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Histórias em prosa: pelas conversas com moradores/as do Ribeirão

O espaço ocupado pela experiência: viver “desde sempre” na vila

Considerando o clima de açorianidade, acima mencionado, presente à vida dos moradores da Freguesia do Ribeirão, eu havia imaginado que os aspectos históricos referentes ao lugar e às tradições locais – evocadas em certas ocasiões por alguns moradores para lembrar sua origem açoriana – seriam de simples abordagem. Eu acreditava mesmo que seria relativamente fácil eleger relatos diversos de moradores/as sobre acontecimentos da história do Ribeirão que procurassem reconstruir aquelas narrativas organizadas numa história escrita sobre a colonização açoriana em Santa Catarina e o povoamento do Distrito de Ribeirão da Ilha. De maneira geral, as minhas expectativas foram frustradas. O que se sabe mostra-se fragmentado e insuficiente para reunir num relato corrente. Os moradores da Freguesia não sabem contar a história do lugar e do surgimento das famílias na localidade onde vivem? A pergunta é interessante para assinalar o problema de como uma história pode ser (e eventualmente é) contada seguindo a narração (ou quase isso) dos moradores. Quem conta? Como narra? O que relata? Que coisas alguém escolhe para contar? Entre as

particular, ao estudo da cultura açoriano-brasileira” (p. 11-12), tomando como uma das localidades de pesquisa no sul do Brasil o Ribeirão da Ilha. Mais adiante, essas e outras pesquisas sobre o Ribeirão serão mencionadas adequadamente às questões em debate neste capítulo.

pessoas que dizem viver “desde sempre” no Ribeirão, algumas delas narram o que sabem sobre o lugar.

Há fatos que, em geral, são repetidos pelos moradores: “os açorianos” teriam vindo para viver e trabalhar nessa região, trazendo os negros como escravos. O Ribeirão foi colonizado pelos portugueses. O imperador do Brasil descendente da corte portuguesa, D. Pedro II, teria visitado a Freguesia, daí também a importância histórica da localidade etc. Um jovem – que afirma ter descendência açoriana e alemã – e mais dois amigos procuram esclarecer quem seriam açorianos os que se fixaram no Ribeirão. Tratar-se-ia, muitos deles, de criminosos ou condenados da justiça que, em Portugal, não se ajustavam à vida social como cidadãos comuns.22 Por essa razão, eles teriam sido trazidos para

o Brasil, a fim de trabalhar nas terras que pertenciam à coroa portuguesa. Nesse sentido, lembravam também que os negros teriam vindo como escravos junto com os portugueses colonizadores. Aqueles teriam edificado a igreja, datada de 1806, cuja construção teria levado cerca de 40 anos (ou mais). Assim, entre uma frase e outra, eles procuravam explicar o porquê de ser a Freguesia uma “comunidade açoriana”. Os jovens tinham conhecido a história contada por intermédio de “pesquisas sobre o Ribeirão”, e também em cursos regulares de história em escolas de Florianópolis, especialmente no centro da cidade.

Mas, essas observações rápidas sobre açorianos e o povoamento do distrito soam como curiosidades que bem poderiam ser utilizadas para o turismo local. E, de fato, o são. Lideranças nascidas na Freguesia e mesmo algumas que não são “daqui”,23 como dizem os moradores,

22 Quanto à referência a criminosos condenados da justiça, imagino que os jovens estivessem

lembrando informações sobre uma prática de coação comum na expansão territorial da coroa portuguesa no decorrer do século XVIII: “Diante do pequeno número de alistados, as autoridades [da Ilha do Pico, 1718] sugeriram, então, a saída compulsória de prisioneiros e marginais. Alegavam que essa medida traria dois benefícios: a melhoria do convívio social nos Açores e o reforço da ocupação humana no Brasil. Mas, embora esta fosse uma prática comum em Portugal para colonizar suas possessões, a coroa não aceitou que as populações fossem coagidas. Alegava que isso iria diminuir o ímpeto dos voluntários. O soberano adiou, então, o projeto da colonização açoriana no Brasil meridional” (FLORES, 2000, p. 32-33).

