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Pensamento e invenção: Bergson e a busca metódica do tempo perdido

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Academic year: 2017

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FACULDADE DE FI LOSOFI A, LETRAS E CI ÊNCI AS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE FI LOSOFI A

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM FI LOSOFI A

I zilda Cristina Johanson

Pensam ent o e I nvenção

Bergson e a busca m et ódica do t em po perdido

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I zilda Cristina Johanson

Pensam ent o e I nvenção

Bergson e a busca m et ódica do t em po perdido

Tese apresent ada ao program a de Pós-Graduação em Filosofia do Depart am ent o de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Let ras e Ciências Hum anas da Universidade de São Paulo, para obt enção do t ít ulo de Doutora em Filosofia sob a orient ação do Prof. Dr. Victor Knoll.

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Assim nos colocaríam os no fluxo da vida interior, do qual a filosofia parecia apenas ret er, freqüentem ent e, não m ais do que a cam ada superficial, congelada. O rom ancist a e o m oralist a não t inham avançado, nessa direção, m ais longe que o filósofo? Talv ez; m as apenas parcialm ente, sob a pressão da necessidade, é que haviam t ransposto o obst áculo; nenhum deles se t inha proposto a ir m et odicam ente ‘em busca do t em po perdido’” .

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Agradeço ao prof. Victor Knoll, pelo apoio int egral, inclusive nos m om entos de decisões im port ant es relat ivas à traj etória invest igat iv a e t am bém acadêm ica, apoio, aliás, que j á vem sendo dado desde a graduação. Acredit o sinceram ente que tê-lo t ido com o m eu orient ador foi um a das coisas m ais posit iv as dessa traj et ória.

Obrigada à secret aria do Depart am ento de Filosofia, particularm ent e à Maria Helena Barbosa e à Marie Márcia Pedroso, por t erem sido sem pre t ão prest at iv as e atenciosas.

Agradeço m uito especialm ent e ao prof. Bent o Prado Jr. (in m em oriam), que incentivou e apoiou o m eu t rabalho, desde o início, em vários e decisivos m om ent os e de v árias m aneiras, sem pre com a generosidade, inteligência e elegância que lhe eram part iculares. Faço um agradecim ento t am bém especial ao prof. Frédéric Worm s, pela recepção at enciosa e pelas "discut ions", que influenciaram de m aneira decisiva nos rum os que m inha pesquisa acabou tom ando durant e e depois da t em porada em Paris.

Quero agradecer m uito calorosam ent e à m inha fam ília: a Adem ir (in m em oriam), Rosicler e Guilherm e Johanson, pelo apoio e, sobretudo, a Gust avo e Márgara Johanson, pelo "suport e" e, m ais ainda, pela acolhida aconchegant e nos m om ent os m ais duros. Obrigada ao Bernardo Johanson Moreira, bravo e valente com panheiro de m uitas em preit adas – inclusive as m ais difíceis! –, obrigada pela proxim idade e pelo carinho: você é m esm o e sem pre im prescindív el.

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Faria, pelos eventos em fam ília. Às am igas e aos am igos de “Maison” e de “Cit é” : Milena Fernandes Oliveira, Talita Felipe, Mari, Makarius e Carm i, por est arem sem pre e carinhosam ent e por perto. À fam ília Oliveira Migliorin: Cézar, Flávia, Diego e Elisa, a am izade e o apoio de vocês foi absolut am ent e fundam ent al. À Taisa Palhares, pelo calor de um a ant iga e sólida am izade. À Silene Torres Marques, pela costum eira gentileza e at enção. Ao I v an Moreira e à Paula Magalhães, pelo apoio e suport e nessa et apa final. À Clélia Ferrari, pelo am paro. E à Rita Paiva, pela oport unidade de construção de um a preciosa teia de idéias e afetos sem os quais nenhum saber, filosófico ou não, faria sentido.

Agradeço ao Denilson, pela longa hist ória de philia, no sent ido m ais puro e verdadeiro, em que o cult ivo dos vincos do int electo se dá, sobret udo, pelo arado ígneo do coração.

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RESUMO

Johanson, I zilda. Pensam ento e I nvenção, Bergson e a busca m et ódica do t em po perdido. 2008. 142 f. Tese (Dout orado) – Faculdade de Filosofia, Let ras e Ciências Hum anas. Departam ento de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

A present e tese pretende invest igar, no âm bito do pensam ento de Henri Bergson, a quest ão do im pulso criador a part ir de sua realização com o art e, m as não apenas ali, isto é, na m edida em que esse im pulso se caract eriza com o esforço de invenção, sua investigação dirá respeit o t am bém aos possíveis desdobram entos concernent es à vida int elect ual, m oral e social. Serão exam inados elem entos que perm it am discutir o t em a da invenção – noção que em Bergson se apresent a de m aneira indissociada da discussão acerca da int uição – a part ir da relação entre percepção, esforço int electual e criação. Mais precisam ente, im port a aprofundar o conhecim ento a respeito do m odo e das condições de possibilidade de inserção dessa experiência criadora no m undo, isto é, num a história, com o fazer. A pot ência criadora, suas ações e suas obras deverão, assim , ser exam inadas à luz de um a leit ura bergsoniana que com preende a realidade da vida a partir de seus dois sentidos, a saber: o abert o e o fechado, ou, o que é o m esm o, o est át ico e o m ov ent e, o necessário e o cont ingent e, o biológico e o m etafísico, o da servidão e, enfim , o da liberdade. O propósit o deverá ser, por fim , o de tirar as conseqüências filosóficas dessas diferenças que se apresent am com o a própria realidade da v ida.

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ABSTRACT

Johanson, I ., Thought and I nvent ion, Bergson and the m et hodic search of t he lost t im e. 2008. 142 f. Thesis (Doctoral) – Faculdade de Filosofia, Let ras e Ciências Hum anas. Departam ento de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

The present t hesis int ends to invest igate, in t he scope of Henri Bergson’s t hought , t he issue of t he creat or im pulse from its realization as art , but not only there, t hat is, while t his im pulse is charact erized as invention effort, it s inquiry will also deal wit h t he possible unfolding pert aining to t he int ellectual, m oral and social life. Elem ent s that allow discussion of the t hem e invent ion will be exam ined - not ion that in Bergson is present ed as an att ached m anner to the debate on intuit ion - from t he relat ionship between percept ion, intellect ual effort and creat ion. I n part icular, it is im port ant to deepen into t he knowledge regarding the m ode and the condit ions of insert ion possibilit y of this creator experience in the world, t hat is, in a hist ory, how t o m ake it . The creator power, it s act ion and it s m ast erpiece will be exam ined upon the light of a bergsonian’s reading that com prises the realit y of life from it s t wo direct ions: open and t he closed one, or wit h t he sam e m eaning, the st at ic and t he m oving one, t he necessary and the contingent , t he biological and t he m et aphysical, t hat of the servit ude and, at last , that of t he freedom . The purpose will be, finally, to draw t he philosophical consequences of t hese differences t hat are shown as t he realit y of life it self.

