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Inflamação na doença renal crónica

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Academic year: 2021

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INFLAMAÇÃO NA DOENÇA RENAL CRÓNICA

Pedro Leão Neves

Tese orientada pelo Prof. Doutor M. Martins Prata

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A impressão desta dissertação foi aprovada

pela Comissão Coordenadora do Conselho

Científico da Faculdade de Medicina de Lisboa

em reunião de 16 de Outubro de 2007.

As opiniões expressas nesta publicação são da

exclusiva responsabilidade do seu autor.

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Dissertação de Doutoramento

apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

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PREFÁCIO... 11

CAPÍTULO I – Doença Renal Crónica - Caracterização e Relevância... 15

1. Introdução... 17

a. Introdução histórica... 17

b. A doença renal crónica na actualidade... 22

2. A natureza progressiva da doença renal crónica... 26

a. Fisiopatologia... 27

i. Factores hemodinâmicos... 29

i a. Mediadores das alterações hemodinâmicas... 29

i b. Como as alterações hemodinâmicas provocam lesão. 30 ii. Factores não hemodinâmicos... 31

ii a. Hipertrofia... 32

ii b. Proteinúria... 33

ii c. Angiotensina II... 35

ii d. Aldosterona... 36

ii e. TGF-β (Transforming Growth Factor β) ... 37

ii f. Stress oxidativo... 37

b. Factores de risco de progressão da doença renal... 41

i. Factores não modificáveis... 41

i a. Género... 41

i b. Raça... 42

ii. Factores modificáveis... 43

ii a. Hipertensão arterial... 43

ii b. Dislipidemia... 45

ii c. Anemia... 47

ii d. Tabaco... 48

ii e. Metabolismo do fósforo e do cálcio... 50

ii f. Ácido úrico... 50

ii g. Património de nefrónios... 52

ii h. Sistema nervoso simpático... 53

3. A epidemiologia da doença renal crónica... 54

a. A doença renal crónica na Europa... 55

b. A doença renal crónica nos EUA... 56

c. Comparações internacionais da incidência da doença renal terminal.. 57

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e. A doença renal crónica no Algarve... 60

4. Considerações Económicas e Éticas... 62

CAPÍTULO II – Doença Inflamatória como Factor De Risco - Caracterização e Relevância... 67

1. Introdução... 69

2. Fisiopatologia Da Aterosclerose – Aterosclerose Como Uma Doença Inflamatória... 73

a. O início da aterosclerose... 74

b. A evolução da aterosclerose... 77

c. Complicações da aterosclerose... 80

d. Factores desencandeadores da aterosclerose... 81

i. Colesterol LDL... 82

ii. Colesterol HDL... 83

iii. Homocisteína... 84

iv. Lipoptroteína A... 85

v. Stress oxidativo... 87

vi. Hipertensão arterial... 88

vii. Diabetes mellitus... 91

viii. Tabagismo... 94

ix. Agentes infecciosos... 96

3. Marcadores da Inflamação... 98

a. Reagentes de fase aguda... 99

b. Quimocinas e citocinas... 103

c. Moléculas de adesão... 105

d. Imunomodulador CD40L... 106

CAPÍTULO III – Inflamação na Doença Renal Crónica - Relevância a Nível da Morbilidade, Progressão da Doença Renal e Mortalidade... 109

1. Introdução... 111 2. Doentes e métodos... 115 a. Doentes... 115 b. Avaliação nutricional... 116 c. Avaliação da anemia... 118 d. Avaliação cardiovascular... 119

e. Avaliação da progressão da doença renal e hospitalização... 120

f. Avaliação da mortalidade... 121

g. Avaliação laboratorial... 122

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b. Avaliação antropométrica e ASG-m 127

c. Parâmetros hematológicos e dose de estimulador da eritropoiese... 128

d. Parâmetros bioquímicos... 129

e. Parâmetros inflamatórios e homocisteína... 130

f. Avaliação cardiovascular... 132

g. Terapêutica medicamentosa relevante em termos de inflamação... 134

h. Início de terapêutica substitutiva da função renal, hospitalização e mortalidade... 135

i. Factores que influenciaram o estado nutricional... 136

j. Factores que influenciaram a anemia... 140

l. Factores que influenciaram a doença cardiovascular... 146

m. Factores associados com o internamento hospitalar... 152

n. Factores associados com a progressão para doença renal crónica com necessidade de terapêutica substitutiva... 158

o. Factores associados com a mortalidade... 166

4. Discussão... 177

a. Características da população estudada... 177

b. Avaliação antropométrica e ASG-m... 178

c. Parâmetros hematológicos e dose de estimulador da eritopoiese... 180

d. Parâmetros bioquímicos... 182

e. Parâmetros inflamatórios e homocisteína... 183

f. Avaliação cardiovascular... 184

g. Terapêutica medicamentosa relevante em termos de inflamação... 186

h. Início de terapêutica substitutiva da função renal, hospitalização e mortalidade... 189

i. Factores que influenciaram o estado nutricional... 193

j. Factores que influenciaram a anemia... 197

l. Factores que influenciaram a doença cardiovascular... 203

m. Factores associados com o internamento hospitalar... 212

n. Factores associados com a progressão para doença renal crónica com necessidade de terapêutica substitutiva... 214

o. Factores associados com a mortalidade... 224

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 235

ABSTRACT... 249

BIBLIOGRAFIA... 255

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Prefácio

A primeira referência sobre doença renal crónica é encontrada na Bíblia, quando a mulher de Lot se transforma em estátua de sal. No entanto, em termos médicos, foi Areteu da Capadócia, em Alexandria, o primeiro a descrever um quadro semelhante à fase terminal da uremia, já no século I AC (George, 2002). Somente Morgagni, no século XVIII, foi capaz de relacionar as alterações anatomo-patológicas renais com um quadro clínico distinto (George, 2002) e, finalmente, com Bright, surge a primeira referência a doentes com alterações renais, proteinúria e edemas. O conceito de doença renal crónica evoluiu e após a síntese de ureia por Wöhler (von Hofmann, 1961), Robert Christison relaciona a subida da ureia plasmática com a doença renal (George, 2002). Charcot descreveu a clínica da uremia em 1877 e, no século XX, a fisiopatologia das repercussões sistémicas da uremia começa a ser entendida, nomeadamente com Pickering e Goldblatt, no que se refere à hipertensão, e Paul Carnot, em relação à anemia. A evolução do conhecimento sobre a doença renal crónica fez-se acompanhar da descoberta e desenvolvimento da diálise e transplante renal. Apesar de, na primeira metade do século XX, se ter assistido a inúmeras tentativas de tratamento de doentes renais com recurso a estas técnicas, só na segunda metade, com o advento das técnicas de substituição da função renal e da imunossupressão, surge verdadeiramente a Nefrologia como especialidade da Medicina. Estes avanços tecnológicos foram acompanhados por um aumento constante da esperança de vida. Por

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outro lado, o aumento da hipertensão e da diabetes, juntamente com o envelhecimento da população, são responsáveis pelo crescimento da incidência e prevalência da doença renal crónica, que atingiu, actualmente, proporções epidémicas. Sabe-se que insuficiência renal é um espectro contínuo que se inicia com a lesão renal e culmina com a necessidade de terapêutica substitutiva. O número de doentes a necessitar deste tipo de tratamento é ínfimo, comparado com os que se encontram nos estádios mais precoces. É, deste modo, fundamental a prevenção primária e secundária, pois são tremendos os custos sociais e económicos da doença, tendo nesta matéria o nefrologista um papel decisivo.

Nos finais da década de oitenta, vários investigadores referiram a relação entre os marcadores da inflamação e o risco de doença cardiovascular, sustentados na premissa que a doença aterosclerótica crónica é, basicamente, de génese inflamatória, de acordo com a tese de Virchow. No campo da Nefrologia, Bergström e colaboradores descrevem o papel da inflamação na doença renal e começa a ser verificado que as várias manifestações da uremia, assim como a morbilidade e mortalidade dos doentes renais se relacionam com os marcadores inflamatórios. Os dados são, no entanto, dispersos e referem-se sobretudo a populações já em técnicas de substituição da função renal, em hemodiálise e em diálise peritoneal.

Dada a relevância da doença renal nas fases anteriores às terapêuticas de substituição e à da inflamação na uremia, o objectivo deste trabalho foi o de analisar, numa população no período pré-diálise, a relação da inflamação com as manifestações sistémicas da uremia, com a própria

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progressão da doença renal e com a morbilidade e mortalidade. O conhecimento do papel da inflamação na doença renal será fulcral para a intervenção terapêutica, que a nesta área começa ainda a dar os primeiros passos.