23 Ao longo da tese, a palavra “daqui” pode aparecer em diversas ocasiões nas referências,

diretas ou indiretas, às falas das/dos moradores, porém, não exatamente para fazer uma discussão dessa categoria em oposição ao termo “de fora”, como acontece em vários estudos (MALUF, 1993; BASTOS, 1993; FANTIN, 2000; WIGGERS, 2006, entre outros). Por outro lado, nos demais capítulos, oportunamente quando (e se) o assunto surgir referentemente à descrição das relações locais, será possível anotar o uso dessas expressões pela gente da Freguesia do Ribeirão, sem, contudo, dar a elas especial atenção, uma vez que, diferentemente de outras localidades de Florianópolis, como sugerem as citadas pesquisas, o tema não é recorrente e/ou saliente na sede distrital.

mas aí vivem há algum tempo, usam informações como essas ou para aguçar o interesse dos visitantes e fazer propaganda do lugar, ou para desenvolver atividades culturais que divulguem a história do Ribeirão e o seu nome a pessoas “de fora” – de outros bairros de Florianópolis, outras cidades, outros Estados, outros países. O mesmo acontece com restaurantes e certos espaços públicos que cultivam informes da história escrita sobre essa tradição da comunidade como uma espécie de marca autoexplicativa desta, independentemente de se mostrar amplo saber histórico ou ainda de querer contar algo mais implicado com a vida local quanto à presença de açorianos no passado, e com o como estes teriam vivido no Ribeirão. Ou melhor, é sabido que “os açorianos” estiveram no Ribeirão da Ilha, que eles aí povoaram as terras, que trabalharam no lugar e nele teriam vivido. Este é um saber atual, (auto) explicativo da sua história remota. Todavia, isso que se sabe não se confunde com as histórias vividas de cada um/uma hoje, e também não as substitui. Talvez por isso a obra publicada com a coordenação do professor Nereu, acima mencionada, seja tomada como uma referência segura (explicativa) de onde se acha tudo para informar o que são as pessoas e as coisas açorianas. Quando a coisa aperta, no sentido de dar a alguém detalhes sobre as peculiaridades açorianas herdadas desta que seria uma história local, indica-se a leitura do livro do professor, “ali tem tudo”.

Outros são os relatos de quem vive as experiências na localidade, e que as conta como uma história do lugar e da sua vida, como “a verdade”, que, por isso, pode ser por ele/a narrada. Nesse tipo de narração, os personagens alcançam uma concretude que procura dizer como era a vida dos moradores no Ribeirão “antes” e como ela é hoje. São histórias que, em algumas falas das pessoas, muitas vezes, mais parecem fragmentos; porém, ao tempo de suas narrativas, são cheias de eventos, de curiosidades, de intimidade, de significados, como tentei sinalizar acima com as primeiras falas do seu Agenor, por exemplo, e como se vai ver em seguida.

Um relato daqui: nascer, criar-se e morrer “no Ribeirão”

Moradora antiga da Freguesia do Ribeirão, dona Anita Lopes – muito conhecida por todos como alguém que dá entrevistas24 sobre o

24 Certa vez, a dona Anita me contou que ela tinha um livro onde “tem tudo” sobre o Ribeirão,

Ribeirão – recentemente lembrou: “Eu sou moradora do Ribeirão, nasci aqui e aqui me criei. Sou Anita Lopes Moraes, faço bastantes entrevistas, eu tenho 82 anos”.25 Em 2006, quando dos inícios da

pesquisa na Freguesia, ela observava: “Eu fiz até o terceiro ano do primário. Mas a gente tem experiência. O pouco que a gente sabe, [a gente] transmite, né?” É, pois, esta autoridade da experiência vivida no lugar que permite contar, é ela que autoriza alguém a relatar o que viu, o que sabe, ou o que recebeu como herança familiar na localidade. É ela que fala do lugar, das suas transformações, das suas diferenças. Diversas vezes, sobretudo entre as pessoas mais velhas da Freguesia, contam-se suas histórias acompanhadas por um adendo: “O que eu te conto é a verdade”; “o que eu te digo é a verdade”. E as histórias seguem o ritmo das coisas do cotidiano e das escolhas de fatos feitas por aquele/a que os conta. Nessa perspectiva, importa captar o ritmo e o(s) contexto(s) das escolhas de histórias que trazem “a verdade” – ou alguma “verdade” diferente daquela do livro que “tem tudo” – das famílias e das pessoas consideradas neste estudo.

