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CLAUSEWITZ E A COMPLEXIDADE NO SÉCULO XXI

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Academic year: 2021

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Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 176-200, jan./abr. 2017

CLAUSEWItZ E A COMPLEXIDADE NO SÉCULO XXI: VISItANDO OPÇÕES PARA A LOGÍStICA DE DEFESA NO BRASIL

Daniel Mendes Aguiar Santos* Fábio Alexandro Dockhorn de Oliveira** RESUMO

Trata-se de uma breve análise com o objetivo de examinar a Logística de Defesa, à luz da Trindade de Clausewitziana, visitando a sua dinâmica na esfera internacional e o seu delineamento no âmbito nacional e, assim, destacar as opções possíveis de serem aplicadas na Logística de Defesa do Brasil no âmbito do século XXI. O

estudo foi conduzido sob o prisma epistemológico da Complexidade e acomodado sobre uma perspectiva qualitativa. Optou-se por uma abordagem indutiva, apoiada por um método de procedimento histórico e monográfico, combinando esforços descritivos e analíticos. Foram aplicadas as técnicas das pesquisas, documental e bibliográfica, coletando perspectivas, a seguir, utilizadas para substantivar a técnica do estudo de caso, no exame da complexidade da Logística de Defesa no século XXI. Como resultado, verificou-se a influência do pensamento de Clausewitz e da complexidade do cenário conflitivo contemporâneo sobre a Logística de Defesa, tanto na esfera internacional, quanto doméstica. Finalmente, o estudo habilitou a discussão de três opções latentes acerca da Logística de Defesa: o fomento de uma política de incentivo fiscal e de parceria entre o Governo e a Indústria de Defesa; o delineamento de uma estratégia para a desburocratização do processo de aquisição de produtos de defesa; e a otimização da gestão da Cadeia de Suprimento.

Palavras-chave: Clausewitz. Complexidade. Logística de Defesa. Defesa Nacional.

Guerra.

CLAUSEWITZ AND THE COMPLEXITY IN THE 21st CENTURY:

VISITING OPTIONS FOR THE DEFENSE LOGISTICS IN BRAZIL ABStRACt

This is a brief analysis with the objective of examining the Defense Logistics, in the light of the Clausewitzian Trinity, by visiting its dynamics in the international sphere

____________________

* Doutorando em Ciências Militares. Especialista em Operações Militares (ESAO). Especialista em Método de Treinamento Físico (UNIS). Discente do Programa de Pós-graduação em Ciências Militares / Instituto Meira Mattos / Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (PPGCM/ ECEME). Pesquisador do Laboratório de Estudos de Defesa (LED/ECEME). daniel.saude@ig.com. br. ORCID: orcid.org/0000-0003-2856-7378.

** Mestre em Operações Militares (EsAO). Mestre em Ciências Militares (ECEME). Especialista em Logística e Mobilização Nacional (ESG). Instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). dockhorn@gmail.com. ORCID: orcid.org/0000-0002-9338-5776.

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and its design at the national level and, thus, highlighting the possible options to be applied in the Brazilian Defense Logistics within the framework of the 21stCentury. The study was conducted under the epistemological prism of Complexity and accommodated from a qualitative perspective. An inductive approach was chosen, supported by a method of historical and monographic procedure, combining descriptive and analytical efforts. The documentary and bibliographical research techniques were applied, collecting perspectives, later, used to substantiate the case study technique, in the examination of the complexity of the Defense Logistics in 21st Century. As a result, the influence of Clausewitz’s thinking and of the complexity of the contemporary conflict scenario on Defense Logistics, both internationally and domestically, was verified. Finally, the study enabled the discussion of three latent options on Defense Logistics: the promotion of a fiscal incentive and partnership policy between the Government and the Defense Industry; the design of a strategy to reduce the bureaucracy of the procurement of defense products; and the optimization of Supply Chain Management.

Keywords: Clausewitz. Complexity. Defense Logistics. National defense. War. CLAUSEWITZ YLA COMPLEXIDAD ENEL SIGLO XXI:

VISITANDO OPCIONES PARA LA LOGÍSTICA DE DEFENSA EN BRASIL RESUMEN

Se trata de un breve análisis con el objetivo de examinar la Logística de Defensa, a la luz de la Trinidad Clausewitziana, visitando su dinámica en el ámbito internacional y su diseño a nivel nacional y, por tanto, destacando las posibles opciones a aplicar en la Logística de Defensa brasileña en el marco del siglo XXI. El estudio se realizó bajo el prisma epistemológico de la complejidad y se acomodó desde una perspectiva cualitativa. Se escogió un enfoque inductivo, apoyado por un método de procedimiento histórico y monográfico, que combina esfuerzos descriptivos y analíticos. Se aplicaron las técnicas de investigación documental y bibliográfica, recopilando perspectivas, posteriormente, utilizadas para fundamentar la técnica de estudio de caso, en el examen de la complejidad de la Logística de Defensa en el siglo XXI. Como resultado, se verificó la influencia del pensamiento de Clausewitz y de la complejidad del escenario de conflicto contemporáneo en la Logística de Defensa, tanto a nivel internacional como nacional. El estudio permitió la discusión de tres opciones latentes sobre Logística de Defensa: la promoción de un incentivo fiscal y una política de asociación entre el Gobierno y la Industria de Defensa; El diseño de una estrategia para reducir la burocracia de la adquisición de productos de defensa; Y la optimización de la Gestión de la Cadena de Suministro.

Palabras clave: Clausewitz. Complejidad. Logística de Defensa. Defensa Nacional.

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1 INtRODUÇÃO

Ao estudar o Estado, Nye (2010) entende que a política é o instrumento que dirige o poder, tanto no que tange ao poder como recursos, quanto ao poder como comportamento, visando à obtenção de resultados preferidos. Neste contexto, Clausewitz (1832), ainda no século XIX, percebe a Guerra como a continuação da política por outros meios, sendo um ato de força para obrigar o inimigo a dobrar-se à vontade do Estado, legitimando o emprego da violência e, consequentemente, o uso da força. No âmago da Guerra, três aspectos simbióticos habilitam a concreção de uma trindade que sustenta o esforço em prol do êxito da campanha militar: o Povo; Exército e o seu Comandante; e o Governo (CLAUSEWITZ, 1832).

Avançando, observa-se a Estratégia, “ponte” entre o Poder Militar e o propósito político, como ferramenta para alcançar os objetivos demandados pela política, colimados ao alcance das capacidades da Nação (GRAY, 2006). Consequentemente, no intuito de viabilizar, manter e desmobilizar o esforço de guerra delineia-se a perspectiva contemporânea da Logística, definida como a arte da movimentação e da sustentação dos exércitos (JOMINI, 1838). Sob este prisma, o cenário do século XX ampliou o conceito de Logística, na medida em que multiplicou as perspectivas da estratégia, sob o desenrolar de guerras e conflitos (regionais e mundiais), acompanhados de uma revolução científica e tecnológica que viabilizou novas ferramentas à Trindade Clausewitziana e à Arte da Guerra contemporânea.

