar a prática da amamentação são
muitas, tendo como alvo o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida.
Dentre estas estão incluídas atividades dirigidas aos profissionais de saúde e à
população em geral, tanto no pré-natal quanto no pós-parto e em visitas domiciliares a
puérperas (LAMOUNIER & LEÃO, 1998).
Atualmente o Brasil conta com 310 Hospitais Amigos da Criança e 172 Bancos
de Leite Humano (MS, 2005).
Em 1988 o Conselho Nacional de Saúde/MS – Resolução nº 5, aprovou as
Normas Brasileiras de Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL),
elaborada com base no Código Internacional de Substitutos do Leite Materno, aprovado
durante a 34ª Assembléia Mundial de Saúde em 1981. Em 1992, através da Resolução
nº 31, foi aprovado novo texto da Norma. O objetivo da NBCAL é incentivar o
aleitamento materno e protegê-lo das imperícias do marketing abusivo das indústrias de
leites infantis, mamadeiras, chupetas e alimentos complementares, mediante a
regulamentação da comercialização e práticas a ela relacionadas (MS, 1999).
Venâncio & Monteiro (1998), utilizando dados de duas pesquisas nacionais, uma
realizada no período de 1974-1975 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) e outra em 1989 pelo INAM (Instituto nacional de Alimentação e Nutrição),
mostraram que a amamentação no Brasil aumentou durante o período de 1975 a 1989
(sua duração mediana1 passou de 2,5 meses para 5,5 meses), porém a prática de amamentação exclusiva era pouco freqüente na década de 80 (3,6 % em crianças de
zero a quatro meses).
Dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, realizada pela
BEMFAM (Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil) e DHS (Programa de
Pesquisa de Demografia e Saúde Macro Internacional Inc), em 1996, revelaram que
93% das crianças são amamentadas, sendo a duração mediana da amamentação igual a 7
1
meses. Quanto à amamentação exclusiva, a mediana encontra-se pouco acima de 1 mês
e aumenta muito claramente segundo o nível educacional, passando de 0,6 meses para
mulheres com pouca ou nenhuma instrução para pouco mais do dobro entre mulheres
mais instruídas.
Monteiro (1997) ao comparar as duas pesquisas realizadas pela BEMFAM (1986
e 1996) com relação à prática de amamentação nas diferentes idades (independente dos
outros alimentos ofertados à criança) confirma a tendência de aumento da amamentação
no país. Em crianças de 0 a 4 meses a freqüência da amamentação (independente de
complementação), no dia anterior ao da pesquisa, se eleva de 73,5% em 1986 para
85,4% em 1996. No caso de crianças de 0 a 4 meses recebendo leite materno exclusivo
e leite materno acrescido de água, chá ou suco somariam 33,3% em 1986 e 55,3% em
1996.
Em 1991, 93,1% dos recém-nascidos em todo o estado de Minas Gerais
iniciaram o aleitamento logo após o nascimento; aos três meses, houve redução desse
valor para 51,8 % e aos 12 meses, apenas 19,2 % das crianças eram amamentadas. A
duração mediana da amamentação foi de 120 dias (MINAS GERAIS, 1994).
Segundo Passos et al. (2000), no município de Ouro Preto - Minas Gerais, das
229 crianças estudadas, 93,4% iniciaram a vida sendo amamentadas e 6,6% nunca
mamaram. O desmame foi intenso já nos primeiros meses de vida, sendo que aos 3
meses 32,2% das crianças já encontravam-se desmamadas e no sexto mês 48,5% já se
encontravam desmamadas. A duração mediana da amamentação foi de 198 dias ou 6,6
meses. Quanto ao aleitamento materno exclusivo (AME)2, apenas 58,2% iniciaram a amamentação de forma exclusiva. Aos três meses apenas 16,6 % das crianças eram
aleitadas exclusivamente ao peito e aos 6 meses uma fração insignificante de crianças
(1,8%) recebia leite materno como único alimento. A duração mediana do aleitamento
materno exclusivo foi de 17 dias. Considerando o aleitamento exclusivo somado ao
predominante3, a idade mediana foi de 71 dias, ou 2,4 meses.
2
A criança recebe apenas o leite materno e não ingerem nem mesmo água e/ou chás.
3
Segundo Giugliani & Lamounier (2004) apesar de todo o avanço científico e dos
esforços de diversos organismos nacionais e internacionais, as taxas de aleitamento
materno no Brasil, em especial as de amamentação exclusiva, estão bastante aquém do
recomendado. Segundo dados do Ministério da Saúde (2003) em 1999 72,9% das
crianças brasileiras amamentaram até o sexto mês de vida e apenas 44,2% foram
amamentadas até 1 ano de vida. Acerca da amamentação exclusiva, pouco mais da
metade das crianças brasileiras beneficiou-se do aleitamento materno exclusivo no
primeiro mês de vida em 1999, proporção que diminuiu progressivamente até atingir
apenas 9,7% entre o quinto e sexto mês de vida. Na região sudeste apenas 42,8% das
crianças se beneficiaram do AME nos primeiros trinta dias de vida e apenas 8,3%
receberam AME durante os seis primeiros meses de vida. Na região nordeste, 55,4% das
crianças receberam AME nos primeiros 30 dias de vida e apenas 10,7% mamaram
exclusivamente aos 6 meses de vida. A região sul foi onde a AME mostrou números
mais elevados: 64,3% no primeiro mês de vida e 12,9% no sexto mês. Nas regiões norte
e centro-oeste as porcentagens de crianças que receberam AME no primeiro mês de
vida foram respectivamente 53% e 50,5% e no sexto mês, apenas 9% e 7,9% das
crianças encontravam-se em AME nas regiões norte e centro-oeste respectivamente.