No seu dia-a-dia, os moradores da sede distrital veem como história local as suas experiências passadas na Freguesia de “antigamente”, junto àquelas pessoas imediatamente ligadas a si pela memória das relações de família, parentesco, vizinhança, amizade etc.; da devoção fervorosa que, há muito, move e alimenta a vida da “comunidade”;26 da Banda da Lapa, que, como todos os que são “do Ribeirão”, teria aí existido “sempre”; das brincadeiras, dos bailes, das festas de igreja e de outros eventos sociais importantes que foram perdendo força ao longo dos tempos e que deixam saudade. Seu Agenor recomendava vivamente: “Fala com o Alécio, ele tem tudo escrito”.

mais tarde, se tinha encontrado o tal livro. Ela me disse, então, que não o havia encontrado – o que era uma pena –, mas começou a descrevê-lo. E eu falei à dona Anita: “Eu tenho esse livro, é o do professor Nereu, certo?” – como dizem os da Freguesia. Ela confirmou, satisfeita, o fato de eu possuir a obra: “É esse mesmo, que bom que tu já tens, ali tem tudo”. É também com base em vários relatos contidos nessa obra que a dona Anita fala sobre o lugar, em especial, para grupos visitantes de alunos em atividades “culturais” desenvolvidas na sede distrital.

25 Conversa gravada em 17 de novembro de 2012. Anita Lopes Moraes é viúva há 45 anos,

nasceu na Freguesia em 1930. Casou-se com um morador (que era viúvo) também nascido no lugar, com quem teve três filhos, e criou ainda um enteado (falecido aos 50 anos de idade). Dos seus filhos, a moradora tem seis netos e uma bisneta. Vive hoje com a pensão deixada pelo marido, que era funcionário do Correio.

26 O termo (corrente no lugar) “comunidade” se faz ouvir em inumeráveis vezes nas falas

das/dos moradores, e, neste estudo, vai aparecer constantemente em referências diversas. Em momento oportuno, voltarei ao assunto quando algumas particularidades do uso local da palavra (por exemplo, para definir uma comunidade de fiéis, “a igreja”) podem ser apreendidas relativamente a outras maneiras de emprego do vocábulo pelos/as moradores.

Quando, muitas vezes, havia dúvidas sobre narrativas envolvendo datas ou peculiaridades locais – como a origem do nome “Zé Pereira” dado ao carnaval do Ribeirão –, ele lembrava imediatamente que “o Alécio escreveu” sobre as coisas da vida das famílias na Freguesia.

Seu Alécio27 – ele mesmo lembrava em 2008 numa conversa em sua casa – foi “criado junto com o Agenor”. Ambos eram quase da mesma idade e vizinhos. Naquele ano em que completaria 80 anos, seu Alécio me emprestou um caderno grande de capa dura – uma espécie de livro de atas – onde organiza seus relatos, são histórias vividas diretamente por ele ou por pessoas próximas ao morador, informações, curiosidades, registros sobre a sua experiência de vida – o que ele viu e/ou ouviu de seus antepassados e contemporâneos, e sabe contar – no Ribeirão. Ele tem um modo de narrar bem humorado citando pessoas, descrevendo costumes e lembrando hábitos das famílias locais e da “comunidade”. Numa das narrações, seu Alécio escreve sobre o “Ribeirão da Ilha e suas baleeiras”, diga-se de passagem, o primeiro título e tema de suas histórias guardadas nesse caderno.28 Deste é extraído o seguinte trecho:

27 Alécio Heidenreich nasceu na Freguesia do Ribeirão em 18 de dezembro de 1929. O

morador é casado com Marly d’Avila Heidenreich (nascida na Freguesia), com quem teve seis filhos e cinco netos. O casal mora na casa que pertenceu aos avós paternos, e, depois, aos pais do seu Alécio, tendo sido por este modificada mais recentemente. Aposentou-se como secretário do Departamento de Ciências Contábeis da UFSC em 1992, ano em que aí concluiu também o seu curso universitário, obtendo o diploma de contador. É interessante notar que, diferentemente do seu Agenor e de vários de seus parentes empregados na UFSC, seu Alécio frequentou um curso superior num lugar (a UFSC) onde se produz “ciência”, e de onde uma “história de açorianos” surge. Poder-se-ia pensar, nesse caso, que as relações do morador com a universidade igualmente deram a ele um instrumento para contar e escrever a sua história de “portugueses açorianos”, acima transcrita, na Freguesia (diga-se de passagem, muitos detalhes que se encontram no “livro” do seu Alécio [2005] aparecem no “livro do professor Nereu” [1990], assim como o nome do morador e a referência a este como um dos “colaboradores” da obra à época da pesquisa [1989] no distrito). Não obstante, é sabido, existem outras formas de se aprender, como afirma, por exemplo, uma parenta do seu Agenor, que também trabalhou na universidade (CFH), Ada Jesuína dos Santos (hoje falecida): “[...] Só conversando com os professores, a gente aprende muita coisa”. Assim ela me explicava onde e como havia aprendido o uso do termo “nativos”, que a moradora buscou para se referir às pessoas junto às quais a minha pesquisa teria lugar na vila-sede (informação verbal em 30 de outubro de 2007).

