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História seletiva: por entre narrativas da historiografia catarinense

Por uma história de açorianos em Santa Catarina

A historiografia catarinense também conta. É interessante pensar como ela narra, por quais fios puxa uma rede de informações que tecem um quadro histórico da colonização açoriana no sul do Brasil, em especial, no litoral sudoeste da Ilha de Santa Catarina, onde se localiza a Freguesia do Ribeirão. Nesse sentido, há inúmeros trabalhos que discorrem sobre a presença de “casais açorianos” no Estado. Eles teriam sido trazidos para Santa Catarina, de maneira significativa, no século XVIII, a fim de garantir a posse portuguesa das terras (e dos mares) do Brasil em disputa com os espanhóis. As narrativas são diversas. Dentre livros antigos e publicações recentes que escrevem essa história, encontram-se relatos ora mais apaixonados pela descrição dos eventos como “a saga” ou “a epopeia açórico-madeirense” na região sul do país entre 1748 e 1756, num impulso colonizador de cujas origens alguns historiadores locais procuram mostrar os benefícios políticos e culturais para Santa Catarina e para o Brasil (VÁRZEA, 1900; CABRAL, 1987; PIAZZA, 1992; 1994 [1982]; FARIAS 1998; PEREIRA 2003, dentre outros); ora mais comprometidos com uma história social ou próximos de uma descrição etnográfica orientada pelo interesse em mostrar de forma mais simples e direta – sem ser simplista e ingênua – as políticas de povoamento em que pessoas de carne e osso e seus dramas humanos são analisados criticamente em contextos sociopolíticos determinados

(PEDRO et al. 1988; FLORES, 1997; 2000; SANTOS, 2004; CARDOSO, P. 2008; MAMIGONIAN; VIDAL, 2013, entre outros).

Agora, em se tratando de história escrita, os diversos autores procuram organizar os eventos que apontam para um marco inicial da presença europeia em Santa Catarina, falando das peculiaridades que teriam envolvido a colonização e o povoamento das regiões litorâneas do Estado, particularmente do estabelecimento de povoadores em Desterro (antigo nome de Florianópolis) e suas áreas insulares. Nesses relatos, europeus e açorianos são indicações recorrentes para descrição da origem dos primeiros habitantes das terras cobiçadas por espanhóis e portugueses.33 Uma história que procura se aproximar de uma descrição

etnográfica olha as práticas, os discursos e as narrativas dos agentes históricos, e seus significados nos contextos em que se produzem. Assim procuro fazê-lo nesta seção, elegendo algumas formas de contar uma história escrita de “portugueses açorianos”, tal qual o modo de contar (uma história vivida hoje) dos ribeironenses me permite pensar.

Açores dá nome ao arquipélago formado por nove ilhas que foi descoberto e povoado pelos portugueses nos inícios do século XV.34 As ilhas açorianas tornaram-se região de comércio para as muitas rotas que atravessavam o Oceano Atlântico, no meio do qual está situado o

33 Privilegio, aqui, uma síntese tomada de relatos históricos que, de maneira geral, tentam

capturar os inícios do povoamento de Santa Catarina, no sentido de compreender alguns dos aspectos sociopolíticos da colonização açoriana lembrados pela historiografia quanto às povoações no litoral sul do Brasil. Certamente, por se tratar de um recorte que procuro compor com os demais itens deste capítulo, ele tem os limites de tal propósito. Contudo, é oportuno anotar que, antes das viagens marítimas de exploradores europeus (desde o século XV) e de povoadores açorianos (século XVIII), ou, antes desse processo de conquista do Brasil por quase cinco séculos, já havia outros habitantes nessa região: indígenas viviam também na Ilha de Santa Catarina e no litoral fronteiro, e foram chamados de “carijó” pelos europeus (SANTOS, 2004, p. 21-27; ver também VÁRZEA, 1900; PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 50-52; mais recentemente, MAMIGONIAN; VIDAL, 2013). Por outro lado, europeus desbravadores dessas terras e mares não eram somente portugueses e espanhóis, como é sabido (SANTOS, 2004, p. 15-18). Quanto a estes, representando diferentes interesses ligados à coroa portuguesa e à coroa espanhola, em relações mais ou menos tensas, os navegadores cumpriam determinações reais, cujo objetivo era fixar direitos e legalizar junto ao papa, desde a Europa, as terras descobertas (SANTOS, 2004, p. 29-33; ver também PIAZZA, 1994, p. 19-22; mais recentemente, MAMIGONIAN; CARDOSO, VH. 2013; na perspectiva da cristianização espanhola da Amazônia colonial [século XVII], ver TORRES-LONDOÑO, 2008, p. 165-186, dentre outros). Há igualmente que lembrar o estabelecimento de vicentinos no sul do Brasil (século XVII), em particular no litoral de Santa Catarina (PEDRO et al. 1988, p. 12-14; PIAZZA, 1994, p. 29-33; FLORES, 2000, p. 35-42; SANTOS, 2004, p. 37-40; MAMIGONIAN; CARDOSO, VH. 2013). Por fim, é oportuno observar que alguns moradores da Freguesia do Ribeirão falam da presença de “índios” no lugar em tempos longínquos, embora não saibam detalhar a informação.

