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12º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política Área Temática: Participação Política.

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Academic year: 2021

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12º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política

Área Temática: Participação Política.

Rede Sustentabilidade: partido movimento ou partido indivíduo? Por quê?

Marília Silva de Oliveira

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1. Introdução

A literatura sobre movimentos sociais e partidos políticos que se dedica a observar interações entre ambos muito comumente introduz o assunto argumentando o quanto as interações são observadas, porém pouco analisadas (Goldstone; 2003; 2004; Combes, 2009; Kriesi; 2015; Tarrow, 2015; della Porta et al., 2017; Anria, 2018). Na última década, essa assertiva foi desafiada com estudos que analisaram as relações sob diferentes perspectivas: participação de movimentos sociais na dinâmica cotidiana dos partidos políticos (Meza e Tatagiba, 2016; Oliveira, 2016; della Porta et al., 2017; Anria, 2018); formação de redes sólidas entre partidos políticos e movimentos sociais (Schwartz, 2010; Heany e Rojas, 2015; Schlozman, 2015); suporte a ações de protesto alinhadas com ou em oposição a partidos políticos (Almeida, 2010; von Bülow e Bidegain, 2015; Piccio, 2016); influência em momentos eleitorais (McAdam e Tarrow, 2010; Gold e Peña, 2018, Pirro, 2019) formação de partidos políticos étnicos, de esquerda e de direita por movimentos sociais (Van Cott, 2005; 2007; Cowell-Meyers, 2014; Bringel, 2015, Oliveira, 2016; della Porta et al., 2017; Pirro, 2018) dentre outras formas relacionais. A relação entre partido político e movimentos sociais é o tema deste artigo.

No dia 22 de setembro de 2020, a Rede Sustentabilidade, um partido movimento, completou cinco anos de existência. Estruturada pela orquestração de distintos setores da sociedade civil, com destaque para o movimento ambientalista, tem como líder a ambientalista Marina Silva. Mas, afinal, o que é um partido movimento e como é sua relação com os movimentos sociais? De acordo com Kitchelt (2006), são “coalizões de ativistas políticos que emanam de movimentos sociais e tentam aplicar as práticas organizacionais e estratégicas de movimentos sociais na arena de competição partidária” (2006, p. 280).

Cada partido movimento - atuante em um sistema partidário e eleitoral específico; formado por movimentos sociais de características peculiares; com formatos organizacionais, enquadramentos e repertórios distintos - terá formas próprias de atuação. Mesmo em sua diversidade, espera-se que a interação com movimentos sociais, especialmente com aqueles que lhe deram origem, seja regular (della Porta et al., 2017). Há variações nessa regularidade e na intensidade das interações, mas elas são

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características de desse tipo de partido (Anria, 2018). Não é necessariamente o que a Rede Sustentabilidade apresenta nos seus cinco anos de existência como um partido movimento. O que observamos é um partido que se esforça para cumprir seus valores e princípios, mas que não deseja acessar e participar da tessitura organizacional e da ação coordenada de movimentos sociais, inclusive do movimento ambientalista, que lhe deu forma e impulso.

A ação da Rede Sustentabilidade, conforme pleiteada desde o debate sobre sua fundação, passa por tentar mobilizar indivíduos para participarem da política, o que Marina Silva cunhou de cidadão ativo (Oliveira, 2016). Observamos que, diante dos desafios à institucionalização partidária que uma nova legenda política enfrenta, essa intenção não foi relegada a segundo plano, mas o convite à mobilização apela para a ação de caráter marcadamente individualizado ao passo que o partido vem demonstrando ação desconectada de movimentos sociais, inclusive daquele que lhe deu vida, o ambientalista. Conforme posto anteriormente, é esperado que um partido nascido de movimentos sociais tenha uma conexão mais direta com sua base social. Por que a Rede caminharia para uma via distinta?

A literatura sobre institucionalismo histórico e partidos políticos estabeleceram que as organizações partidárias são profundamente afetadas pelas suas origens e pelo seu desenvolvimento inicial (della Porta et al., 2017). Durante a fase de formação dos partidos, as estruturas organizacionais adotadas deixam marcas indeléveis em sua vida, uma vez que os partidos condensam lutas de poder e modelam o desenvolvimento da organização num processo de path-dependence, o que Panebianco (1988) descreveu como “modelo genético” de desenvolvimento partidário.

Esse modelo considera que quase todo aspecto da organização partidária pode ser traçado ao ponto crucial das escolhas políticas feitas pelos seus fundadores, pelas primeiras lutas por controle organizacional e pela forma em que o partido foi formado (Panebianco, 1988, p.50). Apesar de determinista, tal análise é útil porque evidencia a dimensão de poder organizacional em que as atividades e o funcionamento da organização partidária é, acima de tudo, explicada em termos das lutas e alianças por poder dos diferentes atores que a compõem (Anria, 2018).

A Rede foi formada a partir da mobilização de lideranças do movimento ambientalista, capitaneados por Marina Silva cuja força magnetizadora que exercia à

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época acabou por atrair apoiadores com distintos perfis - desde jovens ativistas de processos participativos para influência direta na política até empresários destacados e atentos à promoção da ética moral, da sustentabilidade ambiental e justiça social. Esses não são movimentos de massa com capacidade de levar pessoas às ruas. O movimento ambientalista, que impulsionou o projeto da Rede Sustentabilidade, sempre foi considerado um movimento de elite, de atuação prioritariamente por dentro do sistema político e sem capacidade apelativa ao protesto (Hochstetler e Keck, 2007; Oliveira, 2016). Já os ativistas da participação direta não formam um bloco coordenado, configurando mais como indivíduos que se mobilizam esporadicamente. O empresariado é grupo de interesse com práticas relacionais distintas daquelas comumente exercidas por movimentos sociais (Kitschelt, 2006).

Seguindo a trilha aberta por Panebianco (1988), seria essa a razão da Rede Sustentabilidade não ter uma interação orgânica com movimentos sociais, a considerar as características dos atores que se dedicaram e lutaram pela sua formação? Seria a dependência organizacional dessas características que afastaria a Rede dos movimentos sociais? Em outro aspecto, o partido faz questionamentos sobre as formas e práticas de organização social, da interação entre atores sociais e sistema político e, principalmente, críticas às formas relacionais historicamente estabelecidas entre movimentos sociais e partidos políticos no Brasil, em que consideram que a esquerda partidária “colonizou” os movimentos sociais (Entrevista Jane). Esse enquadramento sobre as formas organizacionais sociais e políticas foi cunhada pelos seus membros como Nova Política. Seriam os questionamentos do que fundaram como Nova Política que atrapalhariam o processo do partido movimento se voltar para os movimentos sociais e buscar uma ação coordenada? Ainda, no processo de institucionalização de um partido movimento para um partido puro (Kitschelt, 2006), a organização se devotaria tanto às atividades das arenas partidárias institucionais que se distanciaria dos movimentos sociais?

De acordo com Panebianco (1988, p. 50), as características organizacionais do partido dependem, mais do que qualquer outro fator, de sua história, em como a organização se originou e como se consolidou. Ao analisar partidos movimentos contemporâneos, della Porta et al. (2017, p. 20) refletem que são uma evolução da estrutura organizacional, do enquadramento de identidades e dos repertórios de ação dos movimentos sociais. Na perspectiva de Kitschelt (2006, p. 282), a transição de movimento

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para partido envolve investimentos na estruturação da organização, na formalização de procedimentos internos e aumento da ênfase em atividades na arena institucional.

Juntamos as contribuições dessas três frentes de análise para construir a nossa. Argumentamos que a Rede Sustentabilidade foca no indivíduo devido a características dos movimentos e dos atores sociais que lhe deram origem (path-dependence), em como estruturou sua organização e em função do enquadramento que construiu, a Nova Política. Nossa busca é compreender porque o partido movimento Rede Sustentabilidade prescinde da ação apoiada em movimentos sociais e estimula a mobilização do indivíduo.

