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Marcadores da Inflamação

No documento Inflamação na doença renal crónica (páginas 98-109)

CAPÍTULO II – Doença Inflamatória como Factor De Risco

3. Marcadores da Inflamação

Nos últimos anos tem-se assumido que a aterosclerose é uma doença inflamatória e tem-se verificado que vários marcadores inflamatórios se associam com maior morbilidade e mortalidade, quer de causa cardiovascular quer global.

Sendo o processo inflamatório aterosclerótico complexo, com intervenção de diversos sistemas que incluem inúmeras células e seus produtos, assim como de uma intricada rede a nível bioquímico e molecular, será de esperar que algumas destas substâncias possam estar elevadas a nível sistémico, no decurso do mesmo processo.

Tem surgido a necessidade, por parte dos clínicos e por razões de Saúde Pública, de se encontrarem métodos capazes de identificar indivíduos em risco, nas fases precoces da doença. Neste campo, tem relevância a detecção do risco de doença cardiovascular, uma das principais causas de morbilidade e mortalidade nos países ocidentais.

A partir de então, vários marcadores inflamatórios têm sido referidos, de tal modo que, em 1998, a AHA (American Heart Association) discutiu o problema (Grundy et al, 2000).Surgiu a necessidade de uniformização de conceitos, tendo sido adoptadas em 2001 algumas definições sobre o que são biomarcadores, factores de risco e marcadores de risco (Biomarkers

Definitions Working Group, 2001). Em relação a estes dois últimos, a diferença reside no facto de os primeiros terem uma relação causal e os marcadores estarem apenas associados em termos estatísticos a determinada doença (Biomarkers Definitions Working Group, 2001).No que se refere aos marcadores da inflamação que são analisados no sangue, têm tido especial interesse quatro tipos de moléculas: os reagentes de fase aguda; as citocinas e quimocinas; as moléculas de adesão e o imunomodulador CD40L (Blake e Ridker, 2002; Roberts, 2004).

a. Reagentes de Fase Aguda

Os reagentes de fase aguda são um grupo de proteínas sintetizadas pelo fígado em resposta às citocinas, sendo o fibrinogéneo, a família de proteínas séricas da amiloidose A (SAA) e a PCR, as mais estudadas como marcadores. Apesar de ser claro que o fibrinogéneo, componente da cascata da coagulação e determinante da viscosidade, responde a estímulos inflamatórios, como marcador de risco tem-se menos consistente (Tracy et al, 1999; Yano et al, 2001; Kritchesvsky et al, 2005). As dificuldades sob o ponto de vista técnico, no que diz respeito à padronização dos testes, tem tornado a sua utilização como marcador

A família das proteínas SAA, são sintetizadas em resposta a variados estímulos como a infecção, inflamação e stress, sendo um marcador sensível da inflamação. Existe na literatura alguma controvérsia em relação ao valor preditivo da SAA como marcador de risco cardiovascular (Biasucci, 2004). No estudo ECAT (European Concerted Action on

Thrombosis and disabilities angina pectoris study group) não houve

qualquer relação entre SAA e o risco coronário a longo prazo (Haverkate

et al, 1996) e Yamada (1997), que não encontrou diferença entre os níveis séricos de SAA em doentes com doença coronária e indivíduos normais, sugere que as alterações ateroscleróticas não induzem estímulos inflamatórios a nível hepático ou que a produção local de SAA a nível vascular não produz subida dos seus níveis séricos. Outros trabalhos têm contudo demonstrado o seu valor enquanto marcador, surgindo no estudo de Johnson e co-autores como mais útil que a própria PCR (Liuzzo et al, 1994; Morrow et al, 2000; Ridker et al, 2000; Johnson et al, 2004). A PCR foi detectada em 1930, em doentes com pneumonia, ligando-se ao polissacarídeo-C do pneumococo, sendo então denominada proteína C reactiva (Woodhouse, 2002). Tem a capacidade de ligação a ligands autólogos (lipoproteínas, membranas celulares lesadas, células apoptóticas) ou externos (constituintes de microorganismos) e de activar a via clássica do complemento e o complexo de ataque de membrana (Pepys e Hirshfield, 2003). A activação do complemento pode aumentar a opsonização e fagocitose, mas também mediar efeitos pró-inflamatórios (Pepys e Baltz, 1983). A PCR aumenta a expressão de moléculas de adesão das células que estão alinhadas nos vasos sanguíneos, o que

