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Sumário. Texto Integral. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 05B2578

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 05B2578

Relator: ARAÚJO BARROS Sessão: 20 Outubro 2005 Número: SJ200510200025787 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA. Decisão: NEGADA A REVISTA.

ACÇÃO POPULAR PRESSUPOSTOS INTERESSE PÚBLICO

QUALIFICAÇÃO

Sumário

1. A qualificação de uma acção civil como acção popular ou acção individual clássica, de simples apreciação, é questão que, nos termos do artigo 664º do Código de Processo Civil, se coloca oficiosamente ao julgador, não tendo, por isso, que ser suscitada pelas partes nos respectivos articulados.

2. A acção popular pode ser intentada por um qualquer cidadão, ou por

pessoas com interesses individuais homogéneos, invocando ou não o interesse público, mas terá de ser sempre uma acção em defesa de um interesse público geral e dos direitos subjectivos nesses direitos incluídos.

3. Não é, portanto, qualquer interesse meramente individual e egoístico que pode estar na base de uma acção popular.

4. Muito embora a lei atribua legitimidade processual a qualquer pessoa singular para intentar tal acção popular, os direitos que se pretende ver tutelados deverão ter um carácter comunitário, ou seja, um valor pluri-subjectivo e os interesses subjacentes devem assumir um cunho meta-individual.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" e mulher B intentaram, no Tribunal Judicial do Cartaxo, acção ordinária contra C e mulher D, pedindo que seja declarado como integrando o domínio

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público do Município de Azambuja a parcela respeitante ao antigo troço de estrada municipal identificada na petição.

Alegaram, para tanto e em síntese, que:

- são donos de dois prédios urbanos que adquiriram por compra, e que os réus, por sua vez, também são donos de um outro prédio rústico, de sorte que tanto os prédios dos autores, como o prédio rústico dos réus confinam com um antigo troço da Estrada Municipal que liga a Póvoa de Manique à sede da freguesia de Vila Nova de S. Pedro;

- o autor marido requereu à Câmara Municipal de Azambuja licença para abrir uma porta no seu prédio, a qual daria para o dito troço da estrada, por se afigurar que, especialmente na época das vindimas, existe necessidade de melhorar os acessos ao prédio, tendo em vista a serventia para carga e descarga das uvas dos tractores, que vão levar os cachos colhidos às instalações da adega;

- o pedido da licença foi reprovado, por deliberação camarária, com o

fundamento da ausência de autorização dos réus para a abertura de tal porta, com fundamento de que a dita parcela de terreno respeitante àquele troço da antiga estrada passou a integrar o prédio dos réus;

- os autores não aceitam tal alegação camarária, pois entendem que tal troço se mantém como integrando o domínio público do Município da Azambuja, pois permite o acesso aos prédios dos autores e de outro, encontra-se

parcialmente asfaltado e sempre foi utilizado, mormente nas vindimas, quer pelos autores, quer pelos anteriores proprietários para a eles acederem, possuindo leito próprio, demarcado no solo, com 75 m de comprimento e 7 de largura, sendo ladeado por postes de suporte de electricidade, etc.;

- não obstante a Câmara de Azambuja referir em parecer subscrito pelo Chefe de Divisão que tal troço deixou de ser estrada, há muitos anos, nenhuma deliberação camarária foi invocada como fundamento do alegado acto translativo de propriedade, designadamente desafectando-a do domínio

público municipal e não tendo havido tal acto administrativo de desafectação, nem tendo os réus praticado actos susceptíveis de o integrar no respectivo domínio, a parcela de terreno está integrado no domínio público do Município de Azambuja;

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- sendo de considerar o seu interesse em agir, já tal se reflecte na relação jurídica concreta, qual seja a dos autores obterem a competente licença administrativa para a abertura da porta no seu prédio.

Os réus contestaram, defendendo-se por excepção e por impugnação,

começando, em primeiro lugar por invocar a ilegitimidade activa dos autores, pois estes pedem que o Tribunal declare como integrando o domínio público do Município de Azambuja a referida parcela de terreno, quando o Município referido nem sequer é parte na acção e, por conseguinte, nada reivindica para o seu domínio.