Com o fim da Guerra Fria, a tradicional ameaça advinda da bipolaridade cedeu lugar a um mundo onde os riscos são difusos (BOUSQUET, 2009). Neste sentido, a ordem global contemporânea tem-se caracterizado por uma estrutura multipolar e assimétrica, onde prevalece a insegurança irradiada por novas ameaças (crime organizado internacional, grupos terroristas transnacionais, grupos insurgentes regionais, crises humanitárias etc.). Assim, os cenários conflitivos têm transbordado o espaço geográfico, abarcando as fronteiras virtuais, cibernéticas e sociais (KISSINGER, 2015). Consequentemente, o século XXI tem sido marcado pela complexidade inerente à ocorrência dual de quadros de “guerra” e “não guerra”, permeados por atores governamentais e transnacionais (SCHNAUBELT, 2009). Neste escopo, a Política Nacional de Defesa (PND) brasileira percebe a Segurança como condição para o país “preservar sua soberania e integridade territorial, promover seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças e garantir aos cidadãos o exercício de seus direitos e deveres” (BRASIL, 2012a, p.15).

Adicionalmente, ao pensar o fenômeno da Guerra, o Estado Brasileiro trata a Defesa Nacional como o “conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais” (BRASIL, 2012a, p. 15). Assim, na concreção deste esforço, o Ministério da Defesa (MD), instância gestora das Forças Armadas (FA),define Logística como:

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Conjunto de atividades relativas à previsão e à provisão 1.

dos recursos de toda a natureza necessários à realização das ações impostas por uma estratégia. 2. Parte da arte da guerra que trata do planejamento e execução das atividades de sustentação das forças em campanha [...]. (BRASIL, 2015, p. 160).

Sob este entendimento, o objetivo deste artigo é examinar a Logística de Defesa, à luz da Trindade de Clausewitziana, visitando a sua dinâmica na esfera internacional e o seu delineamento no âmbito nacional e, assim, destacar as opções possíveis de serem aplicadas na Logística de Defesa do Brasil no âmbito do século XXI.

No escopo temporal, o ano de 1832 foi tomado como marco inicial de observação, uma vez que acolheu a publicação da obra On War, base para percepção da Trindade Clausewitziana. Contudo, o recorte temporal enfocado, tanto no exterior, quanto no Brasil, foi o período Pós-Guerra Fria, pelo fato de reunir múltiplas experiências logísticas advindas das demandas características aos cenários conflituosos (KALDOR, 2010) contemporâneos. No recorte espacial, o estudo visitou a esfera internacional ao coletar múltiplas perspectivas logísticas, bem como incidiu no ambiente doméstico ao examinar o delineamento da Política Logística de Defesa brasileira.

Para tanto, o artigo foi dividido em cinco seções, iniciadas nesta introdução, seguida por uma Revisão da Literatura, tratando da Trindade de Clausewitz e delineando um breve histórico da Logística. Avançando, são apresentados os aspectos epistemológicos e metodológicos e, na sequência, examina-se a complexidade da Logística de Defesa no século XXI, coletando (por meio de livros e dados confiáveis) perspectivas internacionais, examinado a Política Logística de Defesa do Brasil e ressaltando as opções latentes para Logística de Defesa. Por fim, são realizadas as considerações finais.

Em última instância, ao tratar da Logística de Defesa, o artigo descortina o fluxo de investimentos que a área capitaliza, ao mesmo tempo que materializa a sua relevância para a Segurança e a Defesa Nacional, proporcionando uma abordagem introdutória à temática e, assim, sugerindo uma agenda inicial para o fomento do diálogo na Sociedade Brasileira.

2 REVISÃO DA LItERAtURA

2.1 Enxergando a trindade de Clausewitz

Clausewitz (1832) propõe que a almágama do fenômeno da guerra é formada por três elementos: primeiramente a violência e o ódio como força natural e cega;

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em segundo lugar a incerteza e os cálculos de probabilidade, como pressuposto da liberdade criativa; e, finalmente, a política, como elemento de subordinação, tornado a guerra um fenômeno de pura razão. Baseado nestes elementos, metaforicamente, Clausewitz utiliza a figura do “camaleão”, para simbolizar a face mutável e imprevisível da guerra, advinda da infinita variabilidade de interações possíveis entre os elementos ressaltados (BASSFORD, 2007). Com destaque, “a guerra é mais do que um verdadeiro camaleão, que adapta um pouco as suas características a uma determinada situação” (CLAUSEWITZ, 1832, p.93).

Neste contexto, a concreção da Trindade ocorre pela mobilização da população (Povo), organizada pelas Forças Armadas (Exército) e dirigida pelo Poder Político (Governo). Desta forma, a sinergia entre estas forças permite ao Estado avançar frente à “fricção” e conduzir ações por meio da “névoa da guerra”, conceitos latentes no Pensamento Clausewitziano, que representam, respectivamente, os óbices e demandas advindas do ambiente operacional e a constante incerteza presente no espectro do conflito per si.

Contudo, para Kaldor (2010) a premissa da Trindade de Clausewitz não refletiria, por completo, a dinâmica dos conflitos do século XXI, principalmente quando se observa o papel e o relacionamento do Estado e dos atores transnacionais envolvidos nos espectros conflitivos.

Thus contemporary wars are about politics, not policy; they are instrumental and rational but not reasonable (in the sense of being in accordance with universal values); and they bring together a trinity of motivations (reason, chance and passion) but not a trinity of the state, the generals and the people since new wars are fought by a range of nonstate actors. (KALDOR, p. 271, 2010).1

Por outro lado, cabe evidenciar a percepção de que o pressuposto da Trindade Clausewitziana se aplica, na totalidade, quando se observa a Defesa Nacional, uma vez que congrega, no Povo, nas Forças Armadas e no Governo, as forças essenciais à sobrevivência do Estado em face de uma situação de crise político-militar ou de guerra. Portanto, “the chameleon metaphor pointed to changes in war’s appearance from case to case; the trinity addresses the underlying forces that drive those changes”2(BASSFORD, 2007, p.78).

1 Assim, as guerras contemporâneas são sobre política, e não sobre diretrizes políticas; são

fundamentais e racionais, mas não aceitáveis (no sentido de estar em conformidade com os valores universais), e juntos trazem uma tríade de motivações (objetivo, oportunidade e paixão), mas não uma tríade formada pelo estado, por generais e pelo povo, já que novas guerras são travadas por uma gama de atores não-governamentais. (KALDOR, p. 271, 2010).

2 A metáfora do camaleão aponta mudanças no aspecto da guerra, que varia caso a caso; a trindade tratadas forças ocultas que levam a essas mudanças”(BASSFORD, 2007, p.78, tradução nossa)

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Sob este prisma, a força ao defrontar-se com o oponente deve fazer o uso das invenções da arte e da ciência, a fim de obter a vantagem necessária à conquista dos objetivos do Estado, estipulados pela Política. Neste sentido, a Logística de Defesa é a ferramenta essencial à simbiose ótima da Trindade Clasewitziana no esforço para alcançar os objetivos nacionais.

2.2 Um breve histórico da Logística

Jomini (1838) ensina que a origem do termo Logística é derivada da expressão francesa maréchal ou maréchal-général des logis, oficial designado para cuidar das marchas e acampamentos das tropas, durante o reinado de Luís XIV. Seus rudimentos, assentados nas guerras da Idade Antiga, remetem à arte do general, estrategos, aplicada para movimentar e estacionar os exércitos, precursora da Logística Militar. Em uma sistematização didática, observam-se quatro períodos distintos na evolução da temática da logística: até o final da Primeira Guerra Mundial (GM); entre o fim da Primeira e o fim da Segunda Guerra Mundial (GM); a Guerra Fria; e o Pós-Guerra Fria.