A execução deste trabalho não teria sido possível sem o apoio e orientação dos directores dos serviços onde trabalhei, desde que optei por trabalhar na área da Nefrologia, há 25 anos. Ao Professor Doutor Martins Prata todo o meu reconhecimento pela sua superior orientação. Ao Dr. João Paulo Amorim o meu desejo de invocação da sua memória pela sua permanente disponibilidade e incentivo, sobretudo nas fases iniciais do trabalho. A ambos, desejo demonstrar a minha gratidão, pelos ensinamentos, amizade e apoio.

A realização deste trabalho exigiu o esforço de toda uma equipa, que seguiu juntamente comigo os doentes, para além dos elementos que cooperaram mais na parte técnica. A todos, o meu agradecimento, nomeadamente: à Dra Ana Paula Silva, à Dra Elsa Morgado, à Dra Sandra Sampaio e à Enf. Céu Laranjo, que comigo trabalharam na consulta de baixo clearance; à Dra Marília Faísca, pela sua inestimável colaboração na área laboratorial; ao Dr. Hermínio Carrasqueira pela sua participação na avaliação nutricional; à equipa de cardiologia, Dr. Sanjiva Cacdocar e técnico Hugo Palmeiro, e ao seu director, Dr. Manuel Veloso Gomes, pela disponibilidade e participação na avaliação cardiológica.

À Professora Doutora Adriana Nogueira, os meus agradecimentos pela revisão linguística da tese.

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Ao Dr. João Pinto dos Santos, o meu obrigado pela sua expertise na área da estatística, lembrando aqui a nossa amizade de mais de vinte anos. A todos os que, no Serviço de Nefrologia de Faro, continuam a trabalhar e sem os quais não seria possível a realização deste trabalho, o meu apreço.

Finalmente, desejo agradecer a toda a minha família o apoio e paciência constantes. Invoco especialmente a memória do meu irmão António, cujo incentivo especial foi tão importante.

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CAPÍTULO I

DOENÇA RENAL CRÓNICA

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O homem que desempenha um papel nos acontecimentos históricos jamais lhes compreende o significado.

Leon Tolstoi (1828 – 1910)

1. INTRODUÇÃO

a. Introdução Histórica

A Medicina tem as suas origens na pré-história, mas é na Grécia antiga que se inicia a abordagem das doenças de modo racional, com Hipócrates (460 – 375 AC), que introduziu a observação clínica e o seu registo meticuloso. O “Corpo Hipocrático” consiste em cerca de 60 tratados de Medicina, atribuídos a Hipócrates e seus discípulos, escritos ao longo de gerações. Mesmo tendo atingido uma idade avançada, há quem considere terem sido alguns dos seus descendentes a continuarem a obra, mantendo o seu nome. É certo que terá sido o próprio Hipócrates o autor dos volumes A Epidemia I e III. Apesar de na época pouco ou nada se saber do funcionamento do rim, os registos de A Epidemia permitem identificar claramente doentes com patologia renal (Eknoyan, 1988). O conceito de rim como um órgão com função específica, surge com Areteu da Capadócia (30-90 DC), que o identifica como “secretor da urina, a partir do sangue”. Galeno (130-200 DC),seguidor de Hipócrates, é responsável por grandes avanços nas áreas da Anatomia, Fisiologia e Terapêutica e

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foi autor da primeira descrição da vasculatura renal e do aparelho urinário (Eknoyan, 1989). Levou a cabo experiências na área da Fisiologia renal com o intuito de verificar a origem da urina e existem evidências de conhecimento sobre doenças como a litíase renal no seu tempo (Eknoyan, 1989). Hipócrates e Galeno, para além da Medicina, interessavam-se por outras disciplinas, como a Filosofia, a Filologia, a Etnografia ou a Retórica, podendo-se considerar enciclopédicos à luz dos conhecimentos da época, conseguindo levar a Medicina a um patamar nunca antes atingido. Com a queda do Império Romano do Ocidente (século V) e início da chamada Idade Média ou das Trevas, há como que um abrandamento e alteração da evolução do conhecimento médico. O médico medieval baseava-se no corpo do indivíduo para interpretar e curar (Grisby, 2001-2003), sendo os seus diagnósticos fundados na observação da pele e da urina. A relação causa-efeito entre pecado e a doença era uma realidade (Grisby, 2001-2003), sendo disso claros exemplos a lepra e a peste. Apesar de se considerar que a queda de Constantinopla é que marca o final da Idade Média, o século XIV é tido por muitos (Hartt, 1970; Burke, 1998) como o último e visto como o início do Renascimento e de um estado de espírito moderno, pois é não só um período de crescimento económico, como também de grande agitação e desenvolvimento em todas as áreas do conhecimento, incluindo a Medicina. Há uma ávida procura do saber antigo, com ressurgimento da Literatura, Retórica e História. Os antigos textos de Galeno e de outros, como Hermes Trismegisto são recuperados, contribuindo para um redespertar da Medicina: Paracélsio (1493-1541)

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na Farmacologia, Vesálio (1514-1564) e Eustáquio (1524-1574) na Anatomia e Ambroise Paré (1510-1590) na Cirurgia, são nomes importantes da época, que ficaram na história desta Ciência. Pode considerar-se que em termos médicos houve grandes avanços no conhecimento e no diagnóstico das doenças, mas infelizmente pouco se evoluiu em relação à terapêutica. O final do Renascimento está associado à subida de Savonarola ao poder em 1497, em Florença, marcando o início do fim do florescimento desta cidade. A sua austeridade acaba com a indulgência do Renascimento e, apesar de ser deposto pelos Medici há um continuar da Contra-Reforma da Igreja. Em 1542 é formada a Sagrada Congregação da Inquisição. Nos princípios do século XVII tem início, no entanto, uma revolução na área da Medicina contra o dogmatismo prevalente até então. A nova Medicina apoia-se mais na observação, quantificação e experimentação. Por essa altura, a descoberta e publicação da circulação sanguínea por William Harvey (1578-1658) foi considerada a maior descoberta desde Galeno. James Pimrose (1598-1659), contemporâneo de Harvey e um dos seus principais detractores, apesar de ter colocado em causa os seus trabalhos sobre a circulação, tem um papel importante na área da Nefrologia pois publica na sua extensa obra Erros Vulgares em Medicina, reflexões extremamente oportunas e correctas para a época, nomeadamente em relação ao estudo da urina (De Santo et al, 1992). Nos finais do século XVIII já se detectava aí albumina e se associava a sua presença aos estados edematosos (Rault, 1991). Foi, no entanto, Richard Bright que foi capaz de relacionar estes dois factos com a doença renal: “I have never yet examined the body of dropsy

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attended with coagulable urine in whom some obvious derangement was not observed in the kidneys”. Deve-se, pois, a Bright a primeira referência a doença renal, pelo que é por muitos considerado o pai da Nefrologia (Vanderbilt Medical Center, 2005). Na obra Reports of

Medical Cases Selected with a View of Illustrating Symptoms and Cure of Diseases by a Reference to Morbid Anatomy, Bright (1827) publica os

primeiros 23 casos de doentes com albumina na urina e alterações da estrutura renal e durante a sua vida publica ainda vários trabalhos sobre doença renal, acabando por ser dado o seu nome à doença (Bright, 1835; 1836; 1841). Durante todo o século XIX, o rim e as suas doenças são intensivamente estudadas, como se pode verificar pelos inúmeros artigos referidos e incluídos na colecção sobre história da nefrologia de Roscoe Robinson (Vanderbilt Medical Center, 2005). Nesta colecção, a primeira publicação (James Tyson) que refere no título a terapêutica da doença de Bright só acontece em 1881. Verificavam-se sobretudo avanços na área da anatomo-patologia e davam-se os primeiros passos na fisiologia renal, não havendo avanços terapêuticos significativos (Vanderbilt Medical Center, 2005). Seria apenas no século XX que se iniciariam as primeiras tentativas de tratamento das doenças renais, com recurso a técnicas de depuração extra-renal:

Hemodiálise: a primeira sessão de hemodiálise foi feita em 1924, sob a responsabilidade de George Haas e durou cerca de 15 minutos. A técnica foi mais tarde desenvolvida por Kolff e Berg, que utilizaram o celofano como membrana de diálise. Foi aplicada a vários doentes crónicos, que acabariam por falecer, devido à incapacidade de se conseguir um acesso

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permanente à circulação sanguínea. Em 1945 é conseguido o primeiro grande êxito num caso de insuficiência renal aguda (Drukker, 1986a)e surge, em 1960, um acesso permanente à circulação graças a Belding Scribner e colaboradores, que criaram um tubo de teflon ligando a artéria radial e a veia cefálica (Quinton et al, 1960). Em 1962, o grupo de Seattle liderado por Scribner já tinha 8 doentes em hemodiálise crónica. Aparece assim uma técnica capaz de prolongar, de modo significativo e com uma qualidade bastante razoável a vida dos doentes renais, embora com custos económicos sem precedentes até ao momento. O número de doentes a necessitar de tratamento excedia em muito a oferta, quer na Europa quer nos EUA (Alexander, 1962; Alberts e Drukker, 1965). A selecção de doentes para tratamento levantou inúmeras questões sob o ponto de vista ético, levando ao aparecimento da primeira Comissão de Ética Clínica, o

God´s Committee, que tinha como função decidir quem tinha acesso ao

tratamento dialítico. Estes acontecimentos seriam responsáveis pelo aparecimento da Bioética (Van Rensselaer Potter, 1970; Patrão Neves, 2002).

