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À vista da vila: a localidade e seus arredores Um distrito e sua sede

Freguesia do Ribeirão é hoje o nome conhecido por todos como da vila-sede de um dos distritos de Florianópolis,1 que se localiza no litoral sudoeste da Ilha de Santa Catarina, tendo este por topônimo Distrito de Ribeirão da Ilha – uma denominação oficial e atual. Já o título antigo de Freguesia de Nossa Senhora da Lapa teria sido oficialmente atribuído ao lugar em 1809.2 Quanto a esta última designação, alguns moradores lembram-na ligada à história de um sujeito de nome Manoel de Vargas Rodrigues que teria vindo, em 1760, para a antiga localidade do Simplício – atualmente denominada Barro Vermelho, contígua à vila-sede – trazendo uma imagem milagrosa da santa da Lapa, e para esta construindo uma capela em honra e devoção a Nossa Senhora (VÁRZEA, 1900, p. 126; PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 21).3 Em geral, o que é mais lembrado pelas pessoas diz respeito aos milagres da santa cujos favores os moradores não se cansam de exaltar, pois aqueles revelariam a bondade de Nossa Senhora da Lapa para com os ribeironenses e o lugar em que vivem.4 Agora, neste momento, interessa-me ressaltar que o título Freguesia, o qual no passado remoto (início do século XIX) fazia referência à região hoje compreendida como o Distrito de Ribeirão da Ilha, descrevia à época um território pouco povoado, ou melhor, pode-se dizer em inícios de povoamento, portanto, muito diferente do que se vê atualmente como o distrito – onde existem distintas localidades, cada qual com seu nome próprio –, e especialmente algo diverso do que os moradores entendem

1 Denominada Nossa Senhora do Desterro até o ano de 1894, quando por alteração legal passa

ao atual topônimo, a cidade de Florianópolis está administrativamente organizada em 12 distritos, a saber: Sede (parte insular e continental), Lagoa da Conceição, Pântano do Sul, Ratones, Ribeirão da Ilha, Santo Antônio de Lisboa, São João do Rio Vermelho, Campeche, Barra da Lagoa, Canasvieiras, Ingleses do Rio Vermelho e Cachoeira do Bom Jesus (IPUF; EDEME, 1999, p. 15; IPUF; ITIS, 2003). Com exceção da parte continental do Distrito Sede, todas as demais localidades encontram-se na Ilha.

2 Ao falar sobre mudanças no “contexto geográfico do traçado urbano” da antiga vila de

Desterro (atual cidade de Florianópolis) em 1740, a arquiteta Eliane Veras da Veiga (1993), seguindo a historiografia catarinense, lembra: “[...] De tal desenvolvimento [agrícola e manufatureiro] deriva que da freguesia ilhoa de N. Sra do Desterro desmembrou-se a de N. Sra da Lapa do Ribeirão e a da Santíssima Trindade detrás do Morro (1835)” (VEIGA, 1993, p. 35). Uma relação antiga entre a Freguesia do Ribeirão e a “cidade”, como dizem os moradores, será objeto de reflexão em momento oportuno.

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No primeiro capítulo da tese, informações colhidas da historiografia catarinense lembram a figura de Manoel de Vargas Rodrigues, que, aliás, aparece em algumas narrações com uma variação em seu nome. Ora está escrito como Manoel de Vargas Rodrigo, ora como Manoel de Valgas Rodrigues ou, como acima, Manoel de Vargas Rodrigues (PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 54).

hoje por Freguesia (a sede distrital), denominação que não tem mais sentido do ponto de vista legal, e que, no entanto, tem forte significado para os que nasceram nessa vila e habitam-na em nossos dias.