Inicialmente, no século XIX, os conflitos e a logística evoluíram de forma simbiótica, delineando a guerra moderna, materializada nas estratégias de Napoleão Bonaparte e travada na Europa por ocasião das Guerras Napoleônicas, sob a égide de um Império Francês que parecia invencível. Para Silva e Musetti (2003), a principal contribuição do período foi o delineamento do termo Logística e a caracterização do seu alcance: “Logistics is the art of moving armies. It comprises the order and details of marches and camps, and of quartering and supplying troops; in aword, it is the execution of strategic and tactical enterprises” (JOMINI, 1862, p. 188)3. Neste cenário, observa-se o uso estritamente militar da Logística, como atividade meio para viabilizar o esforço de guerra em prol da movimentação, da acomodação e do suprimento das forças militares.

O século XX, por sua vez, assistiu à eclosão de guerras mundiais, onde muitas teorias e preceitos de Clausewitz e de Jomimi foram empregados pelas coalizões oponentes. Por ocasião da Primeira Guerra Mundial foram evidenciados três níveis distintos da Logística Militar: o tático – eixado com a batalha; o operacional - relacionado à campanha militar; e o estratégico - colimado ao esforço de guerra da nação (KRESS, 2002). Adicionalmente, até o final da Primeira Guerra Mundial, evidenciou-se o movimento da racionalização do trabalho, impulsionado por novas tecnologias, sob a configuração da produção em massa, demandando enormes quantidades de matérias-primas para atender aos mercados consumidores em

3 “Logística é a arte das tropas em movimento. Compreende a ordem e os detalhes de marchas e acampamentos; doaquartelamento e do fornecimento de suprimentos para as tropas; em outras palavras, é aexecuçãoestratégica e tácticade uma empresa”(JOMINI, 1862, p. 188, tradução nossa).

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ascensão. Tal cenário possibilitou transbordar os princípios da Logística Militar para o setor fabril, fomentando a gênese da Logística Empresarial (SILVA; MUSETTI, 2003).

A seguir, no período entre o fim da Primeira e o fim da Segunda Guerra Mundial, verificou-se um avanço significativo nas áreas da Logística Militar e Empresarial, haja vista a demanda crescente no fluxo de recursos humanos e de suprimentos para dois Teatros de Guerra distintos, a Europa e o Pacífico. Neste contexto, a capacidade industrial e tecnológica dos Estados Unidos da América (EUA) foi crucial para a decisão da Segunda Guerra Mundial, delineando uma Logística específica, lastreada por três premissas: obter os recursos necessários no campo de batalha; carregar os recursos necessários com as tropas; e embarcar e enviar os recursos necessários (KRESS, 2002).

Fruto deste esforço, observou-se uma gama de ações que perpassavam a Logística Militar e a Logística Empresarial, na forma de uma Logística de Defesa Nacional, reunindo: a mobilização industrial; a aquisição de produtos de defesa; a economia da mobilização; a construção da infraestrutura; o Programa de Leasing; a Logística Conjunta; e a Logística Combinada (GROPMAN,1997). Em especial, o planejamento de mobilização industrial foi ativado nos EUA, em 1920, por meio do National Defense Act, que determinava ao Governo Federal a responsabilidade pela realização de tal planejamento. Complementarmente, foi criado o Industrial College of the Armed Forces, instigandoo estudo e o desenvolvimento da temática da mobilização industrial. Com destaque, o termo Mobilization trata da:

[…] rapid expansion of military production to meet material demands in a war-fighting situation […] The various emergency powers of the President are activated, and the whole business of procuring materiel is put on a basis different from that of peacetime (VAWTER, 1983, p. 03).4

Cabe destacar, que, no campo econômico, a instabilidade dos mercados, característica do período entre guerras, levou à ascensão do Keynesianismo, pensamento econômico sintetizado na obra A teoria geral do emprego: do juro e da moeda (1936). A teoria propunha que a economia de mercado, quando fluindo, sem ajustamentos, não teria as condições de se estabilizar quando o sistema econômico fosse exposto a uma recessão, acompanhada por períodos de desemprego e de indústrias ociosas. Para solucionar a crise, dada a descrença na política de baixas taxas de juros e na flexibilidade dos salários nominais, impõe-se a intervenção do Estado em termos de atividade produtiva e de políticas públicas (KEYNES, 1982).

4 (...) rápida expansão da produção militar para atender as demandas de material em situação decombate(...)os diversos poderes de estado de emergência do Presidente são ativados, e toda negociação para aquisição de material é colocada em bases diferentes daquelas dos tempos de paz.

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Apoiada por esta teoria, a indústria bélica americana teve seu auge na Segunda Guerra Mundial, quando as empresas, até então civis, passaram a produzir para o setor bélico, sendo que com o término do conflito terminou, uma parte das companhias retomou as atividades pré-guerra, caso das montadoras de automóveis, enquanto outras incorporaram definitivamente as novas linhas de produção. A partir deste momento, a Política Externa americana passou a ser influenciada pelo Military-Industrial Complex, carreando autoridade no processo de tomada de decisão estatal, sob a justificativa da presença de um inimigo externo (COX, 2014). Entretanto, o Presidente Americano Dwight D. Eisenhower, no seu discurso de final de mandato, em 17 de janeiro de 1961, alertou o povo americano quanto ao fato de se fomentaruma economia de guerra:

My fellow Americans: Three days from now, after half a century in the service of our country, I shall lay down the responsibilities of office […]In the councils of government, we must guard against the acquisition of unwarranted influence, whether sought or unsought, by the military industrial complex. The potential for the disastrous rise of misplaced power exists and will persist. (EISENHOWER, 1960, p. 1035-1040)5.

Na sequência, a Guerra Fria iniciou-se com a chancela da vitória aliada fruto da detonação de dois artefatos nucleares no Japão, nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Neste cenário, a bipolaridade entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os EUA instigou a ascensão da estratégia nuclear, sob a percepção de uma destruição mútua assegurada entre comunistas e capitalistas. Neste cenário, a abordagem da Logística de Defesa passou a explorar com mais intensidade o nível estratégico, acolhendo as temáticas – da tecnologia, da indústria, dos estoques, dos armazenamentos e do transporte – e, assim, evidenciando a ideia da gestão logística (KRESS, 2002). Simultanemente, a Logística Empresarial evolui com vigor e passou a integrar uma agenda ampliada considerando: a adoção de um pensamento organizacional; a adoção de uma visão sistêmica da logística empresarial; a agregação de valor aos produtos; a prestação de serviços aos clientes; o marketing; a customização; a adoção do processo just in time; e a implementação da gestão estratégica (SILVA; MUSETTI, 2003).

Ainda no século XX, após a queda do Muro de Berlim (1989), a Guerra do Golfo (1991) mobilizou uma coalizão internacional, sob um esforço logístico

conjunto-5 Companheiros americanos: daqui a três dias, após meio século a serviço do nosso país, ireiestabelecer as missões de cada um [...] Nos Conselhos governamentais, temos de nos proteger contra os mausditames, sejam eles solicitados ou oferecidos espontaneamente, dados pelo complexo industrial militar. O potencial para ocalamitososurgimento de um poder paralelo existe e continuará existindo.(EISENHOWER, 1960, p. 1035-1040). P. 6

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combinado que integrou a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para a liberação do Kuwait, invadido pelas forças do regime de Sadam Hussein.