Louvam-se, para tanto, no Acórdão da Relação do Porto de 19/01/82, que sentenciou no sentido de que os particulares não têm legitimidade para, em nome individual, pedir a declaração da pública dominialidade de um caminho e, além do mais, invocam uma permuta havida entre eles, ora réus, e a

Câmara Municipal da Azambuja, que teria consistido em, atendendo ao traçado pretendido para a construção da nova estrada, o Município ter precisado de terreno para tal construção, pelo que propôs aos ora réus a permuta de um terreno pertencente ao antigo troço da estrada municipal e ainda outro pedaço de terreno, em troca do que cederam, facto que ocorreu verbalmente há mais de 45 anos, pelo que os réus têm estado na posse do referido terreno, publica e pacificamente.

Findos os articulados, foi proferido saneador-sentença em que foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade activa e, considerando estar-se perante o exercício de uma acção popular, o Tribunal a quo entendeu faltar o requisito previsto no art. 369º, nº 3, do Código Administrativo, que dispõe que as acções referidas nesse artigo só podem ser intentadas quando o corpo administrativo as não tiver proposto nos três meses posteriores à entrega de uma exposição circunstanciada acerca do direito que se pretende fazer valer e dos meios probatórios que se dispõe para o tornar efectivo. E, em face de tal falta, julgou improcedente a acção e absolveu os réus do pedido.

Inconformados com tal decisão, apelaram os réus, sem êxito embora porquanto o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 3 de Março de 2005, julgou improcedente a apelação, confirmando, se bem que por razões diferentes, a sentença recorrida.

Interpuseram, então, os réus recurso de revista, pugnando pela anulação do acórdão recorrido e pela procedência da acção, ou, em alternativa, pela baixa dos autos a fim de serem supridas as nulidades processuais cometidas.

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Em contra-alegações defenderam os recorridos a bondade do julgado. Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do recurso formularam os recorrentes as seguintes conclusões (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar -arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil):

1. Prevê a LAP no seu art. 1º, n° 2, a defesa do domínio público autárquico por banda dos particulares.

2. A acção popular cível é meio idóneo para providenciar à tutela do referido interesse, pois esta tanto comporta a defesa dos interesses difusos, como ainda dos chamados interesses individuais homogéneos.

3. Porquanto esta confere aos cidadãos um alargamento da legitimidade activa, a qual é independente da sua relação com o bem ou interesse especifico na causa.

4. Por conseguinte, o facto dos autores terem interesse pessoal e directo na declaração de integração da parcela de terreno, respeitante ao troço de estrada municipal, no domínio público autárquico, não descarta o recurso a essa especial providência.

5. A desafectação de troço de estrada municipal, por haver a mesma mudado de leito, não significa tácito abandono do mesmo, e que assim possa ser apropriado por particular.

6. O referido acto pressupõe a existência de acto administrativo expresso que reconheça tal desafectação, mesmo que tácita, a fim de operar a transferência do domínio público para o privado da pessoa colectiva pública, sob pena de saírem frustradas as regras que tornam insusceptível de serem usucapidas as coisas públicas.

7. Sendo nulo o acto proferido pelo Sr. Presidente da Câmara alegadamente recognitivo da não integração do citado troço no domínio público da

autarquia, porquanto tal declaração somente cabe ser efectuada pelos tribunais comuns.

8. O accionamento da referida espécie não tem como seu pressuposto a

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circunstanciada e de aguardar o prazo de pronúncia sobre a mesma, como dispunha o revogado art. 369º do CA.

9. Podendo a acção popular cível assumir qualquer das formas previstas no CPC, designadamente no seu art. 4º, onde se incluem as de simples

apreciação.

10. Por conseguinte, impunha-se a observância do especial regime contido no art. 15º da LAP sobre a citação dos titulares dos interesses por ela

pretendidos tutelar, o que, a não ter sucedido, constitui vício que inquina de nulidade todo o processado - arts. 195°, al. a) e 202°, ambos do CPC.