O objetivo deste trabalho é analisar a relação da Rede Sustentabilidade com movimentos sociais. Pretende-se compreender as razões para o estímulo da ação individualizada e sua ausência na coordenação e ação conjunta com movimentos sociais em geral e, especificamente, com o ambiental. A proposta de ativismo individual disseminada pela Rede Sustentabilidade se consolidaria em função das características próprias dos grupos que deram vida a essa organização política, conforme assinalou Panebianco? Seria por essa cultura da Nova Política que sugere novas formas de representação política e de interação entre partido e movimento? Seria por que a Rede está caminhando para um processo de institucionalização mais formal que a distancia dos movimentos sociais e a coloca de forma mais competitiva, seguindo o modelo dos partidos políticos já estabelecidos no Brasil?

A pesquisa foi desenvolvida a partir da realização de 66 entrevistas em profundidade, realizadas entre 2013 e 2020. As primeiras 43 entrevistas foram feitas até 2016. As 23 restantes ocorreram entre 2018 e 2020. Nessa última etapa de entrevistas, conversamos com membros da Rede Sustentabilidade, ativistas ambientalistas e sociais que participaram da criação do partido movimento. Desses, 16 já haviam sido entrevistados na primeira fase da pesquisa e repetimos e o restante foram de novos entrevistados.

Também foram analisados documentos produzidos pelo partido nesses 4 anos de existência, que fundamentam seus princípios e orientam suas atividades, bem como expõem publicamente os posicionamentos da legenda em relação a temas polêmicos e cruciais para a política brasileira. Trata-se de um estudo de caso sobre a institucionalização da Rede Sustentabilidade que pretende averiguar como a hipótese de dependência da trajetória da formação de um partido político afeta o seu funcionamento

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e a relação deste com movimentos sociais. No caso da Rede, verificar se a organização de poder inicial da fundação partidária influenciou uma ação individualizada do partido no sistema político. A pesquisa está em andamento, ainda não apresenta resultados.

Abaixo, apresentamos um debate com a literatura sobre partidos movimentos e apresentamos as diretrizes que guiarão a análise do estudo de caso. Na sequência, trazemos o histórico de articulação política dos principais atores e setores envolvidos na formação da Rede Sustentabilidade para compreendermos os interesses, demandas e as disputas que estavam em jogo. Então, passamos para a observação do partido movimento Rede Sustentabilidade, seguida da conclusão. Importante frisar que este artigo está incompleto, com vários fios soltos e análises incompletas. Necessita, portanto, de um bom acabamento.

2. Partidos movimentos

Definir o que é um novo partido político e porque surge não é tarefa fácil, dada a distinção de enfoques para a análise do surgimento dessas novas legendas (Barreto, 2018; Krause et al., 2018). Os partidos políticos podem ser conceituados como novos quando as legendas concorrem, pela primeira vez, apenas à câmara baixa (Mustillo, 2009) ou a eleições parlamentares nacionais (Hug, 2001); ou mesmo quando se formam a partir de uma identidade que estava ausente da arena política, sem necessariamente participarem das eleições (Aït-Aoudia, 2016). Muitas das análises sobre novos partidos os observam diretamente relacionados com eleições. Eles podem surgir em função da união ou extinção de legendas já existentes, sem impactar o sistema partidário (Janda, 1980); por conta de desalinhamento, fragmentação ou enfraquecimento de partidos no sistema partidário (van Cott, 2005); ou em função da representação de novas clivagens sociais e culturais (López, 2005); dentre outras razões.

A formação de partidos movimentos, para Kitschelt (2006, p. 282), ocorreria quando i) interesses coletivos são intensamente defendidos por uma larga constituency, desejando articular suas demandas por meio de atividades disruptivas e extrainstitucionais; ii) partidos estabelecidos fazem nenhum esforço para abraçar tais interesses por medo de perder sua própria constituency eleitoral; e iii) quando os limites formais e informais da representação política forem baixos.

Já para della Porta et al. (2017), seria mais provável que partidos movimentos aparecessem por três motivos: transformações nas estruturas de clivagem; no sistema

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partidário (propensão eleitoral; volatilidade eleitoral e crise de partidos de centro-esquerda); e na arena movimentalista (mobilização de questões não representadas; massiva mobilização do movimento com enquadramentos anti-establishment). As duas perspectivas não deixam de ser complementares. Para os autores, esse tipo de partido é um híbrido entre partido político e movimento social e podem ser considerados como parte dos movimentos sociais, pela comprovada sobreposição de membros bem como pela ligação organizacional e de ação coletiva (2017, p. 23).

Segundo Panebianco (1988, p. 50), “as características das origens do partido são capazes de ter peso na sua formação, nas decisões político-administrativas cruciais feitas pelos seus fundadores e nas decisões que ‘moldaram a organização’”. Tais características vão interferir no processo de institucionalização do partido e exercerão marcas indeléveis em sua organização. Essa abordagem terá peso significativo para a nossa análise.

Na fase de formação do partido, Panebianco considera que ele é uma associação entre iguais com um propósito comum, exercendo um sistema de solidariedade1. Porém, com sua institucionalização, com burocratização e diversificação interna, o partido tende a passar do sistema de solidariedade para o sistema de interesse, gerando desigualdades. Esse processo implica a passagem de uma participação do tipo movimento social a uma participação profissional; de uma fase que predominam os incentivos relativos à formação da identidade (incentivos coletivos) para outra em que predomina a burocratização e profissionalização (incentivos seletivos); da liberdade ampla de manobra dos líderes para liberdade restrita; de uma fase que predomina a estratégia agressiva que busca dominar ou transformar o próprio ambiente para outra que predomina a estratégia

de adaptação. Isto é, no momento inicial da formação partidária predominam exigências

que serão transformadas ao longo da evolução organizativa e se tornarão diferentes após o processo de institucionalização. Os objetivos originários, porém, são articulados e não substituídos (2005, p. 35-37).

O autor traça algumas características comuns no modelo originário dos partidos políticos, as quais são fundamentais para entendermos e identificarmos elementos que estarão em jogo no processo de institucionalização da organização partidária. Ele parte da distinção duvergeriana de criação partidária interna (partidos criados por elites parlamentares preexistentes) ou externa (criados por grupos e associações da sociedade

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civil). Após, elenca três fatores distintos que definem o modelo originário de um partido, quais sejam: i) construção da organização por penetração ou difusão territorial; ii) presença ou ausência de instituição externa que “patrocine” o nascimento do partido; iii) caráter carismático ou não da formação do partido.

No primeiro caso, o partido pode ser criado por penetração territorial “quando um “centro” controla, estimula e dirige o desenvolvimento da “periferia”” (2005, p. 94), ou por difusão, quando a criação se dá por germinação espontânea: as elites locais constroem as associações partidárias para, num momento posterior, serem integradas numa organização nacional. Pode haver modalidade mista de desenvolvimento. O segundo fator consiste na presença ou não de uma instituição externa que “patrocine o nascimento do partido”, o que muda a fonte de legitimação da liderança. A lealdade primeira dos seus membros pode ser diretamente destinada à instituição externa e a lealdade indireta, de segunda instância, ser destinada ao partido, que será um braço político da instituição externa. O terceiro fator diz respeito a “estabelecer se o partido é ou não, essencialmente, uma criatura e um veículo de afirmação de uma liderança carismática” (p. 96). Ele chama a atenção para o fato de o partido ser formado por um líder que se coloca como idealizador e intérprete de um conjunto de símbolos políticos, tornando a existência do partido inseparável à sua pessoa (p. 97).

Esses elementos em conjunto, junto com o ambiente, determinarão o grau de institucionalização de um partido político. Neste trabalho, não estamos interessadas no processo de institucionalização da Rede Sustentabilidade, de acordo com o modelo estabelecido por Panebianco, mas nos interessa observar a legenda no momento de sua formação e o autor italiano nos fornece uma boa estrutura com seu modelo. Com ele, podemos visualizar relevantes elementos estruturais e da correlação de forças presentes no momento de criação da legenda partidária de Marina Silva.