Em uma síntese apertada, observa-se que, do século XIX ao século XX, as demandas e os desafios logísticos evoluíram, assim como evoluiu a face subjetiva da guerra. Neste sentido, as informações e necessidades advindas do “atrito” e do nível de consumo na guerra, podem atrasar ou ser distorcidas devido às inevitáveis dificuldades para coletá-las, resultantes de dois conceitos Clausewitzianos, atemporais para a Logística: “a névoa da guerra” e a “fricção” (KRESS, 2002). Tais aspectos tornam as ações mais lentas, os resultados menos previsíveis e os planejamentos falíveis. Em tese, podem ser superadas na medida em que se aplica a lógica da Trindade de Clausewitz, amalgamando os meios e a vontade nacional em torno do Povo, do Exército e do Governo para a conquista de um Objetivo Nacional. Tal contexto pode ser exemplificado pelos casos: da Segunda GM (1945, por parte dos aliados), da Guerra do Vietnã (1975, por parte dos vietnamitas) e da Guerra do Afeganistão (1989, por parte dos afegãos).

3 ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS E METODOLÓGICOS

A Logística de Defesa perpassa as áreas do conhecimento das Ciências Exatas e as Ciências Humanas e está inserida no campo da Segurança e Defesa (S&D), objeto de atenção da Ciência Política e das Ciências Militares (DOMINGOS NETO, 2006). Com destaque, o campo da S&D foi incorporado à agenda nacional a partir de 1996, quando foi elaborada a Política de Defesa Nacional, acompanhada pela criação do MD em 1999 (NUNES, 2012). Com destaque, em face da complexidade do cenário conflitivo contemporâneo, a pesquisa em Ciências Militares tem incidido na Ciência Política, nas Relações Internacionais, na Estratégia e na S&D (MIGON, 2014). Em suma, a temática da Logística de Defesa “encompasses the resources that areneeded to keep the means of the military process (operation)going in order to achieve its desired outputs (objectives).Logistics includes planning, managing, treating and controllingthese resources”6(KRESS, 2002, p. 07).

Assim, fruto da multidisciplinariedade que caracteriza a temática da Logística de Defesa, no que tange à epistemologia, o estudo foi conduzido à luz da Teoria da Complexidade. Desta maneira, o artigo adotou um pensamento complexo (MORIN, 2003), capaz de enxergar a dinâmica da Logística de Defesa no século XXI, à luz da Trindade de Clausewitz, considerando as demandas advindas de cenários complexos. Cabe ressaltar que, inicialmente, Complexidade foi aplicada

6 [...] engloba os recursos que são necessários para manter os procedimentos militares (operação) fluindopara alcançar as metas desejadas (objetivos). Logística inclui planejamento, gerenciamento, tratamento e controledos recursos “(KRESS, 2002, p. 07).

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nas pesquisas no âmbito dos sistemas da natureza, mas progressivamente avançou na esfera dos sistemas sociais. Assim, o Complexity Thinking é um dos ramos de pesquisa para a investigação de sistemas complexos, que não podem ser descritos por regra única, nem reduzidos a um único nível de explicação, em face do seu comportamento não linear (RICHARDSON; CILLIERS, 2001). Em especial, a Trindade de Clausewitz pode ser percebida como modelo complexo, abrangendo elementos subjetivos e objetivos (BASSFORD, 2007).

Avançando aos aspectos metodológicos, este artigo, configurado como uma pesquisa aplicada, foi acomodado sobre uma perspectiva qualitativa, a fim de abarcar o máximo de impressões acerca da temática da Logística de Defesa. Assim, optou-se por um método de abordagem indutiva, operacionalizado por um método de procedimento histórico e monográfico (PRODANOV; FREITAS, 2013), combinando esforços descritivos e analíticos com o intuito de construir o devido embasamento para a percepção da Logística de Defesa à luz da Trindade de Clausewitz. Para tanto, na fase exploratória, aplicaram-se as técnicas da pesquisa documental e bibliográfica, coletando múltiplas perspectivas necessárias à análise do objeto Logística de Defesa. A seguir, na fase explicativa, empregou-se a técnica do estudo de caso com o propósito de alcançar a profundidade desejada no exame da complexidade da Logística de Defesa no século XXI, proporcionando refutações e extensões de conceitos existentes, fruto da riqueza observacional da referida técnica (CSILLAG; MARTINS; PRIMO, 2012).

Neste sentido, foram coletadas múltiplas perspectivas acerca da temática elencada para a pesquisa. No âmbito da pesquisa documental, foram selecionadas fontes primárias (legislações, políticas, estratégias, doutrinas, relatórios etc) relacionadas ao campo da S&D, com ênfase nos aspectos ligados à Logística de Defesa, nos seguintes sítios registrados em nota de rodapé.7 Adicionalmente, com a pesquisa bibliográfica, foram reunidas fontes secundárias, extraídas de um grupo prévio de periódicos, organizado com base na aderência editorial às Ciências Militares e à Ciência Política: Revista da Escola Superior de Guerra; Revista da Escola de Guerra Naval; Coleção Meira Mattos; Revista Brasileira de Estudos de Defesa; Revista de Ciências Militares; Military Review; Revista Brasileira de Estudos Estratégicos; Revista Brasileira de Ciência Política; Revista Política Hoje; Revista Sociedade e Estado; Conjuntura Austral; e Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais. Complementarmente, realizou-se a coleta nos indexadores - Scientific Electronic Library Online (SciELO) Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e em teses, palestras e conferências ligadas à temática.

7 Sites sobtre Logística de Defesa, disponíveis em: <www.defesa.gov.br/legislacao>; <www.eda.europa. eu/info-hub/defence-data-portal/definitions>; Disponível em: Disponível Disponível em: <www.gov. uk/government/publications; www.acq.osd.mil/ip/docs/ind-cap-annual-report-to-congress_2002.pdf; ewww.daml.org/2001/12/factbook/us.html>.

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Para isso, foram utilizados os descritores: Logística; Logística de Defesa; Segurança; Defesa Nacional; guerra; conflitos contemporâneos; Complexidade; e Clausewitz. Da mesma forma, foi realizada a busca nos idiomas inglês e espanhol, colimada às peculiaridades de cada base de dados. Quanto aos critérios de inclusão das fontes primárias, foram considerados os documentos elaborados a partir de 1989, observado como marco para o fim da Guerra Fria, por ocasião da queda do Muro de Berlim. Para as fontes secundárias, foi observado o ano de 1832 como marco inicial, estribado na primeira edição da obra On War, de Carl Von Clausewitz.

4 A COMPLEXIDADE DA LOGÍStICA DE DEFESA NO SÉCULO XXI 4.1 A dinâmica internacional da Logística de Defesa

O século XXI iniciou-se sob a égide da aceleração da globalização Pós-Guerra Fria, dispersando a ameaça de uma guerra nuclear e inspirando a ideia de um mundo pacífico e integrado. Contudo, a dinâmica da globalização potencializou, tanto atores supranacionais conhecidos, como: Organização das Nações Unidas (ONU), Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Fundo Monetário Internacional (FMI) etc. quanto novos players transacionais (crime organizado internacional, grupos terroristas, grupos rebeldes, etc) (DUPAS, 2005).

Sob este prisma, os eventos do 11 de Setembro proporcionaram uma oportunidade para as corporações de defesa, reunidas em torno de pesquisadores das companhias e atores chave da administração Bush, de usar o cenário da crise na segurança como justificativa para uma expansão acelerada do orçamento militar estadunidense. Tal quadro foi acentuado pela deflagração dos conflitos no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003), transformando o século XXI em um cenário difuso e caótico, propício ao fomento do comércio de armas (COX, 2014).