34 Para conhecer outros pormenores sobre as características gerais do arquipélago dos Açores,

referido arquipélago. Este se transformou num ponto de trocas para vários lugares do mundo (Europa, Índia, China, Brasil dentre outros). A agricultura era promissora, sendo o trigo a produção mais importante das ilhas, embora a acumulação de muita terra em mãos de poucos proprietários tenha desencadeado um problema social grave, sobretudo em épocas de crise na agricultura:

O memorialista conta, ainda, outro fato que demonstra a escassez de alimentos no ano de 1751 [Ilha Terceira]. Em 16 de maio, muitos casais açorianos estavam alistados para embarcarem rumo à Santa Catarina, no Brasil. O administrador do contrato da viagem havia comprado uma grande quantidade de trigo para a provisão de viagem, mas o presidente da câmara quis embargar a carga, alegando que havia falta de alimentação na Ilha. Para ter suas sacas de trigo liberadas para a viagem, o administrador precisou explicar que era para alimentar os colonizadores durante a viagem. (FLORES, 2000, p. 9).

A falta de terra e de trabalho para grande parte dos moradores das ilhas, os momentos de crise econômica pelo esgotamento das terras cultiváveis, e a necessidade de sobrevivência diante da inexistência de opções aos mais pobres teriam imprimido na gente açoriana uma prática emigratória, que era promovida pelas autoridades locais sob a égide da coroa portuguesa.35 Nesse sentido, o surgimento das baleeiras em fins do século XVIII também iria alimentar as esperanças dos ilhéus que desejavam ganhar mundo e buscar melhores condições de vida. Ilhéus, açorianos e africanos, trabalhavam na caça às baleias, estes últimos, como escravos. A captura das baleias e a extração do óleo eram atividades que interessavam muito ao comércio da época:

Nesse tempo não havia proteção às baleias, e elas eram apanhadas para fornecer óleo. A caça era

35 A historiadora Maria Bernadete Ramos Flores (2000, p. 21-22) lembra que, na literatura

açoriana, a prática emigratória nos Açores recebe diversas explicações. Uma delas seria a questão econômica ligada às crises na agricultura, gerando problemas de alimentação para os habitantes; outra seria a insegurança provocada na população pelas histórias de vulcões característicos às terras que formam o solo das ilhas, e a dúvida sobre um possível despertar de fenômenos devastadores; ou, as histórias de piratas (final do século XVII) e seus ataques a navios de mercadorias; ou ainda, uma razão psicológica, que compreenderia o mar e a visão cotidiana do mesmo como “um eterno convite para a aventura”.

feita em canoas, equipadas de arpões, lanças, linhas e tudo o mais que era necessário para prender e matar cetáceos gigantescos e pesados. Uma vez morta, a baleia era presa ao casco do navio e a gordura retirada e derretida a bordo. De uma maneira geral, um navio baleeiro não regressava ao porto de origem senão quando estivesse com os porões cheios de barris de óleo. Na Nova Inglaterra, no Brasil, em vários portos do globo, armavam-se os navios baleeiros, onde a tripulação matava as baleias, derretia o toucinho e extraía o óleo. (FLORES, 2000, p. 14).

Nos séculos XVIII e XIX, viajantes estrangeiros registravam em seus relatos sobre as ilhas aspectos particulares dos seus habitantes. Assim, com seu “caráter alegre e expansivo”, eles são lembrados pelo amor: à música, à dança, às representações teatrais, aos encontros de mascaradas, ao carnaval, às cavalhadas e corridas de touros, ou ainda, às festas do Espírito Santo e às festas de São João, como também às “reuniões em família” (FLORES, 2000, p. 18). Outro aspecto peculiar atribuído à vida dos ilhéus açoriano é um constante dilema entre partir ou permanecer no arquipélago. Ou seja, “uma cultura migratória já faz parte dos Açores: partir ou esperar por alguém que volta, trazendo notícias, riquezas ou novos parentes que falam outra língua e vestem trajes diferentes” (FLORES, 2000, p. 20). A gente das ilhas que sonhava com uma nova vida teve, para além-mar, o Brasil colonial como destino no século XVIII, cuja possessão Portugal queria garantir com uma política de povoamento, assegurando os limites territoriais pela ocupação humana e pela exploração econômica dos territórios conquistados.36 Igualmente, o envio de casais, de famílias inteiras e de outros povoadores para as colônias portuguesas era motivado por uma estratégia de equilíbrio demográfico nos Açores em tempos de crise na agricultura e de consequente escassez de alimentos para seus habitantes (FLORES, 2000, p. 23-42). Em outras palavras:

Por decisão do Conselho Ultramarino, Portugal, em 1746, resolveu promover a emigração de açorianos para a Ilha de Santa Catarina, litoral fronteiro e Rio Grande. [...] Havia escassez de

36 A colonização portuguesa no Brasil foi inicialmente motivada “pela produção do valor

através da intensiva exploração de produtos agrícolas tropicais e de minérios” (PEDRO et al. 1988, p. 12).

terras agricultáveis e de criação e, não raro, a miséria era vivida por muita gente. Portugal imaginou resolver de uma só vez dois problemas. Diminuir a pressão demográfica e suas consequências no arquipélago, e garantir a infraestrutura necessária aos seus projetos de expansão e domínio no Sul do Brasil. (SANTOS, 2004, p. 49).37

De estratégias e ocupação territorial: os casais, as famílias, os açorianos...

A Ilha de Santa Catarina – onde a povoação efetiva por portugueses teria se dado somente em meados do século XVII38 – tornar-se-ia, no século seguinte, um lugar estratégico para uma ação mais planejada da coroa portuguesa, no sentido de ocupação das áreas de fronteira em disputa com espanhóis no sul do Brasil (PEDRO et al. 1988, p. 12-15; FLORES, 2000, p. 36-39; MAMIGONIAN; CARDOSO, VH. 2013). Os colonos açorianos e madeirenses eram, assim, trazidos para a Ilha e para o litoral fronteiro de Santa Catarina, a fim de cumprir o propósito do rei de Portugal, i.e., estabelecer uma colonização estável que lhe garantisse a posse do território catarinense: “O rei queria famílias jovens e numerosas, com homens experientes no amanho das terras e na criação de gado, e mulheres habituadas às lides domésticas e destras na arte de fiação” (FLORES, 2000, p. 39s). Casais jovens, famílias e pessoas solteiras, respondendo aos apelos do rei, alistavam-se para a viagem ao Brasil, confiantes nas ofertas régias: transporte gratuito; terras; armas; ferramentas agrícolas e outros objetos; animais; alimentos etc. Muitas das coisas prometidas ficaram apenas como promessa. E as famílias de colonos frustravam-se quanto às expectativas de dias melhores no Brasil (FLORES, 2000, p. 43-67; SANTOS, 2004, p. 47-51).

37 O povoamento do litoral de Santa Catarina foi motivado por disputas político-militares entre

Espanha e Portugal. Este tratou de organizar núcleos povoadores para apoio de atividades militares que fossem desenvolvidas nas lutas por conquista do território catarinense: “Assim foi lógica a decisão portuguesa de trazer para Santa Catarina moradores que viessem a desenvolver uma economia voltada para o abastecimento das tropas militares aqui estacionadas. E, eventualmente, também garantir apoio ao exército em guerra” (SANTOS, 2004, p. 47).

38 Sobre a instalação de Francisco Dias Velho Monteiro na Ilha de Santa Catarina, e seus

desdobramentos, ver VÁRZEA, 1900, p. 9-10s; FLORES, 2000, p. 37s; SANTOS, 2004, p. 38- 39; MAMIGONIAN; CARDOSO, VH. 2013, p. 17-42.

A viagem para o Brasil era outro capítulo difícil nos editais do rei (D. João V). De fato, para além das coisas prometidas (e que viriam a não ser cumpridas), havia as condições concretas em que as pessoas se encontravam quando da travessia do Atlântico. Muitos ficavam pelo caminho.39 De Açores ao sul do Brasil, as viagens foram iniciadas em outubro de 1747 e se estenderam a novembro de 1753. Entre o primeiro (1748) e o último desembarque (1756) de açorianos, chegaram à Ilha de Santa Catarina 6071 pessoas, número que aumentaria significativamente a população de Santa Catarina à época (FLORES, 2000, p. 49-53). Esse número importante de açorianos desembarcados na Ilha marcaria o empreendimento colonizador português no sul do Brasil de várias formas.40 Ora, cabe notar que, ao sublinhar em seus escritos diversos

desses acontecimentos no sul do Brasil, Virgílio Várzea (1900) acaba por reforçar certo repertório de valores, qualidades e/ou aptidões que operam a construção de uma imagem dos “imigrantes açorianos e madeirenses” introduzidos em Santa Catarina, os quais teriam, por sua vez, legado ao “povo catarinense” as características e o modo de ser “ilhéu”, tal como se lê abaixo:

Foi só então que a população de Santa Catharina se accentuou, tomando um caracter estavel e proprio, localisando-se permanentemente em cada sitio um nucleo de povoadores. [...] Em pouco, sob a acção dos immigrantes açorianos e madeirenses, as casas do Desterro (que era freguezia desde 1732) augmentaram de numero e

39 A travessia pelo oceano em precárias galeras levava cerca de três meses, tempo agravado

pela falta de água e de alimentos frescos, além da superlotação das embarcações, cujo desconforto debilitava os viajantes. Na chegada do primeiro navio, em 1748, o governador da Ilha de Santa Catarina era José da Silva Paes, que, ao receber os casais açorianos, lamentou as mortes ocorridas na viagem e a saúde débil dos que haviam sobrevivido (FLORES, 2000, p. 49-50).

40 Evento importante lembrado na história da Ilha de Santa Catarina é a invasão desta pelos

espanhóis em 1777. Como é sabido, Espanha e Portugal disputavam o litoral sul do Brasil. A quebra de boas relações entre os países e as consequentes disputas militares faziam parte das tensões em jogo no empenho de ambas as coroas pelo território catarinense, em que tratados, acordos e negociações eram firmados: “Em 1777, os espanhóis entraram na Ilha de Santa Catarina, não encontrando resistência. A defesa, composta por 2.000 homens, refugiara-se no continente para pôr-se a salvo do inimigo. Em pânico, a população civil acompanhou as tropas em retirada, abandonando seus domínios e suas fortunas. [...] Depois, por meios diplomáticos, a Espanha devolveu a Ilha aos portugueses, obedecendo ao Tratado de Santo Ildefonso” (FLORES, 2000, p. 66; ver também SANTOS, 2004, p. 59-62; MAMIGONIAN; CARDOSO, VH. 2013; para conhecer a história da conquista da Ilha de Santa Catarina pelos espanhóis, ver FLORES, 2004).

proporções, erigindo-se (1749) a igreja-matriz no mesmo lugar onde fôra a celebre ermida de Velho Monteiro [Francisco Dias Velho, 1675], e outros templos mais, como o da Ordem Terceira de São Francisco de Assis e o do Menino Deus. [...] Já por todo o littoral da ilha, a oeste, bem como no continente fronteiro, prosperavam pequenos outros povoados, sob a invocação de Santo Antonio, Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, São Francisco de Paula de Canavieiras, Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão, São João do Rio Vermelho, São Miguel, etc.

[...]

O povo catharinense, conforme se vio, descende em sua quase totalidade de ilhéos açorianos e madeirenses, principalmente dos primeiros, de quem herdou o caracter humilde e bom, as excellentes qualidades moraes, a indole trabalhadora e paciente, de uma rara tenacidade, affazendo-se facilmente ás difficuldades, ás privações e agruras do meio, conformando-se com tudo, pacifica e resignadamente.

[...]

Dahi o caracter tenaz e temerario, por vezes, do catharinense, sobretudo na sua grande aptidão para a vida do mar, que é ainda uma herança do povo açoriano e de toda a raça portugueza, que foi e é essencialmente matinheira, embora Portugal conte hoje uma pequeníssima marinha.

[...]

Nisto, como no fallar constante que o anima, particularmente na vida das praias, o barriga- verde se parece com os algarvios, de quem igualmente tem o sangue, pois os açorianos provêm em parte delles, que colonisaram tambem as suas ilhas. [...] É justamente o que se dá em Santa Catharina, onde o povo da zona littoral, com raras excepções, é constitucionalmente marítimo. (VÁRZEA, 1900, p. 17-18; 25-28).