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I nt roduçã o 10

Capítulo I - Art e e Filosofia 20

- Percepção, esforço int electual e criação 22

Capítulo I I - Os dois sent idos da vida 49

- Nat ureza e história 52

- Os dois sent idos da vida 70

Capítulo I I I – Ent re o fechado e o abert o em arte 75

- O estático e o dinâm ico 77

- Função social da art e 85

- Aport e m etafísico da art e 101

Capítulo I V – I nt encionalidade e filosofia 117

- Moral de pressão e m oral de aspiração 119

- I nvenção m oral 122

- Míst ica e filosofia 126

À guisa de conclusã o 132

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As páginas indicadas nas cit ações de Bergson correspondem às das Obras Com plet as, edição do Cent enário. As obras específicas às quais se referem serão assim abreviadas:

DI – Ensaio sobre os dados I m ediatos da consciência MM – Matéria e m em ória

EC – Evolução criadora R – O Riso

ES – Energia Espirit ual

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A discussão acerca da especificidade do obj eto art íst ico sem pre int eressou à filosofia. Já em Platão se t rava a discussão sobre o lugar da arte na cidade idealizada na República; em Arist ót eles, t em os o est udo sist em at izado da tragédia; de lá para cá o lugar que a art e ocupa no m eio em que se int egram seres e fenôm enos naturais e sociais tem se t ornado obj eto do interesse da filosofia. Neste sentido, vem os ao longo da hist ória da filosofia o surgim ento paulatino de um a disciplina específica volt ada para a quest ão da art e, a est ética. Lev ando-se em cont a os desdobram entos históricos da art e e t am bém da própria filosofia, não nos parece descabido quest ionarm o-nos sobre o sentido at ual de um a disciplina de est ét ica, um a vez que as delim it ações ent re arte e reflexão sobre o fenôm eno artíst ico t êm sido, sob certo ponto de vista, cada vez m enos precisas. Ent endem os, assim , que a discussão acerca da relação entre est ética e filosofia, art e e filosofia, art e e estét ica, poderia m uito bem se paut ar, em princípio, pela seguint e questão: em que m edida a arte int eressa à filosofia? Est a quest ão, por sua vez, im plica ainda um a ant erior, a saber: qual a especificidade do obj eto de arte?

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m undo, pode ser reconhecida com o um out ro obj eto e, part icularm ent e, um obj eto que teria algo a nos “ dizer” . Nesse sentido podem os dizer que a obra de art e é apresent ação – ou reapresent ação – do m undo e da vida a part ir do filt ro, da personalidade, da história pessoal, da m em ória, do olho, dos sentidos, enfim , do artist a.

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Com o dizíam os acim a, há que se considerar que um escritor, um poet a, recria a linguagem na m edida que a ut iliza para ex pressar algo que não est á dado nela de um a vez por t odas, algo de novo port anto, de inesperado e de insuspeitável. O m esm o se pode dizer do m úsico em relação aos sons, ou o escultor em relação às form as e volum es, e assim por diante. A quest ão que se põe é, pois, o que faz com que aquela idéia original, relacionada à experiência única de um único indivíduo – aquele que “escolheu” as palav ras, ou os sons, ou as im agens, que as dispôs segundo um a const rução m uito própria e obt eve um result ado m uito part icular – t orne-se, a part ir do t rabalho desse indivíduo, algo que poderá ser experim ent ado e apreendido em si m esm o pelas dem ais pessoas, t ão diferent es um as das out ras, com visões e percepções do m undo t ão díspares e variadas?

A obra de arte, enquanto fenôm eno, ou m elhor, a experiência est ét ica enquanto criação de form as, idéias, pensam entos, pode m uito bem se apresent ar aos olhos do filósofo com o lugar privilegiado para a invest igação acerca das condições de possibilidade de um a sínt ese ent re obj etividade e subj etividade, assim com o de sua ocorrência no plano da experiência efet iva. Assim , se a quest ão principal da disciplina de est ética diz respeito à natureza e à especificidade do objeto art íst ico, então a passagem pela est ét ica poderia bem ser necessária à filosofia que reconhecesse na art e um cam po de inv estigação fecundo e preciso acerca do que possa vir a ser o Real.

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consistente acerca da sensibilidade e sua relação com o intelect o enquanto est a se dá na experiência, ist o é, enquant o obra, viria ao encont ro dessa filosofia que, diante do conhecim ento do real, por um lado, reconhece os lim ites e a im potência da razão (do ent endim ento, da inteligência) e do pensam ento racionalist a e, por out ro, não se abandona aos ceticism os ou aos irracionalism os pura e sim plesm ente. Talvez por essa razão m esm a Kant tenha contribuído t ão fort e e decisiv am ent e para a const it uição da disciplina de est ét ica, não obstante isto não est ivesse provavelm ent e ent re seus obj etivos principais1. Pode-se dizer, de m aneira geral, que a Crít ica do Juízo

reforça a idéia de um a cert a racionalidade im anente à sensibilidade, na m edida que a própria im previsibilidade da expressão genial é encarada por Kant , ant es de t udo, com o um princípio reorganizador (“ sent ido do não-sentido” , diria Lebrun) do entendim ento, este sim “figura cent ral da Reflexão”: “à ex ceção de algum as int uições felizes que nela se pode salient ar, a 3ª Crítica é considerada com o um balanço da ‘cultura do entendim ento’ – a obra de um Aufklärer e não de um ‘hom em de cultura’ (Gebildete), capaz de elev ar-se acim a do ponto de vist a com um dos hom ens e que não tem e seguir o cam inho difícil que vai para o interior do ser hum ano, para encont rar o princípio de sua ação e de seu pensam ento”2. Assim , e tendo em

m ent e a ev olução das invest igações acerca da subj etiv idade est ética3,

ao propor as coisas nesses term os, a ênfase que se dá é ainda na apost a (e, é evidente, no caso k antiano não poderia ser de out ro

1 Cf. Lebrun, G., Kant e o Fim da Met afísica, São Paulo, Martins Fontes, em especial

a segunda par te.

2 I dem , p. 560.

3 Com partilham os da compr eensão de que a concepção de um a esfer a est ética

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m odo) de que um conhecim ento válido e verdadeiro t em de ser exclusivam ent e ou prioritariam ent e racional4.

Da perspect iva de abordagem dest a t ese, bergsoniana por princípio, int eressaria aprofundar essa últim a proposição, m as ent ão com os t erm os invert idos, ou sej a, procurando aprofundar a reflexão sobre a busca de um m étodo adequado a um a sensibilidade cognoscente e um a razão em princípio coadj uv ant e do processo cognoscit ivo. Pois em Bergson, o verdadeiro “ obj eto” da filosofia, dada sua nat ureza t em poral e cont ínua, é inacessív el à inteligência e à razão pura, as quais são apt as a operar sobre o im óvel, a fix idez e a part ir de represent ações, contudo não tot alm ent e inacessív el ao pensam ent o hum ano.

O propósito principal, inicialm ent e, era o de investigar, no âm bit o do pensam ento de Henri Bergson, a legit im idade e as im plicações para o proj et o filosófico bergsoniano da relação que sua dout rina est abelece entre art e e filosofia, obra de arte e m étodo filosófico, estética e m et afísica, a fim de constit uir algum a reflexão sobre a possibilidade de um sent ido m ais profundo para a quest ão em t orno de algo que acreditava poder denom inar dim ensão est ét ica do em pirism o m et afísico bergsoniano.

O ponto de part ida fora o t rabalho desenvolvido ao longo do m est rado, no qual afirm ava a existência de um a est ética em Bergson5. Assim , se por um lado, eu encontrav a a chave para

4 “ Para mim, pobre filho da terra, não t enho nenhum a disposição para ent ender a

língua divina da r azão intuitiva. Aquilo que podem m e soletrar, a partir de conceitos com uns segundo a regr a lógica, isso eu ainda posso alcançar” (Kant, I ., Cart a à Ham ann, citado por Lebrun, G., obra citada, p. 556) .

5 Ainda que não propriam ent e de direito, m as cert ament e de fato, j á que todos os

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com preender o lugar da percepção, t om ada agora em sua acepção est ét ica, na constit uição de um certo conhecim ent o filosófico, a saber, a I nt uição bergsoniana – e esse papel da percepção seria, no m eu ent ender, o que sustent aria fundam ent alm ente a afirm ação acerca da profunda afinidade ent re art e e filosofia, est ét ica e m et afísica em Bergson –, por out ro, acredit ava est ar no cam inho da constit uição de um a est ét ica de cunho m et afísico que pudesse atuar num cam po epistem ológico m ais am plo, ist o é, para além do universo das art es part iculares.