11. Por outro lado, o acórdão recorrido padece do vício de nulidade, porquanto conheceu de questões de que não podia conhecer, como é o da operada

qualificação da acção instaurada pelos recorrentes como acção popular cível. 12. Porquanto, tal questão foi a mesma objecto de apreciação no saneador-sentença, da qual não foi interposto recurso ou foi requerida a ampliação do mesmo pelos réus aí vencidos, para que assim a Relação sobre ela se pudesse pronunciar.

13. Outrossim, incorre em idêntico vício quando entendeu carecerem os tribunais comuns de competência para declararem a integração no domínio público do bem referido, quando já a 1ª instância se havia achado competente para conhecer de mérito, sem que tal tenha sido posto em causa pelas partes, ficando tal questão a ter a força de caso julgado formal no processo.

14. Em face das conclusões assim extraídas, no acórdão recorrido fez-se

interpretação incorrecta da LAP, nomeadamente dos seus arts. 1º, n° 2, in fine e 12º, n° 2, quando afasta a natureza de acção popular cível daquela

instaurada pelos recorrentes, bem como ao entender, algo que V. Ex.as melhor poderão clarificar, aplicável o disposto no art. 369º do CA, disposição esta revogada pela vigência da LAP.

Invocam os recorrentes, antes de mais, nas suas alegações de recurso, a

nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia (art. 668º, nº 1, al. d), do C.Proc.Civil) porquanto, em seu entender:

a) - alterou a qualificação da acção instaurada, considerada no despacho saneador, transitado em julgado, como acção popular cível, qualificando-a agora como uma acção clássica de simples apreciação, sem qualquer relação com a denominada acção popular;

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b) - entendeu não terem os tribunais comuns competência para declararem a integração no domínio público do caminho em causa, quando já a 1ª instância se havia achado competente para conhecer de mérito, sem que tal tenha sido posto em causa pelas partes, ficando tal questão a ter a força de caso julgado formal no processo.

Vejamos.

Dispõe o artigo 660º, nº 2, in fine, do C.Proc.Civil (de cuja violação decorre a denominada nulidade por excesso de pronúncia) que o juiz "não pode ocupar-se ocupar-senão das questões suscitadas pelas partes, salvo ocupar-se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".

Outrossim, integra a mesma nulidade o conhecimento pelo tribunal de

questões definitivamente decididas acerca da relação processual, já que, como preceitua o artigo 672º do C.Proc.Civil, "os despachos e as sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem o recurso de agravo". No despacho saneador, na parte em que se apreciou a competência em razão da matéria do tribunal, fez-se constar, além do mais, que "esta acção popular civil pode e deve ser conhecida pelos tribunais comuns".

E depois, na parte em que se conheceu da excepção da legitimidade activa, veio a afirmar-se que "quanto à necessidade de intervenção do Município, esta encontra-se desde logo afastada por imposição legal: o nº 1 do artigo 2º do Dec.lei nº 83/95, de 31 de Agosto, prescreve que o direito de acção popular pode ser exercido por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos".

Parece, assim, evidente a conclusão dos recorrentes de que no despacho saneador a acção foi qualificada como acção popular civil, enquadrada nas disposições do citado Dec.lei nº 83/95 tendo-se entendido que, para o seu julgamento, era competente o tribunal comum.

Conclusão que, em boa verdade, não foi posta em causa pelas partes, já que os réus não interpuseram recurso e os autores não impugnaram o entendimento perfilhado.

Embora se não possa deixar de referir que, concretamente, no despacho saneador se decidiu apenas que o tribunal era competente em razão da

matéria para julgar a acção e que os autores tinham legitimidade para, como tais, nela intervirem. A qualificação da acção como popular civil constituiu,

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apenas, uma justificação da decisão que foi proferida, nem sequer se

formando, daí, qualquer caso julgado formal que impedisse a reapreciação dessa qualificação.

Certo é que o acórdão recorrido veio a entender que "não estamos perante uma acção popular no seu sentido técnico-jurídico, mas ante o exercício do direito de acção individual clássica, de mera apreciação, cuja única sede legal é o Código de Processo Civil e não qualquer diploma legal sobre acção

popular".