Figura 1 – “Centrinho” da vila - Rodovia Baldicero Filomeno ou “Rua de Baixo” (Fotomontagem Andrea Eichenberger)

Figura 2 – “Centrinho” da vila: família Silva e família Fraga (Fotos Marta Machado)

5 Por vezes, entre os/as moradores da Freguesia do Ribeirão, o nome popular que identifica

hoje a sede distrital (Freguesia) é substituído pelo nome oficial que identifica o distrito (Ribeirão). Ou seja, o nome Ribeirão é usado pelos moradores tanto para designar uma localidade distrital (no caso, a vila-sede) quanto para indicar o distrito como um todo. Algumas vezes, em suas falas, parece que a parte (a Freguesia) é tomada como o todo (o distrito), e vice- versa. É comum ouvi-los chamar a sede distrital de: “Ribeirão”, “Freguesia”, ou mesmo “Ribeirão da Ilha”. Este último, aliás, é o nome que identifica a Freguesia (a vila-sede) nos mapas oficiais. Em conversa com Nereu do Vale Pereira, o pesquisador concordou com a observação feita por mim sobre essa impressão peculiar referente ao uso dos nomes do distrito e da sua vila-sede pelos moradores. Contudo, na prática, estes sabem as diferenças que comportam tais denominações. Nereu do Vale Pereira observa: “O Ribeirão é um distrito de Florianópolis, não é mais freguesia. [...] A sede do distrito tem o título de vila. Do ponto de vista legal, a palavra freguesia não existe, hoje só no popular. É mais uma identificação cultural, histórica. Para a prefeitura, [a Freguesia] é a sede do distrito. Atualmente, nem [se chama] Nossa Senhora da Lapa, é só Ribeirão da Ilha” (PEREIRA, N., informação verbal em 31 de julho de 2012). Algumas pessoas da vila-sede explicam que “historicamente” o Ribeirão era uma freguesia por conta da colonização açoriana no sul do Brasil, lembrando que esse era “o modo de organização administrativa nos Açores” (uma comparação entre sistemas locais de vilas e freguesias nos Açores e em Santa Catarina encontra-se em FARIAS, 1998, p. 71).

Tal observação é oportuna quando se pensa a Freguesia do Ribeirão como sede de um distrito cuja extensão territorial corresponde à área bem mais abrangente, apontando-a como uma dentre outras localidades distritais. Inclusive, é interessante notar em termos populacionais, de acordo com o IBGE (2010), que o Distrito de Ribeirão da Ilha figura hoje como o quarto maior em população no município,6 superado apenas pelo Distrito Sede (primeiro) e pelos distritos de Campeche (segundo) e Ingleses (terceiro), números que são apresentados abaixo:

Distritos de Florianópolis/SC População residente (pessoas) Florianópolis (Sede) 249.477

Campeche 30.028

Ingleses do Rio Vermelho 29.814

Ribeirão da Ilha 26.994

Cachoeira do Bom Jesus 18.427

Canasvieiras 18.091

São João do Rio Vermelho 13.513

Lagoa da Conceição 11.811

Pântano do Sul 7.397

Santo Antônio de Lisboa 6.343

Barra da Lagoa 5.674

Ratones 3.671

Quadro 1: Relação dos distritos de Florianópolis/SC e sua população (Censo Demográfico 2010)

6 Quanto ao município de Florianópolis, o seu território corresponde a uma área de 675,409

km² (IBGE 2010), sendo que a parte insular (o que é chamado “a Ilha”), “situada entre os paralelos de 27º 22' e 27º 50' de latitude Sul e entre os meridianos de 48º 20' e 48º 35' de longitude Oeste de Greenwich, possui uma área de aproximadamente 424,4 km², de forma alongada no sentido norte-sul (54/18 km)” (ORTH, 2005, p. 7). Sobre o número de habitantes da capital do Estado, segundo dados do Censo Demográfico do IBGE em 2010, ele era de 421.240 pessoas.