provoca a ligação das moléculas que contêm apoliproteina-B (LDL e VLDL) aos macrófagos, com formação das foam-cells (Zwaka et al, 2001);também aumenta a expressão de moléculas de adesão a nível das células endoteliais, com recrutamento de monócitos e linfócitos (Pasceri

et al, 2000) e a produção de IL-6 e ET-1 (Yeh et al, 2003). Pelo

contrário, diminui a expressão da sintetase do NO a nível endotelial (Yeh

et al, 2003).Finalmente, ao estimular a produção do factor tecidual pelos monócitos tem também actividade pró-coagulante (Cermak et al, 1993). Verifica-se, assim, que a PCR tem funções moduladoras complexas contribuindo para o desenvolvimento e evolução do processo aterogénico (Cermak et al, 1993; Woodhouse, 2002). É actualmente o marcador inflamatório de risco mais estudado. Tem inúmeras vantagens, nomeadamente menor custo económico, estabilidade biológica, ausência de variação circadiana, pouca variação entre os sexos e com a idade e estabilidade individual ao longo do tempo (Pasceri et al, 2000; Ridker, 2003; Roberts, 2004). Recentemente passou a existir ainda a capacidade de analisar com grande precisão valores de PCR a concentrações baixas (PCRas – PCR de alta sensibilidade), permitindo uma maior estratificação de valores, mesmo em indivíduos normais (Woodouse, 2002).

Por mecanismos ainda não esclarecidos, existe uma sobre-regulação de baixo grau da produção da PCR, que prediz os eventos cardiovasculares na população em geral (Pepys e Hirshfield, 2003).Pode este aumento da PCR reflectir um estado inflamatório do organismo ou pode existir uma variação individual, de tal modo que aqueles que respondem com níveis mais elevados de PCR, através de mecanismos genéticos ou adquiridos,

são mais susceptíveis à progressão da aterosclerose, independentemente da existência de uma relação causal (Pepys e Hirshfield, 2003).Vários estudos têm mostrado que pequenos aumentos dos níveis da PCR, em indivíduos aparentemente normais, se associam com um maior risco de doença cardiovascular (Patel et al, 2001; Fortmann et al, 2004). O estudo MONICA revelou um aumento de 50% do risco de enfarte de miocárdio nos indivíduos com um aumento de 1 desvio padrão do valor da PCR (Koenig et al, 1999). Ridker e colaboradores (2000) num estudo que englobou 28 263 mulheres na pós-menopausa, com um follow-up médio de três anos, analisaram 12 marcadores de risco cardiovascular. Verificaram que na análise univariada a PCR foi o marcador mais preditivo e que na análise multivariada apenas a PCR e a razão colesterol total / colesterol HDL, se comportaram como marcadores de risco independentes.A PCR também tem demonstrado ser útil como marcador de risco da doença cerebrovascular, de prognóstico nos síndromes coronários e em doentes submetidos a revascularização coronária (Patel

et al, 2001). O seu valor preditivo é, independente da idade e do sexo,

mas também do estado de fumador ou da presença de diabetes (Ridker, 2003).A evidência da utilidade da PCRas como marcador é de tal ordem, que o Grupo de trabalho dos CDC (Centers for Disease Control) e AHA (American Heart Association) está de acordo com o seu uso na prática clínica para avaliação do risco em determinados doentes (Pearson et al, 2003).