Começaremos, todavia, por notar que a decisão recorrida não se pronunciou acerca da forma de processo (essa, sim, tornada definitiva com o trânsito em julgado do saneador em que se decidiu de forma tabelar que "o processo não enferma de nulidades que absolutamente o invalidem)".

Debruçou-se tão somente sobre a respectiva qualificação legal para concluir pelas normas de natureza processual e substantiva aplicáveis (as normas do Código de Processo Civil ou, em contrapartida, as disposições do Dec.lei nº 83/95).

Ora, assim como no despacho saneador, sem que os autores tivessem, na petição inicial, feito qualquer referência à natureza popular da acção que intentaram, se entendeu que se tratava de uma acção popular a que se aplicavam os preceitos do Dec.lei nº 83/95 (embora também a disposição do art. 369º do Código Administrativo) de modo semelhante acórdão recorrido se lhe atribuiu uma diferente qualificação, considerando-se aplicáveis ao caso unicamente as regras do Código de Processo Civil.

É esta uma actividade que, nos termos do artigo 664º do C.Proc.Civil, se

impõe oficiosamente ao julgador que "não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito" e que, ademais, se justifica pelo forte constrangimento operado no princípio

dispositivo, acompanhado de um alargamento do princípio inquisitório, pela Reforma de 1995.

Designadamente quando na nova redacção do artigo 264º, nº 2, se veio preceituar que "o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e

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Não estava, por isso, vedado ao tribunal recorrido conhecer, oficiosamente, da questão da qualificação da acção instaurada pelos autores, pelo que (podendo, eventualmente existir erro de julgamento, se o entendimento que seguiu não foi acertado) não ocorre qualquer nulidade por excesso de pronúncia.

Também no que diz respeito à competência material não têm os recorrentes qualquer razão para invocarem a nulidade do acórdão recorrido.

Com efeito, nada no acórdão se decidiu quanto à competência ou

incompetência dos tribunais comuns para julgarem a presente acção (tal questão estava já decidida no despacho saneador).

Aquilo que o acórdão refere, nomeadamente quando se reporta ao documento de fls. 66 (declaração de que o referido terreno não é caminho público estando integrado na propriedade dos réus) e à invocada pelos réus permuta de

terrenos entre a Câmara Municipal de Azambuja e o réu marido por ocasião da construção da nova estrada, é que a questão de saber se tal permuta é válida ou se padece de qualquer vício que inquina o respectivo acto

administrativo, designadamente de vício de forma ou de violação de lei, não pode ser apreciada pelos tribunais comuns, por exorbitar da sua competência material, cabendo tal apreciação à jurisdição administrativa exclusivamente, conforme decorre da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei 3/99 de 13 de Janeiro) e do Estatuto dos Tribunais

Administrativos e Ficais.

E que para a Câmara Municipal ser questionada pelo acto de gestão pública praticado, no exercício, como tal, do seu jus imperii, terá a mesma de ser demandada ou chamada a intervir em acção adrede instaurada, o que, como se sabe, não é possível nos tribunais comuns, por ser da competência do foro administrativo.

Ora, esta posição assumida pelo acórdão recorrido, claramente justificada pelo disposto no artigo 664º do C.Proc.Civil, não contende com a decisão proferida no despacho saneador, já que apenas se reporta à competência para

impugnação de actos da administração, que não à competência para o julgamento desta acção.

Ainda neste caso, portanto, se bem que possa ter ocorrido erro de julgamento, não enferma o acórdão de qualquer nulidade.

Analisando, agora, no âmbito da adequação à pretensão deduzida e aos factos articulados (e igualmente aos interesses em jogo na relação material

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controvertida) a questão da natureza da acção em apreço, cremos indiscutível que, tal como foi entendido no acórdão impugnado, não nos encontramos perante uma acção popular prevista no Dec.lei nº 83/95, de 31 de Agosto, antes perante uma mera acção de simples apreciação a que alude o nº 2, al. a) do art. 4º do C.Proc.Civil.