Os ambientes operacionais encontrados no Afeganistão e no Iraque implicaram requisições urgentes, por parte da tropa e dos comandantes, no que se refere à adaptação de material e de armamento para as operações, tais como: uso de drones, aplicação de blindagem adicional e emprego de dispositivos para a desativação de explosivos improvisados. Esta realidade instigou ainda mais os gastos militares e a venda de armas no mercado americano e, portanto, contribuiu com o Military-Industrial Complex (WHALEY et al, 2011). “The level of escalation ofUS military spending from1998 to 2008 is unprecedented in US foreign policy history, despite the fact that the US faced noenemy state with anywhere near the capacity of the former Soviet Union (COX, 2014, p.14)”8.

8 O aumento dos gastos das tropas americanas de1998 até 2008 é sem precedentes na história da política externa dos EUA, apesar dos EUA não terem enfrentado nenhum Estado inimigo que tenha chegado perto dopoderio da ex-União Soviética (COX, 2014, p.14).

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À luz desta realidade, a Logística de Defesa passou a abranger as perpectivas de mobilidade estratégica, de projeção de força, de coordenação do sistema logístico em coalizões e do alinhamento entre doutrina de combate e logística (KRESS, 2002). Pari passu, a Logística Empresarial, voltou seu foco para obter a integração e o atendimento à gestão de toda a cadeia de suprimentos, iniciada na obtenção da matéria-prima e concluída com o recebimento do produto pelo consumidor final (SILVA; MUSETTI, 2003).

Avançando na percepção do fenômeno, Cox (2014) ensina que as corporações que são centrais para o Military-Industrial Complex têm características que permitem identificá-las como um bloco cujos interesses são distintos de outros setores do capital transnacional. A característica precípua seria a dependência massiva da produção militar como parte primordial das receitas advindas das vendas. Neste sentido, em 2001, segundo The World Factbook — Central Intelligence Agency (CIA), as três maiores companhias especializadas em Defesa, no mundo, eram americanas: a Lockheed Martin, a Boeing e a Northrop Grumman. Suas receitas combinadas representaram 1% do Gross Domestic Product (GDP) dos EUA, mensurado em 10 trilhões de dólares, à época, e já figuravam como as maiores produtoras de armas no planeta (EUA, 2001).

Sob este enfoque, a Lockheed Martin Corporation tem sua sede na cidade de Bethesda, Maryland e atua em quatro setores: integração de sistemas (processamento de subsistemas e guerra eletrônica); aeronáutica (aeronaves de combate e transporte); sistemas espaciais (comunicação satelital e lançamentos de veículos); e serviços de tecnologia (provendo gestão e logística) (LOCKHEED MARTIN CORPORATION, 2016). Já a Boeing tem sua sede na cidade de Chicago, Illinois, seu portfólio apresenta cinco áreas: fabricação de aviões comerciais; sistemas de defesa integrados; corporação de capital (serviços financeiros); conectividade em voo (entretenimento); e gestão de tráfego aéreo (sistemas de controle de tráfego aéreo). Contudo, o maior volume de ganhos da companhia é advindo das unidades de fabricação de aviões comerciais e de Sistemas Integrados de Defesa (BOEING COMPANY, 2016). Por seu turno, a Northrop Grumman Corporation é localizada na cidade de Los Angeles, Califórnia, e atua em seis áreas: sistemas eletrônicos (aviônica de combate e vigilância); tecnologia da informação (sistemas de computação); sistemas integrados (eletrônica de combate aérea e gestão do campo de batalha); sistemas de navios (militares e comerciais); submarinos nucleares; e componentes (eletrônica e óptica) (NORTHROP GRUMMAN CORPORATION, 2016).

Em 2002, o Relatório Anual de Capacidades Industriais para o Congresso Americano (2002), evidenciou que a indústria de defesa seguia uma dinâmica de consolidação. Assim, em 1980, havia 51 (cinquenta e uma) companhias de defesa independentes; já em 1997 este número era de 5 (cinco); e a partir de 2001 havia 4 (quatro). Contudo, não previa uma possibilidade de fusão entre as grandes companhias - Lockheed Martin, Boeing e Northrop Grumman (EUA, 2002). Neste contexto, observou-se uma lógica de integração entre Logística de Defesa e

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Logística Empresarial nos EUA. Da mesma forma, verificou-se o tangenciamento constante entre o Military-Industrial Complex e o Governo, na busca de uma relação mutuamente compensadora no século XXI, lastreada pela dinâmica da relação entre gastos militares e venda de armas (KRESS, 2002) (SILVA; MUSETTI, 2003).

Contudo, já em 2011, sob administração Obama, os gastos militares estadunidenses começaram a decrescer em consequência a retirada das forças do Afeganistão e dos efeitos advindos do Budget Control Act. Por outro lado, acordos políticos atenuaram os impactos da medida estabelecida e permitiram o remanejamento de recursos para os gastos militares. Adicionalmente, é latente a perspectiva de que os atuais conflitos no Iraque, na Ucrânia e na Síria podem compensar o declínio dos gastos militares em operações internacionais, fato esperado após a retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão (COX, 2014).

Complementarmente, a Logística de Defesa e a Logística Empresarial passaram a tangenciar um novo espectro, a Logística Humanitária – esforço logístico pelo qual Estados, coalizões, organizações supranacionais (ONU, Cruz Vermelha etc.) e Organizações Não Governamentais (ONGs) buscam garantir a segurança (física, alimentar, ambiental e social) de uma população ou de um grupo que se encontre ameaçado. Neste sentido, nota-se uma efervescência nas atividades e nos estudos relativos à Logística de Defesa, uma vez que é o vetor que capitaliza as outras vertentes logísticas, pressupondo a sua organização para a crise (ou conflito armado) e, naturalmente, precipitando o apoio com mais rapidez.

Mais recentemente, em 2014, o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) revelou que os gastos militares mundiais foram estimados em 1 trilhão e 776 bilhões de dólares, representando 245 dólares per capita no planeta. Neste escopo, somente os EUA foram os responsáveis por 609 bilhões e 914 milhões de dólares em gastos militares, sendo que em 2002 os gastos estadunidenses eram de 356 bilhões e 720 milhões de dólares.Com destaque, o termo Military Expenditure engloba todos os gastos em: forças armadas (incluindo forças de paz); ministérios da defesa e outras agências governamentais engajadas em projetos de defesa; forças paramilitares quando vocacionadas e equipadas para operações militares; e atividades militares espaciais. Incluem, ainda, as áreas de: pessoal; operações; manutenção, contratações, pesquisa e desenvolvimento militar; construção militar; e contribuições militares (como por exemplo, à ONU e à OTAN). Por outro lado, tais gastos excluem as áreas de: defesa civil; benefícios de veteranos militares; desmobilização; conversão de linhas de produção de armas; e destruição de armas (STOCKHOLM INTERNATIONAL PEACE RESEARCH INSTITUTE, 2015). De forma análoga, para a Agência de Segurança Europeia (2016), o termo Total Defence Expenditure é definido como o gasto total dos Ministérios da Defesa e gastos de defesa relacionados a outras fontes (EUROPEAN DEFENCE AGENCY, 2016).

Em resumo, percebe-se que, embora as táticas, as estratégias e os implementos utilizados nas guerras do século XIX tenham se transformado ao longo do tempo,

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a política e as armas seguem como protagonistas na dinâmica conflitiva do século XXI. Consequentemente, criou-se um mercado de armas adaptado à realidade do mundo globalizado, onde as necessidades da Logística de Defesa se confundem com demandas de guerras, sob a égide de gastos militares.

