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I N TEN CI ON ALI DAD E E FI LOSOFI A

À GUI SA DE CON CLUSÃO

Em Filosofia da dança, Paul Valéry m enciona a dificuldade não apenas de falar, m as, sobretudo, de explicar algo do qual ele não t eve e nem teria experiência integral: a dança. Com o falar algo consistente e verdadeiram ent e proveit oso sobre a dança sendo filósofo e não bailarino, ou sej a, não t endo a experiência de com o se constit ui ou se execut a um passo de dança, as evoluções corporais das pernas, braços, não t endo a idéia de com o se evolui, inclusive, no dom ínio técnico dessa art e? Est a bem poderia ser a pergunt a que alguém “ de fora” , um art ista t alvez, faria à filosofia no m om ent o em que est a se dispusesse a falar sobre a arte, ou com o se cost um a dizer, const ituir um a Estética – e isto nos daria um a idéia do quão eqüidist ant es podem est ar art ist a e filósofo de algo com um que os una183.

O que int eressou part icularm ent e ao present e estudo foi explicit ar com o, em Bergson (assim com o nesse ensaio Valéry

183 Visto por esse ângulo, não seria curioso o fat o de Mallarmé, após t er visto de perto a “ dança serpent ina” de Loïe Fuller e assim ilado a novidade poética que est a apr esent ava não só ao m undo da dança, m as ao da poesia e da art e que se pret endesse verdadeiram ent e simbolista, tenha “ se decepcionado” com a bailarina já logo num primeiro encontro no qual am bos tiveram a oportunidade de falar sobre suas ar tes? A im pressão que Loïe deixar a no poet a t eria sido a de um a pessoa “ pouco consciente” do alcance e da im portância da grande novidade est ética de sua art e. Or a, ela simplesm ent e criava e... dançava! A propósito, Giovanni Lista, que dedica a essa relação autêntica da dança de Loïe Fuller com os sim bolistas um artigo na Révue d’esthétique, acr escent a ainda: “ Loïe encarnava certos sonhos do simbolismo, m as a m ulher er a viva dem ais par a deixar de causar no espírito daqueles qu e a encontrar am um a queda do m ágico no banal, um a perda de mistério, um esvaziam ento, um a ruptura m esm o do sonho”183. No m ais, completa o autor, norte- am ericana que er a, desconhecia os “ preconceitos arist ocráticos do mundo da cultura européia” , além do quê “ ninguém lhe havia dito dos t errores met afísicos que atorment am os poet as quando eles se dizem entr egues ao sacerdócio da arte” ( Lista, Giovanni, « Loïe Fuller et les sym bolistes », Révue

dem onst ra ser tam bém para ele), esses “recursos de um a cabeça” não se opõem necessariam ente nem m esm o rivalizam com os recursos corporais, de braços e pernas e t ronco de um a verdadeira bailarina. Ao cont rário, exist e algo em com um que possibilit a que esses universos aparent em ent e t ão distantes se com uniquem e que, port anto, o filósofo possa não apenas falar sobre a dança (na verdade, na concepção bergsoniana, falar apenas é tudo o que o filósofo não deve fazer), m as com preendê-la enquant o experiência criadora. E isto não unicam ent e porque o filósofo sim patiza com os m ovim entos graciosos que se lhe apresent am , m as porque t am bém a dança da bailarina, a seu m odo, ist o é, de um a m aneira m uito própria e única, revela um a nat ureza que t am bém é a do pensam ento. Em out ros t erm os, a dança de que falam os aqui – t ão bem expressa na art e de I sadora Duncan, para m encionarm os o caso particular que aqui apresent am os – busca não representar nem figurar o que quer que sej a, m as dar o ser ao m undo, ant es de tudo, a part ir de um a

int ensificação, isto é, a part ir de um a int encionalidade que é pura

im anência. Num sent ido plenam ente coincident e, no nosso entender, com o da filosofia bergsoniana, a intensificação é o elem ento fundam ental, segundo a leit ura de Alain Badiou, que leva Nietzsche a aproxim ar, a fazer m esm o coincidir dança e pensam ent o, ao considerá-la a própria “ m et áfora do pensam ent o” . Essa convicção, esclarece Badiou, opõe-se principalm ent e à t ese que vê no pensam ent o um princípio cujo m odo de realização é ext erior, representativo: “Para Niet zsche, o pensam ento não se efet ua em out ra part e além daquela onde se dá, o pensam ento é efet ivo ‘no lugar’, é o que se intensifica, se assim se pode dizer, sobre si m esm o, ou ainda o m ov im ento de sua própria int ensidade”184. Realização da

própria intencionalidade, acrescent aríam os em sentido bergsoniano.

184 Badiou, A. Pequeno m anual de inest ética, tr adução de Marina Appenzeller, São Paulo, Est ação Liberdade, 2002, p. 81.