Como bem se refere no acórdão em crise (1), "em lado algum dos seus articulados, as partes falam em acção popular, passando os autores, ora apelantes, a defender tal designação apenas após a prolação do saneador-sentença (em sede das alegações de recurso) que assim considerou esta acção, embora tenha acabado por absolver os réus do pedido. Com efeito, apenas na sua resposta à contestação, para rebater a tese da sua ilegitimidade activa, esgrimida pelos réus, a título de excepção, os autores, ora apelantes invocaram a Lei 83/95 de 31/08 que, segundo a posição de alguma

jurisprudência, teria revogado o art° 369° do Código Administrativo, preceito este em que se apoiara o aresto jurisprudencial citado pelos réus, na sua contestação, para deduzirem a excepção da ilegitimidade dos autores" (fls. 193 e 194).

Claro que esses factos, só por si, não impediriam que o julgador viesse a qualificar a acção como acção popular cível, como aconteceu no despacho saneador (art. 664º do C.Proc.Civil): todavia, como já adiantamos, não se nos afigura correcta tal qualificação.

Senão vejamos.

No domínio dos Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Política consagra-se na Constituição da República Portuguesa o direito de acção popular nos termos seguintes:

"1. Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou

colectivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral e bem assim o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação. (...)

3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a

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a) - promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural;

b) - assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais."

A lei ordinária, in casu a Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, veio regulamentar, conforme imposição da Constituição (citado artigo 52º, nº 3) o direito de acção popular. O artigo 1º daquele diploma legal delimita os casos em que é

aplicável a acção popular, prescrevendo:

"1 - A presente lei define os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no nº 3 do artigo 52º da constituição. 2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, são designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a

qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público".

Importa, antes de mais, definir o âmbito destas normas.

Não há dúvidas de que sobre um determinado bem pode incidir um interesse individual, ou seja, um direito subjectivo ou interesse específico de um

indivíduo, um interesse público ou interesse geral, subjectivado como interesse do próprio Estado e de outras pessoas colectivas, um interesse

difuso, que é a refracção em cada indivíduo de interesses da comunidade e um interesse colectivo, quando se trata de um interesse particular comum a

certos grupos e categorias. E pode, assim, sobre um determinado bem recair um interesse individual, mas também um interesse difuso, nada obstando que, para a defesa de tais bens, venham os seus titulares, ou, como no caso

concreto, as autarquias locais onde os mesmos residam.

Mas no âmbito daquelas estão, necessariamente, os interesses difusos (2), já que incluídos no nº 3 do artigo 52º da Constituição: "o objecto da acção

popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos. A acção popular tem sobretudo incidência na tutela de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti

singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses. (...) O texto da Constituição aponta para a possibilidade de os

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cidadãos ou as associações poderem tomar a iniciativa (legitimidade activa) ou intervir no processo através da acção popular, nos termos a definir pela lei, em qualquer das hipóteses acabadas de referir (...) A acção popular não tem de limitar-se aos casos individualizados no nº 3 (defesa de saúde pública, defesa do ambiente, defesa do património cultural). A norma tem carácter

exemplificativo, como decorre do seu próprio enunciado textual

(nomeadamente). Ela permite dar cobertura desde logo aos casos de acção popular no âmbito do poder local". (3)

Mas, para além dos interesses difusos (que são os radicados na própria colectividade, deles sendo titular, afinal, uma pluralidade indefinida de sujeitos, reportando-se a bens por natureza indivisíveis e insusceptíveis de apropriação individual) caem no âmbito destas normas outros interesses, nomeadamente, os interesses individuais homogéneos que representam todos aqueles casos em que os membros da classe são titulares de direitos diversos, mas dependentes de uma única questão de facto ou de direito, pedindo-se para todos eles um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico". (4) Porquanto é verdade que sobre um determinado bem pode incidir um

interesse individual, ou seja, um direito subjectivo ou interesse específico de um indivíduo, um interesse público ou interesse geral, subjectivado como interesse do próprio Estado e de outras pessoas colectivas, um interesse

difuso, que é a refracção em cada indivíduo de interesses da comunidade e um interesse colectivo, quando se trata de um interesse particular comum a

certos grupos e categorias. E pode, assim, sobre um determinado bem recair um interesse individual, mas também um interesse difuso, nada obstando que, para a defesa de tais bens, venham os seus titulares ou, como no caso

concreto, as autarquias locais onde os mesmos residam.