Em resum o, colocava-m e m uito próxim a do cam inho t raçado, por exem plo, por Denis Huism an quando, a propósito da pergunt a sobre a exist ência ou não de um a est ét ica bergsoniana, afirm ara: "não existe, em Bergson, percepção estét ica; há som ent e um a vast a est ét ica da percepção"6. Ou de F. Fabre-Luce de Gruson quando,

envolvida com a m esm a questão, declarara: "A percepção da art e é a nossa própria percepção"7. A com preensão aqui seria a de que, em

relação à filosofia bergsoniana, não haveria lugar para um a est ét ica ao lado de um a epistem ologia e de um a m et afísica, m as que "a epist em ologia e a m et afísica não seriam out ra coisa que a est ética".

Est abelecidos dessa m aneira os t erm os da pesquisa, e sob a influência de um a leit ura m ais detida das últim as obras de Bergson (As duas fontes da m oral e da religião, part icularm ente), um a questão se im pôs im ediatam ent e, a qual, ao cont rário do que se poderia esperar, foi m enos a de procurar saber se, seguindo por essa via inicial, est aria prat icando cert o reducionism o – e seria a est a conclusão que eu inev it avelm ent e chegaria – em relação à

da art e de seu tempo, est ando sua "est ética" em perfeita sintonia com a produção artística cont em porânea a ela.

6 Huism an, D., Bergson et nousActes du Xº Congrès des Sociét és de Philosophie

de Langue Française - Bulletin de la sociét é française de philosophie, Paris: Armand Colin, 1959, p. 195.

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com preensão da busca bergsoniana de constituição de um a m et afísica que, acim a de t udo, afast a-se das opções que t radicionalm ent e lhe oferecem o racionalism o e o idealism o, fincando seus fundam ent os na experiência real e concreta (a qual pressupõe, de fato, ent re out ras coisas e à sem elhança do que acontece na arte, o alargam ent o da percepção com um , assim com o a const it uição de um m ét odo que sej a sim ult âneo à const it uição do próprio obj eto que visa invest igar), do que se esse seria m esm o um pont o de vist a privilegiado para pensar o papel da art e e do pensam ento que se constit ui em torno dela em relação à própria filosofia bergsoniana. As leit uras e essa nova linha de est udos adotada levaram -m e à com preensão de que a quest ão da afinidade, ou m esm o identidade exist ent e ent re int uição filosófica, intuição est ética e intuição m íst ica, rem et em a um universo m ais am plo do que o est rit am ent e epist em ológico. Melhor dizendo, a int uição, na m edida que se caract eriza - com o pret endem os m ostrar ao longo dest e t rabalho -, m ais do que t udo, com o processo, que t oca o real em seus m ais diversos graus, rem ete a um universo em que conhecer não se reduz à "descobert a" de algo, m as pretende ant es penet rar fundo na realidade da vida, que é virt ualidade e contingência pura, e at ualizá-la, ou sej a, inventá-la.

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práxis organizada) sej a a do espírit o (reencontro com a t em poralidade absoluta, que é pura m obilidade e devir). De m odo que, em relação à filosofia de Bergson, não nos é possível discorrer exat am ent e sobre o que se conhece, na m elhor das hipóteses t alvez possam os dizer algo sobre esse processo de conhecim ento - est a é finalm ent e a razão principal que nos leva à art e, à invest igação sobre a nat ureza e a experiência est ética.

Contudo, m ais do que dizer – e se querem os m esm o saber algo sobre isso – m ais valioso será certam ent e o nosso esforço para nos colocarm os o t anto quanto possível em m eio a esse processo de conhecim ento. A partir de um a expressão de Bergson – "não ouçam o que eles dizem , vej am o que eles fazem " –, recorrent e em Duas font es da m oral e da religião8, Vladim ir Jankélévit ch cham a a atenção

para esse propósito m ais profundo da obra bergsoniana que, com o diz, não exprim e apenas o profundo vínculo do filósofo com a experiência viv ida, significa prim eiro e acim a de t udo que "exist em coisas que não são feit as para que se fale delas, m as feit as para que as façam os"9. São coisas, prossegue Jankélévit ch, as m ais im port ant es e preciosas da vida, em m eio as quais a palav ra puram ent e expressiva parece secundária, pouco convincent e, m iseravelm ente ineficaz. "Por oposição à ót ica intelectualista, geradora de aporias vert iginosas, de fant asias e pseudoproblem as, a int uição, que é ao m esm o tem po gnóst ica e drást ica, não se define com o sim pat ia e com o engaj am ento? É isto, engaj ar-se, e apenas ist o! Não fazer conferência sobre engaj am ento, nem conj ugar o verbo; nem engaj ar-se com o os hom ens de let ras, m as engaj ar-se para v aler; por um ato im ediat o e prim ário, por um ato efetivo e drást ico, por um ato sério da pessoa t ot al; não aderir sem m uit a

8 Cf. DS, pp. 1001, 1096, 1114, 1131.

9 Jankélévitch, Vladimir, Prim eiras e últim as páginas, Campinas, Papirus, 1995, p.

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convicção, m as convert er-se à verdade apaixonadam ent e, isto é, com a alm a inteira, com o em Plat ão os cat ivos libert os"10.

Sendo por essa via tocada pela filosofia de Henri Bergson, part i para a reform ulação da est rut ura da t ese, procurando dessa vez, por um lado, rest ringir basicam ent e a pesquisa ao âm bit o da filosofia bergsoniana (inicialm ent e pretendia buscar um a espécie de gênese da disciplina de est ét ica à qual j ulgava est ar relacionada a est ét ica bergsoniana) e, por out ro, e a part ir disso, am pliar a discussão sobre o papel da art e. Seguindo a t rilha abert a pela própria obra de Bergson, o trabalho de escritura pret enderá, em prim eiro lugar, dar cont a de um a discussão possível sobre o im pulso criador, em art e, m as não apenas ali, ist o é, na m edida em que t am bém é esforço de invenção, sobre seus desdobram ento em relação à vida social, à m oral e religião. Em seguida, o propósit o dev erá ser o de t irar as conseqüências filosóficas dessas relações (o lugar da filosofia) para, enfim , levar a pesquisa a term o.

No prim eiro capítulo estarão em causa os elem entos que perm it em discut ir o t em a da invenção a partir da filosofia bergsoniana, ou, o que é o m esm o, a int uição est udada a partir da relação (com o com posição e evolução, no sentido m esm o m usical) ent re percepção, esforço intelectual e criação. No segundo capítulo a discussão girará ent orno do m odo de inserção dessa experiência criadora no m undo, isto é, num a história, do que sej a um a experiência v erdadeiram ente hist órica e sobre suas condições de possibilidade, que se dá partir de um cert o sent ido da v ida. Por fim , os dois sent idos da vida, a saber: o abert o e o fechado, ou, o que é o m esm o, o estát ico e o m ovent e, o necessário e o contingent e, o biológico e o m et afísico, o da servidão e, enfim , o da liberdade, sob o

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viés da art e e da ex periência est ética serão o tem a do t erceiro capít ulo.

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CAPÍ TULO I

ARTE E FI LOSOFI A

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“A int eligência é um inst rum ento a serviço de um espírito cuj a espirit ualidade est á essencialm ent e em seu poder de invenção; se o sábio não inv ent a a verdade ele a descobre a golpes de inv enções.”

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I .

Em “Filosofia da dança”11, Paul Valéry nos apresent a um a questão part icularm ente int eressante em relação ao t em a dest e t rabalho. Nesse ensaio, o autor m enciona a dificuldade não apenas de falar, m as, sobret udo, de explicar algo do qual ele não t ev e e nem t eria experiência int egral: a dança. Com o falar algo consist ent e e verdadeiram ente proveit oso sobre a dança sendo filósofo e não bailarino, ou sej a, não t endo a ex periência de com o se constitui ou se execut a um passo de dança, as evoluções corporais das pernas, braços, não t endo a idéia de com o se evolui, inclusive, no dom ínio t écnico dessa art e? Est a bem poderia ser a pergunt a que alguém “de fora”, um art ist a t alvez, faria à filosofia no m om ento em que est a se dispusesse a falar sobre a art e, ou com o se cost um a dizer, constituir um a Estét ica – e isto nos daria um a idéia do quão eqüidist ant es podem est ar artist a e filósofo de algo com um que os una. Quando enfim , responde Valéry, “ não se possui, para t rat ar dos prodígios que fazem as pernas, out ra coisa que não os recursos de um a cabeça, não encont ram os salvação senão num a filosofia – isto quer dizer que ret om am os as coisas de m uito longe com a esperança de fazer dissipar as dificuldades pela dist ância” .