Seguimos a análise nos apoiando, agora, no modelo analítico de della Porta et al. (2017) que nos possibilita compreender a formação do partido movimento a partir de aspectos concernentes à organização interna do partido, aos enquadramentos feitos para criar a identidade do novo partido e seus repertórios. Escolhemos esse modelo para dialogar com o de Panebianco por explorar elementos essenciais da ação coletiva de movimentos sociais para a formação e dinâmicas da organização de um partido movimento. Considerando que a Rede Sustentabilidade é formada com o envolvimento de diferentes setores da sociedade civil, com forte ênfase para o movimento ambientalista,

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recorrer a este modelo me parece mais adequado e representativo do fenômeno que estamos observando.

Comungamos da orientação dos autores de que partido movimento é um híbrido entre partido político e movimento social. No modelo que construíram, esse tipo de partido recebe influência direta do modelo organizacional dominante de partido político, dos enquadramentos e dos repertórios tanto do sistema partidário quanto dos movimentos sociais que lhe dão origem. Contudo, eles nos orientam para não olharmos para esse modelo como determinista, pois os atores que compõem os partidos estão a todo momento fazendo escolhas estratégicas que devem ser entendidas como decisões dentro de múltiplas escolhas disponíveis e antagonismos.

No campo organizacional, observaremos o partido em sua base; o partido em função central, como características dos corpos de decisão, suas relações com o partido na base, bem como com movimentos sociais; e o partido em função pública, incluindo resultados eleitorais, seleção de candidato, relações com as bases partidárias e exercendo sua responsabilidade central organizacional.

Para analisar o enquadramento, della Porta e colegas destacam o enquadramento próprio (identidade); enquadramento do oponente (oposição), enquadramento do campo (totalidade), enquadramento da democracia dentro e fora do partido. Sobre os repertórios, os autores sugerem analisar a participação em campanhas de protesto, nas atividades parlamentares e no governo.

Por fim, observaremos, conforme sugere Kitschelt (2006) os investimentos na estruturação da organização, na formalização de procedimentos internos e aumento da ênfase em atividades na arena institucional. O modelo da origem partidária de Panebianco; a organização interna do partido, os enquadramentos feitos para criar a identidade do novo partido e seus repertórios, junto com a observação dos formalização dos procedimentos do partido são os elementos que guiarão nossa análise.

Caminho para a formação da Rede Sustentabilidade

1. Movimento ambientalista e partidos políticos

Grande parte do movimento ambientalista brasileiro, desde sua formação, articula com atores políticos e estatais, especialmente as lideranças e organizações que atuam em nível nacional (Hochstetler e keck, 2007; Oliveira, 2016). Sua trajetória é marcada por

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um caminho influente dentro das arenas partidárias – eleitoral, governamental e parlamentar – e, claro, no campo da sociedade civil.

Ao longo dos anos 1990, lideranças ambientais que faziam trabalho de advocacy no Congresso Nacional se aproximaram muito dos parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) para defesa de projetos em comum. Os ambientalistas também recorriam a outros partidos políticos, porém o PT, desde a sua formação na década de 1980, figurava como aquele com o qual os ambientalistas construíram maior identidade e relações de troca (Hoschstetler e Keck, 2007; Oliveira, 2016). Nessa interação, Marina Silva, então senadora petista pelo estado do Acre, criou vínculos importantes com atores da sociedade civil. De acordo com liderança ambientalista, “ela era, digamos, o porto seguro das nossas demandas no Senado, assim como nós éramos o aparato, o apoio dela, muitas vezes, de produção de subsídios, de propostas, de pareceres para a atuação dela” (Entrevista 2, 24/4/2013).

Essa relação próxima possibilitou que, em 2003 - quando Luiz Inácio Lula da Silva, líder do PT, assumiu a presidência da república e nomeou Marina Silva como ministra do Ministério do Meio Ambiente (MMA) - vários desses ambientalistas assumissem diferentes cargos da elite dirigente desse Ministério (Abers e Oliveira, 2015; Oliveira, 2016). A gestão de Marina Silva no MMA durou de 2003 a 2008. Nesse período, a agenda ambiental governamental viveu uma transformação radical em comparação a governos anteriores, uma vez que ganhou centralidade e importância inédita, com conquistas significativas para a política ambiental brasileira2.

Contudo, desde o final do primeiro mandato de Lula (2003 a 2006), a relação entre a ministra e o partido a que pertencia sofria tensionamentos consideráveis. No segundo mandato de Lula (2007 a 2008) a crise se asseverou e, em maio de 2008, Marina Silva deixou o governo. De fato, a agenda ambiental perdera centralidade no governo do PT e estava ameaçada pelas negociações político-partidárias e políticas públicas desenvolvimentistas que o partido no governo julgou necessárias serem executadas (Oliveria, 2016). Nesse momento, pareciam surgir alguns dos elementos do sistema partidário que Kitschelt (2006) e della Porta et al. (2007) julgam ser motivacionais para a formação de partidos movimentos: partidos estabelecidos fazem nenhum esforço para

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abraçar tais interesses por medo de perder sua própria constituency eleitoral e percepção de crise de partidos de centro-esquerda pela sociedade.

A saída de Marina Silva do MMA produziu um efeito manada. Vários de sua equipe governamental, principalmente aqueles que vieram da sociedade civil, deixaram seus cargos em apoio à ministra e também para marcarem o quanto eram contrários à condução que o governo federal destinava à política ambiental. Marina Silva voltou para seu cargo de senadora federal, para o qual havia sido reeleita em 2006, e seus colegas ativistas iniciaram um movimento inovador no campo da sociedade civil, uma vez que os espaços institucionais foram fechados para o debate e avanço das questões ambientais. Por parte do movimento ambientalista, percebemos interesses coletivos intensamente defendidos por uma importante constituency, desejando articular suas demandas por meio de atividades disruptivas e extra institucionais (Kitschelt, 2006) e o início da mobilização de questão não ou pouco representadas (della Porta et al. 2017), outros elementos que favorecem a formação de partidos movimentos.

No final de 2008, o Instituto Socioambiental (ISA), importante organização não governamental ambientalista que sempre apoiou os projetos de Marina Silva, organizou um seminário em São Paulo sobre os desafios da sustentabilidade, pois avaliavam que a sua saída do MMA era um sinal de que aquela agenda estava pressionada (Entrevista 2, 27/4/2013). Nesse seminário, estavam presentes expoentes do setor econômico que militavam por uma prática empresarial com mais responsabilidade social e ambiental, quais sejam: Oded Grajev, Ricardo Young, Guilherme Leal; e também estavam presentes acadêmicos como José Eli da Veiga e Eduardo Viveiros de Castro, dentre tantas outras organizações e associações que tinham o desenvolvimento sustentável como pauta diretiva.

Os dois primeiros empresários haviam se aproximado muito de organizações e lideranças ambientalistas em função das discussões sobre o Fórum Amazônia Sustentável, demonstrando interesses em comum3. Nesse seminário, discutiram sobre a

3 O Fórum Amazônia Sustentável é uma organização criada em 2007 com o objetivo de agregar

os mais diversos setores da sociedade brasileira em torno de um debate amplo e participativo sobre o desenvolvimento sustentável da região amazônica. O Fórum reúne empresários, governos, academia, populações tradicionais, sindicatos e ONGs que formam a mais ampla rede nacional que se dedica a discutir e propor ações voltadas para o estabelecimento de uma cultura em favor da sustentabilidade, da construção de compromissos de boas práticas produtivas e o apoio ao desenvolvimento regional. O Fórum propõe um diálogo amplo e nacional pela

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necessidade de aquecer a sociedade civil em torno do tema ambiental e também debateram sobre uma possível candidatura de Marina Silva à presidência da república em 2010, proposta que a então senadora pelo PT negou ser possível na época (Entrevista 2, 27/4/2013).

Essa proposta não era inédita. Outros atores políticos e intelectuais já haviam circulado a ideia, e um movimento de jovens pela participação, coordenado por Eduardo Rombauer, havia feito campanha, ainda em 2007, para que a sociedade pudesse indicar sua/seu candidata(o) ao cargo de presidência da república. A eleita do movimento era Marina Silva. Porém, diante da negativa dela ao empreendimento político, restou ao grupo de empresários, empreendedores sociais e ambientalistas se unirem para formar o Movimento Brasil Sustentável (MBS).