Importa, porém, não perder de referência que o objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos, interesses da comunidade, global e complexivamente considerada.

Com efeito, "para se falar em acção popular não basta o carácter abstracto da legitimidade e a natureza extensa da categoria onde o agente se integra. É também necessário que essa categoria de indivíduos assente na própria colectividade política, quer globalmente (tipo elementar de acção popular) quer de um modo parcial e restrito. Em todo o caso, o interesse geral e difuso, mercê do qual o agente da acção popular justifica a sua actuação, terá de ser sempre um interesse público, pois é a partir da noção de colectividade política que se opera a atribuição da acção popular". (5)

(12)

Consequentemente, no tocante àqueles direitos individuais homogéneos, muito embora a lei atribua legitimidade processual às pessoas singulares para intentarem a acção popular, os direitos tutelados deverão ter objectivamente um carácter comunitário, isto é, um valor pluri-subjectivo e os interesses subjacentes a tais acções deverão assumir um cunho meta-individual, pois é necessário que o interesse comum seja suficientemente difuso e geral para não se identificar com os interesses pessoais e directos em que assenta em regra a legitimidade e a titularidade do direito da acção judicial.(6)

"Os interesses tuteláveis jurisdicionalmente são, por norma, interesses directos (i. e., que se traduzem numa imediata vantagem, se concedido provimento ao pedido) e pessoais (que se repercutem na esfera jurídica de quem requer a efectivação da tutela). A acção popular, ao contrário, trata-se de uma figura que permita a tutela de interesses meta-individuais, que não apresentem uma relação identificável e imediata com um indivíduo,

desenquadrado da sua inserção comunitária". (7)

É precisamente para este objecto que aponta o artigo 26º-A, do C.Proc.Civil, quando estabelece que "têm legitimidade para propor e intervir nas acções e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à protecção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei".

Na verdade, "a tutela dos interesses supra individuais está incindivelmente correlacionada com a garantia constitucional do acesso à justiça que o

carácter marcadamente individualista da legitimidade processual não permite concretizar. Por isso é que o processo tradicional tem uma desvantagem em relação à acção popular quando se trate da defesa da tutela dos interesses supra-individuais. (...) A crescente tendência para um aumento da qualidade de vida, leva em praticamente todos os casos, a uma preocupação com as formas de conservação e melhor aproveitamento das condições idóneas ao desenvolvimento do indivíduo e da comunidade. Aumenta a preocupação com a preservação do meio ambiente, de modo a proporcionar o desenvolvimento harmonioso das espécies, com a protecção da saúde, com a defesa do

consumidor, com a manutenção e recuperação do património cultural. A satisfação destas necessidades é conseguida através da atribuição de tutela

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pelo ordenamento jurídico. Daí que partindo do principio de que o interesse só assume a qualidade de jurídico a partir do momento em que seja reconhecido por uma norma, importa perscrutar qual o alcance das que estamos

analisando. E desde logo se salienta que face aos interesses que pertencem a cada um e a todos os membros de uma comunidade, que tem uma titularidade difusa, no sentido de não pertencerem em exclusivo a determinados membros, muitas vezes a forma de proteger o interesse individual de cada um é através do reconhecimento normativo da tutela de um interesse comum. O interesse que emerge destas normas de interesse comum é o que os autores designam de meta-individuais, trans-individuais ou supra-individuais. São estes

interesses supra-individuais que excedem o indivíduo singularmente

considerado que aqui estão em causa e têm a sua origem num aumento da qualidade de vida, resultando de bens jurídicos novos e que no caso português foram consagrados constitucionalmente e regulamentados em lei ordinária, no caso, a LAP". (8)

Deste modo, "em termos gerais, deve entender-se que, nos casos de acção popular, a legitimidade é conferida ao cidadão uti civis (ou uti universis) e já não uti singuli, pois a sua atribuição opera-se, então, a partir da integração dos sujeitos numa categoria-universo, abstracta e objectivamente definida, não havendo lugar à indagação ou especificação do interesse desse sujeito em cada caso concreto". (9)