4.2 O Brasil e o delineamento de uma Política de Logística de Defesa

Inicialmente, observando o pensamento hobbesiano, o poder encerra “a general inclination of allmankind, a perpetual and restlessdesire of power after power, that ceaseth only in death”9 (HOBBES, 1958, p. 86), diretamente ligado à condicionante da força e ao emprego das armas. Avançando, o pensamento realista de Morgenthau (1948) ampliou o espectro, apresentando a abordagem Poder Nacional (PN), transbordando da visão hobbesiana do poder como objetivo, para a percepção do poder como os meios para alcançar os objetivos.

Sob este enfoque, a Doutrina Militar de Defesa Brasileira adota a perspectiva do PN e o caracteriza como a capacidade resultante da integração dos meios da nação, acionados pela vontade nacional com o objetivo de manter e de conquistar os Objetivos Nacionais (BRASIL, 2007). Tais meios são precipitados por capacidades diretamente ligadas aos recursos humanos, aos recursos naturais, à infraestrutura e às armas (NYE, 2012). Sua concreção se dá por meio de cinco expressões: política, militar, econômica, psicossocial e científico-tecnológica.

Neste contexto, o Ministério da Defesa (MD), órgão máximo da gestão da Defesa Nacional, compatibiliza a abordagem conceitual acerca da Logística Nacional e Militar, colimando as perspectivas da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, conforme as definições abaixo.

Logística Nacional: conjunto de atividades relativas à previsão e à provisão dos recursos e meios necessários à realização das ações decorrentes da estratégia nacional.

Logística Militar: 1. conjunto de atividades relativas à previsão e à provisão dos recursos e dos serviços necessários à execução das missões das Forças Armadas. 2. conjunto de atividades necessárias para apoiar a criação, movimentação, engajamento, desengajamento e desativação de um comando ou força operativa, com base nas estimativas de necessidades (BRASIL, 2015, p. 160, grifo nosso).

Historicamente, a primeira organização da gestão de Defesa no Brasil aconteceu por meio da elaboração da Política de Defesa Nacional (PDN), em

9 Uma inclinação generalizada de toda a humanidade, uma busca incessante e incansávelpelo poder, que cessa apenas com a morte.” (HOBBES, 1958, p. 86)

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1996, contando com a participação civil no processo, com objetivo de definir uma política que fosse capaz de reger suas ações em prol de um objetivo comum. Já contando com a direção do MD, criado em 1999, avançou-se no delineamento político da Gestão de Defesa por meio da elaboração daPolítica Nacional da Indústria de Defesa (PNID). Com destaque, conceituou os termos - Base Industrial de Defesa (BID) e Produto Estratégico de Defesa, estabelecendo os critérios de inclusão na categoria de produto estratégico de defesa, além de atribuir responsabilidades à Secretaria de Logística, Mobilização, Ciência e Tecnologia (SELOM) do MD (BRASIL, 2005).

Base Industrial de Defesa: conjunto das empresas estatais e privadas, bem como organizações civis e militares, que participem de uma ou mais das etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos estratégicos.

Produto Estratégico de Defesa: são bens e serviços que pelas peculiaridades de obtenção, produção, distribuição, armazenagem, manutenção ou emprego possam comprometer, direta ou indiretamente, a consecução de objetivos relacionados à segurança ou à defesa (BRASIL, 2005, p.01, grifo nosso).

Já em 2006, foi elaborada a Política de Logística de Defesa (PLD), documento máximo do planejamento logístico do MD, com o intuito de orientar os planejamentos estratégicos acerca da logística necessária à ativação das FA para sua destinação constitucional. Desta forma, seria possível viabilizar à Expressão Militar do PN um sistema de apoio logístico adequado e contínuo desde a situação de normalidade até a de guerra. Para isso, a PLD estabeleceu cinco objetivos orientadores: o aparelhamento das FA para atender à destinação constitucional; a integração logística entre as FA; a independência progressiva na obtenção de produtos de defesa; o desenvolvimento da capacidade logística de defesa; e a compatibilização da infraestrutura nacional aos interesses da defesa (BRASIL, 2006).

Sob esta perspectiva, o Brasil conduziu a elaboração de uma Política e de uma Estratégia Nacional de Defesa (PND-END), consolidadas em 2008 e atualizadas em 2012, que ampliaram o espectro de atuação PN no campo da Segurança e Defesa (S&D). Tal iniciativa possibilitou o fomento de um diálogo integrador entre: Estratégia de Defesa, Estratégia de Desenvolvimento Nacional e Política Externa (OLIVEIRA, 2009). Consequentemente, a PND-END apresentou novas demandas para a atuação do PN e, assim, para a Logística de Defesa.

No que se refere ao combate das ameaças, buscou a concreção de capacidades necessárias à Defesa no amplo espectro, considerando a imprevisibilidade e a complexidade dos cenários do século XXI. No que tange à reestruturação das FA,

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orientou a prioridade na articulação e na organização do aparato militar, alinhadas ao propósito nacional. No espectro do Desenvolvimento Nacional, instigou a integração com o setor empresarial e o fomento à Base Industrial de Defesa (BID). Finalmente, acerca da Política Externa, ratificou a Estratégia da Presença Nacional e evidenciou a capacidade dissuasória como ferramenta para habilitar a liberdade de ação do posicionamento brasileiro na esfera internacional. Em especial, a PND definiu um total de onze Objetivos Nacionais de Defesa (OND), entre os quais destacam-se quatro que inferem diretamente na Logística de Defesa (BRASIL, 2012a, 2012b).

Primeiramente, conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa do País. Neste contexto, Domingos Neto (2012) ensina que não cabe que a defesa e a segurança do país mantenham-se como preocupação exclusiva de alguns setores. Logo, o aprofundamento da democracia requer a indução da cultura estratégica da Defesa Nacional, integrando militares e civis por meio de diálogo permanente, à luz da Trindade Clausewitziana.

Em segundo lugar, desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias indispensáveis. Sob este prisma, os setores governamental, industrial e acadêmico, voltados à produção (científica e tecnológica) e inovação devem contribuir para assegurar o atendimento às necessidades de produtos de defesa (BRASIL, 2012a). Logo, a perspectiva da “Tríplice Hélice” tem sido a ferramenta delineada para a concreção do propósito da reorganização da Base Industrial de Defesa (BID), por meio da integração entre o Governo, a Indústria e a Academia, espelhando a perpectiva da Trindade de Clausewitz.

Como terceiro ponto, estruturar as FA em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os planejamentos. Neste espectro, o fomento da área de ciência, tecnologia e inovação, bem como a reorganização da BID perpassam o fortalecimento dos setores estratégicos à Defesa do Brasil - espacial, cibernético e nuclear. Neste sentido, o Polo Tecnológico de São José dos Campos, na área espacial, pode ser considerado um exemplo de sinergia no setor científico-tecnológico.

Complementarmente, torna-se relevante a integração da indústria de defesa sul-americana, por meio de medidas que proporcionem desenvolvimento mútuo, bem como a capacitação e a autonomia tecnológica (BRASIL, 2012a, 2012b, 2012c).

Finalmente, desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional. Neste sentido, estimula a estruturação das FA em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os planejamentos estratégicos e operacionais. Adicionalmente, verifica-se a necessidade de sistematizar a mobilização nacional, definida como as “atividades empreendidas pelo Estado, ou por ele orientadas, desde a situação de normalidade, complementando a logística nacional, com o propósito de capacitar o Poder Nacional a realizar ações estratégicas, no campo da Defesa Nacional” (BRASIL, 2015, p. 174). Com destaque, atualmente, não se verifica uma mentalidade de desenvolvimento voltada para a mobilização nacional, sendo necessário um trabalho de Comunicação Social para

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estimular - reservistas, membros do poderes constituídos, empresários, prestadores de serviços, produtores rurais, etc - no entendimento de que o PN é sintetizado por um esforço unificado (OLIVEIRA, 2016). Assim, o fomento destes aspectos configura mais uma analogia à Trindade Clausewitziana, uma vez que viabiliza a concreção da “Nação em Armas” à luz da Logística de Defesa.