A est a alt ura do nosso t rabalho t alvez sej a ex cessiv o [ ainda assim não abrim os m ão de] procurar esclarecer que a aproxim ação ent re Nietzsche e Bergson, sob essa perspect iva da dança com o m et áfora do pensam ento e segundo a leit ura de Badiou, não v isa de m odo algum traçar um paralelo, nem rigoroso nem m esm o m enos preciso, ent re os dois filósofos: visa, ant es de t udo, levar adiant e a possibilidade de alargam ento e de enriquecim ento da discussão acerca da disposição e do papel do filósofo a partir de um a ótica bergsoniana, segundo a qual, com o tem os visto at é aqui, associa a t odo t em po o conhecim ento filosófico ao t rabalho de criação, de invenção m esm o, num m undo cuj a realidade m ais profunda é a da contingência absolut a, do puro devir. Não é ex at am ent e esta a concepção de Nietzsche acerca da realidade da vida, do real, nem precisaria ser, pois a concepção de dança de Niet zsche, assim com o a de I sadora e tant as out ras bailarinas m odernas, e sua com preensão acerca da nat ureza do pensam ento verdadeiram ent e filosófico, lança, no nosso ent ender, um a luz a m ais à discussão em preendida por nosso filósofo da duração. Segundo Badiou, a dança surge para Niet zsche com o m et áfora do pensam ent o porque é o que se opõe ao grande inim igo de Zarat ust ra-Niet zsche, a saber, “ o espírit o de peso” . A dança seria, sobret udo, afirm a Badiou, “a im agem de um pensam ent o subt raído de qualquer espírito de peso”185. E o que

caract eriza esse espírit o de peso, aos olhos de Nietzsche conform e Badiou, deve estar ligado m enos à grav idade que at rai os corpos para o chão – “não haverá em m inha dança nada que desafie a gravidade” , disse I sadora Duncan –, do que “um corpo alinhado e m art elante, corpo subm isso e sonoro” , o corpo, enfim , do “ m au alem ão”, cuj a definição é “ obediência e boas pernas”186. Trat a-se da

expressão da própria m ecanização e autom ação do corpo e do espírito, relacionados ao desfile m ilit ar e t am bém a um certo tipo de

185 Badiou, A., obra citada, p. 79. 186 idem , ibidem , p. 81.

dança, que com ele se alinha, ident ificada à ação m ecânica, coercit iva, que im põe do ext erior um m olde, um a form a predet erm inada e que ex ige do corpo que lhe dá suport e obediência e subm issão. Tanto o soldado que m archa ao som da banda m arcial e faz vibrar o chão à sua volt a, quant o à bailarina que m odela seu corpo em virtude de um a form a que lhe é im post a do ext erior, am bos alienam -se de si próprio; encont ram -se em posição diam et ralm ent e oposta ao do espírito sem suport e, que não se m ov e, m as realiza a plena m obilidade. “Talvez, ainda m ais profundam ent e, o que Niet zsche vê na dança, com o im agem do pensam ent o e, ao m esm o t em po, com o im agem real do corpo, é o t em a de um a m obilidade que não se inscreve em um a det erm inação ext erior, m as que se m ove sem se dest acar de seu próprio cent ro”187. Nesse estado de uníssono consigo m esm o, o corpo não exprim e nenhum a interioridade, pois o

corpo dançant e é, em seu aparecer, a int ensidade v isiv elm ente ret ida

da int erioridade. Assim , a bailarina que se dedica arduam ent e à sua art e, t rabalha seu corpo não para que este “ saiba” um a dança, est a ou aquela, m as para que seu corpo não sej a um obst áculo à dança plena. “ Na verdade a dançarina suprim e t oda dança que sabe porque dispõe de seu corpo com o se ele fosse invent ado. (...) o corpo dançant e é ele próprio infinit o, infinito no inst ant e de sua graça aérea”188. Se é à m atéria que nossa consciência se aplica, o corpo é

ent ão coext ensivo à nossa consciência, com preende t udo o que percebem os, v ai at é as est relas189.

Quant o ao filósofo, ele pode não ser bailarino190, m as é em geral escritor. “Quando escreve, é com um que fique na região dos conceit os e das palavras. A sociedade lhe oferece, elaboradas por seus predecessores e arm azenadas na linguagem , idéias que ele

187 idem , ibidem , p.82. 188 idem , ibidem , pp.90 e 94. 189 DS, p. 1194.

com bina de m aneira nova. (...) Há, porém , out ro m étodo de com posição, m ais am bicioso, m ais seguro, incapaz de dizer quando t erm inará e m esm o se term inará. Consist e em escalar, do plano int elect ual e social, at é um ponto da alm a de onde part e um a exigência de criação. Para cum pri-la int eiram ente será necessário forj ar palavras, criar idéias, porém não m ais será com unicar, nem por conseguinte escrever. Contudo, esse escrit or t ent ará realizar o irrealizável”191.

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REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS

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