Est a respost a pode cert am ente se constit uir no ponto cent ral de um a discussão geral acerca da relação ent re art e e filosofia, m as aqui neste estudo sobre a filosofia bergsoniana em part icular ela ganha contornos m ais precisos, que podem cont ribuir para o aprofundam ento da nossa quest ão inicial sobre o conhecim ento da realidade e a noção de criação.

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Freqüentem ent e a constit uição da Est ét ica com o disciplina filosófica se baseia fundam ent alm ent e nessa aplicação, para ut ilizar as palav ras de Valéry, dos “ recursos de um a cabeça” às quest ões relat ivas à experiência art ística. É sabido que ao longo de sua obra Bergson não const ituiu form alm ente um a Estética, não há nenhum a obra especialm ente dedicada à análise de obras de art e e do fenôm eno art íst ico em geral ou em part icular. Cert am ent e esta falt a não seria a principal razão para se negar a possibilidade de um a t eoria est ét ica do nosso filósofo, afinal, é preciso que se diga, o fato de não haver obra específica sobre o tem a não inviabiliza o reconhecim ento das condições de reflexão e a ex ist ência m esm a de um a reflexão em Bergson sobre a ex periência artística e a natureza da art e. Ainda assim , ou m elhor, ainda que se dispusesse a t al em preit ada, Bergson j am ais poderia const ituir um a reflexão sobre a art e nos m oldes dest a denunciada por Valéry, est a a qual não rest aria out ra alt ernat iva que não aplicar os “recursos de um a cabeça” a algo do qual o corpo não t em nem pode t er experiência int egral.

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assim concebida declara a art e seu obj et o e procura legit im ar sua at it ude especulat iva em relação a ele por m eio de um discurso conceit ual, ao buscar fundam ent ar sua especificidade, pode acabar, com o m uit as vezes acont eceu ao longo da história, por perder seu obj et o de vista e discut ir de cert a m aneira no vazio, de t ão dist ant e da realidade em pírica que lhe corresponde12.

De um a perspect iva bergsoniana, podem os depreender que o cam inho t rilhado por essa Est ética que se afast a de seu obj eto de est udo à m edida que se aprofunda em invest igações de ordem conceit ual na v erdade pouco cont ribui para a art e propriam ente dita, ou, m ais que isto, em relação a est a últ im a, ela é tot alm ent e prescindível, j á que a art e pode “ resolver” seus “ problem as” de m odo art íst ico. Melhor dizendo, os “ problem as” da arte, ou de um a art e específica, se “ resolvem ” na própria produção art íst ica, não nas especulações dos filósofos! E não haveria com o ser de out ra form a, um a vez que a art e, enquanto art e, ist o é, realidade de um a experiência específica e singular no m undo e para o m undo, só pode ser o que é se for um a at iv idade autônom a, que pode se alim ent ar e m esm o se apropriar da reflex ão filosófica, tanto quanto do que de m ais houver no m undo, e que nem por isso perde sua aut onom ia.

Nesse sent ido, é lícito dizer – e o afirm am os com L. Pareyson – que um a crítica de art e, na m edida em que sua natureza se dist ingue radicalm ent e da reflexão est ética, sej a possivelm ent e o que m ais se aproxim e do obj eto art ístico e o apreenda de fato, isto é, com o algo

12 Cf. Ernest Cassirer, sétim o capítulo de A Filosofia do I luminism o. Nele o autor nos

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vivo e present e no m undo13. De t odo m odo, esse conhecim ento “ de

art e”, nos diz Bergson, que deveria partir do art ist a, dificilm ent e poderia surgir de um est et a: "Sem desconhecer o valor desse m étodo, nem a utilidade que pode haver em rodear a obra de arte para tom ar o m aior núm ero possível de vistas sobre ela, pensam os que a est ét ica aguarda, para se const ituir definitivam ente, o dia em que algum grande art ist a fará para sua arte o que um Descart es fez por sua ciência, o dia em que ele será surpreendido em pleno ato de criação e em que t erá podido ext rair, das profundezas de si m esm o, os elem ent os de um novo Discurso do Método. Saberem os então por qual m ecanism o a em oção e a idéia se m at erializam em sons e em cores, escolhem seu ritm o e sua m edida. A est ét ica será fundada solidam ent e, e t am bém um a crít ica de art e que não com parará apenas obras a out ras obras, m as ainda e sobretudo a ela m esm a, ao que ela t eria sido se a m atéria, que é o inst rum ento, não fosse ao m esm o tem po obst áculo" 14. Mas e quanto ao filósofo?

Ainda que a quest ão da natureza, da especificidade da obra de art e e da experiência est ét ica perm eiem toda a obra filosófica bergsoniana, não há com o considerar num sent ido est rito a art e o obj et o dessa filosofia. Em Bergson, a arte em geral e m esm o as art es, ou cada arte em particular, não é encarada com o um “ fora” ao qual a filosofia procura aplicar sua reflex ão e incluí-la ao seu corpo próprio; ao contrário, a reflexão sobre a art e não apenas surge do problem a filosófico com o se const itui j unt am ent e com ele15. Em out ros t erm os, se há de fato um a discussão filosófica sobre arte, ou

13 “ Ora, poética e crítica, m esmo podendo ser traduzidas em ter m os de reflexão,

nem se incluem na est ética nem se identificam com ela, porque, de prefer ência, fazem par te de seu objeto, isto é, da experiência estética. ( ...) A crítica é o espelho no qual a obra se r eflete: ela pronuncia o seu juízo enquanto reconhece o valor da obra, isto é, enquanto repet e o juízo com que a obra, nascendo, aprovou a si mesm a” . ( Pareyson, L., Os Problem as da Estética, São Paulo, Martins Fontes, 1989, p. 21) .

14 Bergson, Mélanges, ano de 1914, pp.1119- 1120.

15 Mostrar com o isso se desenvolve na obra bergsoniana foi o principal objetivo da

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se se quiser, um a est ét ica, est a não se dest aca e nem se desenvolve de m odo independent e em relação à m et afísica bergsoniana. I st o porque, em Bergson, art e e filosofia se relacionam não ext eriorm ent e, t al com o num a abordagem de lit erat ura com parada, m as int im am ent e: a filosofia não fala sim plesm ent e sobre a art e, ela coincide com ela; e se não coincidisse, não falaria. Em out ras palav ras, se há em Bergson, com o acredit am os, um a afinidade entre art e e filosofia, est a só pode ser um a afinidade profunda, algo com o um a ligação int erior à própria art e e à própria filosofia, algo, enfim , que se dê m uit o m ais no plano de um a ex periência do que no de um

discurso16. Mas qual seria a experiência que um filósofo e um bailarino, para retom ar a fala de Valéry , ou poeta, ou m úsico, poderiam t er em com um ? Ant es de tudo, a experiência do esforço de criação17.

I I .

A idéia de criação, sobretudo em arte, é freqüent em ent e associada à espont aneidade. Um deixar-se levar sim plesm ente, principalm ent e pela capacidade de sentir, perceber e, conseqüentem ent e, im aginar, invent ar, a part ir de det erm inado est ím ulo externo ou interno. Avançando nesta idéia – e m esm o t endo em conta a revelação do art ist a m oderno, que desnuda a si próprio –,

16 Vale acrescent ar que dizer isto não é o m esm o que afirm ar que a filosofia

bergsoniana sej a literatur a, ou que literatura e filosofia sej am duas coisas indistintas par a nosso filósofo, nem tão pouco, como ressalta Gouhier, que “ a função do filósofo se confunda com a oper ação do artista. ( ...) A art e entra na met afísica par a lhe fornecer a im agem engrandecedora de um ato criador”. ( Gouhier, “ I ntrodução” , in BERGSON, Oeuvres, p. 29) .