Essa diversidade de prevalências de aleitamento materno exclusivo e
predominante mostra a influência dos hábitos culturais regionais e a necessidade de se
promoverem programas de incentivo à amamentação, adequados a cada região, uma vez
que o Brasil é um país continental, rico em culturas diferentes, necessitando de
abordagens regionalizadas para promoção da amamentação exclusiva. Não cabe um
modelo único de promoção do aleitamento materno num país com tanta diversidade
sócio-cultural (VIEIRA et al., 2003).
Contrariamente ao exposto, segundo Lamounier (2003) e Vieira et al. (2004),
um hábito bastante difundido e culturalmente arraigado, no Brasil e em outros países,
que está positivamente associado ao desmame precoce é o uso de bicos e chupetas. Para
Lamounier (2003), é necessário mais esclarecimento às mães e à população em geral,
bem como aos profissionais de saúde sobre os efeitos prejudiciais do uso de bicos e
Segundo Leão et al. (1989) o baixo peso, a prematuridade, a demora da primeira
mamada e o alojamento em berçários, influenciam negativamente na adoção e na
duração do aleitamento materno. O uso de bicos e chupetas e presença de mamadeiras
no berçário podem significar a pouca convicção dos próprios pediatras em promover o
aleitamento materno. Nesse caso, além de contribuir para o desmame, o uso de bicos e
chupetas pode ser visto pela mãe como uma alternativa fácil ao primeiro obstáculo que
encontrar no processo da amamentação, após a saída do hospital (LAMOUNIER, 1996)
e deve ser visto pelo pediatra e outros profissionais da saúde como um marcador das
dificuldades do aleitamento materno (LAMOUNIER, 2003).
Para Almeida & Novak (2004), a nova forma de pensar a amamentação, além de
mais abrangente, exige que se estabeleça um novo foco sobre a mulher, que não pode
continuar a ser tratada como sinônimo de mãe nutriz, responsável pelo êxito da
amamentação e culpada pelo desmame. Há necessidade de compatibilizar os
determinantes biológicos com os condicionantes socioculturais, os quais configuram a
amamentação como uma categoria híbrida entre a natureza e a cultura.
Segundo Euclydes (1997) para vencer a “cultura da mamadeira” e “resgatar a
cultura do aleitamento materno”, é necessário implementar não só ações educativas
destinadas aos profissionais de saúde e às mulheres, como também à família e à
população em geral, utilizando-se de todos os recursos disponíveis, com a inclusão dos
meios de comunicação de massa. Segundo a autora, muitas mulheres não amamentam
devido a falsas crenças ou tabus que carregam desde a infância por influência materna,
muitas vezes reforçada pela opinião de uma vizinha ou falta de apoio do companheiro.
Estudo realizado por Nakamura et al. (2002) ressalta a importância de se
esclarecer e ensinar vários aspectos sobre o aleitamento materno. Eles entrevistaram 346
meninas de 9 a 15 anos, de duas escolas que refletem níveis sócio-econômicos distintos
(baixo e alto) e concluíram que as meninas de ambas as classes sociais sabem que o leite
materno é a melhor dieta que o recém-nascido pode receber no primeiro ano de vida,
Uma pesquisa realizada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da
OMS no Brasil e 1994 constatou que os cursos de medicina, que contam com cerca de
8345 horas em média, dedicam apenas 26 horas (0,13% da carga horária total) ao ensino
do aleitamento materno. Desde então, tem havido progressos quanto à carga horária e ao
ensino do manejo do aleitamento materno, graças aos esforços do Ministério da Saúde
com seus centros de referência em treinamento de aleitamento materno e de órgãos
como o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Sociedade Brasileira de
Pediatria, OMS (Organização Mundial da Saúde) e outros (BUENO & TERUYA,
2004).
Para Monteiro (1997), o aumento na freqüência de crianças amamentadas nas
várias idades indica que frutificaram as várias ações do PNIAM, sendo válido notar o
caráter abrangente e intersetorial das referidas ações (regulação da publicidade de
substitutos comerciais do leite materno, interdição das doações de leite em pó às
maternidades, promoção do alojamento conjunto, transformação de hospitais infantis
em “Hospitais Amigo da Criança”, aperfeiçoamento da legislação de apoio à mulher
trabalhadora, entre outras). Ademais, a participação decisiva de organizações não
governamentais engajadas na promoção da amamentação e o apoio técnico financeiro
do UNICEF foram fundamentais nesse processo.
Para divulgar cada vez mais a importância do hábito de amamentar, o Ministério
da Saúde está reestruturando a Política Nacional de Aleitamento Materno, e tem como
prioridade o crescimento qualitativo e quantitativo dos bancos de leite e a redução da
mortalidade neonatal. Outras metas são: promover a amamentação nas unidades básicas
de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), promover o Programa de Educação à
Distância em Bancos de Leite Humano e Aleitamento Materno, formar a Rede de
Bancos de Leite Humano da América Latina e Caribe, viabilizar ações que integrem o
Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, firmado pela União,