Esses grupos construíram coletivamente o mote do Movimento Brasil Sustentável, e lideranças ambientalistas passaram a viajar o país em reuniões com organizações da sociedade civil para construírem as bases de apoio para essa proposta. Porém, o processo foi interrompido pelo o que chamaram de agravamento da crise ambiental dentro do PT, que desgastou a ex-ministra e a fez sair do partido, em agosto de 2009.

É interessante observar neste processo que as lideranças do movimento ambientalista, em defesa de seus interesses e causas, aliaram-se a empresários e a empreendedores sociais, com capacidade de mobilização para dentro e para fora do sistema político, em vez de buscar uma ação disruptiva e confrontacional nas ruas. Mesmo as parcerias que buscaram na sociedade civil não pareciam ser horizontais, visto que o movimento tinha um núcleo coordenado por elites de diferentes setores e com práticas de mobilização distintas. Essa estratégia evidencia o repertório de ação coletiva do movimento ambientalista, que é de negociar, de buscar atores estratégicos para construção de alianças e que se esquiva da mobilização de massas. Eles agem por campanhas direcionadas ao sistema político a à sociedade com aporte de recursos diversos (Hochstetler e keck, 2007; Oliveira, 2016). Essas são características importantes, pois se trata do principal grupo que atuou para a campanha eleitoral de Marina Silva e a formação de um novo partido político.

Amazônia. Fonte: http://www.socioambiental.org/pt-br/campanha/forum-amazonia-sustentavel-fas, acessado em 20/10/2015.

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Políticos do Partido Verde, que eram interlocutores do grupo que se formava em torno do Movimento Brasil Sustentável, já expunham interesse em convidar a então senadora para se filiar ao partido e talvez ser sua candidata à presidência da república nas eleições de 20104.

Em 2010, Marina Silva concorreu ao cargo de presidência da república pelo Partido Verde. Conquistou o terceiro lugar no pleito com quase 20 milhões de votos, o que surpreendeu a todos, pois a intenção, ao menos dos ambientalistas, era dar centralidade à questão ambiental em momento político crucial para o país. Na campanha eleitoral de 2010, vários atores que compunham o Movimento Brasil Sustentável e boa parte daqueles que acompanhavam Marina Silva se filiaram ao PV. Alguns concorreram a cargos majoritários e proporcionais nas eleições, porém sem eleger ninguém5. A intenção era se envolver profundamente a fim de bombar a campanha nacional. O empresário Guilherme Leal, um dos donos da empresa de cosméticos Natura, foi o candidato a vice-presidente de Marina Silva.

Juntou-se também à essa campanha eleitoral aquele movimento de jovens pela participação que já havia feito pressão, em 2007, para que ela se candidatasse ao cargo representativo político máximo do país. Eles criaram o Movimento Marina Silva (MMS) e trouxeram inputs que ampliariam demasiadamente o enquadramento da campanha eleitoral da candidata, os quais seriam norteadores para, mais adiante, a formação da Rede Sustentabilidade, qual seja: a Nova Política. Seus participantes elaboraram sobre a necessidade de abordarem em campanha eleitoral questões como ética na política, representação política horizontal, forma inovadora de fazer política centrada nas redes sociais, dentre outros. Eles se declaravam suprapartidários.

Em resumo, os grupos que se articularam em torno da candidatura de Marina Silva em 2010 foram: i) articuladores do Movimento Brasil Sustentável, que reúne principalmente ambientalistas e empresários socioambientalmente responsáveis, a equipe de apoio de Marina, que a acompanha desde sua experiência no Senado, na década de 1990; ii) o Movimento Marina Silva; e iii) políticos progressistas do PV. Há ainda pessoas de outras filiações institucionais, como intelectuais, políticos do Partido dos

4 Quais sejam: Alfredo Sirkis, Fernando Gabeira e Sérgio Xavier.

5 Sergio Xavier se candidatou a governador de PE; Fábio Feldmann, governador de SP; Miriam Prochnow, deputada federal em Santa Catarina; André Lima, deputado federal no Distrito Federal; Sérgio Guimarães, deputado federal no Mato grosso; Ricardo Young candidato a senador em SP; Gabeira, a governador do Rio de Janeiro; e Sirkis, a deputado federal pelo Rio de Janeiro

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Trabalhadores e de outras legendas que se simpatizavam com a ex-Ministra; grupos de ambientalistas que atuavam em ONGs e se envolviam de forma diferenciada em sua campanha, grupos de esquerda e, especialmente, os evangélicos. Os mais atuantes na campanha institucional de Marina Silva são os ambientalistas, os políticos do PV e o MMS.

Nesse processo, ambientalistas que, apesar de não serem um grupo homogêneo, tinham a questão da sustentabilidade como foco. Eles queriam dar centralidade à agenda socioambiental e suas ações convergiam para esse objetivo. A intenção do PV com a candidatura da Marina era ganhar o poder, mas também evidenciar a agenda ambiental, especialmente em seu aspecto econômico, e propor o realinhamento histórico, com a união do que chamam de partidos da social-democracia, PT e PSDB. Para o MMS, o tema da Nova Política, da representação horizontal, do cidadão ativo era o anzol, mas também firmava a preocupação com a sustentabilidade (Oliveira, 2016).

Eram diferentes coletividades que se sobrepunham nesse processo. Cada um em busca de eficácia política em suas propostas e juntos articulando politicamente para que Marina Silva fosse a representante de suas demandas. Com grupos tão diversos, os conflitos não poderiam estar ausentes. As diferentes institucionalidades, todavia, foram importantes para formar uma candidata que, ao longo da campanha, foi adotando as pautas dos distintos grupos, além de defender a sua própria, a da sustentabilidade.

Na campanha, fortaleceram o discurso da Nova Política junto com a proposta de alinhamento histórico do PV, de juntar pessoas do PT e do PSDB, o que Marina Silva chamou de “governar com os melhores”. Para representante do MMS, o discurso da Nova Política se sobrepôs ao de sustentabilidade (Entrevista 15, 25/02/2014). Marina estava preocupada com o estigma da sustentabilidade, uma vez que analistas políticos e jornalistas consideravam que era a única pauta da candidata e que havia uma carência de outras agendas em seus debates. Com isso, ela buscou incorporar outros discursos (Entrevista 14, 7/7/2014).

Transcorridas as eleições, conflitos entre os articuladores da campanha presidencial com a estrutura do Partido Verde se tornaram insustentáveis, pois o partido não queria atender as condicionantes que Marina Silva e seu grupo havia feito para ingressarem no PV, como reestruturação programática, participação na executiva

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nacional e democratização interna do partido. A saída dos ambientalistas foi discutir tais problemas publicamente: “se as instâncias internas estão obstruídas, vamos a público discutir isso. E aí começou aquele processo que a gente chamou de transição democrática, que a gente fazia reuniões públicas para discutir a estrutura do PV” (Entrevista 6, 8/4/2015).

O movimento transição democrática não vingou e, em junho de 2011, Marina Silva anunciou sua saída do PV. Um grupo defendeu a criação de um novo partido naquela ocasião, com ênfase para militantes do MMS, mas Marina e outras pessoas de sua equipe ponderaram que era necessário um tempo de maturação. Em vez de lançar um novo partido, lançaram o Movimento Nova Política. Conforme entrevistada,

Aquele movimento que era o Movimento Brasil Sustentável, centrado na questão da sustentabilidade, se amplia e ganha um componente muito forte da democracia política. Ele se torna, não se transforma – porque não é exatamente a mesma coisa. A gente vinha de um processo de eleição, de conversa com outros setores da sociedade, de adensamento, e aí ressurge com essa nova perspectiva de agregar fortemente a questão política com o Movimento Nova Política (...) é a nova política com questões de politização, com um ambiente já ampliado com setores que não têm sua identificação imediata unicamente com a questão da sustentabilidade. Tem esse componente político maior (Entrevista 6, 8/4/2015). Observamos que o MMS e suas ideias sobre a nova política influenciaram profundamente o modus operandi e o repertório da coletividade que se organizou em torno de Marina Silva naquela campanha. Agora, a mobilização trata da sustentabilidade da política, diz respeito a uma forma diferenciada de se fazer política que incorpore também, em seu DNA, a sustentabilidade socioambiental. O que o MMS propôs se transformou em ordem primeira dos ambientalistas engajados na vida política. Isso não quer dizer que a questão da sustentabilidade perdeu potência, ainda porque Marina Silva é inevitável e diretamente associada a ela, mas buscaram assimilar questões de sustentabilidade à ética política. Perceberam que esse enquadramento fora mais forte e significativo para mobilizar eleitores durante a campanha eleitoral do que o enquadramento do desenvolvimento sustentável.