Figura 3 – Freguesia do Ribeirão, detalhe do “Centrinho” (Fonte: geo.pmf.sc.gov.br)

Ora, informalmente, muitos moradores lembram como lugares pertencentes ao Distrito de Ribeirão da Ilha apenas aqueles imediata ou mediatamente avizinhados com a Freguesia, ou seja, de modo particular os que estão situados ao longo da Rodovia Baldicero Filomeno,7 em geral, seguindo esta ordem de localização, “do trevo do Erasmo8

até

7 Em seu estudo “Sou daqui, da Caieira da Barra do sul”: parentesco, família, casa e pertença

em uma localidade no sul do Brasil, Raquel Wiggers (2006) lembra a importância da Rodovia Baldicero Filomeno para as mudanças percebidas nessa localidade do Distrito de Ribeirão da Ilha a partir de 1978: “Em 1975 a Rodovia Baldicero Filomeno foi aberta respeitando um caminho antigo, uma trilha no mato, que costeava o mar e servia a todas as propriedades ao longo do trajeto até o centro da cidade [de Florianópolis]. [...] A estrada dividiu os terrenos em duas partes, uma para o lado da praia, outra para o lado do morro. [...] Assim, logo após a divisão dos terrenos pela abertura da estrada, aqueles localizados do lado da praia foram sendo vendidos para pessoas ‘de fora’ do bairro, que os procuravam para suas casas de veraneio. [...]” (WIGGERS, 2006, p. 26-28, grifo da autora). Cabe lembrar que, quando da sua abertura, essa estrada possuía outro nome, homenageando uma figura, segundo a história local, muito conhecida no Ribeirão e fora deste: o chamado “poeta do Brejo” (Rua Marcelino Antônio Dutra). Nascido na Costeira do Ribeirão (1809-1869), Marcelino tem, ainda hoje, seu nome ligado à estrada por diversos moradores da Freguesia, que lamentam a troca de nome. A questão dessa mudança e seus detalhes serão mencionados oportunamente. Quanto ao homenageado, além da poesia, ele desenvolveu atividades como político (vereador e deputado estadual), juiz de paz e promotor público em Florianópolis (ver mais detalhes sobre a vida do morador em PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 136-137).

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O nome faz menção a um antigo morador local (Erasmo Antunes, nascido no distrito em 1923) que tinha comércio “bem no trevo”, i.e., nas imediações do lugar conhecido pelos moradores como Fazenda do Rio Tavares (sentido sul da Ilha), próximo ao entroncamento de vias (encruzo designado oficialmente como “Santa Cruz do Erasmo”) que dá acesso à Rodovia Baldicero Filomeno. Esta, que é uma rodovia estadual, começa na localidade de Alto Ribeirão (no trevo), e, logo no início da estrada, há uma placa indicativa de sua denominação. Mais

Naufragados”: Alto Ribeirão, Canto do Rio (ou Candonga), Barro Vermelho, Freguesia, Costeira do Ribeirão, Caiacangaçu, Tapera do Sul, Caieira da Barra do Sul e Naufragados. Algumas pessoas, porém, mostram conhecer a região em seus detalhes. Nesse sentido, elas falam das localidades distritais sublinhando, por exemplo, aquilo que identificam como mudanças vindas em consequência das melhorias do sistema viário no distrito em época recente, como é o caso da Rodovia Aparício Ramos Cordeiro, assim denominada oficialmente em 1998. Intendente no sul da Ilha entre os anos de 1997 e 2000, Osvaldo Laurindo observa sobre o traçado do Distrito de Ribeirão da Ilha hoje:

O distrito pega desde lá do Erasmo, ali das Areias (ali tem mais duas ruas, só) [...] Pega dali até a polícia rodoviária lá. Da polícia rodoviária pra cá, um pedaço é do Ribeirão, pega toda a área da Tapera (só que o asfalto, a manutenção é do Estado). [...] Que antigamente... Eles faziam [a delimitação dos lugares] pelo traçado dos rios. [...] Antes de chegar à polícia rodoviária, tu olhas, tem um riozinho lá. Então, eles faziam aquele traçado. Aquele traçado vai, vai, corre lá... Dali pra cá, pertence ao distrito do Ribeirão. Pra lá, já é uma parte do Pântano do Sul, outra parte, do Campeche – que pertencia à Lagoa, agora o Campeche é um distrito. Então, eles faziam o traçado pelos riozinhos. [...] Na polícia, ali tem um traçado, pega essa parte dali da Tapera, que vai ali pra Tapera – estrada nova que pertence ao distrito do Ribeirão –, e vem toda vida, vai até a Barra do Sul. [...] Carianos, tinha uma época, pertencia ao Ribeirão. Não pertence mais. Depois que fizeram a interferência [a construção da nova

