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2.2. Hipertensão Arterial

2.2.4. Sódio, potássio e a hipertensão arterial

A história do sal é longa, cobrindo milhares de anos e abrangendo religião, economia, guerras, batalhas políticas, e agora saúde e doença. Civilizações remotas preocupavam-se em encontrar e conservar o sal. Ele foi tão precioso que vínculos sociais foram feitos através do sal. Os judeus fechavam negócios em troca de sal. Católicos romanos usavam o sal como sinal de pureza e crianças eram batizadas com sal. Salários eram pagos em sal (salário: auxílio de sal). Napoleão deixou 400.000 mortos em sua terrível retirada de Moscou e atribuiu a inabilidade de seus homens para resistir às privações e frio daquela penosa experiência, à falta de sal em suas refeições (ELY, 1997).

Humanos vivem na Terra há 3,5 milhões de anos; nos primeiros 99,8% desse tempo, todos os humanos, exceto aqueles que viviam na costa litorânea, consumiam uma dieta pobre em sódio, pobre em gordura e rica em potássio. De acordo com os princípios de Darwin, o corpo tem sido moldado pela evolução para funcionar eficientemente com esta dieta baixa em sódio, baixa em gordura e rica em potássio. Nossos ancestrais comiam cerca de 690 mg de Na/dia enquanto nós comemos cerca de 4000 mg Na/dia (equivalente a 10 g de cloreto de sódio (NaCl) ao dia. Há também uma grande diferença no consumo do potássio: 284 mmol/dia, comparado aos 64 mmol/dia agora (EATON & KONNER,1985). Americanos comendo 10 g de NaCl /dia têm cerca de 2% de NaCl em sua dieta (TOBIAN, 1997).

A adição regular de sal aos alimentos veio tardiamente na evolução humana, aproximadamente há 6.000 a 8.000 anos, em conecção com o desenvolvimento da agricultura e cruzamento animal, e suas múltiplas conseqüências, incluindo a necessidade, nos primórdios, de ter uma substancial reserva de alimento e a necessidade

de, então, preservar o alimento (isto é, salgar os alimentos, como peixes, vegetais e produtos lácteos). Esta nova exposição trouxe também, tardiamente, a adaptação genética para a seleção natural, particularmente devido a suas conseqüências fisiopatológicas, quase sempre no que tange a morbidade por doença cardiovascular (DCV), desabilidade e morte após reprodução sexual (STAMLER, 1997).

Doença cardiovascular é a principal causa de morte entre os americanos. Na década de 90, enquanto as taxas de mortalidade por DCV em americanos brancos declinaram, aquelas em americanos africanos permaneceram as mesmas. Mais que 30 % das mortes de homens americanos africanos hipertensos e 20% das mortes em mulheres americanas africanas podem ser atribuídas a alta pressão sangüínea (SOWERS, et al. 2002).

As causas básicas da elevada pressão arterial são amplamente reconhecidas como sendo multifatoriais, e incluem o consumo de dieta no estilo ocidental, rica em sódio e pobre em potássio (ROBERTS, 2001).

O consumo médio de sal em diferentes grupos humanos correlaciona-se com a prevalência de hipertensão nestes grupos. No norte do Japão, onde a ingestão de sal excede a 25 gramas por dia, 40% dos homens na meia idade são hipertensos e os acidentes vasculares cerebrais (AVCs) são freqüentes (HOLLIDAY, 1997)

Segundo Stamler (1997), Dahl fez uma contribuição chave para as pesquisas epidemiológicas sobre a relação entre grupos com pobre consumo de sal e a prevalência da hipertensão clínica, em comparação com populações ao redor do mundo. Há mais de 30 anos atrás, Dahl alertou os pesquisadores ocidentais sobre o alto consumo de sal no Japão, principalmente no norte, em décadas anteriores à segunda guerra mundial e associou com altas taxas de hipertensão e AVC. A análise por Dahl e outros pesquisadores incluiu dados sobre populações remotas que, no século 20, não tinham adotado a prática de adicionar sal aos alimentos, e ainda consumiam uma dieta habitualmente pobre em sal.

Heimann et al. (1994) afirmam ser importante o estudo da diminuição substancial da quantidade de sal ingerida e seu efeito sobre a morbi-mortalidade ao

longo do tempo em populações diversas. Um estudo assim seria de uma enorme envergadura e possivelmente colocaria um ponto final nas dúvidas ainda existentes no contexto do sal e seu papel na hipertensão arterial.