O Movimento Nova Política (MNP) foi idealizado e capitaneado por Eduardo Rombauer e um grupo de ativistas com o qual militava e realizava diferentes trabalhos de mediação política entre sociedade e instituições públicas. Sua proposta era lançar ideias para que a sociedade se apropriasse delas, promover debates sobre participação política e criar uma cultura participativa.

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Em reportagem para o site Página 22, um dos veículos das propostas do MNP, Borges (2011) informou que o MNP surgiu de uma percepção, manifesta principalmente nas redes sociais e em ações de protesto em diferentes partes do Brasil, de insatisfação geral com a corrupção na política, com a falta de ética dos políticos e com o problema da representação, uma vez que enxergam ser “crescente o sentimento, de parte dos cidadãos, de que os políticos não os representam”. Borges informou ainda que o principal objetivo do movimento é debater novas formas de participação e representação política com a ideia de influenciar os partidos políticos e ampliar o contato desses com os cidadãos apartidários. Na sua leitura, os pontos em comum entre os membros que compõem o movimento são a sustentabilidade, a busca de ética na política, a aproximação entre sociedade e parlamentares e a deliberação horizontal6. Em dezembro de 2012, aqueles que participavam do núcleo do MNP, incluindo os ambientalistas, entenderam que estavam maduros em discussão política e em propostas para propor a criação de um novo partido político (Entrevista 4, 8/4/2013).

Observamos que o resultado desse processo de mobilização social e política que se inicia em 2008, com o Movimento Brasil Sustentável, e que passa por um processo de articulação política ativa com a participação nas eleições de 2010, em que grupos de diferentes práticas de ação coletiva, com formas de organização e enquadramento identitário distintos, lutam pela defesa e sobrevivência dos seus interesses e causas no jogo político, partidário e eleitoral. À luta para dar centralidade a questões ambientais se uniu e sobrepassou o discurso anti-establishment, que se tornou o principal enquadramento daqueles que atuavam para a formação do partido político.

Conforme afirmou Panebianco, as dinâmicas e características das origens do partido serão cruciais para sua formação, para as decisões político-administrativas e as que moldarão a organização. Dentro dessa perspectiva, o discurso da Nova Política se tornou o enquadramento identitário do novo partido político - seja pelas frustrações políticas desses atores nas arenas e organizações partidárias, seja pela adesão que ele conquistou nas eleições de 2010, seja pelos dois - e a questão ambiental, que era o enquadramento identitário inicial desse grupo, tornou-se secundária. Que peso essa mudança tem para o movimento ambientalista e para as distintas lideranças que estão articulando a criação da Rede Sustentabilidade?

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2. A Rede Sustentabilidade 2.1.Rede Pró-partido

Antes de descrever o processo de formação da Rede, faz-se necessário trazer brevemente algumas características do sistema partidário e eleitoral em que essa nova legenda se desenvolveu. Segundo Carreirão (2014), ao observar a competição eleitoral

strictu senso em nosso país, é percebido que o sistema partidário tem se estruturado em

função da competição para presidente. De 1994 em diante, formou-se uma estrutura de competição em torno das coligações dirigidas pelo PT e PSDB. A partir de 2003, quando o PT assumiu a Presidência da República, as coalizões passaram a envolver muitos partidos com abordagens ideológicas variadas (direita, centro e esquerda). Aumentou o número de partidos que participavam do governo junto com as incertezas políticas dessas coalizões e o sentimento de promiscuidade no processo de formação dos governos (p. 16), especialmente com a negociação de cargos públicos.

O surgimento de coalizões ideologicamente inconsistentes no governo do PT estimulou a sociedade a criticar as alianças feitas por esse governo, em princípio de esquerda, e a exigir alianças mais coerentes. Esse cenário forneceu ferramentas para o MNP e Marina Silva construírem os pilares da Rede Sustentabilidade em função de uma ordem programática, o que a ambientalista também chama de governabilidade programática para a formação de governo. Estão aí, mais uma vez, elementos-chave para estimular a formação de um partido movimento: a crise de partidos centro-esquerda, na perspectiva de atores sociais, e mobilização do movimento (ambientalista) com enquadramentos anti-establishment (della Porta et al., 2017).

Diante desse cenário político, no dia 16 de fevereiro de 2013, ocorreu o Encontro Nacional da Rede Pró-Partido, em Brasília, onde Marina Silva fez o lançamento do partido Rede Sustentabilidade. De acordo com membro da Rede,

A gente decidiu mesmo criar um partido no dia 23 de janeiro, e a Rede foi lançada em 16 de fevereiro. Foi uma coisa de 10 pessoas que produziram uma coisa em 20 dias para aquele negócio acontecer e mais ou menos 15 pessoas estão tocando para a coisa começar a existir (Entrevista 4, 8/4/2013).

O entrevistado destaca que a formação da Rede aconteceu pela ação de um grupo pequeno de pessoas, que corresponde àquelas que caminharam com Marina Silva desde sua saída do Ministério do Meio Ambiente, com apoio de empresários socioambientalmente

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responsáveis, de políticos e da militância jovem (Oliveria, 2016). Para seus fundadores, a Rede

é fruto de um movimento aberto, autônomo e suprapartidário que reúne brasileiros decididos a reinventar o futuro do país. É uma associação de cidadãos e cidadãs dispostos a contribuir de forma voluntária e colaborativa para aprofundar a democracia no Brasil e superar o monopólio partidário da representação política institucional. (...) Aberta ao diálogo e construída com a participação direta de seus integrantes, a Rede Sustentabilidade é um espaço de mobilização e inovação, no qual floresce uma nova cultura política. Uma legenda capaz de abrigar candidaturas de cidadãos que não façam parte de seus quadros, mas que compartilhem de seus ideais, comprometida com a transparência de seus processos internos e empenhada na renovação de suas lideranças7.

Em coletiva de imprensa no dia do lançamento da Rede, Marina e seus assessores afirmaram que o novo partido é uma quebra de paradigma, de desconstrução do monopólio que o partido tem da política e reforçaram a busca pela política de base e comunitária. Não há destaque para a questão ambiental, que vai progressivamente perdendo importância.

A Rede tornou público o enquadramento de si própria, como um partido enraizado em práticas democráticas de participação direta, de renovação da cultura política e dos mecanismos de representação e um lugar de mobilização e de prática horizontalizada. Ao criticar a disputa eleitoral presidencial marcada por um bipartidarismo, bem como práticas inerentes ao presidencialismo de coalização, como a negociação de cargos políticos, seus correligionários fortaleceram um discurso anti-establishment e enquadrava seus opositores, o Partido dos Trabalhadores, em destaque, e o sistema político como um todo com suas práticas arcaicas e corruptas. Para os defensores da nova política, a democracia verdadeira só existiria dentro das normas programáticas, dos valores e dos princípios do seu partido. Ou seja, o enquadramento identitários do novo partido movimento se tornava público a partir desse momento.

No lançamento da Rede Pró-Partido, destacaram ainda que esse é um partido que questiona a si próprio e não é direcionado para a eleição. Esse último aspecto foi repetido por Marina Silva inúmeras vezes, pois a militante queria passar a ideia de que não buscavam o poder pelo poder, que queriam contribuir com ideias e programas e, para

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tanto, o partido precisava se desenvolver8. No entanto, a temática das eleições se fez onipresente porque dia 5 de outubro de 2013 era a data final para registro de partidos políticos que concorreriam às eleições de 2014.