Ademais, como bem se afirma no acórdão recorrido, embora a Lei 83/95 tenha vindo alargar a legitimidade activa a qualquer cidadão (ao contrário do que dispunha o art. 369° do Código Administrativo (10) e, bem assim, não imponha que a acção popular seja intentada em nome e interesse das autarquias locais como impunha o citado normativo legal, a verdade é que não é todo e

qualquer interesse em agir meramente individual e egocêntrico, que pode estar na base de uma acção popular, pois de contrário não se justificariam determinadas prerrogativas concedidas em nome da própria dignidade

constitucional atrás referida, tais como a inexigência de preparos (art. 20°, n° 1), a recolha de provas por iniciativa do Juiz (art. 17°), a atribuição do efeito suspensivo aos recursos mesmo nos casos em que, nos termos gerais, esse efeito não deva ser atribuído (art. 18°, n° 2) - fls. 195.

E assim há-de considerar-se que no tocante à acção popular "tal como aparece consagrado no art. 20º da Constituição, o direito de acção tem como finalidade a tutela dum direito ou interesse próprio de quem o exerce. Consagração

paralela é feita pelo art. 268º da CRP, em sede de jurisdição administrativa: tal como o recurso contencioso do acto administrativo (nº 4), a acção propor nos

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tribunais administrativos (nº 5) é garantida aos administrados (e interessados) para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Este apelo à titularidade, ainda que meramente afirmada, do direito ou interesse que se quer fazer valer em juízo é dispensado no exercício de acção popular que, de acordo com o art. 52, nº 3, da CRP, com o art. 1º da Lei nº 83/95 e art. 26º-A do CPC, é conferido, no âmbito dos interesses colectivos e difusos a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como às associações e fundações que tenham como objecto estatutário a defesa dos interesses em causa, nomeadamente para a defesa da saúde pública, do ambiente, da

qualidade de vida, do património cultural, do domínio público e da qualidade do consumo e de bens de serviço. E fala-se de interesses colectivos e difusos para qualificar interesses individuais generalizados, como tais próximos dos interesses públicos, mas de natureza ainda fundamentalmente privatística. Em causa está sempre a fruição de bens de uso pessoal não susceptíveis de

apropriação exclusiva. (...) "Quer no caso de interesses colectivos, quer difusos, a natureza geral do interesse leva a atribuir o direito de acção a pessoas em que pode radicar (pessoas singulares) ou não radicar nunca

(associações e fundações) a titularidade individual do interesse em causa. (11) Por isso mesmo se "tem entendido que a tutela dos interesses colectivos e difusos radica numa concepção objectiva do direito e que o cidadão ou a associação que proponha uma acção com esse fim faz valer uma legitimidade originária específica, nada tendo a ver ou, sendo independente, de um direito subjectivo ou de um interesse material". (12)

Retomando a situação em apreço, é bom de ver que os autores, aqui

recorrentes, não alegam na petição inicial quaisquer factos demonstrativos do interesse meta-individual ou supra-individual fundamentador da acção popular (v. g. a necessidade de os habitantes daquela circunscrição terem necessidade da declaração da dominialidade pública do referido troço de estrada, ou de verem o seu direito de passagem coarctado por se tratar de um terreno particular) antes sustentam expressamente que necessitam daquela

declaração da dominialidade pública de tal troço de estrada, porquanto os réus não autorizaram a por eles pretendida abertura da porta, para o terreno que dizem ser seu, por lhes ter sido dado em permuta pela Câmara Municipal de Azambuja.

Em suma, os recorrentes visam tutelar exclusivamente um seu eventual direito subjectivo, ao peticionarem ao tribunal que declare que aquele terreno integra o domínio público e não é propriedade privada dos réus, que, com tal base, não consentiram na abertura da pretendida porta.

(15)

Acresce que não imputam aos réus qualquer acto que se traduza na violação de um direito de natureza colectiva ou difusa, limitando-se a pretender a declaração da invalidade ou ineficácia da permuta do terreno que

alegadamente terá ocorrido entre os réus e a Câmara Municipal há cerca de 45 anos.