A fim de operacionalizar tais propósitos, a END foi organizada em torno de três eixos estruturantes –a organização e orientação das Forças Armadas; a reorganização da Base Industrial de Defesa; e a composição dos efetivos das Forças Armadas - incidindo nos quatro OND destacados pela PND (BRASIL, 2012a, 2012b).

O eixo estruturante nº 01 (organização das FA) está ligado às capacidades que devem ser configuradas no âmbito da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para o pleno desempenho da destinação constitucional, na paz e na guerra. Logo, é dependente da consolidação de uma Logística de Defesa e Militar que viabilize a geração e a sustentação de tais capacidades, baseadas em uma linha de evolução tecnológica sustentável. Já o eixo estruturante nº 02 (reorganização da BID) é o grande desafio a ser vencido, uma vez que visa à configuração de uma indústria de defesa competitiva e sustentável. Objetiva a geração de empregos qualificados e o incentivo ao desenvolvimento tecnológico, via encadeamento produtivo com outros setores da indústria, observando o fomento de produtos das FA por meio de tecnologias de domínio nacional e de uso, preferencialmente, dual. Enfim, o

eixo estruturante nº 03 (composição dos efetivos das FA) enfocou a capacidade de Mobilização Nacional, priorizando a composição das FA por meio de um corte social transversal, representativo de toda a Nação, atendendo à contingência de uma possível mobilização nacional (BRASIL, 2012b).

Consequentemente, para a gestão dos OND e para o acompanhamento das ações nos três eixos estruturantes relacionadas à Lógística de Defesa, foi configurada a Chefia de Logística (CHLOG), na estrutura do MD, com a competência para tratar das lides relativas à logística, à mobilização nacional e ao serviço militar. Desta forma, a CHLOG coordena o planejamento, a execução e o acompanhamento de programas e projetos voltados à integração logística das FA e à mobilização militar e nacional.

Adicionalmente, a Secretaria de Produtos de Defesa (SEPROD), também configurada no âmbito do MD, tem a responsabilidade gerir e de instigar a relação entre o Governo, a Indústria e a Academia, visando à reorganização e à consolidação da BID. Portanto, estes dois instrumentos configuram uma estrutura catalizadora que tem o potencial para colimar processos e atividades em prol da Logística de Defesa, fomentando, na sua essência, a sinergia entre Povo, Forças Armadas e Governo (BRASIL, 2012c).

4.3 Opções latentes naLogística de Defesa contemporânea

Após o entendimento da dinâmica internacional da Logística de Defesa e do processo de delineamento de uma Política de Lógistica de Defesa para o Brasil,

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cabe visitar e sintetizar as principais opções e tendências que se têm apresentado como estado da arte em Logística de Defesa na superação dos óbices advindos da complexidade característica do século XXI.

Opção nº 01 - Fomentar uma política de incentivo fiscal e de parceria entre o Governo e a Indústria de Defesa.

Para esta abordagem, tomamos uma perspectiva estatal, observando o contexto de Segurança e Defesa do Reino Unido, onde as políticas do governo são emitidas por assunto e sobre temas de interesse, com a periodicidade estabelecida pela necessidade conjuntural. A primeira iniciativa de organizar a estrutura da defesa foi o Defence White Paper em 1957, com o intuito de fazer uma reavaliação das necessidades de defesa do país. No avanço continuado deste contexto, desde 2010, as políticas e estratégias de defesa estão sendo configuradas por meio da National Security Strategy and Strategic Defence and Security Review (UK, 2015).

Sob esta perspectiva, o Reino Unido tem priorizado o fortalecimento do seu Parque Industrial de Defesa, integrando o setor industrial, o Governo e as FA, e, ao mesmo tempo, beneficiando a população com a criação de postos de trabalho e com o fomento tecnológico. Segundo, a National Security Strategy and Strategic Defence and Security Review, as indústrias de defesa e de segurança do Reino Unido empregam mais de 215.000 pessoas, beneficiam mais de 150.000 pessoas, bem como atendem a 6.500 recém-formados. Complementarmente, ressalta que o setor de segurança tem crescido uma média 05 (cinco) vezes maior que o restante da economia do Reino Unido, desde 2008 (UK, 2015, p.75).

Neste sentido, no âmbito internacional, a prática da política de incentivo fiscal e de parceria entre o Governo e a Indústria de Defesa tem sido verificada como uma praxe. Com destaque, as políticas e os acordos relativos à Indústria de Defesa têm ocorrido de uma forma peculiar, diferente da regulação internacional vigente para as demais indústrias. Assim, a excepcionalidade nas relações comerciais do setor de defesa permite que governos exerçam um protecionismo sob a sua Base Industrial de Defesa (BID). Da mesma forma, habilita o seu emprego para fins mercantilistas, no âmbito de uma mercado seleto, extremamente lucrativo e de abrangência global – os produtos de defesa (MARKOWNSKI; HALL; WYLIE, 2010).

Opção nº 02 - Delinear uma estratégia para a desburocratização do processo de aquisição de produtos de defesa.

Sob esta perspectiva, cabe observar a Guerra do Afeganistão (2001) e as dificuldades e demandas logísticas vividas pelos EUA naquele conflito. Em 2002, o Exército estadunidense estava completamente engajado na ação de combate denominada Operation Enduring Freedom (OEF). Na ocasião, o ambiente operacional complexo encontrado no Afeganistão implicou requisições urgentes, por parte da tropa e dos comandantes, no que se refere àadaptação de material e de armamento durante a campanha. Dentre as principais demandas destacam-se: o uso de drones; a aplicação de blindagem adicional; e o emprego de dispositivos

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para a desmontagem de explosivos improvisados. Consequentemente, o processo de aquisição burocratizado em curso, caracterizado por inúmeras requisições documentais e longos processos de teste de material, impactou negativamente no pronto atendimento das necessidades levantadas pela tropa em campo. Tal situação refletiu de forma negativa na condução das operações, exigindo, muitas vezes, improvisações que colocavam em risco a segurança dos soldados durante as ações militares (WHALEY; STEWART, 2011).

Por outro lado, explorando o cenário da Guerra do Iraque (2003), quando os EUA desencadearam a ação denominada Operation Iraq Freedom (OIF), observa-se a aplicação de uma nova estratégia no processo de aquisição. Assim, similarmente à Guerra do Afeganistão (2001), a tropa e os comandantes identificaram várias demandas e a necessidade de novas capacidades para atuar contra ameças potenciais durante as ações militares naquele ambiente operacional complexo. Como resposta, foi implementada uma estratégia para garantir agilidade na provisão de soluções para as demandas operacionais críticas, permitindo a verificação da validade das soluções adotadas sob uma avaliação estatística e a, consequente, replicação das soluções aprovadas no âmbito de toda a força militar. Tal abordagem configurou o processo de Logística de Defesa chamado Capabilities Development for Rapid Transition (CDRT) e permitiu a máxima responsividade da Logística às demandas advindas de um ambiente operacional complexo, colaborando para o êxito das operações (WHALEY; STEWART, 2011).