O INTERSALT, um estudo epidemiológico mundial, de grande relevância, sobre o consumo de sal e a elevação dos níveis pressóricos, teve como objetivo, testar duas hipóteses em uma amostra de 10.079 homens e mulheres de 20 a 59 anos de idade, de 52 populações de 32 diferentes países ao redor do mundo. As hipóteses testadas foram que, para os mais de 10.000 participantes, as pressões sangüíneas sistólica e diastólica poderiam ser diretamente e independentemente relacionadas à excreção urinária de sódio, à razão Na:K excretados, ao índice de massa corporal e ao uso de álcool, e inversamente relacionada à excreção de 24 h de potássio.

O estudo INTERSALT, em que todas as medidas foram precisamente padronizadas, concluiu que moderadas diferenças no consumo de sódio não contribuiu para a variação na pressão sangüínea entre populações. Uma relação positiva fraca com a pressão sangüínea emergiu somente quando a taxa de sódio urinário foi elevada de 1 para 245 mmol/24 h (STAESSEN et al. 1997).

O estudo INTERSALT, descrito por MANCILHA-CARVALHO & SILVA (2003), também envolveu uma população de índios Yanomami, no Brasil, com o objetivo de estudar a distribuição e inter-relação entre variáveis constitucionais e bioquímicas com a pressão sangüínea, e compará-las a de outras populações. Nesta população, encontrou-se muito baixa excreção urinária de sódio (0,9 mmol/24h), a pressão sangüínea sistólica média foi de 95,4 mmHg e a pressão sangüínea diastólica média foi de 61,4 mmHg; não se observou nenhum caso de obesidade ou hipertensão e a população não conhecia bebida alcoólica.

Segundo Stamler (1997), uma significativa e independente correlação foi encontrada entre a excreção urinária de 24 h de sódio e pressão sangüínea sistólica e os achados do INTERSALT fortemente suportam o julgamento que o habitual consumo excessivo de sal por toda a população é uma grande exposição desempenhando um papel importante no aumento da pressão sangüínea com a idade, durante a juventude.

Conseqüentes efeitos adversos da pressão sangüínea a partir dos 35 anos de idade, da alta incidência e prevalência de taxas de franca hipertensão e a alta incidência e taxas de mortalidade pelas principais DCV são devidas a valores adversos da pressão sangüínea. A partir desses resultados, políticas públicas nacionais e internacionais recomendaram moderação no consumo de sódio pela população: menos que 6 g / dia (< 100 mmol Na/d) ou preferivelmente < 4,5 g/d (< 75 mmol Na/d).

Cutler et al., (1997), revisando criteriosamente 32 estudos sobre a redução da ingestão de sódio envolvendo 2.635 indivíduos, concluíram que moderada redução na ingestão de sódio abaixa a pressão arterial sistólica (PAS) e a pressão arterial distólica (PAD) no período de várias semanas a uns poucos anos. Um efeito é visto tanto em indivíduos hipertensos como em normotensos: -5/-3 mmHg e –2/-1 mmHg respectivamente.

Stamler (1997) faz referência a um estudo prospectivo de 16 anos, denominado Multiple Risk Factor Intervention Trial, que estudou 342.815 homens livres de história de hospitalização por ataque cardíaco e diabetes tratados com droga. O estudo mostrou que uma redução de 2 mmHg na pressão sistólica leva a um significativo benefício: redução das taxas de morte por doença cardíaca isquêmica e doenças cardiovasculares em 4 a 5% e redução da mortalidade por todas as causas em 3%.

O terceiro National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) forneceu a maior parte da estimativa atual do consumo de sódio nos EUA (McDOWELL, et al, 1994). Esses dados foram coletados pelo uso do método do recordatório de 24 horas em 14.801 pessoas entre 1988 e 1991. Em todas as faixas etárias, o consumo de sódio foi maior em homens que em mulheres, o que correspondeu ao consumo de energia. Entre adultos, o consumo médio de sódio foi similar entre raças e grupos étnicos, mas crianças negras tenderam a ter um maior consumo de sódio que as brancas. Para o sexo masculino, a média de ingestão diária de sódio foi de 4.659 mg na faixa etária dos 20-29 anos, reduzindo para 3.960 mg para a faixa dos 40-49 anos, e reduzindo ainda para 3.142 mg para a faixa dos 70-79 anos. Para o sexo feminino, a média do consumo de sódio foi de 3.002 mg dos 20-29 anos, 2.919 mg dos 40-49 anos e

2.411mg dos 70-79 anos. Essas mudanças ocorreram paralelamente com o decréscimo do consumo de energia por idade.