Em consequência, cremos, bem decidiu o acórdão impugnado quando

considerou não se estar perante uma acção popular no seu sentido técnico-jurídico, mas ante o exercício do direito de acção individual clássica, de mera apreciação, cuja única sede legal é o Código de Processo Civil e não qualquer diploma legal sobre acção popular.

Configurada a acção como de simples apreciação, é evidente que a pretensão dos autores não pode proceder.

Encontra-se junta aos autos (documento de folhas 66) uma fotocópia de certidão emitida pelo Senhor Chefe da Secção da Repartição Administrativa de Apoio ao DTOU da Câmara Municipal de Azambuja de que consta, na parte que releva, o seguinte: "Certifico, por despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Azambuja, datado de 16/11/2001, exarado no requerimento e de acordo com o parecer da DU de 2001/11/08, que o referido espaço não é caminho público, estando integrado no prédio rústico inscrito no cadastro sob o artigo 3, secção B, da freguesia de Vila Nova de S. Pedro".

Este documento não foi impugnado pelos autores, pelo que faz prova plena do seu conteúdo, nos termos do art. 368° do Código Civil.

Donde, e como corolário, não pode o tribunal declarar que a parcela de

terreno em causa integra domínio público do Município da Azambuja, quando é a própria Câmara Municipal, órgão executivo do Município, que certifica que tal espaço integra o prédio rústico dos réus, e não constitui caminho público. Ademais, como se vê dos autos, o facto de a parcela ser considerada pela Câmara Municipal propriedade dos réus, tem fundamento na permuta celebrada entre a Câmara Municipal de Azambuja e o réu marido, cuja

validade não pode ser apreciada nesta acção por manifesta incompetência dos tribunais comuns para se pronunciarem acerca de um qualquer contrato

administrativo (cfr. art. 18º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro e art. 4º da Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro).

(16)

Assim, o tribunal recorrido apenas tinha que se assegurar de que o caminho em causa não é do domínio público da autarquia, o que, na realidade, fez, concluindo pela improcedência da acção.

Consequentemente, há que concluir pela improcedência da revista, já que nenhuma censura merece o acórdão recorrido.

Pelo exposto, decide-se:

a) - julgar improcedente o recurso de revista interposto pelos autores A e mulher B;

b) - confirmar inteiramente o acórdão recorrido; c) - condenar os recorrentes nas custas da revista. Lisboa, 20 de Outubro de 2005

Araújo Barros, Oliveira Barros, Salvador da Costa.

---(1) Entretanto publicado na CJ Ano XXX, 1, pag. 252.

(2) No dizer do Ac. STJ de 23/09/98, no Proc. 200/98 da 1ª secção (relator Garcia Marques) "os interesses difusos correspondem a interesses

juridicamente reconhecidos e tutelados, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo mas não são susceptíveis de apropriação individual por qualquer um desses membros - são simultaneamente interesses não públicos, não colectivos e não individuais".

(3) Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Anotada", 3ª edição, Coimbra, 1993 pags. 281 a 283.

(4) Ada Pellegrini Grinover, Revista Portuguesa de Direito de Consumo, nº 5, Janeiro, 1996, pág. 10; Cfr. Ac. STJ de 23/09/97, in BMJ nº 469, pag. 432 (relator Miranda Gusmão).

(5) José Robin de Andrade, "A Acção Popular no Direito Administrativo Português", Coimbra, 1967, pag. 4.

(6) Nuno Marques Antunes, "O Direito de Acção Popular no Contencioso Administrativo Português", pag. 41.

(17)

(7) Sérgio Nuno Marques Antunes, "O Direito de Acção Popular no Contencioso Administrativo Português", Lisboa, 1997, pag. 41.

(8) F. Nicolau Santos Silva, "Os interesses supra-individuais e legitimidade processual civil activa", pags. 19 e 47.

(9) Sérgio Nuno Marques Antunes, obra citada, pag. 72.

(10) Tacitamente revogado pele Lei nº 83/95 (ver Ac. STJ de 11/07/2000, no Proc. 387/00 da 1ª secção (relator Ferreira Ramos).

(11) Lebre de Freitas "Introdução ao Processo Civil - Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", Coimbra, 1996, pag. 80.

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