informações sobre o referido morador podem ser encontradas em PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 134-135.

9 Candonga faz alusão ao apelido de um antigo comerciante (falecido) do Ribeirão que tinha

armazém – de “secos e molhados”, como dizem os moradores – nessa região próxima à localidade designada Tapera (Mirim), também pertencente ao mesmo distrito. As pessoas da Freguesia usam também a expressão “lá no Zeca do Candonga”, reportando-se ao ponto cuja referência é o “filho do Candonga”, que continuou a tocar, por muitos anos, a venda do pai quando da morte deste. Hoje, o armazém não existe mais; o imóvel, que é ainda de parte da família, está alugado para outro comércio, mas esse trecho continua a ser chamado de Candonga, ou, mais frequentemente, Zeca do Candonga (segundo moradores, Zeca “deve estar” com mais de 80 anos). Agora, conforme a observação acima, é recorrente ouvir pessoas citando mais os lugares situados ao longo da Rodovia Baldicero Filomeno, o que é o caso, por exemplo, do Candonga (ou Canto do Rio), e não o da Tapera Mirim (ou da Base Aérea).

estrada, a Rodovia Aparício Ramos Cordeiro, em 1998], tiraram fora. Mas, na prefeitura, ainda consta como se fosse pertencente ao distrito do Ribeirão. Mas, aí, com essa interferência da estrada ali, eles botaram, a prefeitura botou [Carianos] como núcleo lá do centro, como pertencendo ao Saco dos Limões. [...] Sempre foi considerado do Ribeirão. Mas, depois, de uns anos pra cá, depois que houve essa interferência da estrada ali... [...] Dentro do contexto [local], podes colocar [Carianos] como [se] fosse... [do distrito]. (Osvaldo Laurindo, informação verbal em 02 de agosto de 2014).10

No contexto distrital: o “como se fosse” das/dos moradores

Embora as/os moradores da Freguesia reconheçam o importante papel das duas rodovias estaduais dentro do território distrital, por esse comentário acima, referindo-se à “estrada nova”, o morador lembra algo interessante, i.e., um aspecto de “interferência da estrada”, por assim dizer, na geopolítica de delimitação do distrito. Ou seja, uma interferência pode significar muitas coisas para as pessoas do lugar, desde os melhoramentos (reivindicados) dos acessos às localidades distritais até a reconfiguração destas, como resultado das transformações operadas no distrito pelos órgãos e agentes públicos de Florianópolis e de Santa Catarina nos últimos anos. Ou pode, ainda, apontar para o “contexto” local, onde algo simplesmente pode ser “como fosse” (ou como não fosse) do Distrito de Ribeirão da Ilha, como sugere finalmente o morador.11 Em outras palavras, as relações estabelecidas

10 Conhecido por todos como “Vadinho”, Osvaldo Laurindo tem hoje 60 anos de idade, é

nascido no bairro do Saco dos Limões (sua mãe nasceu na Freguesia do Ribeirão, e seu pai era de um dos morros do centro de Florianópolis). O morador lembra que foi criado na Freguesia. Casado, há 37 anos, com Angela Laurindo (nascida em Brusque/SC), o casal tem duas filhas (casadas) e dois netos, e até recentemente morava numa casa comprada por Vadinho (em 1977) de seu avô materno, que se localiza na parte central da vila-sede, de frente para o mar. Hoje, uma das filhas mora com a sua “família” (marido e filho) nessa casa, o Vadinho e sua esposa moram na casa de trás (no mesmo terreno), construída também em época recente.