Na rota do litoral sul do Brasil: o Ribeirão

Quanto ao Ribeirão, a região do litoral sudoeste da Ilha teria sido conhecida por navegadores europeus nos inícios do século XVI, tendo sido inclusive local de estabelecimento de alguns sobreviventes do naufrágio de um navio, à época, saído da Espanha (1515). Estes seriam dos primeiros habitantes europeus de Santa Catarina.41 Outra data destacada para mostrar a preferência do Ribeirão pelos exploradores europeus é o ano de 1526, da viagem que traria ao litoral sul do Brasil uma expedição espanhola conduzida pelo navegador veneziano Sebastião Caboto, o qual daria o nome de Santa Catarina à Ilha e às terras vizinhas (PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 50-52; SANTOS, 2004, p. 16-17).42 Caboto teria como destino o Atlântico Sul, aportando na região outrora denominada Simplício, no Ribeirão, hoje conhecida por todos como Barro Vermelho, localidade que fica a 660 metros da Freguesia, a sede do distrito.43 Este seria, pois, um dos focos iniciais da “Póvoa do Ribeirão da Ilha”, região onde se encontra o rio que inspirou o nome Ribeirão ao lugar. Esse ponto “foi o que recebeu entre 1748 e 1756 o primeiro grupo de casais açorianos, sendo assim o embrião da organização definitiva da hoje Vila de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha”.44 Nesse sentido, procura-se enfatizar certa precedência histórica da região onde hoje se encontra a

41 Dentre as viagens ao litoral sul do Brasil, há notícia da passagem de uma expedição cuja

origem é o ano de 1515 na Espanha, comandada por Juan Diaz Solís. A viagem teve início em outubro do referido ano, chegando ao rio do Prata depois de quatro meses, mas fracassando no encontro com indígenas, do qual resultou a morte do navegador. Um dos navios da expedição que voltava para a Espanha, passando pela Ilha de Santa Catarina, naufragou, salvando-se 11 homens. Estes se fixaram na Ilha, juntando-se aos indígenas que aí viviam. Daí serem reconhecidos como “os primeiros” habitantes europeus das terras catarinenses (SANTOS, 2004, p. 17).

42 Sobre o nome dado por Sebastião Caboto à Ilha e regiões contíguas, há duas explicações.

Uma delas sustenta que o nome seria uma homenagem à mulher do navegador, Catarina Medrano. A outra explicação defende a tese de que Caboto teria feito uma homenagem à Santa Catarina de Alexandria, até porque o navegador estaria na Ilha justamente no dia consagrado à santa, 25 de novembro, o que seria “procedimento cultural aceitável” à época (PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 51-52; SANTOS, 2004, p. 17).

43 Em 1526, Sebastião Caboto foi enviado pela coroa espanhola ao Oceano Pacífico e às Ilhas

Molucas, atravessando o Atlântico Sul. A expedição passou pela Ilha de Santa Catarina, chegando aí no dia 19 de outubro do referido ano. Este é lembrado como o ano de nascimento do Ribeirão da Ilha, e, portanto, “o povoado mais antigo da Ilha de Santa Catarina”. Para conhecer mais informações sobre a viagem de Caboto, e seus desdobramentos na Ilha, ver PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 50-52; consultar também CABRAL, 1987, p. 24-26.

44 Atualmente, a região distrital e sua sede são denominadas simplesmente, em mapas e outros

Freguesia: o “povoamento da Ilha de Santa Catarina, pelo homem branco originário da Europa, iniciou-se nas áreas que compõem o distrito do Ribeirão”. Por essa razão, “o Ribeirão marcou o limiar da história de Florianópolis e da Ilha de Santa Catarina” (PEREIRA, N.; PEREIRA, F.; SILVA NETO, 1990, p. 50-54).

Com a chegada dos açorianos, no século XVIII, teria vindo também para o Ribeirão a devoção a Nossa Senhora da Lapa, de acordo com o que registra em seus escritos Virgílio Várzea citando o geógrafo Saint-Adolphe:

Manoel de Vargas Rodrigues mandou fazer em 1760 uma capella para sua familia e visinhos e a dedicou a Nossa Senhora da Lapa. Como no principio do seculo presente a população do Ribeirão passasse de 1.200 almas, foi a capella substituida por uma igreja de pedra, a qual foi sagrada em 2 de Fevereiro de 1806. Solicitaram então os habitantes para ella o titulo de parochia, o qual lhe foi conferido por alvará de 11 de Julho de 1809. (SAINT-ADOLPHE apud VÁRZEA, 1900, p. 126).45

A Freguesia de Nossa Senhora da Lapa passaria ao título de vila por meio de lei provincial de 1840: “O distrito da Vila do Ribeirão é formado da parte meridional da Ilha de Santa Catarina e acha-se separado da parte norte da cidade de Desterro pelos ribeiros Tavares e Caiacanga-mirim...”. Nessa exposição minuciosa que o citado geógrafo fez do lugar, sabe-se igualmente que o Ribeirão correspondia a uma região “quase toda agrícola”, por cujas encostas e planos floresciam