17 Acreditam os que, em Bergson, uma reflexão sobre o fenômeno artístico sej a

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t alvez encont rem os ainda que a potência criativa sej a inversam ente proporcional ao esforço de elaboração da obra que dele result a: t anto m ais im buído em sua visão ou percepção especial, tanto m enos esforço despenderá o espírit o criador; e, de m odo inverso, onde m ais houver cont ato m at erial, t rabalho, resolução de problem as, fabricação enfim , m enos a intuição incidirá.

Mas será m esm o assim ? O que pode pretender, por exem plo, o poet a-ferram ent eiro? Seu t rabalho, com o em E. A. Poe, dirige-se ant es de t udo à produção de um efeito18. Diz o poet a preferir

com eçar com a escolha de um efeito – sem j am ais perder de vista a “originalidade” , a “ fonte de int eresse acessív el” ao art ista –, “efeitos

ou im pressões m ais apropriados à ocasião, aqueles aos quais o coração, o int electo, ou, de um m odo m ais geral, a alm a estej a m ais propensa”19. “ Cada ação que m ereça ser assim cham ada deve ser

est udada profundam ente at é que o nó sej a desfeit o; som ent e tendo sem pre present e o desfecho é que se pode dar à ação um carát er consistente”. Um t al efeito – neste caso, m enos um a conseqüência secundária do que o próprio núcleo do processo criador, e j ust am ente em v irtude disto – est á relacionado, assim , a um a cert a t ensão, a qual, por sua vez, será diret riz da ação em face de um sist em a com plexo de represent ações em vias de ocupar o int electo. Em oposição ao esforço int elect ual, que est á relacionado à tensão, há a alt ernat iva de um a atit ude de relax am ento em face desse m esm o

18 “ Muitos escritores – poetas em especial – prefer em deixar compreendido que

com põem sob um a espécie superior de frenesi – um a intuição ext asiante – e realm ente haveriam de estrem ecer ao deixar que o público espreitasse, por detr ás da cena, as elaborações e vacilações do pensam ent o bruto, as proposições verdadeiras que só apar ecem no último m omento, as inúmeras visões que não chegam à m aturidade nem à plena clareza, as proposições plenam ent e am adurecidas abandonadas em desespero com o inajust áveis, as escolhas e rej eições cautelosas, as penosas r asuras e intercalações; em um a palavr a: as rodas e pinos, os aparelhos dos cenários, as escadas e os alçapões, as penas de pavão, a tint a verm elha e o ret alho preto, os quais, em n ovent a e nove por cento dos casos, constituem as propriedades da histrio literária” ( POE, E. A., “ A Philosophy of Com position” . I N: The Portable Edgar Allan Poe, New York, Penguin, 1977, p. 551) .

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sist em a represent acional. Bergson, especialm ente em L’Effort I ntellectuel, nos m ost ra as razões desse ato criador, produtor de efeitos ou im pressões, est ar relacionado a um a t ensão e a um esforço, e não a um relaxam ento ou sim ples deix ar-se levar do espírito. E ainda, que esse esforço diz respeito a um a at iv idade int elect ual a qual, por sua vez, não se destaca de um a ação concreta, “fabricant e” , sobre a qual a própria m atéria a ser t rabalhada exerce t am bém influência.

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o pensam ento. O esforço agora é doloroso, e o result ado aleatório, m as é som ente ent ão que o espírito se sente ou se crê criador” 20.

É, pois, no próprio produto da ação, levando-se em conta as reações interiores e a form a que ele realiza, que encont ram os t udo o que é necessário para distinguir “o pensam ent o que se deix a viver” daquele que “se concent ra e faz esforço” . No caso de um a invenção ou criação, a ação é direcionada por um a t ensão e não por um relaxam ent o em virtude da atividade est ar vinculada à prom oção de um t ipo part icular de experiência, a da novidade – originalidade a qual, por princípio, não se encaixa nos m oldes j á dados pelas experiências j á viv idas. Criar exige, pois, um trabalho int elect ual int enso, v olt ado à subversão do sist em a represent acional ordinário e habit ual em proveito da m elhor adequação ent re um a origem e seu destino. Para retom ar Poe, o efeito ao qual o espírito est aria m ais propenso e que o poeta t em todo o tem po em vist a não dev e ser senão a determ inação de um a m oldura possível – dent re um a infinidade de outras igualm ent e possíveis – e, port anto, de um a unidade, para um a individualidade em vias de se const ituir: no caso, a obra.

Criar im aginat ivam ente é resolver um problem a, ressalt a Bergson cit ando M. Ribot . E acrescent a: “Ora, com o resolver um problem a de outra m aneira que não o supondo solucionado?”21.

Fazendo referência m enos a um a sínt ese de represent ações situadas num m esm o plano de consciência (o puram ent e abst rato) do que ao m ovim ento pelo qual um a represent ação sim ples (pura abst ração) se desenvolve em im agens (algo concret o, efet ivo), Bergson int roduz a noção de esquem a dinâm ico nas condições de gênese e de int eligibilidade do real-fenom enal: da percepção prim ordial à

20 DS, p. 1014.

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realização efetiva, a ação criadora deverá ser m ediada por um m ovim ento const ant e de t ransform ações, sugeridas pelo obj et o percebido, das relações abst ratas entre si em im agens concret as capazes de recobrir esse m esm o obj eto percebido. Sej a reprodução, sej a inv enção ou criação, todo processo de realização (passagem do abstrat o para o concreto) é m ediado pela ação esquem át ica, segundo Bergson, “ um a atitude int electual dest inada t anto a preparar a chegada de um a certa im agem precisa ( com o em relação à m em ória), quant o a organizar um j ogo m ais ou m enos prolongado ent re im agens concret as capazes de nele se inserirem ”22. É, cont udo,

no esforço de invenção que encont ram os as form as m ais alt as de esforço int elect ual. A im previsibilidade seria responsável pela tensão, pelo “ nó” , pela “hesit ação toda especial na qual se encont ra a caract eríst ica do esforço” , a qual apenas um a ação verdadeiram ente livre pode em algum a m edida resolver, pois a experiência de produção, nest e caso, deve estar relacionada não a um a descrição de relações form ais pré-existent es, m as à constit uição de relações novas e at uais, originalm ent e correspondentes, isto é, correspondentes à organização da própria experiência do devir23. O esquem a seria ent ão algo próxim o dessa “ solução suposta”, porém não prévia e em nada com parável a um a idéia pré-concebida ou pré-ex istente. O esquem atism o bergsoniano relaciona-se à idéia de um a im anência t ot al da form a em suas realizações graduais – a qual não t em nem cont eúdo próprio nem realidade independent e – escapando assim à ant inom ia tradicional do Uno e do Múltiplo, um a vez que só pode ser pensado num cont ext o ant iplat ônico em que o m olde do ser puro e est át ico dá lugar à individuação do próprio tipo.

22 ES, p. 957.

23“ À m edida que o inventor realiza os det alhes de sua m áquina, ele renuncia a um a

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Se, com o se diz aqui, a ação criadora consiste basicam ente na t ransform ação da m at éria com vistas a um fim – um efeit o, com o vim os –, v em os que a relação exist ente entre idealização e produção de um a obra é, ant es de t udo, um a relação de ident idade, j á que a com posição é “ processo de m at uração”, algo que se dá num t em po real, num a t em poralidade que é essencialm ent e m udança, m ovim ento cont ínuo em que perceber e produzir – ou, se se quiser, em que o problem a e sua solução – só podem se realizar num gesto único. O exem plo que o próprio Bergson nos oferece a respeit o do esforço corporal realizado para aprender um m ovim ento com plexo de dança pode bem nos aj udar a com preender m elhor sua noção de esquem a dinâm ico e, a part ir dele, a nat ureza da ação verdadeiram ente criadora.