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Sobre a informação, acima transcrita, da localidade de Carianos não pertencer mais ao Ribeirão, fiquei surpresa ao recebê-la, pois o que consta na prefeitura de Florianópolis é contrário a essa afirmação. Em visita recente a Câmara Municipal de Florianópolis/CMF, foi possível confirmar que Carianos pertence ao distrito. Na ocasião, comentei sobre essa suposta mudança no traçado distrital, informada por um morador. Um funcionário do setor Assessoria de Engenharia, Urbanismo e Arquitetura da Câmara lembrou, então, que, às vezes, pode

localmente pelos moradores de cada lugar é o que, de fato, importam ser pensadas aqui. Nessa perspectiva, parece apropriado refletir sobre o modo como os moradores da vila-sede falam das localidades que formam o distrito, em torno, ou melhor, ao longo da Rodovia Baldicero Filomeno. Na página seguinte, para ter-se uma ideia cartográfica da região em pauta, o mapa apresenta os 12 distritos administrativos municipais, destacando o Distrito Sede e o Distrito de Ribeirão da Ilha. Nesse caso, é possível notar os limites territoriais dos distritos, especialmente os do Ribeirão.12

acontecer das pessoas de determinada região não se “identificarem” com alguma localidade. Se as pessoas da Freguesia não se identificam com Carianos, ou, como procuro observar, se este lugar não faz parte dos nomes locais acionados frequentemente para indicar a formação do distrito, é algo interessante a ser pensado desde as relações locais ainda neste capítulo da tese.

12 A região costeira do Ribeirão da Ilha na qual se avista uma única e longa estrada (de mão

dupla) passando por diversas localidades, do “trevo do Erasmo” até a Caieira da Barra do Sul, é apenas parte do distrito do Ribeirão, que compreende outros trechos. Segundo o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis/IPUF, o distrito é constituído por: Alto Ribeirão; Barro Vermelho; Caiacangaçu; Caieira da Barra do Sul; Carianos; Costeira do Ribeirão; Freguesia do Ribeirão (sede distrital); Praia dos Naufragados; Tapera; Sertão do Peri (IPUF; EDEME, 1999, p. 84; IPUF; ITIS, 2003). A maioria dos nomes que é lembrada pelos moradores quando eles se referem à formação do distrito, de maneira particular, indica aqueles lugares pelos quais a Rodovia Baldicero Filomeno passa. Tal via se estende por vários desses trechos, situando-os, hoje, às suas margens e ao longo da estrada, em regiões contíguas, ou mais ou menos próximas da vila-sede. Já PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO (1990) apresentavam mais particularidades quanto ao número e aos nomes locais do distrito: “Freguesia-Sede, Alto Ribeirão, Areias do Morro das Pedras (parte), Areias, Carianos, Tapera do Sul, Tapera Mirim ou da Base [Aérea], Ressacada, Porto do Ribeirão ou Candonga ou Canto do Rio, Pedregal, Caiacanga-Açu, Caieira da Barra Sul, Naufragados, Barro Vermelho, Sertão do Peri ou Sertão do Ribeirão e Sertão dos Indaiá” (PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 25).

Figura 4 – Os distritos do município de Florianópolis, destaque para o Distrito Sede e o Distrito de Ribeirão da Ilha, fonte IPUF.