Marina Silva e seus seguidores não conseguiram o registro da Rede Sustentabilidade na data estipulada. Eles tinham o desafio de coletar 492 mil assinaturas9, entre fevereiro e setembro de 2013, para conseguir o registro do partido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a tempo de participar das eleições gerais de 2014. No dia 3 de outubro de 2013, por 6 votos a 1, os ministros do TSE votaram contra o registro da Rede Sustentabilidade. Faltavam 50 mil assinaturas das 492 mil necessárias.

Então, Marina Silva anunciou o inesperado: sua filiação ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) que já havia noticiado o então Governador de Pernambuco, Eduardo Campos, como candidato à presidência da república nas eleições de 2014. Essa resolução da ambientalista mobilizou uma saraivada de opiniões contrárias, uma vez que, com essa decisão, ela se vinculava a tudo aquilo que combateu desde sua candidatura, em 2010: a velha política.

Entrevistado de ONG ambientalista, que se dedicou ao projeto eleitoral desde o período do Movimento Brasil Sustentável e se envolveu na criação da Rede, criticou a atitude da ex-ministra como contraditória, como negação de todo o discurso que estava sendo construído (Entrevista 42, 16/3/2014). Outro, que era umbilicalmente ligado ao projeto eleitoral e assessorou Marina Silva desde perto, justificou a estratégia da líder como uma resposta ao seu eleitorado que precisava estar representado nas eleições de 2014, mas confirmou que houve dispersão considerável de contingente de apoiadores da Rede Sustentabilidade (Entrevista 39, 13/3/2014). Marina, que dizia querer mudar a cultura política no Brasil10, demonstrara que ela mesma era vítima dessa cultura.

A filiação de Marina ao PSB e de alguns de seus apoiadores mais próximos causou dissenso dentro da Rede e muitos abandonaram esse projeto (Entrevista 6, 8/4/2015; Entrevista 39, 13/3/2014). Mais tarde, com a publicação da decisão de ser candidata à vice-presidente, ficava exposto que eleger Marina Silva era o principal projeto que

8 Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/o-partido-da-sustentabilidade, e http://www.cartacapital.com.br/politica/nem-oposicao-nem-situacao-diz-marina-silva-sobre-seu-novo-partido

9 Nos termos do § 1º, art. 7º, da Lei nº 9.096/95

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orientava as ações daqueles envolvidos na criação do novo partido político. A campanha eleitoral do PSB assimilou muito das issues defendidas pelos ativistas da Rede Sustentabilidade, principalmente aquelas concernentes à nova política e à sustentabilidade. No outro sentido, os marineiros assimilaram muito das issues do outro partido, com destaque para a área econômica, de orientação neoliberal.

No dia 13 de agosto de 2014, o candidato à presidência da república pelo PSB, Eduardo Campos, sofreu um acidente aéreo e faleceu. Marina Silva assumiu o lugar e, novamente, finalizou o pleito eleitoral em terceiro lugar, tal como em 2010. Após as eleições, voltaram ao trabalho de formação do novo partido político que foi registrado em 22 de setembro de 2015 como Rede Sustentabilidade.

A Rede Sustentabilidade chegava à formalidade como um partido formulado pela iniciativa de movimentos sociais, principalmente o ambientalista, que também envolvia a ação direta de representantes de setores diversos, como o empresariado que viabilizava financeiramente seu desenvolvimento e, agora, sua existência. É, pois, um partido movimento. Teve criação externa ao parlamento (segundo a tipologia de Duverger); é criado por penetração territorial - quando um centro controla, estimula e dirige o desenvolvimento da periferia (Panebianco, 2005, p. 94); com forte caráter carismático, sendo um veículo de afirmação de uma liderança. A Rede Sustentabilidade é inseparável da pessoa Marina Silva e essa característica demonstrou ser perigosa e aspecto de conflito e enfraquecimento da legenda.

O nascimento do partido é patrocinado economicamente por representantes do setor econômico, como o Banco Itaú e a empresa de cosméticos Natura, dentre outros. Mas isso não desloca a lealdade dos seus correligionários a essas empresas, uma vez que a liderança e figura de Marina Silva é muito forte e determinante. Esse fato não nos autoriza desconsiderar as influências do setor empresarial no partido político, porém é tema para um outro trabalho.

De acordo com a tipologia desenvolvida por Panebianco (2005), esse é o modelo originário da Rede Sustentabilidade, o qual terá influência determinante para o seu processo de institucionalização. O enquadramento identitário fundante da Rede é a Nova Política. No processo de formação do novo partido, houve um deslocamento do enquadramento ambiental para o enquadramento anti-establishment. Veremos como essas características originárias são determinantes para o funcionamento da Rede.

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Para essa observação, aplicaremos o modelo elaborado por della Porta et al. (2017) que analisa a estrutura organizacional interna do partido movimento; enquadramento identitário, já exposto acima; e os repertórios (participação em campanhas de protesto, em atividades legislativas e participação no governo).

Em relação à organização interna, em seu estatuto, a Rede Sustentabilidade tem o objetivo de “superar o monopólio partidário da representação política institucional”, melhorar a qualidade da democracia e prover os meios necessários à efetiva participação dos brasileiros nos processos decisórios. Guiam-se pelos valores e respeito aos princípios da natureza e da vida em todas as suas formas de manifestação e da promoção e defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, da função social da terra e dos conhecimentos tecnológicos e científicos (mas não consideram os tradicionais em estatuto), da função social da propriedade, respeito às convicções religiosas, às diversidades, e ao princípio da construção do consenso progressivo nas deliberações da Rede.

A análise de seu estatuto atesta que esse partido movimento se estruturou observando a plataforma inovadora construída durante o processo que o criou. Ainda, incorporou as ideias centrais dos programas defendidos por Marina Silva nas duas eleições que participou como candidata à presidência da república, em 2010 e 2014. Alguns pontos do estatuto serão trabalhados abaixo. O consenso progressivo, exposto na seção de valores e princípios da legenda, é o formato de deliberação utilizado para tomada de decisão.

Ao que se refere ao partido na base, o estatuto apresenta uma estrutura participativa para seus membros e de organização horizontalizada, a ver: determina que devem participar da vida partidária definindo as diretrizes do partido, assim como de todas as comissões de trabalho; podem se dirigir diretamente e por escrito a qualquer instância do partido para apresentarem seu ponto de vista sobre qualquer assunto. Estão aptos a propor convocações de plebiscitos, referendos ou consultas às bases, divergir de orientação política dos órgãos partidários; requerer informações do partido e das bancadas parlamentares sobre deliberações; abster-se de cumprir decisão coletiva ou de bancada parlamentar diante de graves objeções de natureza ética, religiosa, filosófica ou de foro íntimo. O estatuto demonstra respeitar a opinião e decisões de seus membros e buscam promover participação direta de sua base. Sobre os deveres dos filiados, destacamos a diretriz de que “todos os novos filiados, independente de ocupação de cargo político,

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passarão por um processo de aprendizagem, para assimilação da cultura, posicionamento e modo de fazer política da Rede Sustentabilidade”11.

O partido tem uma coordenação de movimentos sociais com a função de organizar os esforços dos filiados da Rede nas atividades dos atores sociais e fomentar a criação de núcleos de base juntos aos diferentes setores dos movimentos sociais. Os elos temáticos, nome que deram para os diretórios, têm seu funcionamento gerenciado por essa coordenação que também apoia a coordenação de ação institucional e políticas públicas nas suas atividades e nas pautas do Conselho Político-Cidadão.