Opção nº 03 - Sincronizar e otimizar a gestão da Cadeia de Suprimento. Para esta perspectiva, observando as lições aprendidas na Logística Empresarial, cabe destacar a abordagem do Supply Chain, que remete à configuração de uma sequência conectada de organizações e atividades envolvidas na produção e na viabilização de um produto ao consumidor. Logo, o Supply Chain constitui-se como uma cadeia de valor, uma vez que integra e sincroniza: o suprimento, a manufatura, o transporte e outros componentes da cadeia de suprimento. Adicionalmente, se pensado de forma reversa, tem a perspectiva dual de configurar-se como uma cadeia de demanda, facilitando o ajustamento da produção e do processo de suprimento na relação fornecedor-consumidor. Portanto, apresenta-se como uma prática potencial para a Logística de Defesa (RUSSEL, 2011).

Como ferramenta potencial à otimização da cadeia de suprimento, cabe verificar a proposta da Performance Based on Logistics (PBL), abordagem que tenciona equilibrar ambos os lados, cliente e fornecedor, na medida em que propõe otimizar a performance e, simultaneamente, reduzir os custos no médio e longo prazo, frutos dos reflexos positivos de tal otimização. Para tanto, no escopo da cadeia de suprimento de defesa, torna-se primordial obter a equalização sustentável entre as empresas, orientadas pelo lucro, e as organizações militares, focadas na compleção de tarefas militares. Em última instância, as operações militares serão

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realizadas de acordo com as capacidades consolidadas em face da qualidade e da vida útil do material contratado (GLASS, HOFMANN; EBIG, 2011).

Finalmente, verifica-se a gestão integrada de informações da cadeia de suprimento, ferramenta que habilita a maximização da efetividade da Logística de Defesa. Desta maneira, o Supply Chain Management propõe a sinergia informacional na cadeia de suprimento, combinando: operações de produção; ações no mercado; e gestão financeira. Tal abordagem tem como premissa a total conectividade da cadeia de suprimento, contemplando negociações estratégicas, compartilhamento de riscos e o envolvimento dos fornecedores nos projetos de desenvolvimento de novos produtos. Desta forma, o Supply Chain Management instiga o estabelecimento de uma maior confiança entre as partes e, consequentemente, maior qualidade no produto entregue ao consumidor e mais responsividade no seu suprimento (RUSSEL, 2011).

Em resumo, em face de opções e tendências sintetizadas, observa-se um comportamento de aproximação e integração entre a Logística de Defesa e Logística Empresarial para a superação de óbices advindos da complexidade característica do século XXI. Da mesma forma, verifica-se o tangenciamento frequente entre o setor industrial e o governo, na busca de uma relação econômica equilibrada e, mutuamente, compensadora, capaz de satisfazer a relação cliente-fornecedor nas lides da Logística de Defesa. Portanto, as ideias síntese, aqui evidenciadas, habilitam uma agenda inicial para o fomento do diálogo, no âmbito da Sociedade Brasileira, em especial, entre o Povo (Academia & Indústria), as Forças Armadas e o Governo, sob uma releitura contemporânea da Trindade de Clausewitziana, acerca da Logística de Defesa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após enxergar a Trindade Clausewitziana e revisitar o histórico da Logística, o estudo empreendeu, à luz da Teoria da Complexidade, o exame da Logística de Defesa do século XXI, visitando a sua dinâmica na esfera internacional e o seu delineamento no âmbito nacional. Avançou, ainda, na verificação das principais opções e tendências encontradas na Logística de Defesa contemporânea, visualizando a possibilidade de sua apliacação no âmbito da Logística de Defesa Nacional, passando a sintetizar as considerações finais no âmbito desta seção.

Como linha dorsal na construção da abordagem do artigo, o estudo verificou que Carl Von Clausewitz (1832), em sua obra On war concedeu devido espaço aos aspectos subjetivos do fenômeno da Guerra, sua face mutável. Desta forma, a evolução dos tempos e, consequentemente dos meios, puderam moldar as peculiaridades e os cenários da guerra, mas de forma nenhuma modificaram a sua essência – a continuação da política pelo uso de outros meios, inclusive da violência física. Assim, para domar a complexidade da guerra, torna-se necessário controlar e

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sustentar a força, no tempo e no espaço, superando a “fricção” e agindo de maneira resiliente em face da “névoa da guerra”. Para habilitar esta empreitada – Povo, Exército/Comandante e Governo– devem estar colimados como a força motriz da vontade nacional, apta a obter a vitória militar e a, consequente, concreção dos objetivos nacionais.

Na esferal internacional, o estudo constatou que a relevância e a, consequente, valorização da atividade logística no planejamento estratégico militar e empresarial é uma premissa contemporânea. Tal quadro fica latente em face da demanda pela obtenção da melhoria continuada na competitividade da gestão logística - militar ou empresarial. Em especial, observou-se a necessidade de máxima responsividade no que diz respeito às operações militares em ambientes operacionais complexos. Logo, constatou-se, ainda, a tendência por um estreitamento da burocracia contratual e por uma relação de confiabilidade ampliada, cliente-fornecedor, no que diz respeito à aquisição e ao suprimento de produtos de defesa.

No âmbito Nacional, o estudo pode verificar que o MD, à luz da PND-END (2012), avança nos esforços para desenvolver a BID, para estruturar as FA em torno de capacidades e para desenvolver o potencial de logística de defesa. Além disso o MD, por meio da CHLOG tem aprimorado o delineamento de políticas e doutrinas logísticas, a fim de estruturar a dinâmica da Mobilização Nacional e, assim, reunir condições efetivas para passar da situação de paz para a situação de conflito armado, conscientizando a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa do País, conforme a proposta da Trindade Clausewitziana.

No âmbito das temáticas, opções e tendências passíveis de serem aplicadas em prol da consolidação da Logística de Defesa no Brasil, foram evidenciadas perspectivas internacionais que podem ser implementadas, adaptadas e, até mesmo, ampliadas no escopo do MD do Brasil. Neste sentido, cabe evidenciar: a consolidação de um parque industrial de defesa; o fomento de uma política de incentivo fiscal e de parceria entre governo e a indústria de defesa; a desburocratização do processo de aquisição; a implementação do processo de Capabilities Development for Rapid Transition (CDRT); a adoção do conceito de Supply Chain; a experimentação e adaptação da Performance Based on Logistics (PBL); e o desenvolvimento da estratégia do Supply chain management. Simultanemaente, tais questões configuram como uma pauta inicial para o fometo do diálogo acerca da importância da S&D, com ênfase na Logística de Defesa, no seio da sociedade brasileira.

À guisa de conclusão, fica evidente o quanto o pensamento de Clausewitz e a complexidade do cenário contemporâneo influenciam na dinâmica da Logística de Defesa, tanto na esfera internacional, quanto no âmbito doméstico. Assim, o Brasil tem-se utilizado do conceito da “tríplice hélice”, no esforço de angariar sinergia com o setor industrial, prospectando soluções efetivas, que equilibrem as necessidades de ambas as partes. Tal esforço visa ao fortalecimento da percepção tridimensional de Clausewitz - Povo, Forças Armadas e Governo – como amálgama

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para um esforço de guerra, bem como para viabilizar a própria Defesa Nacionalper si. Por fim, assume-se a necessidade de estudos que avancem deste ponto, uma vez que a Logística de Defesa exige um fluxo de investimentos relevante, que deve ser gerido em prol da S&D, superando, sem maiores prejuízos, a atual crise que abarca o país.

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Recebido em: 02 fev 2017 Aceito em: 03 maio 2017

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