O curioso é perceber, pela fala dos moradores da Freguesia, o destaque para um traçado do distrito ligado à presença da citada Rodovia Baldicero Filomeno e dos trechos distritais referidos a ela nessa delimitação local. Ora, os moradores desconhecem os limites que corresponderiam ao seu distrito e/ou a existência de outras áreas a ele pertencentes? Creio não ser este o caso. Mais interessante seria anotar que os ribeironenses da sede distrital recorrem a uma acepção local de pertencimento ao Ribeirão que se faz sentir pelas relações de certa vizinhança13 entre os lugares supracitados, ou melhor, de mais ou menos proximidade entre os diversos locais e seus habitantes, e, em todo caso, pela importância de pertencerem todos ao “Ribeirão” – um lugar de “muita história”, de “antigamente” –, onde as famílias teriam se constituído e vivido “sempre”, de modo particular, reconhecendo nele a sua “casa”, a sua área, o espaço das suas relações de família. Manifestam também o seu entendimento de certo predomínio econômico e político da vila-sede com relação às demais localidades no contexto do distrito, e até no da cidade de Florianópolis (voltarei ao assunto mais adiante). Em outras palavras, a Freguesia do Ribeirão teria a sua precedência histórica marcada pelos inícios da vida das famílias no lugar e pela longa permanência das mesmas nessa região tão antiga da cidade.14 Como ressalta o morador:

[...] Aqui... é um distrito, né? [...] Por exemplo, se tu vens para cá, [tu dizes] “eu vou na Freguesia”. Que a Freguesia era conhecida antigamente como um ponto de troca de mercadorias. Por exemplo, o pessoal que vinha lá da Barra do Sul trazia a mercadoria – o que plantava, o peixe –, aqui seria o ponto de troca, já levava outras coisas daqui pra

13 Ao discorrer sobre os critérios de definição das Unidades Espaciais de Planejamento (UEPs)

do município de Florianópolis, Amilton Vergara de Souza (1996), então arquiteto do IPUF, lembrava a concepção urbanística de “unidade de vizinhança”. E citando várias pesquisas na literatura especializada: “[...] estudos... detectaram que o ser humano só domina sensorialmente, só cria um sentido de lugar e só se identifica com territórios com área de até 2 km² e distâncias inferiores a 1500 metros. Foi comprovado que a orientação espacial nas cidades decresce de regiões para vias e, posteriormente, marcos visuais, podendo chegar a chaves visuais, conforme o tempo de residência e o domínio do espaço possuídos pelo cidadão” (SOUZA, 1996, p. 1-3).

14 Falando sobre a história de Florianópolis na segunda metade do século XIX, Paulino

Cardoso (2008) lembra: “Ao Sul, embora o Rio Tavares fosse o mais importante curso d’água navegável, era a Freguesia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão que constituía o principal núcleo populacional” (CARDOSO, 2008, p. 55).

lá... . Do Alto Ribeirão [também vinham pessoas]... . Como tem a Freguesia da Lagoa, a Freguesia de Canasvieiras... Então, existem as freguesias, de onde se formaram os distritos, né? (Osvaldo Laurindo, informação verbal em 19 de outubro de 2007).15

Figura 5 – Centro histórico da Freguesia do Ribeirão (Foto Marta Machado) Talvez por ser a sede do distrito e ter a mesma referência toponímica (Ribeirão da Ilha), a Freguesia – uma parte – seja facilmente tomada pelo todo – o Distrito de Ribeirão da Ilha – na fala dos moradores em diversas ocasiões. Mas, efetivamente, atribui-se um mérito especial ao lugar pelo significado histórico que este carrega como “o ponto” em que a vida das famílias se desenvolvia no passado pelas trocas de mercadorias, por exemplo, como se leu acima. E, certamente, não só trocas desse tipo. Nos dias de hoje, a Freguesia

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Funcionário aposentado da Prefeitura Municipal de Florianópolis/PMF, Osvaldo Laurindo (o “Vadinho”) foi intendente no sul da Ilha entre os anos de 1997 e 2000. Atualmente, segundo relato recente do próprio Vadinho, tendo aceitado um convite do prefeito de Florianópolis (César Souza Júnior), ele trabalha como “gerente de obras” na Secretaria de Obras do município. Mais informações sobre o morador são encontradas em nota anterior neste capítulo.

guarda ainda um valor distinto como um centro aglutinador de atividades comerciais e profissionais, de eventos religiosos, políticos e