Tal conselho é composto por cidadãos militantes de causas e movimentos populares, sociais, socioambientais e de defesa dos direitos humanos e minorias, de representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais de distintas regiões do Brasil, cientistas e instituições de pesquisa com o propósito de aconselhar e opinar sobre as ações da Rede. Propõe-se ainda a exercer o monitoramento e controle social independente sobre as práticas e posicionamentos da Rede, além de propor interação e troca de experiências e conhecimentos entre o partido e movimentos sociais, dentre outros núcleos vivos da sociedade. O estatuto da Rede Sustentabilidade, nesse sentido, dispõe de diretrizes que alegam se tratar de um partido movimento.

A Rede Sustentabilidade estabelece que as instâncias formais do partido, presidência (porta-voz) e as distintas coordenações (geral, de finanças, de organização, dentre outras), nas esferas municipal, estadual e nacional, sejam preenchidas por dois representantes. Se uma pessoa é homem, a outra deve ser mulher; se uma é mais velha, a outra deve ser jovem. Assim, tenta resolver problemas geracionais e de gênero na representação política dentro do partido. Isso atraiu muita gente que estava sufocada pela estrutura engessada de diferentes partidos políticos, o que possibilitou grande adesão ao partido logo quando conquistou seu registro (Entrevista 49, 18/2/19). A estrutura horizontal da Rede Sustentabilidade foi marcada como um diferencial de participação e experiência na vida partidária, especialmente para jovens avessos às institucionalidades tradicionais. Dessa forma, a juventude consegue avançar na democratização interna do partido, mas há barreiras que parecem ser intransponíveis.

Apesar da abertura para a interação com movimentos sociais reservada em estatuto, a prática parece demonstrar outra lógica. Conforme expôs ex-coordenador de

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articulação da Rede com movimentos sociais, há um distanciamento do partido com essas instâncias. O partido não prioriza com recursos e atenção o funcionamento dos elos setoriais (diretórios), como os de juventude, mulheres, negros e LGBT. Já no segundo ano de registro da Rede, houve enfraquecimento da coordenação de articulação com movimentos sociais ao descartarem uma medida que previa que decisões partidárias de qualquer instância ocorressem após debate com os movimentos sociais. O Conselho Político Cidadão, nesse sentido, foi enfraquecido12.

Integrante e ex-candidata a deputada federal do partido, informou que a Rede tem dificuldade de conversar com o público externo, com as entidades, com os movimentos sociais. É uma característica do partido não fazer cooptação tradicional com movimentos sociais de direita ou de esquerda e, respeitando a ideia de autonomia dos movimentos sociais, não criam uma vinculação direta com eles. Consegue articular com movimentos comunitários, mas tem dificuldade com movimentos mais tradicionais, como a União Nacional dos Estudantes, e as entidades de classe, como sindicatos de professores (Entrevista 49, 18/2/19).

Essa prática distanciada dos movimentos sociais tem rebatimento para o funcionamento dos elos setoriais e para a militância partidária, que não têm recursos nem estrutura adequada para seu funcionamento. Alguns elos se estruturam pela atividade voluntária de membros da Rede que, a partir de experiências de trajetórias pessoais que os vincularam a coletivos, grupos e movimentos sociais específicos, desenvolvem atividades em parcerias. Porém, é uma estrutura frágil e apenas o elo mulheres conseguiu experiências positivas para a base militante da Rede e retorno para o partido (Entrevista 46, 1/4/19; Entrevista 49, 18/2/19). Em geral, não é a estrutura partidária que favorece ou chama para junto de si atores de movimentos sociais. Quando há aproximações, elas se dão por defesa de alguma pauta emergencial em debate do poder legislativo, executivo ou judiciário.

Nem mesmo o movimento ambientalista tem interação orgânica ou constante com a legenda. Ambientalista relatou que, com exceção do momento de formação da Rede

12 Fonte: https://www.huffpostbrasil.com/2018/03/04/rede-se-distancia-da-proposta-de-nova-politica-em- 2-anos-de-partido_a_23375796/?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_re ferrer_sig=AQAAAIeVI_d2hgX5vWeQjkmV1sO0jXuuTfJya9aSXGAsI67q8_ziRI-cswghhaucdnJodS6PYAtkG1eEHOX1OYfPszWI8qCzxbjjk5_aqjj2ozlNcCMcDUNdxJ7xVtRqTrOajWx YzX8zQ0tQcqdeywVPOcrvL6cmCgxSq4mMqhTGiZT1

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Sustentabilidade, a relação do partido com o movimento não é constante. Ao contrário, prevalece um tipo de relação para defesa de projetos e temas abordados na esfera do poder legislativo ou executivo. Há sobreposição de filiações do movimento ambientalista com a Rede, mas são poucos os representantes do movimento que se dedicam a participar da vida partidária e a ter um vínculo mais comprometido com o partido. A interação acontece com um caráter individual e mais pontual, pois contam com acesso relativamente fácil à Marina Silva e aos poucos integrantes ativos da Rede que vieram do movimento ambientalista (entrevista 50, 10/8/20).

Para funcionário de uma grande organização ambientalista, a estrutura da Rede não consegue responder às demandas do movimento. Em momentos críticos, a resposta de parlamentares e de partidos como o PSOL e até mesmo o PT é mais rápida e especializada que o da Rede Sustentabilidade. Isso parece acontecer em razão desses partidos existirem há mais anos e por serem mais estruturados. Porém, o entrevistado informa que nem mesmo parlamentares da Rede se dedicam a acolher muitas das questões trazidas pelo movimento ambiental, o que lhe causa bastante estranheza, pois é um partido que se formou em torno dessa temática (Entrevista 57, 10/18).

Essa fala reporta experiência com parlamentares que migraram para a Rede após a sua formação, quais foram: Alessandro Molon (RJ), Miro Teixeira (RJ), Aliel Machado (PR) e João Derly (RS), na Câmara dos Deputados, e Randolfe Rodrigues (AP) no Senado Federal, que não necessariamente têm um histórico de defesa do meio ambiente e que se uniram ao novo partido mais pela proposta da nova política. Não se trata de parlamentares eleitos pelo programa do partido.

Contudo, para se filiar à Rede, o estatuto estabelece que devem responder à plataforma e ao programa, aos princípios e aos valores estabelecidos. Na realidade, os parlamentares, pelo relato de entrevistados, permaneciam com as práticas que traziam dos seus partidos originários, causando problemas para a legenda (Entrevista 44, 18/3/19; Entrevista 57, 10/18).

A migração de parlamentares para a Rede já se deu na sequência do seu registo, em setembro de 2015. A Rede possuía uma estrutura que facilitava a eleição de suas lideranças e a escolha de candidatos, dava espaço político-partidário para se articularem, sendo muito atraente para parlamentares ou políticos sem mandatos . O enquadramento da Nova Política e o relativo sucesso eleitoral de Marina Silva eram outras características

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que valorizavam o novo partido. Porém, essa migração perturbou em alguns sentidos a ordem interna partidária.

Representante do partido no Distrito Federal informou que a direção distrital sempre foi eleita por consenso puro, em respeito ao princípio do consenso progressivo, que é não votar, mas tomar as decisões pelo esgotamento do diálogo, sem precisar votar. Isso foi quebrado quando parlamentares com mandatos entraram para a Rede. No caso do Distrito Federal, o ex-deputado federal Chico Leite migrou do PT para a Rede e trouxe toda sua estrutura e grupo para o novo partido. A partir da sua entrada, votações foram introduzidas e a ideia do consenso progressivo se perdeu. Ele dominou a estrutura partidária da Rede na capital federal na prática e metodologia de tomada de decisões e também nos temas a serem debatidos. Para entrevistado, a Rede se configurou como uma ideia nova, com uma estrutura com novos nomes, mas se acomodou como uma estrutura organizacional velha (Entrevista 44, 18/3/19).

Essa ocorrência corroborou para problematizar a falta de interação orgânica da Rede com movimentos sociais. Para entrevistado, os movimentos têm aversão à política partidária e esse tipo de prática reforça a avaliação de que a estrutura partidária é engessada, dominada por grupos e arcaicas. Ele avalia que não foi possível, no Distrito Federal, construir uma base, um grupo coeso de apoio dentro do partido vindo do movimento ambiental tanto em nível local quanto nacional pelo desinteresse de partidários e de atores sociais a esse tipo de prática (Entrevista 44, 18/3/19).