Para realizar um m ovim ent o com plexo de dança, nos diz Bergson, com eçam os por percebê-lo. Para aprendê-lo, com eçam os por ver dançar. Em seguida, é preciso m em orizar o m ov im ento e execut á-lo, ou sej a, dar aos nossos olhos um a “im pressão sem elhant e” àquela que nossa m em ória guardou. Mas o que poderia guardar, num prim eiro m om ento, nossa m em ória? Não se pode dizer que sej a um a im pressão nít ida e definit iv a do m ovim ento visto, pois dizer assim im plicaria considerar que não há m ovim ent o a aprender e que, na verdade, j á vem os bem a dança m esm o desconhecendo-a com plet am ent e: “ ora, é evident e que, se para aprender essa dança, é preciso que se com ece por ver sua execução, inversam ent e, não a vem os bem , em seus detalhes e m esm o em seu conj unto, senão quando j á t em os algum hábit o de dançar”24. A im agem definit iva – a

dança plenam ent e aprendida – não deverá ser, pois, a prim eira im agem da qual irem os nos serv ir; est a deverá sofrer variações,

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t ornar-se progressivam ent e m ais precisa ao longo do aprendizado que ela própria está encarregada de dirigir.

Um a t al im agem não seria puram ente visual, com o ressalt a Bergson, t rat a-se de um a im agem t am bém m otriz, um a vez que diz respeito a um a evolução. E o que poderia ser um a im agem parcialm ent e visual, parcialm ent e m ot riz, ou m elhor, visual e m ot riz ao m esm o tem po? Algo m uito próxim o daquilo que Bergson cham a de

esquem a: um a indicação de configuração, que aproxim a as

lem branças adquiridas da im agem em form ação e vice-versa; ou, para ser m ais precisa, um “ desenho de relações, sobret udo t em porais, entre as part es sucessivas do m ovim ent o a ser execut ado” . A am plit ude dessa espécie de vai-e-volta ent re o esquem a e a im agem está diretam ent e relacionada à int ensidade do esforço despendido para realizar o m ovim ento. Saber dançar, neste caso, significa obt er de nosso corpo os m ovim entos sucessivos correspondent es ao m odelo que o esquem a, supost am ente com pleto, propõe. “Essas lem branças de sensações m ot rizes, à m edida que se revivificam , convertem -se em sensações m ot rizes reais e, conseqüentem ent e, em m ovim entos execut ados”25.

Para que o esquem a sej a recoberto pelas sensações m ot rizes correspondent es à dança, é necessário, pois, que haj a um a variedade de im agens m otoras parciais à disposição e que elas, j unt as, o preencham plenam ent e. Assim sendo, para que se cont raia o hábit o do m ovim ento novo e com plexo de dança é preciso que já se t enha o hábit o dos m ovim ent os elem ent ares nos quais a dança se com põe. “Refundir” novas com binações de m ovim entos elem ent ares significa, pois, criar um m ovim ento novo, aprendê-lo int eiram ent e. A dificuldade agora est á em que a experiência j á viv ida ou hábito dos m ovim entos elem ent ares essenciais à com posição do m ovim ento

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novo est ão ligados a out ras com binações, que com põem out ros m ovim entos m ais ou m enos com plexos, m as que não t êm qualquer relação ou proxim idade com aquele que se pret ende realizar. Ao cont rário, podem at é ser ant agônicos. Em se trat ando de um a valsa – e é à valsa que Bergson se refere em seu texto –, “o hábito de andar, por exem plo, cont raria a t ent at iva de dançar”. Em outros term os, o hábit o adquirido de m ovim ent ar-se dest a ou daquela m aneira, em função dest a ou daquela necessidade, transform a-se num verdadeiro em pecilho para a realização dos passos de valsa. O esquem a seria, nesse sent ido, um a abertura de cam inho, um contorno sugestivo para a nova form a, a nova m oldura para a experiência da nov a dança.

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invenção, tom ado em alguns segundos, ou que exij a anos”26. Ele é,

sobret udo, processo de m at uração, evolução, realização m at erial, const rução, elaboração t em poral. Tem poralidade essencialm ent e m usical.

I I I .

A ligação dos elem entos no t em po. É essa a m úsica que soa ao ouvido criador27. Um a m úsica não só para os ouvidos, m as de e para

t odos os sentidos. Ou, para ser m ais precisa, um a im agem sonora que, à sem elhança de um a m úsica propriam ente dit a, que liga as not as e seus sons num a m elodia, constit ui-se num a espécie de ligação interior dos elem entos envolvidos entre si e, ao m esm o t em po, nos m eios pelos quais esses elem entos darão form a à unidade criada. Pode-se dizer que, da perspect iv a bergsoniana, as leis da m úsica revelam em algum a m edida o desenrolar do pensam ent o, o qual não se reduz a um a racionalidade est rit a, m as alcança a dim ensão especificam ente hum ana da tem poralidade da consciência. A m úsica nos dá o próprio t em po, pois é origem , em oção original, realidade do puro devir, e, ao m esm o tem po, nos dá os m eios pelos quais apreendem os essa realidade essencialm ent e t em poral.

26 ES, p. 952- 953.

27 “A arte do escritor é sem elhante à ar t e do m úsico; m as não acreditem os que a

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O que torna a m úsica paradigm át ica para o bergsonism o é, sobret udo, o seu carát er sugest iv o. Sugest ão se opõe aqui à representação. E, neste ponto em especial, é a m úsica que aproxim a Bergson das artes de seu t em po. Com o acontece em relação, por exem plo, à m úsica de Debussy, ou “m úsica da duração” , nas palavras do filósofo. Um dos aspect os originais deste art ista que t alvez m ais o aproxim e da filosofia bergsoniana – e que aqui m ais nos int eressa ressalt ar – est á no m odo de com posição com o qual t rouxe à t ona um a nova concepção de t em poralidade narrativ a: “em que a descobert a de acont ecim entos sonoros, ou de segm ent os m ais ant igos, obriga a um a const ant e atenção, form ulada por um a

consciência participante”28. Em t erm os gerais, cont rariam ent e aos procedim ent os dos m úsicos que o ant ecederam m ais prox im am ente (clássicos e rom ânticos, por exem plo), que escolhiam um t em a específico e o desenvolviam no decorrer da peça, a m úsica de Debussy perseguia, pode-se dizer, “ int enções m usicais” feit as sobret udo de m at eriais sonoros – t im bres v ariados, escalas, gam as de t ons – que poderiam aparecer e desaparecer sem buscar qualquer desenvolvim ento; ou poderiam hesit ar e se v olt ar algum as vezes sobre si m esm os ant es m esm o de se desenvolverem , fazendo com que o t em a ou a idéia principal da obra passasse a t er duração efêm era, isto é, um desenv olvim ent o não linear ao longo do discurso m usical. Discurso não linear, cont udo expressivo e, dada sua im previsibilidade, im próprio a um a elaboração lógica à m aneira ortodoxa. “ Em Debussy , a m úsica é um afeto im aterial com o que encarregado de penet rar no eu int erior daquele que o escuta. A hipnose advém por m eio de um sim ples esquem a sonoro”29. Para

Bergson, os processos art íst icos possuem , ainda que sob um a form a m ais sut il, m ais “ espiritualizada” , as característ icas m esm as dos processos pelos quais norm alm ente se obt ém o est ado de hipnose. A

28 KREMER, J- F., Les Préludes pour piano de Debussy en correspondance avec À la

Rech erche du Temp Perdu de Marcel Proust, Paris, Kimé, 1996, p. 80.