Diálise Peritoneal: sendo o peritoneu conhecido já há vários séculos, foi contudo quase no final do primeiro quarto do século XX (1923) que o médico alemão Ganter introduziu o conceito de diálise peritoneal intermitente (Drukker, 1986b). Depois de inúmeras tentativas sem sucesso, finalmente, Fine e colaboradores (1946) conseguem tratar um doente com insuficiência renal aguda. Em 1960, em S. Francisco (EUA), foi tratado o primeiro doente com insuficiência renal crónica, através de

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diálise peritoneal intermitente, tendo sobrevivido cerca de seis meses (Drukker, 1986b).

Transplantação renal: logo no início do século XX (Ullmann em 1902), foram realizados os primeiros transplantes renais em modelo animal, mais precisamente em cães (Hamilton, 1984). O primeiro transplante renal no homem (heteroenxerto), realizado em 1906, é atribuído a Jaboulay, e somente em 1933 é realizado o primeiro aloenxerto por Voronoy (Hamilton, 1984). Os resultados foram, como se pode hoje calcular, catastróficos, de tal modo que houve um longo interregno na transplantação renal. Após a II Grande Guerra, há um renovado interesse na transplantação experimental e clínica. No entanto, apenas em 1956 é conseguido o primeiro transplante com êxito, realizado entre gémeos monozigóticos (Merril et al, 1956). No final da década de cinquenta e início da década de sessenta, a utilização de imunossupressão iria finalmente permitir os primeiros êxitos: Murray e Merril em Boston e Kuss, Legrain e Hamburger em Paris (Hamilton, 1984).

Ao longo do século XX, houve um desenvolvimento quase paralelo das três grandes armas terapêuticas no tratamento da insuficiência renal crónica: a hemodiálise, a diálise peritoneal e a transplantação.

b. A Doença Renal Crónica na Actualidade

Nas últimas décadas do século XX, depois de ultrapassadas as enormes dificuldades iniciais e as primeiras questões éticas da década de sessenta, assistiu-se a um formidável progresso e êxito no tratamento da doença renal

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A criação de um acesso vascular permanente (Brescia et al, 1966), a evolução das membranas de hemodiálise (Sanz Guajardo e Botella, 1997), o aparecimento do bicarbonato na solução dialisante (Henrich, 1986) e dos estimuladores da eritropoiese (Winearls et al, 1986; Eschbach et al, 1987; Delano, 1989), bem como as novas técnicas como a hemodiafiltração (Canaud et al, 1998) tornaram a hemodiálise mais “biocompatível” (Klinkmann et al, 1993), sendo na maioria das vezes perfeitamente suportada, mesmo por doentes com morbilidade associada importante. Em relação à diálise peritoneal, a utilização do cateter de Tenckhoff (Tenckhoff e Schechter, 1968), a introdução da DPCA (diálise peritoneal contínua ambulatória) pelo grupo de Popovich (1978) e os avanços mais recentes, como a melhoria das soluções de diálise (EBPG

for Peritoneal Dialysis, 2005a) e o aparecimento da diálise peritoneal

automática (EBPG for Peritoneal Dialysis, 2005b), transformaram esta técnica numa alternativa válida e eficaz em termos de terapêutica da insuficiência renal. Do mesmo modo, o conhecimento da imunologia da rejeição e o aparecimento de drogas imunossupressoras (Calne et al, 1962, 1979; Cosimi et al, 1981; Sollinger, 1995; EBPG for

Transplantation, 2002; Halloran, 2004), têm tornado a transplantação renal uma técnica de grande sucesso, com um êxito impensável há décadas atrás.

A evolução das terapêuticas de substituição da função renal tem sido acompanhada por um crescente número de doentes que necessitam das mesmas, quer a nível de Portugal (Santos, 1984; Relatório do Registo Português da Doença Renal Crónica, 2006) quer a nível do Mundo

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Ocidental (USDRS, 1991, 2001a; Raine et al, 1992). O aumento da esperança de vida acentuou-se nas últimas décadas do século XX. Na Europa dos 15, a esperança de vida subiu dos 67,4 anos em 1960 para os 75,3 anos em 2000 no sexo masculino e dos 72,9 anos em 1960 para os 81,4 anos em 2000, no sexo feminino (Statistiques Demographiques, 2002).

Por outro lado, verifica-se um aumento da incidência da hipertensão arterial (HTA) e da diabetes mellitus (Ritz, 1999; Vijjhala, 2000). Este facto, associado a uma diminuição da mortalidade por doença cardiovascular (Eurostat, 2000; Muntner et al, 2003) e cerebrovascular ateroscleróticas (Muntner et al, 2003), é responsável por um maior número de indivíduos com doença renal vascular. Além disso, o envelhecimento caracteriza-se também por uma diminuição da função renal e por um aumento da susceptibilidade às situações que conduzem à insuficiência renal (Samiy, 1984; Oreopoulos, 1990). Deste modo, pode-se afirmar que o aumento da incidência de doentes renais a necessitarem de tratamento de depuração extra-renal se deve sobretudo a um aumento de doentes idosos e de diabéticos, como mostram os dados dos Registos Europeu e dos EUA (Eggers, 1990; USDRS, 2001a)mas também se deve a novas políticas de acesso ao tratamento, que são de um modo geral muito menos restritivas, havendo inclusivamente recomendações para se iniciar a terapêutica de substituição numa fase mais precoce da doença (EBPG for Hemodialysis, 2002).Devemos a Bonomini e colaboradores (1976) o primeiro trabalho a mostrar as vantagens do início precoce da diálise. Os doentes referenciados numa fase tardia da doença renal

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apresentam-se de um modo geral mais desnutridos, com anemia mais marcada e também com maior prevalência de hipertensão e de insuficiência cardíaca congestiva (Levin, 2000; Jungers et al, 2001a; Stack et al, 2003a; Gonçalves et al, 2004). Estes factores são, sem dúvida, responsáveis pela sua menor reabilitação e pela maior hospitalização e mortalidade, após o começo da terapêutica substitutiva da função renal. Existem claras diferenças na prática actual e na existente há três décadas atrás, no que refere à questão do início de diálise. Porém, em relação à referenciação dos doentes para os serviços de Nefrologia, muito ainda poderá ser feito. Segundo Eadington (1996), considera-se ser tardia a referenciação, quando: “management could have been improved

by earlier contact with renal services”. As suas causas podem ser

atribuídas à própria doença renal, ao doente em si, a razões relacionadas com os médicos, ou devido ao Sistema de Saúde vigente (Waters et al, 2005). A solução deste problema passa por uma cooperação multidisciplinar, nomeadamente pela instalação de sistemas de consulta em rede, a nível local e regional (Waters et al, 2005).

Os dados dos registos Nacionais da insuficiência renal crónica permitem, de um modo preciso, o conhecimento do número de doentes com insuficiência renal terminal que iniciam ou que já estão em diálise, ou que são submetidos a transplante renal (USDRS, 2005b). Não existe de um modo geral informação exacta em relação aos doentes em fases menos avançadas da doença renal. No que se refere aos EUA, calcula-se, no entanto, que os doentes a necessitarem de tratamento substitutivo constituam apenas 0,2% de todos os doentes renais existentes no País (K

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/ DOQI, 2002b). Será, pois, de enorme importância, atendendo à magnitude do problema, o desenvolvimento de estratégias que permitam a prevenção da doença renal crónica terminal. A prevenção poderá ser primária quando a acção se desenvolve antes da doença renal ocorrer. Poderá incluir programas de divulgação das doenças renais, nomeadamente sobre quais os seus factores de risco, os seus métodos de detecção e os meios de prevenção. Fala-se em prevenção secundária quando se implementam estratégias com intuito de evitar a progressão da doença renal para estádios mais avançados, nomeadamente para o último, em que há necessidade de depuração extra-renal. Apenas a referenciação numa fase precoce permitirá uma prevenção secundária, passível de englobar as mais diversas medidas tendentes a diminuir a progressão da doença renal. É fundamental ter sempre em mente que a doença renal crónica, uma vez estabelecida, apresenta um carácter progressivo independentemente da sua etiologia.