O representante lança crítica às práticas políticas tradicionais para justificar o distanciamento de movimentos sociais. Porém, ativista social relata que o consenso progressivo é algo que sempre foi operacionalizado para favorecer interesses dominantes, inclusive dos adeptos do discurso da nova política. Afirma que “quando você vê seus amigos fazendo isso, aqueles que vieram do movimento ambientalista, que construíram uma história de luta e de defesa do meio ambiente, a situação fica complicada” (Entrevista 50, 10/8/20). Parece haver um limite para as práticas da nova política dentro da legenda. Para co-fundador da Rede Sustentabilidade e participante ativo do Movimento Marina Silva, que está no projeto partidário eleitoral dessa líder desde a campanha de 2010, o consenso progressivo, dentre outras diretrizes da Nova Política, nunca foram suficientemente debatidos dentro da Rede. Estabeleceram regras como todos deveriam agir para o bom funcionamento do partido e implementação de sua proposta programática, mas sem refletirem que estão dentro de um ambiente extremamente competitivo, de

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defesa racional de interesses e que envolve disputa de poder em vários níveis (Entrevista 52, 18/6/19). Com essa fala, observamos que esforços para a institucionalização do partido movimento com perspectiva de se tornar forte e competitivo nas arenas partidárias, conforme Kitschelt (2006) julga necessário para o fortalecimento da organização partidária, parece não ter ganhado esforços suficientes pelos delegados da Rede Sustentabilidade.

Sobre a institucionalização da organização partidária, o foco em participar das eleições gerais (2014 e 2018) e municipais (2016 e 2020) atrapalhou esse processo e a implementação de vários instrumentos presentes no estatuto que salvaguardavam a democracia interna, a horizontalidade e a participação direta dos membros do partido (Entrevista 44, 18/3/19; Entrevista 52, 18/6/19). Isso, junto à prática política tradicional de parlamentares que não introjetaram os elementos da nova política defendidos pela Rede, enfraqueceu-a organizacionalmente, afetando os instrumentos de consulta do partido, a escolha de candidatos a participarem de eleições, a prioridade de temas e debates dentro do partido, dentre outros pontos. (Entrevista 44, 18/3/19; Entrevista 52, 18/6/19; Entrevista 48, 5/1/19).

Outro fator a corroborar para o enfraquecimento do partido foram os posicionamentos unilaterais e polêmicos de Marina Silva sobre temas importantes para o rumo político do país, quais sejam: o apoio a Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileiro (PSDB), no segundo turno das eleições de 2014, sem ter amadurecido a decisão junto com os membros do partido e, o mais crítico de todos, o apoio ao impeachment de Dilma Rousseff, quando, após votação dos membros do partido, a proporção dos que eram contra e neutro em relação ao impeachment e os que eram a favor era de 60% a 40% (Entrevista 44, 18/3/19). A posição contrária de parlamentares e militantes ao impeachment estimulou ataques diretos de membros da Rede que o defendiam.

Se, em 2014, o apoio a Aécio Neves fez com que militantes deixassem o partido, a decisão sobre o impeachment foi razão para que membros co-fundadores da legenda e muitos militantes abandonassem o projeto de fortalecer o novo partido. Em carta aberta, um conjunto de membros das instâncias consultivas e superiores do partido expôs, com duras críticas, que o partido orbita em torno das decisões de Marina Silva, contrariando decisões majoritárias. Denunciaram que fazem isso pela razão de não deixarem Marina

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sozinha em suas decisões, compactuando com práticas internas de partidos tradicionais, o que a Rede diz combater com veemência. Segundo a carta,

as decisões estratégicas que foram conformando o perfil da REDE partiram todas de Marina e apenas dela, desde a decisão de entrar no PSB até a decisão favorável ao impeachment da presidente Dilma. Em cada um desses momentos cruciais, a maioria da direção nacional simplesmente se inclinou em apoio às posições sustentadas por Marina”13

O posicionamento público ainda denuncia reduzida definição política e ideológica do partido que coleciona contradições e ambiguidades nas poucas opiniões públicas que expressou em seus anos de existência. Para os autores da carta, “sem um mínimo de consistência ideológica, sem posicionamentos claros, não há como construir unidade que não seja pelo cálculo de oportunidade ou por circunstâncias eleitorais” (Ibid.). Apesar de defender a nova prática política com transparência, participação direta e baseada em acordos programáticos, a Rede se aliançou a partidos tradicionais no sistema partidário brasileiro, Brasil afora, por interesse eleitoreiro.

A carta continua com um conjunto de críticas ao funcionamento partidário que expõem de forma contundente a dificuldade de implementar na prática partidária o que a própria legenda defende como Nova Política. Acusa a direção da Rede a usar a Nova Política como discurso vazio de significado, a não se posicionar em relação a questões cruciais para o futuro do Brasil, a não oferecer um projeto de democracia política, de estrutura econômica e de justiça social, conforme advogou durante o processo para sua fundação.

Em relação ao repertório da Rede Sustentabilidade - as suas práticas em relação à participação em campanhas nas ruas, a ações no poder legislativo e executivo - observamos que, muito em função de seu distanciamento dos movimentos sociais, as ações de protesto de seus membros se dão no nível da participação individual, sem construir parcerias com outros movimento e sem mobilizar campanhas de massa, o que parece ser contraditório com as diretrizes estatutárias que buscam valorizar a parceria com grupos e atores sociais. Sobre a prática no poder legislativo, precisamos de mais pesquisa para compreender melhor essa dinâmica.

13 Fonte: https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2016/10/carta-aberta-aos-membros-da-rede-por-luiz-eduardo-soares-marcos-rolim-e-outros/

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Em relação à ação no poder executivo, membros da Rede denunciaram que a direção do partido não fez um posicionamento político significativo para debater a situação de crise política e democrática que estamos vivendo desde as eleições de 2014 e que se asseverou com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Não teve nenhuma crítica pública às políticas reformistas de Michel Temer e sugerem que esse comportamento tenha relação com a ausência de identidade e de projeto político e ideológico claro da legenda. No governo de Jair Bolsonaro, a Rede, que declarou oposição, tem explorado ações direcionadas ao poder judiciário para barrar ações que desconsideram direitos fundamentais, coletivos e difusos, bem como iniciativas que ameaçam a democracia brasileira. Mas esses repertórios, de fato, sinalizam para um partido político frágil, que se baseia num discurso de renovação e inovação inconsistente às suas práticas políticas e sem importância no sistema político.

A organização interna da Rede Sustentabilidade foi analisada a partir da observação do partido na base, do partido no exercício de suas funções internas e do partido no exercício das funções públicas, como a organização para o processo eleitoral. Observamos um partido de estrutura participativa e democrática, que dispõe de mecanismo inclusivos em relação à participação de seus membros e de suas bases. Todavia, essa estrutura horizontal apresenta pouca eficácia quando decisões políticas importantes estão em jogo, prevalecendo o posicionamento da líder carismática do partido. A falta de regulamentações e de reflexões sobre seus processos e instituições internas permite que os mecanismos democráticos sejam usados ao sabor dos interesses de um grupo menor ou de uma única pessoa dentro do partido.

Sobre a relação com a sociedade civil e os movimentos sociais, nosso foco neste trabalho, o estatuto dispõe de instâncias diferentes de relacionamento com movimentos sociais, inclusive mecanismos de conselho e consulta à sociedade civil que têm força sobre mandatos, bancadas e decisões internas do partido. Mas eles não funcionam e a prática política da Rede, em geral, é desvalorizar os repertórios de ação de movimentos sociais nas suas relações durante décadas com o sistema político e partidário, desqualificando seu modus operandi e, portanto, distanciando-se deles.

Essa prática da Rede Sustentabilidade, um partido movimento, reflete o processo de formação da legenda que se distanciou dos movimentos sociais, principalmente o ambientalista, ao fazer um enquadramento voltado para o discurso anti-establishment e vazio da Nova Política. Esse discurso pode ser aglutinador de insatisfações generalizadas,

Referências

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