A PCR é um marcador de risco importante, para além de eventualmente participar no processo aterogénico inflamatório. Deverão ser realizados

mais estudos prospectivos, com vista a avaliar se a intervenção terapêutica que diminui os níveis da PCR, melhora o prognóstico das populações em risco.

b. Quimocinas e Citocinas

Entre as quimocinas e citocinas descritas, várias foram estudadas para se analisar a sua relação com a aterosclerose. São moléculas instáveis, de modo que só os ensaios quimioluminescentes desenvolvidos recentemente têm permitido uma avaliação de algumas na prática clínica (Roberts, 2004).Mesmo assim, as suas características biológicas exigem processamento imediato ou congelação das amostras a –70 º C.

A IL-6 é a citocina mais estudada e aquela que se tem mostrado como marcador de risco mais fiável. É caracterizada pelos seus efeitos pleiotrópicos. Tem acções hematológicas, imunológicas, endócrinas e matabólicas (Papanicolaou et al, 1998). Por outro lado, a IL-6 e o seu receptor solúvel (sIL-6R) têm um papel central como reguladores do processo inflamatório (Papanicolaou, 1998; Jones et al, 2001; Pecoits- Filho et al, 2003). Os seus principais efeitos são consequência dos níveis circulantes, exercendo a sua acção à distância (Pecoits-Filho et al, 2003). Tem-se verificado, em estudos transversais, estar aumentada nos hipertensos e estar associada com a velocidade da onda de pulso, com a aterosclerose subclínica (Cesari et al, 2003; Paulleto et al, 2006; Amar et

al, 2006) e clínica (Miyao et al, 1993; Biasucci et al, 1996; Volpato et al,

de follow-up (Tzoulaki et al, 2005). No trabalho de Lee e colaboradores (2006), a IL-6 revelou ser um marcador de risco mais importante do que a PCR.

O TNF-α foi identificado pela sua potente toxicidade contra as células tumorais, existindo quer ligada à membrana celular quer como molécula secretada, sendo as duas formas activas em termos biológicos (Old, 1985).Tem origem nos macrófagos activados e em outras células, como os linfócitos, fibroblastos, neutrófilos, células musculares lisas e mastócitos (Vassali, 1992). Actua a nível celular através dos seus receptores (TNFRI e TNFRII), activando vias transdutoras, induzindo ou suprimindo inúmeros genes (Parissis et al, 2002). Aumenta a produção de moléculas de adesão e de outras citocinas, como a IL-1 e IL-6 (Kelly e Smith, 1997). Para além de ter um papel no processo aterogénico, alguns trabalhos têm demonstrado o seu valor como marcador de risco cardiovascular. No entanto, a sua análise enferma dos mesmos problemas que a da IL-6, devido à sua instabilidade biológica, para além de ser menos económica que a da PCR. No estudo Health ABC (The Health,

Aging and Body Composition –study) os seus valores correlacionaram-se

moderadamente com os da IL-6 e pouco com os da PCR, mas associaram-se com a doença coronária (Cesari et al, 2003) e num outro estudo com a aterosclerose carotídea (Elkind et al, 2002).

A resposta imunológica é regulada por uma rede intricada de elementos controladores, fazendo parte destes as chamadas citocinas anti- inflamatórias (Opal e DePalo, 1992). A IL-10 é a citocina anti- inflamatória humana mais importante. É sintetizada pelas células Th2

CD4, monócitos e células B (Howard e O’Garra, 1992; Opal e DePalo, 1992; Opal et al, 1998; Clarke et al, 1998). Vários estudos demonstram as suas propriedades anti-inflamatórias (Smith et al, 2001; Heeschen, 2003a). Existem outras citocinas com propriedades pró (IL-8, IL-18) ou anti-inflamatórias (IL-1ra, IL-4, IL-11, IL-13), também avaliadas em termos clínicos, não tendo a sua utilização mostrado ser uma mais valia.