No estudo de Rotterdam, citado por Stamler (1997), sobre o consumo de sal e a pressão sangüínea durante os primeiros 6 meses de vida, o grupo que foi aleatoriamente designado para maior consumo de sal, teve a pressão arterial sistólica (PAS) significativamente aumentada de 2,1 mmHg aos 6 meses, comparado ao grupo selecionado para baixo consumo de sódio. Quinze anos mais tarde, o grupo alimentado com maior quantidade de sal durante os primeiros 6 meses de vida teve significativamente maior PAS, com aumento de 3,6 mmHg, mesmo pensado não ter sido conhecido intervenções desde a infância. Esses dados indicam a possibilidade de existir condicionantes fisiopatológicos para alto consumo de sal na infância, com efeitos adversos sobre a pressão sangüínea (PS) por anos. Eles fornecem ainda suporte para o conceito da prevenção primária do aumento da PS com a idade e dos níveis adversos da PS no adulto, por meio da melhora do estilo de vida, incluindo baixo consumo de sal, desde o pós-desmame.

Hofman et al (1983), em estudo duplo cego e aleatório, encontraram maior pressão arterial, aos seis meses, em 245 crianças que receberam desde o nascimento fórmula láctea normal, do que nas 231 que receberam dieta com baixo teor de sódio. Estes dados sugerem que o efeito do sódio na pressão arterial pode começar ainda no período de lactente (SALGADO & CARVALHAES, 2003).

Roberts et al. (2001) mostram que o consumo de fórmula em vez do leite humano na infância aumenta a pressão arterial sangüínea média e a pressão arterial diastólica na vida adulta.

Com relação ao papel do sal nos mecanismos geradores de hipertensão, a observação do efeito terapêutico de dietas com reduzido conteúdo salino é antiga, tendo sido a primeira observação realizada em 1904 por Ambar & Beaujard (HEIMANN et al., 1994).

Estudo feito em crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, acompanhados por um período de sete anos, demonstrou que a relação sódio/potássio da dieta tem mais

importância na determinação da pressão arterial na infância do que a ingestão de sódio isoladamente (GELEIJNSE, et al.1990).

Holliday (1997) observou que, quando crias de cepas de ratas predispostas à hipertensão são amamentadas por nutrizes normotensas, ao chegarem à idade adulta são menos hipertensas que suas irmãs amamentadas por nutrizes predispostas à hipertensão. Estas diferenças podem estar relacionadas, em parte, com o maior teor de sódio e com a relação sódio/potássio mais alta que caracterizam o leite das nutrizes com tendência à hipertensão.

A raça Charles River-Kingston de ratos espontaneamente hipertensos (SHRs) é considerada NaCl-resistente. Tobian et al. (1997) afirmaram que quando estes animais são alimentados com uma dieta rica em potássio, eles são relativamente sal-resistentes após 4 semanas de dieta rica em NaCl. Entretanto, quando esses ratos são alimentados com uma dieta normal ou baixa em potássio, com 0,5% de K, que assemelha-se à média encontrada na dieta americana, a pressão sanguínea aumenta impressionantemente quando ratos são passados de uma dieta baixa em sal para uma dieta rica em sal. Após 4 semanas de uma dieta rica em sal, houve um aumento na pressão sangüínea de 36 mmHg nos ratos consumindo uma dieta normocalêmica (normal quanto à concentração de potássio), comparada com um aumento de 9 mmHg em ratos comendo uma dieta rica em K. Após 14 semanas, a mortalidade foi igual a 90% com a dieta rica em NaCl, normocalêmica, comparada com 5% para a dieta rica em NaCl e rica em potássio.

Segundo Kotchen & Kotchen (1997), evidências clínicas e epidemiológicas sugerem que dietas pobres em potássio ou cálcio amplificam o efeito de um elevado consumo de cloreto de sódio sobre a pressão sangüínea. Em roedores, um elevado consumo de carboidratos simples também potencializa a capacidade do cloreto de sódio aumentar a pressão sangüínea.