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art e precisa prim eiram ente nos desligar de nossos hábit os perceptivos, j á que estes, com o vim os acim a, constituem -se num verdadeiro em pecilho para a percepção de um a novidade, de um a originalidade. A qual, por sua vez, não nos pode ser dada, m as unicam ent e recriada em nós, a part ir de um esforço próprio que t em com o ponto de part ida um a im agem não plenam ente definida, um efeito, um contorno enfim , sugest ivos. Com o num a com posição de Debussy, na m úsica, declara nosso filósofo, “o ritm o e o com passo suspendem a circulação norm al das nossas sensações e idéias fazendo oscilar a nossa at enção ent re pontos fixos (...). Se os sons m usicais agem m ais poderosam ente sobre nós do que os da natureza é porque a nat ureza se lim it a e exprim ir sent im entos, ao passo que a m úsica no-los sugere”30. É próprio de um a art e particularm ent e sugest iva im prim ir sent im entos, m uito m ais do que expressá-los, representá-los por m eio de sons ou palavras. Melhor dizendo, é sugest iva a art e que, ao se expressar, visa im prim ir: um processo ant es de t udo, processo de aut o-realização para um a consciência part icipat iva, m ovim ento de organização int erna, o qual, no caso do escrit or, “ consist e sobretudo em nos fazer esquecer que em prega palav ras” , e por m eio do qual o art ista, à sem elhança do m úsico, “busca cert a correspondência ent re as idas e vindas de seu espírito e de seu discurso” .

I V.

É de fundam ent al im portância, no nosso ent ender, apont ar a pert inência histórica da com preensão m usical bergsoniana, sobretudo porque, com o sublinha o próprio Bergson, est a se origina m enos de um a hipót ese do que de um a experiência. Cont udo, não se pode deixar de ressaltar a especificidade dessa com preensão m usical do ponto de vist a epist em ológico: no plano t eórico Bergson procura

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dissociar a m úsica com o fat o hist órico (circunscrit a, port ant o, a um t em po e lugar específicos) da m úsica com o fenôm eno tem poral universal31, v isando lançar a discussão ao âm ago da quest ão do

im pulso criador. Nas art es particulares, é verdade, m as não só ali: “Criação significa em oção. Não se t rata som ent e da lit eratura e da art e. Sabem os o que um a descobert a científica im plica de concent ração e de esforço. O gênio foi definido com o longa paciência. (...) É (a em oção) que im pele a inteligência para frente, apesar dos obstáculos. Ela sobret udo é que vivifica, ou antes, que vitaliza, os elem entos int elect uais com os quais fará corpo; j unt a a todo o m om ento o que se poderá organizar com eles, e obt ém finalm ent e do enunciado do problem a que ele se expanda em solução” 32.

Um a t al em oção diz respeito não à sensação física e seu equiv alent e psicológico. A em oção criadora em nada se assem elha à em oção com um , ist o é, às afecções result ant es de sensações e de associações de idéias, e não se reduz, com o estas, acrescent a nosso filósofo, à t ransposição psicológica de um a excit ação física. Para Bergson, há um a em oção cuj a origem não se encont ra no corpo físico, com o um a afecção corporal, m as diz respeito diret am ente ao espírito. Diz respeito ant es ao cont ato com a pura t em poralidade, que é duração, com a evolução do pensam ento em harm onia com o próprio m ovim ento propulsor da vida. Sobre esses dois tipos de em oção, diz-se ainda do prim eiro t ipo, ou sej a, sobre a em oção com um , que é infra-int elect ual, consecut iva a um a idéia ou im agem representada; em relação a ela “ o est ado sensível result a precisam ent e de um est ado int elect ual que nada lhe deve, que se basta a si m esm o e que, se lhe sofrer o efeito por ressonância, perde dele m ais do que recebe. É a agit ação da sensibilidade pela representação que nele desem boca; é dela que em geral se ocupam

31 Cf. CAPOGRECO, N., I N: Henri Bergson : esprit et langage, Sprimont, Pierre

Mardaga, 2001.

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os psicólogos, é nela que se pensa quando se cont rast a a sensibilidade com a inteligência ou quando se faz da em oção um a vago reflex o da represent ação”. Enquanto que sobre a em oção criadora cham ar-se-ia de supra-int elect ual, “ se a expressão não evocasse im ediat am ent e, e exclusivam ente, a idéia de cert a superioridade de valor; t rat a-se, ist o sim , de cert a ant erioridade no t em po, e da relação daquilo que engendra com o que é engendrado. De fato, só a em oção do segundo gênero pode tornar-se geradora de idéias”33. Nest e sentido, as idéias de em oção e percepção, em

Bergson, esclarecem um a a out ra, na m edida que est a últ im a é encarada, ant es de tudo, no seu sent ido estét ico, ist o é, com o

sim pat ia: inserção de um a personalidade (singularidade) no

m ovim ento vit al (t ot alidade) e, por conseguinte, ocasião de revelação – isto é, de realização em at os – dessa nat ureza no m undo.

Ent endida dessa m aneira, e oposto m esm o ao que um j ulgam ent o com um poderia est abelecer, não é a percepção que “prov oca” a em oção, que determ ina ou seleciona as lem branças, não é ela, enfim , responsável por suscit ar a em oção. Tudo se passa de m odo inverso: é a em oção que configura o essencial da percepção. Do m esm o m odo, não é a visão ou audição, por exem plo, que nos fazem buscar um a lem brança sem elhant e que propiciem o reconhecim ento do v isto e do ouv ido, m as “ a verdade é que é a lem brança que nos faz ver e ouvir; e que a percepção seria incapaz, por si só, de evocar a lem brança que a ela se assem elha, j á que para isso seria preciso que ela j á tivesse t om ado form a e fosse suficient em ent e com plet a; ora, ela apenas torna-se percepção com plet a e adquire form a dist int a por m eio da própria lem brança, a qual se insinua nela e lhe fornece a m aior parte de sua m at éria”34.

Assim , e para recuperarm os um dos exem plos de relação entre

33 DS, p. 1012.

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percepção e lem brança m ais significativos da hist ória da lit erat ura, não é o gosto da m adeleine que t raz a infância de Com bray para Marcel, m as é a infância “ perdida” , isto é, esquecida, guardada no “subsolo da consciência” , que “se coloca” no gost o da m adeleine. Dito de out ro m odo, do ponto de vist a bergsoniano, a sensação – no caso, o gost o – surge para o espírito do rom ancist a com o um a ocasião especial, única, singular – e, é preciso que se diga, que poderia nunca v ir a surgir – a qual seu inconscient e, sua m em ória int egral, o eu t em poral, verdadeiro (ou verdadeiram ent e viv o), não apenas encont rou, m as, num sent ido m ais preciso, criou para se m anifest ar. Torna-se assim perfeit am ente clara e com preensiva a felicidade alegada pelo escritor ao “ perceber” esse m om ento único, em que se pode sent ir verdadeiram ent e a vida35.

Mom ent o que, t am bém do ponto de vista bergsoniano, não possui nada de contem plativo, ist o é, de passiv idade, m as, ao cont rário, só se com plet a verdadeiram ent e num a exist ência, num a elaboração form al (form a que é ao m esm o t em po cont eúdo, porque, com o vim os, j á não se t rat a m ais de represent ações, sím bolos est át icos que visam transport ar para o plano da im obilidade o m ovente, m as um m ov im ent ar-se que é, acim a de tudo, passagem , t ransform ação). No caso do escrit or, essa criação se realiza com o obra literária36. É por m eio dest a que sua experiência dá-se

realm ente a conhecer: antes de t udo e principalm ent e, a si m esm o. De t odo m odo, e para além do âm bito art íst ico, o eu profundo, o eu das profundezas de nós m esm os, nos diz Bergson, est á sem pre aguardando um a ocasião (geralm ente rara, j á que a m aior parte do

35 “ Assim , o que acabava de deleitar o ser três ou quatro vezes suscitado em m im

talvez fossem m esm o fragm entos de exist ência subtraídos ao tempo, m as essa percepção, em bora de et ernidade er a fugidia. E não obstant e eu sentia com o o único fecundo e verdadeiro o prazer que ela me conceder a em raros intervalos de minha vida”. ( Proust, M., O t empo redescober t o, São Paulo, Globo, p.155) – grifo nosso.