2. A NATUREZA PROGRESSIVA DA DOENÇA RENAL CRÓNICA

Segundo o Consenso Português, define-se “Doença Renal Crónica” como qualquer doença do rim com potencial para a perda progressiva da função renal ou para complicações resultantes da diminuição da função renal (Barbas, 2002). Esta definição varia da proposta pelo Chronic Kidney

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diminuição da filtração glomerular (FG) ou 2. FG inferior a 60 ml / min/ 1.73 m2 por um período ≥ 3 meses. Ao longo deste trabalho será utilizada esta última classificação, pelo facto de ser a adoptada internacionalmente. Esta classificação e estadiamento deveram-se à necessidade de uniformização e de melhorar a comunicação. De igual modo, a divisão da doença segundo o valor da filtração glomerular (FG) baseia-se no facto das implicações serem diferentes consoante os diferentes níveis de função renal (K / DOQI, 2002a). Considera-se o estádio 1 quando há lesão renal mas a FG está normal ou aumentada; considera-se o estádio 5 quando a doença progrediu tão severamente que há falência renal.

a. Fisiopatologia

O rim tem uma enorme capacidade de manter o chamado milieu

intérieur, de Claude Bernard (1878-1879), até fases muito avançadas da

doença renal crónica. Quando parte dos nefrónios são perdidos, por ablação cirúrgica ou por doença, os restantes sofrem alterações adaptativas fisiológicas, nomeadamente hipertrofia e aumento da função, com vista a compensar as unidades perdidas (Taal et al, 2004). Esta tentativa de preservação da função renal requer a manutenção integrada das funções glomerular e tubular (Taal et al, 2004), o que estará de acordo com a hipótese formulada por Bricker em 1969, chamada hipótese

do nefrónio restante: à medida que a doença renal progride, a função é

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diminuindo as suas capacidades funcionais. Este postulado é fundamental para o entendimento dos mecanismos de progressão da doença renal (Taal et al, 2004). A doença renal crónica, uma vez instalada, tem um percurso inexorável, independentemente da etiologia, mesmo que a agressão inicial tenha abrandado ou desaparecido. De modo característico, a progressão da doença em termos individuais é uniforme e previsível, se não surgirem factores de agravamento, dependendo em geral mais do indivíduo do que da etiologia da doença renal (Mitch et al, 1976; Rutherford et al, 1977) .

Autores como Addis (1948) e Platt (1952), em meados do século XX, verificaram que a remoção experimental de parte da massa renal em animais de laboratório determinava hipertrofia dos nefrónios restantes, sendo interpretada como um mecanismo compensador. Esta hipertrofia indesejável, porque prejudicial a longo prazo, seria uma manifestação da sobrecarga de trabalho. Mais tarde, o grupo liderado por Brenner introduziu o conceito de que as alterações hemodinâmicas compensadoras, de que sofrem os nefrónios restantes, são responsáveis pela sua perda ulterior (Hostetter et al, 1981a; Brenner et al, 1982). Posteriormente, Bertani e co-autores (1986) destacaram as proteínas filtradas no glomérulo como causa das lesões tubulo-intersticiais, contribuindo estas mesmas lesões para a progressão da doença renal. Pode-se afirmar que os mecanismos responsáveis pela progressão da doença renal são seguramente múltiplos, complexos e estão inter-relacionados.

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i. Factores Hemodinâmicos

As alterações da hemodinâmica glomerular a nível dos nefrónios restantes desempenham um papel importante na progressão da doença renal crónica. Serão estas alterações as responsáveis pelo desencandear de todo o processo evolutivo (Hostetter et al, 1981a; Brenner et al, 1982, 1985), ou seja, pelo início das transformações que acabarão na obsolescência dos mesmos nefrónios. Devido à impossibilidade de realização de estudos de micropunção no homem, torna-se impossível dizer com exactidão quais as alterações hemodinâmicas que acontecem após uma determinada doença renal, tendo este tipo de estudos sido feito invariavelmente em modelos experimentais. Para Brenner e colaboradores, o aumento da pressão intraglomerular desempenharia um papel primordial no aparecimento e desenvolvimento da lesão renal.

i a. Mediadores das Alterações Hemodinâmicas

Vários são os mediadores (angiotensina II, endotelinas, tromboxano A2,

prostaciclina, peptídeos natriuréticos e monóxido de azoto) responsáveis pela resposta adaptativa após perda da massa renal (Taal et al, 2004)que intervêm a nível dos determinantes da filtração glomerular, nomeadamente resistência arteriolar aferente ou eferente, pressão intraglomerular e permeabilidade glomerular. Em caso de perda de massa renal, os vários mediadores activos interagem entre si, tendo como consequência o aumento da pressão intraglomerular, para além de exercerem influência a outros níveis, tais como do crescimento celular, lesão celular, inflamação e apoptose.

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i b. Como as Alterações Hemodinâmicas Provocam Lesão

Lesão Mecânica - Só os estudos de microperfusão em glomérulos

isolados levaram ao conhecimento de que os mesmos apresentam uma propriedade chamada compliância ou elastância, que permite que a pressão regule o volume (Osgood et al, 1983; Cortes et al, 1999). Sob condições normais, uma vez que a pressão é estável, não se assiste a grandes variações do volume do glomérulo. Este controlo apertado da pressão intraglomerular é mantido pela auto-regulação dada pela capacidade contráctil da arteríola aferente (Pelayo et al, 1991; Cortes et

al, 1999). Quando esta capacidade se perde, como no caso dos modelos

experimentais de nefrectomia subtotal, a pressão sistémica transmite-se ao glomérulo havendo grandes variações do seu volume, para além do aumento da pressão intraglomerular (Bidani et al, 1993; Cortes et al, 1999). De acordo com Daniels e Hostetter (1990),o aumento do volume, secundário ao aumento da pressão, é, pela Lei de Laplace, responsável pela lesão da parede capilar.

A nível das células endoteliais glomerulares, o aumento da perfusão determina uma série de alterações: destacamento e exposição da membrana basal, lesão da célula (Daniels e Hostetter, 1981; Ballerman, 1997; Yamanaka et al, 1999; Taal et al, 2004), agregação plaquetária e formação de microtrombos (Olson e Hepinstall, 1988; Ruggenenti e Remuzzi, 1996; Taal et al, 2004). Surgem ainda alterações fenotípicas, induzindo um padrão diferente de produção de citocinas, que têm, para além de outros, um papel importante na produção de matriz extracelular (Ingram e Scholey, 2000; Ruiz-Torres et al, 2005). A hiperfiltração

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glomerular pode estar ainda envolvida na indução de expressão de moléculas de adesão (Miyatake et al, 1998) e aumentar a produção de factores de crescimento. Para Lee e colaboradores (1995), a agressão do endotélio, como resultado das alterações hemodinâmicas, desencandeia uma cascata de acontecimentos que acaba no desenvolvimento da lesão esclerótica glomerular.

A expansão glomerular, com consequente distensão dos capilares, provoca um estiramento das células mesangiais (Cortes et al, 1999). As alterações cíclicas do volume glomerular provocam episódios alternados de estiramento / relaxamento destas células, com aumento da síntese e diminuição da degradação da matriz extracelular (Riser et al, 1992; Yasuda et al, 1996; Cortes et al, 1997, 1999; Sasamura et al, 2005). Existem dois tipos de células epiteliais glomerulares: os podócitos e as células epiteliais parietais. Há evidência que os podócitos desempenham um papel importante na fisiopatologia da lesão glomerular e na doença renal progressiva (Rennke, 1994; Kriz et al, 1998; Pavenstädt et al, 2003; Morigi et al, 2005).Várias toxinas, anticorpos, factores do complemento e factores mecânicos podem induzir lesão nos podócitos.

ii. Factores Não Hemodinâmicos

Nos últimos anos, uma série de factores têm sido associados à doença renal e ao seu carácter evolutivo. Poderemos considerá-los como não hemodinâmicos, pois não actuam de um modo mecânico, mas pelos

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mecanismos mais díspares, concorrendo no entanto para o resultado final, que é a esclerose renal.