c. Moléculas de Adesão

As moléculas de adesão expressas na membrana endotelial em consequência de estímulos inflamatórios têm a capacidade de mediar a adesão e a migração transendotelial dos leucócitos circulantes, contribuindo deste modo para o início e agravamento da aterosclerose (Kume et al, 1992; Jang et al, 1994; Springer, 1994; Kansas, 1996; Ross, 1999; Libby, 2002). A E-selectina, a P-selectina, a ICAM-1 e VCAM-1, são algumas destas moléculas que têm sido melhor avaliadas. Estando clara a sua participação na aterogénese, a sua utilização como marcadores de risco vascular levanta as mesmas questões sob o ponto de vista prático e económico (Roberts, 2004). Existem vários trabalhos que comprovam o seu valor como marcadores de risco vascular. No estudo ARIC os doentes com doença coronária e aterosclerose carotídea apresentaram valores mais elevados de ICAM-1 e E-selectina, quando comparados com o grupo controlo (Hwang et al, 1997). O estudo PRIME (étude

Prospective du l´Infarctus MyocardE) mostrou que os doentes com

follow-up, quando comparados com os doentes com valores de ICAM-1

no tercil inferior (Luc et al, 2003).Em doentes com doença coronária, a E-selectina, a VCAM-1 e ICAM-1, relacionaram-se com a mortalidade cardiovascular (Blakenberg et al, 2001). Também a P-selectina se associou com a doença vascular: no Women´s Health Study o risco de eventos cardiovasculares foi 2,2 vezes maior entre as mulheres com níveis de P-selectina no quartil superior, quando comparadas com as do quartil inferior (Ridker et al, 2001). As moléculas de adesão também se associam com maior risco de doença cerebrovascular (Tanne et al, 2002; Amar et al, 2006).

d. Imunomodulador CD40L

O imunomodulador CD40L e o seu receptor CD40 expressos em várias células, como as endoteliais, musculares lisas, fagócitos mononucleares e plaquetas, promovem a aterogénese (Henn et al, 1994; Mach et al, 1998; Lutgens et al, 1999, 2000; Zapolska-Downar, 2004; Granger et al, 2004). O CD40 pertence à familia dos receptores TNF e o CD40L para além de se encontrar a nível celular, também existe na forma solúvel, sendo libertado pouco tempo depois da activação das células, sobretudo a partir das plaquetas (Granger et al, 2004).Alguns estudos têm demonstrado que níveis elevados do CD40L solúvel se associam com eventos vasculares. Num estudo prospectivo case-control envolvendo mulheres de meia-idade saudáveis, verificou-se que as mulheres com níveis acima do percentil 95 apresentaram um risco aumentado em 3,3 vezes de desenvolveram um

2001). Em doentes coronários instáveis, previamente envolvidos no estudo CAPTURE (Carotid Acculink/accunet Post-approval Trial to

Uncover unanticipated of Rare Events), a elevação do CD40L solúvel foi

preditivo de futuro evento cardiovascular (Heeschen et al, 2003b).Em doentes submetidos a angioplastia coronária e seguidos durante 6 meses, os níveis de CD40L solúvel antes da intervenção foram significativamente superiores nos doentes que apresentaram restenose após a angioplastia (Cipollone et al, 2003).

Inúmeros trabalhos têm demonstrado que a inflamação desempenha um papel central na origem e desenvolvimento das lesões ateroscleróticas. Novos marcadores de risco têm sido descritos, aumentando a capacidade preditiva da doença cardiovascular quando utilizados isoladamente ou adicionados aos marcadores clássicos. Discute-se, actualmente, a vantagem do uso destes vários marcadores em simultâneo, parecendo ser a PCR a mais consensual, pela facilidade e fiabilidade, assim como por aspectos económicos. Não existe no entanto ainda evidência do benefício do uso dos vários marcadores na prática clínica. A intervenção terapêutica susceptível de modificar estes marcadores, em estudos controlados e prospectivos, permitirá sem dúvida uma melhor compreensão do seu real papel a nível do processo aterosclerótico.

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