36 “ Esse m eio que se m e afigurava o único, que era senão a feitura de um a obra de

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t em po perm anecem os ligados, por um a quest ão de sobrevivência, à vida prát ica e port anto à superfície da nossa personalidade e à ext erioridade) para se recolher num ponto e, a partir dele, fazer brot ar um a ação que, originária desse todo, irá proj etá-lo por inteiro no ext erior e, ao m esm o tem po, rem odelá-lo com plet am ente. É, enfim , por m eio desse ato livre e criador, que tem os acesso a nós m esm os, isto é, a esse conhecim ento m ais preciso de nós m esm os e t am bém da realidade da qual fazem os part e.

Henri Gouhier, na int rodução às obras com plet as de Bergson, enuncia sem rodeios a pergunt a sobre o que é, afinal, a em oção criadora do bergsonism o. E nos reenvia à declaração de Bergson, conferência de 1930, sobre sua experiência pessoal: “ Gost aria de ret ornar a um assunto sobre o qual já falei, a criação contínua de im previsível novidade que parece se seguir no universo. De m inha part e, acredit o experim ent á-la a cada inst ant e”37. O que em ocionara

e em ocionaria Bergson a qualquer t em po, prossegue Gouhier, é o fat o sim ples da ex istência do novo, ou m elhor, a percepção da

novidade radical em cada inst ante da vida e em t udo que vive. Algo que, em t erm os bergsonianos, define-se com o im previsibilidade. “Não se trat a, pois, de pseudo-novidade que seria v irt ual antes de ser at ual, que estaria por aí, escondida, ant es de aparecer, que seria im previsível unicam ent e porque nosso ent endim ento não teria a força de v ê-la. A em oção de Bergson não se liga a um a falt a de nosso espírito m as à plenitude da ex ist ência: é o ser redescobert o com o t em po”38.

Em resum o, ent ende-se que o processo do conhecim ento, em Bergson, não apenas não se rest ringe aos m ecanism os int elect uais superficiais, os quais não podem explicar a si próprios, isto é, são

37 PM, p. 1331.

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inst rum ent ais e em si desprov idos de significação39, com o t am bém

precisa ser ent endido a part ir do cont rast e ent re duas de suas inst âncias, a saber, a do conhecim ento abst rat o (cont em plação) e a da em oção criadora (int uição). A significação verdadeira só pode advir com o result ado de um a em oção; não é o m esm o que decodificação sim bólica e não se dá a part ir de um a representação pré-existente. Em oção que im plica lançar-se na pura m obilidade e que por sua vez est á relacionada m uit o m ais à vont ade do que à razão. Assim acont ece em relação às form as de art e e suas poéticas, à filosofia e seu m étodo, e em relação às m áx im as m orais: aquelas oriundas de um a em oção original (causa e não efeit o das representações) se im põem a part ir de um im pulso determ inado, um a orient ação, não de um a determ inação racional. I sto equivale dizer que o Conhecim ento pressupõe, necessariam ent e, a Experiência. “Em vão se alegará que esse salto adiant e não supôs atrás de si nenhum

esforço criador, que não exist a aqui nenhum a invenção com parável àquela do artist a. I sso seria esquecer que a m aior part e das grandes reform as alcançadas pareceram em princípio irrealizáveis, e que o eram de fato. Elas não poderiam se realizar senão num a sociedade cuj o est ado de alm a fosse j á aqueles que elas deveriam int roduzir para sua realização; m as existia ali um círculo do qual não se sairia se um a ou várias alm as privilegiadas, t endo dilat adas em si a alm a social, não t iv essem rom pido o círculo levando at rás de si a sociedade. Ora, esse é o m ilagre m esm o da criação art ística. Um a obra genial que com eça m esm o por desconcertar, poderá criar pouco a pouco unicam ent e por sua presença um a concepção de art e e um a at m osfera art ística que perm it am com preendê-la; ela ent ão se

39 O interesse, que sej a m esm o o do cientista pelo seu problem a, não existe à part e

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t ornará genial retrospectivam ent e: do cont rário perm aneceria o que era no com eço, sim plesm ent e desconcert ant e”40.

Num at o m enos refletido poder-se-ia m esm o supor – e m uitos adversários de Bergson j á o escreveram – que a intuição bergsoniana est iv esse no plano da contem plação. Mas, para Bergson, na esfera da cont em plação é que se encont ram j ustam ent e a at ividade puram ent e racional, as idéias e os conceitos fixos! Cont em plação é sinônim o de im obilidade, espécie de t orpor e encantam ento pelas idéias, enquanto que a int uição bergsoniana é j ust am ente o colocar-se em m ovim ento, é criação.

Volt am os, assim , à m úsica. Esta, ent endida ent ão com o produção int encional do t em po, dá sent ido à at ividade int elect ual hum ana, um a vez que rem ont a, int rinsecam ente, à sua gênese e à sua própria inteligibilidade, em seus diversos graus de com plexidade. Com o vim os dizendo at é aqui, em m eio a essa reflex ão não é só a concepção de art e de Bergson que está em paut a, m as t am bém , e principalm ent e, a sua própria concepção de filosofia. A ação criadora deve est ar na base de t odo conhecim ento41. O que não significa

negar pura e sim plesm ent e a racionalidade operant e do indivíduo, t am pouco de ret om ar o t em a da criação pelo out ro ext rem o, de um ocultism o ou intuicionism o m ístico. Em Bergson, a m úsica coincide com o fenôm eno da t em poralidade, que é duracional, ao m esm o t em po em que situa o plano m etodológico de acesso a ela; afasta a invest igação da esfera m íst ica e, ao m esm o t em po, das arm adilhas de um racionalism o est reito, fazendo-a erguer-se sobre o plano da experiência efet iva.

40 DS, p. 1038.

41 Fr eqüentem ente “ sucumbimos à ilusão de que o principal é discorrer sobre as

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V.

“ Repudiam os, pois, a facilidade. Recom endam os um a cert a m aneira difícil de pensar. Prezam os acim a de t udo o esforço. Com o alguns puderam se enganar? Não direm os nada dos que queriam que nossa ‘int uição’ fosse inst into ou sent im ento. Nenhum a linha do que escrevem os se presta a t al int erpretação. Em tudo o que escrev em os há a afirm ação cont rária: nossa intuição é reflexão. (...) Tensão, concent ração, t ais são as palavras pelas quais caract erizam os um m étodo que requer do espírito, para cada novo problem a, um esforço int eiram ente novo” 42.

Vencer, prim eiram ente, a resist ência da m at éria. Não no sentido de t ranscendê-la, m as ant es, no sent ido de superar os velhos hábit os – ligados por sua vez, às necessidades ou às contingências da vida social – em torno dos quais essa m at éria vem prim eiram ente, e nat uralm ent e, associar-se. Ult rapassar as im agens e form as rígidas que se interpõem ent re o indivíduo e sua consciência. Em favor de um a t em poralidade – m usical – Bergson recusa a dim ensão est át ica do pensam ento, privilegiando o contat o, a experiência qualit at iva que, a rigor, não pode ser t ranspost a ou t raduzida pela linguagem com um . Tam pouco pela linguagem conceitual. “Os conceitos são ext eriores uns aos outros, com o se fossem obj et os no espaço. E t êm a m esm a est abilidade que os obj etos, sobre cuj o m odelo foram criados. (...) são elem ent os m ais leves, m ais diáfanos, m ais fáceis de m anej ar pela int eligência do que a im agem pura e sim ples das coisas concret as; com efeito, j á não são a própria percepção das coisas, m as a represent ação do ato pelo qual a int eligência se fixa sobre elas. Já não são port anto im agens, m as sím bolos”43. A via de

42 PM, p. 1328- 1329.

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