ii a. Hipertrofia

O número de células do rim adulto reflecte o balanço entre a geração de novas células por proliferação e a sua perda por apoptose (Shankland e Wolf, 2000). Em circunstâncias fisiológicas normais, no rim adulto, a rotatividade celular é muito baixa, mas nas variadas situações de doença, pode acontecer um aumento do número de células por proliferação (Johnson, 1994; Young et al, 1995; Tenschert et al, 1995; Lieberthal e Levine, 1996; Shankland e Wolf, 2000). Segundo Shankland e Wolff (2000), o tipo de resposta depende de a que nível do ciclo celular a lesão está ligada. A hipertrofia celular glomerular está presente em várias doenças renais e pode conduzir à esclerose glomerular. Durante anos existiu controvérsia sobre o que seria mais importante, em termos de lesão renal, se as alterações hemodinâmicas se a hipertrofia glomerular. Actualmente está claro que ambas estão intimamente ligadas, representando duas faces da mesma moeda (Wolf, 2001) As consequências da hipertrofia glomerular dependem da doença de base, sendo considerada compensatória após uma nefrectomia, uma vez que não há evolução para a esclerose. Por outro lado, a hipertrofia associada à nefropatia diabética antecede a e é causa de glomerulosclerose (Wolf e Ziyadeh, 1999; Shankland e Wolf, 2000; Drummond e Mauer, 2002; Hovind, 2005).Existe evidência de que determinadas hormonas possam estar na base da hipertrofia, como a hormona do crescimento, cujo efeito

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é mediado pelo IGF-1 (Insulin–like Growth Factor-1) (Cummings et al, 1998; Baud et al, 1999) e a testosterona (Gafter et al, 1990; Lemos et al, 2005). Do mesmo modo, a hiperuricemia tem sido apontada como possível causa de hipertrofia renal, mas este facto ainda se reveste de alguma controvérsia (Beck, 1986; Johnson et al, 1999; Syrjänen et al, 2000; Nagakawa et al, 2003). Outros factores como a angiotensina II e o TGF-β (Transforming Growth Factor β) estão também associados à hipertrofia renal. Independentemente de como se estabelece e de quais os factores que a si se associam, a hipertrofia renal favorece a glomerulosclerose (Fogo et al, 1992).

ii b. Proteinúria

Devido às características da barreira glomerular e à reabsorção das proteínas de baixo peso molecular, apenas uma pequena quantidade de proteínas surge na urina, em condições normais, resultado da secreção tubular (Silkensen e Kasiske, 2004). Existem, de um modo geral, três mecanismos responsáveis pelo aparecimento de quantidades anormais de proteínas na urina: alteração da barreira capilar glomerular; lesão tubular com alteração da capacidade de reabsorção tubular das proteínas; aumento da produção de proteínas normais ou não, que são filtradas em grandes quantidades, como acontece nas gamapatias monoclonais ou leucemia (Abuelo, 1983). Uma maior proteinúria está associada a uma progressão mais rápida da doença renal, essencialmente por duas ordens de razões: a primeira, é que indica uma lesão glomerular mais grave, contribuindo este facto para um declínio mais rápido da filtração

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glomerular (Remuzzi e Bertani, 1998; Keane, 2000; Wilmer et al, 2003); a segunda, é que uma proteinúria particularmente massiva e não selectiva é nefrotóxica (Reiser et al, 2002; Wilmer et al, 2003; Eddy, 2004). O mecanismo molecular exacto pelo qual surge a quebra da barreira glomerular não está totalmente esclarecido, mas existem alterações hemodinâmicas e alterações intrínsecas da própria barreira, contribuindo ambas para a proteinúria (Eppel et al, 2001; Taal et al, 2004; Williams, 2005). O tubo proximal tem uma capacidade limitada de processar as proteínas filtradas (1-2 g /dia) (Eppel et al, 2001). Quando esta é ultrapassada, pode haver ruptura dos lisosomas com lesão tubular directa (Harris e Neilson, 2006). No caso de alteração da barreira glomerular, são também filtrados factores de crescimento, citocinas e componentes do complemento (com deposição do complexo de ataque da membrana a nível do epitélio tubular) (Morita et al, 1997; Remuzzi e Bertani, 1998; Wang e Hirschberg, 2000). As células tubulares activadas têm também a capacidade de activarem a via alterna do complemento (Barnes e Karin, 1997; Remuzzi e Bertani, 1998; Harris e Neilson, 2006). O factor de transcrição nuclear κB (NF- κB) e a proteína activada-1 (AP-1) regulam a expressão dos genes de várias citocinas, proteínas quimiotácticas e da matriz, envolvidas na inflamação, na resposta imunológica e na proliferação celular (Barnes e Karin, 1997; Guijarro e Egido, 2001; Mezzano et al, 2004). O RANTES (Regulated on Activation Normal

T-cell Expressed and Secreted chemokine) e a MCP-1 (Monocyte Chemoattractant Protein-1), regulados pelo NF- κB (Mezzano et al,

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tubulo-intersticial através do recrutamento e activação de macrófagos. Estes, por sua vez, produzem MCP-1, de modo que a lesão tubulo-intersticial inicial pode perpetuar a doença, por este mecanismo (Harris e Neilson, 2006). Percebe-se deste modo a razão pela qual a proteinúria é um factor que está associado à progressão da doença renal e as razões pelas quais as medidas que diminuem a proteinúria retardam essa evolução.

ii c. Angiotensina II

A angiotensina II (AII) é muito mais do que um substância vasoactiva com participação na hemodinâmica sistémica e renal, sendo considerada uma verdadeira citocina com um papel activo na patologia renal (Mezzano et al, 2001): tem um papel no crescimento celular, regula a expressão dos genes de substâncias bioactivas e activa cascatas de sinalética intracelular a nível das células renais (Kim e Iwao, 2001); tem a capacidade de alterar a permselectividade glomerular e provocar proteinúria, em parte por efeito directo (Lapinski et al, 1996); estimula a hipertrofia das células mesangiais (Kim e Iwao, 2001) e a proliferação das células mesangiais e endoteliais, através dos receptores AT1 (Kim e Iwao, 2001; Wolf, 2003); aumenta ainda a expressão e síntese das proteínas da matriz extracelular, sendo responsável pela fibrose tubulo-intersticial (Egido, 1996; Mezzano et al, 2001; Gaedecke et al, 2001). A AII activa o NFκ-B, pró-inflamatório e envolvido na regulação da MCP-1 e RANTES (Wolf, 200MCP-1, 2004).Este fenómeno é mediado através dos receptores AT2 (Wolf et al, 1997; Ruiz-Ortega et al, 2001).Os efeitos mediados pelos receptores AT1 conduzem a aumento da aldosterona,

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vasoconstrição, reabsorção de sódio, crescimento celular e fibrose tecidular. A activação dos AT2 determina vasodilatação, pela produção de NO (Nitric Oxide – Monóxido de Azoto) (efeito benéfico que contraria os efeitos deletérios produzidos pelos AT1), mas também determina a activação de citocinas e estimula o crescimento celular e a fibrose (Wolf, 2002). A AII regula ainda a síntese de citocinas e quimocinas pró-inflamatórias (Ruiz-Ortega et al, 2002) e tem um papel importante no stress oxidativo e na apoptose (Cao et al, 2000; Ding et al, 2002; Bhaskaran et al, 2003).

Em resumo, a AII também promove a progressão da doença renal por mecanismos não hemodinâmicos, como a inflamação, a estimulação do crescimento, o stress oxidativo e a estimulação da fibrose e apoptose (Wolf, 1998, 2003; Ruiz-Ortega et al, 2002) .

ii d. Aldosterona

É um mineralocorticóide secretado pela zona glomerulosa da suprarrenal em resposta a variados estímulos, nomeadamente AII, potássio e hormona adrenocorticotrópica. Regula o transporte de sódio e potássio a nível dos tubos renais, mas estudos mais recentes mostraram, in vitro, que a aldosterona é também sintetizada a nível dos vasos sanguíneos e do coração (Brown et al, 2002).Vários trabalhos associam a aldosterona à lesão renal (Quan et al, 1992; Ruggenenti et al, 1998; Nishimura et al, 1999; Epstein, 2001, 2003; Takeda, 2004), através de alterações hemodinâmicas e celulares renais, sendo o seu efeito independente da AII (Rocha et al, 1998, 1999). A estimulação do TGF-β e do PAI-1

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(Plasminogen Activator Inhibitor –1) pela aldosterona contribui para a propensão fibrótica desta (Brown et al, 2002; Juknevicius et al, 2004). Por outro lado, o bloqueio da aldosterona em modelos experimentais diminui a lesão renal, com diminuição da expressão de genes pró-inflamatórios e da esclerose glomerular (Blasi et al, 2003; Cha et al, 2005).

ii e. TGF-β (Transforming Growth Factor β)