Os mecanismos pelos quais a ingestão de potássio relaciona-se com a hipertensão arterial e doença vascular não estão totalmente conhecidos. O efeito benéfico do potássio pode estar relacionado com uma menor resposta vascular aos vasopressores, como a norepinefrina. Tal efeito parece ser mediado por um aumento na

liberação de óxido nítrico pelo endotélio, com conseqüente vasodilatação e menor agregação plaquetária. Além disso, já foi demonstrado que a suplementação de potássio aumenta a natriurese, diminui a excreção urinária de cálcio, diminui a secreção de renina-aldosterona e aumenta a atividade da “Na+K+ATPase” nas células musculares lisas. Dessa forma, conclui-se que a manutenção de um balanço adequado de potássio é importante no tratamento da hipertensão arterial. (FRAXINO et al., 2001)

Whelton et al (1997) conduziram uma meta-análise de 33 estudos clínicos aleatórios e controlados sobre os efeitos da suplementação oral de potássio sobre a pressão sangüínea e chegaram à conclusão de que os resultados obtidos suportam a premissa de que o baixo consumo de potássio pode ter um importante papel na gênese da hipertensão arterial e que um consumo aumentado de potássio poderia ser considerado como uma recomendação para a prevenção e tratamento da hipertensão, especialmente naqueles indivíduos incapazes de reduzir o consumo de sódio.

O Joint National Committee on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure recomenda reduzir o consumo de sódio para menos que 100 mmol/dia (2,3g) para todo indivíduo hipertenso (JNCV,1993). Essa restrição é recomendada particularmente para indivíduos levemente hipertensos para controlar a pressão sangüínea e para outros indivíduos hipertensos para reduzir requerimentos de medicação hipertensiva. A ênfase da restrição de sódio está tanto sobre a redução do consumo de alimentos ricos em sódio, particularmente os processados, enlatados, e salgadinhos, tanto quanto ao consumo de alimentos ricos em sódio (MORRIS, 1997).

Em uma dieta habitual com elevado consumo de sódio, a redução da relação Na/K pelo aumento do potássio abaixa a pressão arterial. A relação Na/K tem um importante papel na determinação da severidade, se não do desenvolvimento, da hipertensão sal-induzida. O mecanismo do efeito anti-hipertensivo do potássio não está claro, mas os níveis elevados de potássio e baixos de sódio do leite materno parecem ser fisiologicamente benéficos (LAWRENCE & LAWRENCE, 1999).

Várias revisões ou meta-análises têm atentado para descrever a eficácia da restrição do sódio na redução da pressão sangüínea. Em uma meta-análise que incluiu

apenas estudos controlados, uma redução média no consumo de sódio de 100 mmol/24 h foi associado com decréscimo nas pressões sistólica e diastólica de 5,4 e 6,4 mmHg, respectivamente (STAESSEN et al., 1997).

Kotchen & Kotchen (1997) relataram que a água mineral e alimentos processados podem conter glutamato monossódico e dados obtidos de modelos roedores de hipertensão e limitados dados em humanos, sugerem que a ingestão desses sais terá menos efeitos sobre a pressão sangüínea que o cloreto de sódio. Esses autores citam, ainda, um estudo realizado em 1929 por Berghoff & Geraci (1929), que concluíram que a pressão sangüínea aumentou em sete sujeitos hipertensos com o consumo elevado de cloreto de sódio, mas não com elevado consumo de bicarbonato de sódio.

A restrição salina pode ainda reduzir a excreção urinária de cálcio, contribuindo para a prevenção da osteoporose em idosos (SALGADO & CARVALHAES, 2003).

Molina et al (2003) estudando o consumo de sal em uma população urbana aleatoriamente selecionada de 2268 residentes na cidade de Vitória, ES, entre 25 e 64 anos, encontrou um consumo de sal diário estimado a partir da excreção urinária de 12 horas de sódio entre os participantes de 12,6 ± 5,8 g, enquanto a Associação Americana de Cardiologia recomenda o consumo diário de 6 g (PEARSON et al. 2002).

Blackburn (2001) investigou as implicações de um estudo envolvendo modificações do hábito alimentar, através do uso da DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension), sobre a saúde pública. A dieta DASH requer duas vezes a média de consumo de frutas, vegetais e laticínios desnatados, um terço do consumo usual de carne bovina, suína e embutidos, metade do uso de gorduras, óleos e molhos de saladas e um quarto do consumo de salgadinhos e doces. Segundo o autor, a DASH trouxe resultados positivos para a saúde da população.