Os factores transformadores de crescimento-β têm uma função importante na regulação de processos biológicos fundamentais, como o crescimento celular, diferenciação, desenvolvimento, reparação e apoptose (Cheng e Grande, 2002). Desempenham também um papel importante na inflamação aguda e crónica, em reacções imunológicas e na regulação do ciclo celular (Shankland e Wolf, 2000; Wolf, 2001; Cheng e Grande, 2002). O TGF-β promove a acumulação da matriz extracelular (MEC) ao aumentar a expressão dos genes da MEC e ao inibir a produção das proteínas responsáveis pela destruição da mesma, alterando a função renal e conduzindo à falência do órgão (Cheng e Grande, 2002). Há evidência de que o TGF- β tem um papel na progressão da doença renal, estando documentado o aumento da sua expressão em modelos animais de doença renal, assim como em doenças humanas (Cheng e Grande, 2002).

ii f. Stress oxidativo

Existem muitos tipos de radicais, mas os mais importantes em termos biológicos, são os derivados do oxigénio, sendo denominados por ROS

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(Reactive Oxigen Species). Fala-se em stress oxidativo quando há uma alteração do balanço entre a formação de ROS e os mecanismos de defesa anti-oxidativa. A nível renal, os ROS têm origem nas células vasculares, glomerulares e tubulares (Galle, 2001). Também as células presentes nas reacções inflamatórias têm a capacidade de produzirem grandes quantidades de ROS. Por outro lado, a capacidade anti-oxidativa é dada por enzimas como a superóxido dismutase, catalase, sintetase do NO e peroxidase da glutationa (Gonzáles, 2001; Galle, 2001). Proteínas como a ferritina, ceruloplasmina e transferrina limitam a geração de OH e as vitaminas A, C e E mostraram ter também capacidade anti-oxidante (Gwinner e Gröne, 2000). A formação de ROS é considerada como parte da defesa inespecífica de um organismo, podendo no entanto afectar as suas próprias células, principalmente em zonas de inflamação (Galle, 2001). Na doença renal crónica existe uma alteração do balanço entre ROS e capacidade anti-oxidativa, com excesso de produção de ROS (Witko et al, 1996), havendo uma tendência para um agravamento à medida que a doença evolui (Mimic-Oka et al, 2001). Os ROS ao actuarem a nível do ciclo celular contribuem para a hipertrofia celular (Hannken et al, 1998; Wolf, 2001; Galle, 2001).A nível vascular, o O 2-inactiva o NO vasodilatador, com a consequente disfunção endotelial. A maior fonte do stress oxidativo é o O2- derivado da oxidase da nicotinamida adenina dinucleotideo fosfato (NADPH), que lesa directamente a célula e promove também a proliferação celular e a fibrose (Onozato e Tojo, 2005). Após aumento da oxidase da NAPDH verifica-se também um aumento da actividade inflamatória, com aumento

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da IL-6 (Interleucina-6), TNF-α (Tumor Necrosis Factor- α), MCP-1 e VCAM (Vascular Cell Adhesion Molecule) (Zhang et al, 2003a).

Em resumo, o stress oxidativo via oxidase da NAPDH é uma via patológica comum na lesão renal em diversas situações como a hipertensão arterial, a diabetes ou a doença renal crónica (Galle, 2001). Inúmeros mecanismos contribuem para a instalação e progressão da doença renal. Esta, uma vez instalada e tendo sido atingido determinado grau de lesão, é inexoravelmente progressiva. Durante décadas houve disputa no sentido de se atribuir maior, se não toda a importância, a determinados factores (hemodinâmicos vs hipertrofia). Surgem finalmente, à luz do conhecimento actual, tentativas de criar uma teoria única que integre os diferentes factores intervenientes. Harris e Neilson (2006), muito recentemente, propõem essa mesma teoria. Para estes autores, existem 6 passos sequenciais que explicam a doença renal progressiva: 1) a lesão glomerular persistente produz hipertensão capilar, com aumento da filtração glomerular e passagem de proteínas para o fluido tubular 2) a proteinúria glomerular aumenta a produção de AII e facilita o aparecimento de citocinas que induzem acumulação de células mononucleares intersticiais 3) o aparecimento inicial de neutrófilos é substituído por macrófagos e linfócitos T que formam uma resposta imune nefritogénica, produzindo nefrite intersticial 4) algumas células tubulares respondem a esta inflamação com desagregação da membrana basal e sofrem transições epiteliais-mesenquimatosas para formarem fibroblastos intersticiais 5) os fibroblastos sobreviventes originam uma

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1. Hipertensão Glomerular e Proteinúria

2. Acumulação Intersticial de Células Mononucleares

3. Citocinas e quimocinas

4. Linfócitos T nefritogénicos

5. Transição epitelial-mesenquimatosa

6. Fibrose

matriz de colagéneo que lesa os vasos rectos e os tubos renais, eventualmente deixando 6) uma cicatriz acelular (Figura 1). Muitos processos contribuem para a perda progressiva da função renal, existindo claramente uma lesão inflamatória que conduz à fibrose, que é o equivalente à fase 5 da doença renal crónica. É fundamental a compreensão destes mecanismos com vista a uma intervenção mais precoce e eficaz.

Figura 1. Fisiopatologia sequencial de progressão de doença renal, numa teoria

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b. Factores de risco de progressão da doença renal

Vários são os factores que podem influenciar a evolução da doença renal. Uns não são passíveis de intervenção, como o género ou a raça. Há outros, porventura mais importantes, que permitem intervenção, podendo assim ser alterado o curso da doença.

i. Factores não modificáveis

i a. Género

Quando se observam dados dos grandes registos de doença renal crónica, existe preponderância do sexo masculino (USRDS, 2001b; Srengel et al, 2003; Wakai et al, 2004). Numa meta-análise, englobando 11 estudos de doentes não diabéticos, Jafar e co-autores (2003) não encontraram, no entanto, diferença entre os dois géneros, no que se refere à progressão da doença renal. Esta ausência de diferença poderá ser explicável pelo

follow-up curto e pelo facto da maioria das doentes estarem na

menopausa. Em estudos retrospectivos, referentes a várias patologias, o sexo masculino mostrou ser factor de risco de progressão da doença renal (El Nahas, 1992), sendo estes dados confirmados numa outra meta-análise que incluiu mais de 11 000 doentes (Neugarten et al, 2000). Em animais de laboratório também se demonstrou uma maior propensão do sexo masculino para a progressão da doença renal. A testosterona está associada à hipertrofia glomerular, reduzindo a castração o crescimento glomerular em ratos machos uninefrectomizados, mas não em fêmeas

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(Gafter et al, 1990). Por outro lado, a administração de androgéneos a ratos fêmeas aumenta a susceptibilidade para a lesão renal (El Nahas, 1992). O estradiol favorece a degradação da matriz extra-celular, contrariando a acumulação da mesma matriz e a glomerulosclerose (Neugarten, 2002). Os responsáveis por esta diferença entre os dois géneros parecem ser factores hormonais e não estruturais (Neugarten, 2002; Neugarten et al, 2002).

i b. Raça

O registo dos EUA mostra disparidades em relação à prevalência da doença renal crónica entre os três grandes grupos étnicos: caucasianos, afro-americanos e hispânicos (USRDS, 2001b). Sendo a diabetes e a hipertensão arterial as principais causas de doença renal nos EUA, é de esperar que estas doenças sejam mais frequentes e/ou mais graves nos afro-americanos e hispânicos, de modo a serem explicados os números observados: a prevalência da doença renal terminal é nos afro-americanos 4,5 vezes maior e nos hispânicos cerca de 1,5 vezes maior, respectivamente, do que na raça caucasiana (USRDS, 2001b). A hipertensão arterial, segunda causa de doença renal terminal, é nos afro-americanos 7 vezes mais frequente do que nos caucasianos, surge em média 10 anos mais cedo, não apresenta o dipping noturno e cursa mais frequentemente com elevações súbitas dos valores de pressão arterial (Kotchen et al, 2000; Freedman, 2002). A diabetes tipo 2 é mais frequente e mais precoce nos afro-americanos (Rosenbloom et al, 1999). O número de doentes renais diabéticos de raça negra, a necessitar de

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depuração extra-renal, é 4 vezes superior ao número de doentes renais diabéticos caucasianos (Brancati et al, 1992). Os hispânicos apresentam sobretudo uma grande prevalência de doença renal secundária à diabetes (USRDS, 2001a).A maior prevalência de doença renal terminal na raça negra tem também sido atribuída ao menor peso aquando do nascimento (Lackland et al, 2001). O baixo peso à nascença tem sido relacionado com maior prevalência de hipertensão e diabetes na idade adulta, as duas causas mais frequentes de doença renal terminal (Lopes e Port, 1995). No entanto, Hsu e colaboradores (2003) sugerem que a maior incidência de doença renal a necessitar de tratamento de depuração extra-renal não se deve à maior incidência de doença renal na raça negra, mas sim à sua maior progressão para insuficiência renal terminal. É evidente a maior incidência da doença renal, sobretudo diabética e hipertensiva, nos afro-americanos e diabética nos hispânicos. Existe uma interacção clara entre o ambiente e o património genético do indivíduo, sendo importante a compreensão deste fenómeno para melhor lidarmos e tratarmos as doenças renais (Freedman et al, 2002).

ii. Factores modificáveis

ii a. Hipertensão Arterial

A HTA é simultaneamente causa e consequência da doença renal crónica. A sua prevalência na doença renal crónica depende da patologia de base, havendo também uma clara influência do estádio da doença. À medida que esta evolui, aumenta a prevalência da HTA, de tal modo que atinge

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1988; K / DOQI. 2002c). A patogénese da HTA associada à doença renal crónica é multifactorial (Campese e Bianchi, 1997; Neves et al, 1998; Pestana et al, 2001; Ljutić e Kes, 2003). Para além de ser uma das principais causas de doença renal crónica, a HTA tem um papel importante na progressão da doença, independentemente da etiologia da doença de base (K / DOQI, 2002e).

Classicamente considerava-se que a HTA provocava obsolescência glomerular por isquémia (Neuringer et al, 1992). Actualmente sabe-se que a glomerulosclerose pode ocorrer na ausência de lesões ateroscleróticas e que a hiperperfusão e a hipertensão a nível dos capilares glomerulares (HTG) são as responsáveis pela lesão (Olson et al, 1979; Finn, 1980; Hostetter et al, 1981; Hostetter e Brenner, 1981; Brenner et al, 1982; Brenner, 1985; Neuringer et al, 1992).A HTA acelera a deterioração da função renal que acompanha o envelhecimento normal e a doença renal crónica (Neuringer et al, 1992). No estudo SHEP (Systolic Hypertension

in the Elderly Program) verificou-se que a pressão arterial sistólica, a

pressão de pulso e a pressão arterial média surgiram como factores de risco independentes de progressão da doença renal (Young et al, 2002) e no estudo MRFIT (Multiple Risk Factor Intervention Trial) o risco de doença renal terminal correlacionou-se com os valores tensionais (Klag

et al, 1996).

Podemos considerar que há evidência experimental de que a progressão da doença renal associada à HTA é em parte mediada pela HTG (Neuringer et

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permite que a HTA aumente a HTG (Hovind, 2005). A consequência do aumento da HTG é o agravamento da lesão renal.

ii b. Dislipidemia

A relação entre dislipidemia e doença renal é complexa: podem ocorrer alterações lipídicas em situações como a síndrome nefrótica por um lado e por outro a dislipidemia pode ser responsável por uma progressão mais rápida da doença renal, para além de aumentar a morbilidade e a mortalidade de causa vascular. A dislipidemia surge também muitas vezes associada à diabetes e à HTA, as duas principais patologias responsáveis pela doença renal crónica. Existe associação entre dislipidemia e insuficiência renal: nos estudos HOT (Hypertension

Optimal Treatment) e HOPE (Heart Outcomes Prevention Evaluation),

os níveis de colesterol total e de triglicéridos (TG) são mais elevados e os de HDL mais baixos, nos doentes com função renal diminuída; o estudo COPARENAL (grado de COntrol de la hipertension arterial y otros

factores de riesgo en PAcientes con isuficiencia RENAL crónica)

mostrou que 72% dos insuficientes renais apresentavam dislipidemia (Fernandez-Vega, 2004).

Moorhead e co-autores (1982) propuseram pela primeira vez que a dislipidemia poderia contribuir para a progressão da doença renal crónica. O aumento dos lípidos na dieta em animais de laboratório e os modelos de hipercolesterolemia endógena mostram que esta se associa à glomerulosclerose (Klahr, 1992). As células mesangiais têm receptores para o colesterol (c)-LDL e a passagem deste para o mesângio é

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estimulada pela endotelina (ET) e PDGF (Platelet Derived Growth

Factor) (Grone et al, 1992).O metabolismo do c-LDL aumenta a síntese de fibronectina e MCP-1, que vão contribuir para a expansão mesangial e maior recrutamento de macrófagos (Rovin e Tan, 1993; Taal et al, 2004). Os depósitos de células espumosas e de lipoproteínas no mesângio e nas células tubulares sugerem que a oxidação dos lípidos é feita pelos macrófagos e células mesangiais e que esta estimula a inflamação e produção de citocinas fibrogénicas, assim como a disfunção endotelial e a activação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) (Fernandez-Vega, 2004). Os TG, por sua vez, parecem provocar lesão renal por mecanismos independentes. As células mesangiais expressam receptores VLDL e scavenger, sendo estes responsáveis pela incorporação das VLDL e IDL, que têm a capacidade de aumentarem a secreção de citocinas (Tozawa et al, 2002).

Apesar de serem bastante heterogéneos, alguns estudos mostram existir uma relação entre dislipidemia e progressão da doença renal. No Helsinki

Heart Study verificou-se que um HDL baixo e um quociente elevado

c-LDL / c-HDL se associavam com deterioração da doença renal (Manttari

et al, 1995).Mesmo em doentes nos estádios 4/5 da sua doença renal, há referência de que a dislipidemia (aumento do c-LDL) se pode associar a uma maior progressão da doença renal (Pita-Fernández et al, 2004). No estudo ARIC (Atherosclerosis Risk In Communities), em que foram incluídos doentes sem doença renal avançada e sem qualquer terapêutica hipolipemiante, os TG elevados e o c-HDL baixo associaram-se a um maior risco de deterioração da função renal (Muntner et al, 2000).

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A dislipidemia é frequente na doença renal crónica e está envolvida na progressão da mesma. De igual modo, participa no aumento do risco de patologia cardiovascular evidenciada pelos doentes renais.

ii c. Anemia

A anemia é um dado quase universal nos doentes renais. Na insuficiência renal, deve-se sobretudo a uma diminuição da produção da eritropoietina, mas existem outras causas (Hampers et al, 1967; Parker et al, 1979; Potasman e Better, 1983; Kaiser e Schwartz, 1985; Revised European

BPG for the Management of Anaemia in patients with Chronic Ranal Failure, 2004). Dados do NHANES III (National Health And Nutrition Examition Survey III) mostram uma associação entre o valor da

hemoglobina (Hb) e a FG para valores desta inferiores a 90 ml/min (K / DOQI, 2002d). O estudo retrospectivo observacional PRESAM (PREdialysis Survey on Anemia Management) incluiu 4333 doentes que estavam a iniciar diálise. Mesmo estando a maioria (57%) dos doentes sob vigilância nefrológica nos 12 meses anteriores, verificou-se que apenas 20% tinham Hb>12 g/dl no início do tratamento (Valderrábano, 2002). Para além do facto de a anemia ser um factor de risco de morbilidade e mortalidade nos doentes renais (Parfrey et al, 1996; Neves et al, 1997; Locatelli et al, 1998; K / DOQI, 2002d),ultimamente tem surgido alguma evidência de que é também um factor de progressão da doença renal (Roth et al, 1994; Kuriyama et al, 1997; Jungers et al, 2001b; Neves et

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Como já foi referido, o stress oxidativo é uma das causas de progressão da doença renal. Na insuficiência renal crónica existe uma alteração do balanço entre ROS e capacidade anti-oxidativa, com excesso de produção de ROS (Witko et al, 1996), tendo esta perturbação tendência a agravar-se à medida que a doença renal evolui (Mimic-Oka et al, 2001). A hipóxia diminui a produção de metaloproteinases e aumenta produção de TGF-β, com consequente aumento da MEC e estimulação da fibrose (Norman et

al, 2000). Os eritrócitos representam um dos componentes anti-oxidantes

principais do sangue, através do sistema da glutationa. Têm ainda a capacidade de regenerar equivalentes redox consumidos pela via da pentose, através da redução da glutationa oxidada (Rossert et al, 2002). Deste modo, existe na anemia uma diminuição da capacidade anti-oxidativa e de fornecimento de oxigénio aos tecidos (hipóxia), o que favorece o agravamento da fibrose renal.

ii d. Tabaco

É o único factor exógeno que modifica a progressão da doença renal. Apesar da primeira referência sobre o efeito do tabaco na doença renal, mais precisamente em doentes diabéticos, já ter sido feita em 1978 por Christiansen, apenas na última década se tem dado maior relevo ao assunto.

Segundo Orth (2002) o tabaco tem, a nível renal, efeitos agudos: activação simpática, com aumento da pressão arterial e alteração da hemodinâmica glomerular e crónicos: disfunção endotelial, com diminuição de NO e da vasodilatação dependente do endotélio e

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hiperplasia da íntima. O tabaco faz subir de imediato a pressão arterial, sendo este efeito mediado pelo sistema nervoso simpático e pela vasopressina (Orth, 2002), havendo ainda atenuação da queda normal da pressão arterial durante a noite (Formica, 2003). O fumo do tabaco contém radicais livres (Noronha-Dutra et al, 1993)que podem aumentar o stress oxidativo (Witko et al, 1996; Mimic-Oka et al, 2001) e agravarem a função renal.

Do ponto de vista epidemiológico existem evidências de que o tabaco é prejudicial em termos de deterioração da função renal. O estudo MRFIT mostra que o risco de doença renal numa população masculina fumadora aumenta em quase 70% (Whelton et al, 1995; Klag et al, 1996). Em diabéticos tipo 1, os grandes fumadores mostraram maior prevalência de nefropatia que os não fumadores (25 vs 12.1%) (Telmer et al, 1984). Em doentes com nefropatia a IgA e Doença Poliquística Autossómica Dominante, o tabagismo aumentou o risco de doença renal terminal em 5,8 vezes e, nos doentes não medicados com inibidores da enzima de conversão da AII, o risco foi maior 10,1 vezes (Orth et al, 1998).No sexo feminino existe menor evidência do efeito do tabagismo na doença renal (Orth, 2002), podendo estar protegido na fase pré-menopausa (Nielsen e Hjollund, 1978). No entanto, um estudo prospectivo com 20 anos de duração, mostrou que o tabaco é factor de risco de doença renal crónica em ambos os sexos: risco relativo de 2,9 para as mulheres e de 2,4 para os homens fumadores (Haroun et al, 2003).

O tabagismo provoca agravamento da doença renal crónica, em ambos os sexos, em doentes diabéticos e em não diabéticos. Para além deste efeito,

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o tabagismo agrava ainda o risco elevado de doença cardiovascular já existente nesta população.

ii e. Metabolismo do Fósforo e do Cálcio

A retenção de fósforo (P) na doença renal crónica começa precocemente (na fase 2 e eventualmente até na fase 1) (K / DOQI, 2003), se bem que os níveis plasmáticos só subam na fase 4,quando o aumento urinário de P, provocado pela paratormona (PTH), já atingiu o limite máximo de compensação (K / DOQI, 2002b; K / DOQI, 2003).

No modelo experimental, a sobrecarga de P provoca deposição de cálcio (Ca), de P e lesão tubulo-intersticial (Haut et al, 1980). Sendo as proteínas a principal fonte do P da dieta, é difícil separar o efeito da restrição proteica do efeito da restrição de P. Existe, no entanto, evidência do efeito benéfico independente da restrição de P na doença renal crónica (Maschio et al, 1992). A deposição de Ca e P a nível do parênquima renal parece ser também um mecanismo que contribui para a progressão da doença, uma vez que esta deposição é frequente nos rins com insuficiência renal grave (Taal et al, 2004).

ii f. Ácido Úrico

Nos doentes com gota, de 20 a 60% têm insuficiência renal ligeira a moderada (Berger e Yü, 1975).Contudo, a chamada nefropatia gotosa foi posta em causa como entidade clínico-patológica (Beck, 1986), pela existência de outras patologias associadas, capazes de, por si só, provocarem alterações renais, como sejam a HTA, a dislipidemia e a

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diabetes. Houve também uma incapacidade de se demonstrar, até à data, qualquer efeito benéfico dos agentes anti-ácido úrico a nível da evolução da doença renal (Beck, 1986). A única situação considerada capaz de provocar hiperuricemia e alterações renais seria a gota saturnina. Aliás, as chamadas epidemias de gota observadas no Reino Unido (séculos XVIII e XIX), na Austrália e nos EUA (século XX), foram atribuídas a intoxicações pelo chumbo (Beck, 1986).Tem surgido, no entanto, mais recentemente, evidência epidemiológica, clínica e experimental, de que o ácido úrico (AU) pode conduzir à lesão renal. Um estudo recente mostrou que a hiperuricemia se comportou como um factor independente de risco de início de terapêutica de substituição da função renal: risco aumentado de 5,77 no sexo femino e de 2,0 vezes no sexo masculino, em relação aos indivíduos sem hiperuricemia (Iseki et al, 2004). Chonchol e co-autores (2007a) verificaram que valores mais elevados de AU se associam com a doença renal e também com a sua progressão. Em doentes com nefropatia IgA, os níveis de AU relacionaram-se com parâmetros de lesão histopatológica (Myllyamaki et al, 2005). O AU induz os seus efeitos, activando mediadores inflamatórios como a proteína C reactiva e a MCP-1, provocando disfunção endotelial através da inactivação do NO (Khosla et al, 2005; Sanchez-Losada et al, 2006). A hiperuricemia provoca também arteriolopatia (Mazzali et al, 2002), hipertrofia glomerular (Nakagawa et al, 2003), hipertensão glomerular (Sanchez-Losada et al, 2002) e progressão da doença renal (Kang et al, 2002).O AU surge actualmente como um factor que, para além de se associar ao maior risco cardiovascular em doentes com função renal

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normal, pode ter um papel determinante na fisiopatologia e na progressão da doença renal crónica (Talaat e El-Skeikh, 2007).

ii g. Património de Nefrónios

Nos finais dos anos 80, Barker referiu a relação entre o crescimento intra-uterino e as consequências cardiovasculares na idade adulta. Os seres vivos teriam a capacidade de se adaptarem a situações desfavoráveis e deste modo, perante condições adversas in utero, haveria um desvio dos nutrientes de orgãos menos importantes como o rim e o pâncreas, para outros como o cérebro (Barker et al, 1989; Bihl, 2003), com limitação do desenvolvimento dos primeiros. Numa fase pós-natal, a sobrecarga nutricional e o consequente excesso ponderal poderiam levar ao aparecimento de HTA, diabetes tipo 2 e doença coronária (Barker et al, 1989; Bihl, 2003). É consensualmente aceite que o estado nutricional materno é o factor mais importante do desenvolvimento fetal (Godfrey e Barker, 1995). Deste modo, os indivíduos subalimentados durante a vida intra-uterina surgiriam com um menor número de nefrónios na altura do nascimento, não aumentando este número após o parto (Marchand e Langley-Evans, 2001).Brenner e Chertow (1994) referiram que crianças prematuras ou com atraso de crescimento fetal poderiam apresentar alteração da nefrogénese. O reduzido número de nefrónios explicaria a incapacidade destes indivíduos lidarem com a sobrecarga de sódio da dieta, levando ao aparecimento de HTA (Mackenzie et al, 1996). Por outro lado, o aumento da pressão de FG, promovendo a excreção da sobrecarga de água e sal, conduziria no final ao desenvolvimento de

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esclerose glomerular, originando um ciclo vicioso de hipertensão e lesão renal progressiva (Mackenzie et al, 1996). Num trabalho postmortem, comparando indivíduos hipertensos e normotensos, verificou-se que os primeiros apresentavam menor número de glomérulos e que estes tinham maiores dimensões (Keller et al, 2003). Actualmente, a relação entre baixo peso ao nascimento e aparecimento de hipertensão arterial e doença renal é um fenómeno referido a nível global (Lopes et al, 1995; Longo-Mbenza et al, 1999; Hoy et al, 1999; Lackland et al, 2001; Tulassey e Vasarhelyi, 2002; Rostand, 2003).

Pode-se pensar que a hipótese de Barker, desenvolvida por Brenner e colaboradores, tem uma base científica, experimental e epidemiológica de suporte, sendo no entanto prematuro e arriscado tentar com ela explicar a génese das duas situações que com frequência conduzem à insuficiência renal: a diabetes e a HTA. Entretanto, este conceito de diminuição do património de nefrónios leva à possibilidade de redução das doenças renais com o aumento dos cuidados pré-natais, pelo menos nas populações em maior risco (Ingelfinger, 2003).

ii h. Sistema Nervoso Simpático

O aumento da actividade do sistema nervoso simpático (SNS) na doença renal crónica é comprovado pelos níveis aumentados de catecolaminas, pelo aumento da sensibilidade à noradrenalina e pela maior resposta hipotensora aos inibidores adrenérgicos (Koomans et al, 2004), sendo vários os mecanismos responsáveis por este facto (Faber e Brody, 1985; Krukoff, 1999; Zanzinger, 1999; Wong et al, 2001; Koomans et al, 2004).

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