28 Com iniciativas e políticas públicas para preservar uma tradição local e valorizar a história

da colonização açoriana no Ribeirão da Ilha, nos últimos anos, várias pessoas sentem-se ainda mais motivadas a contar o que sabem sobre o lugar. Seu Alécio, assim como outros moradores mais familiarizados com a escrita, coloca no papel seus relatos sobre o que viu, ouviu e viveu, e os guarda como registros que ficam para a posteridade. Ele lembra: “Eu tenho aqui neste livro a minha história, a minha vida, que a minha filha pediu pra eu escrever pro meu neto [para] quando ele fosse grande. Mas eu ri tanto fazendo essa história, porque a diferença daquela época pra hoje, meu Deus do céu!” (informação verbal em 15 de julho de 2008).

Freguesia de Nossa Senhora da Lapa era o nome deste bairro habitado principalmente por pescadores, que era a sua atividade [pesca] favorita. Naquela época, a maioria tinha a sua canoa e um ranchinho para abrigá-la e guardar os seus apetrechos de pesca. Foi nessa época que começaram a chegar os portugueses açorianos também, em sua maioria, pescadores, e trouxeram consigo a famosa baleeira. Essa embarcação, pelas qualidades que possuía, conquistou a simpatia de todos os pescadores, que, segundo eles, tinha tudo o que era bom, ou seja: era bonita, boa de vela, boa de remo, cargueira, valente pro mar, enfim, tudo. Entretanto, longe das posses do pobre pescador nato, pois eles [pescadores natos] sabiam que seria impossível adquirir a sua própria baleeira e por isto tentavam participar de uma maruja, como era denominada a tripulação de uma baleeira que era composta de quatro remadores e um patrão. Assim, os pescadores da Freguesia de Nossa Senhora da Lapa ficaram por muito tempo pendendo de uma vaga na tripulação. (Alécio Heidenreich, 2005, p. 1).

A narrativa procura atingir uma dimensão concreta das relações locais, por um lado, ao descrever o fascínio de pescadores pobres da Freguesia pela baleeira, uma novidade que ultrapassava as pretensões da gente simples do lugar; por outro, mostrando que essa novidade tocava a “todos os pescadores natos”, porque era da pesca que a gente vivia: “A paixão era pescar numa baleeira daquela [...]”. Era do mar que vinha o sustento das famílias locais, inúmeras vezes as pessoas da Freguesia lembram esse dado tão importante nas suas histórias. E é de pobreza que se fala, em geral, quando se lembra da época em que se comia “muito peixe com pirão d’água”. Mais ou menos pobres, em todo caso, os da Freguesia falam deste tempo de antigamente referindo-se às condições precárias da vida no Ribeirão. Mas, há mais: uma relação com o mar, uma identidade construída à beira d’água e por meio dela. Seu Alécio conta que os pescadores “normalmente” se reuniam “para tomar a cachacinha, contar as suas façanhas e também muitas mentiras, e ainda discutir a previsão do tempo”. Numa dessas ocasiões, “no boteco”, um dos moradores do lugar – “homem curioso e de muito respeito” – teria dito que ele “ia construir uma baleeira”, causando um falatório em torno do tema. Uns “teimavam” que ele seria capaz de cumprir o propósito, e

outros teimavam que não, duvidando que a curiosidade do senhor Manoel Ignacio “chegaria a tanto”. Cinco meses depois de ter preparado os materiais para a construção da embarcação, quando esta finalmente ficou pronta, recebeu o nome de “Tira-Teima, a primeira baleeira construída na Freguesia de Nossa Senhora da Lapa”.

À beira d’água: de redes e parentescos

Os fatos que o seu Alécio organiza em torno de uma história mais geral do lugar, por assim dizer, levam-no aos aspectos mais específicos da sua experiência no Ribeirão, lembrando, por exemplo, a construção de baleeiras que se seguiu àquela primeira como uma atividade iniciada por um homem curioso e de respeito na Freguesia, o qual a teria passado para seus pares, e destes, após a morte de Manoel Ignacio, teria sido transmitida a filhos e genro. Ora, são relações de parentesco as que, no caso do seu Alécio, descrevem alguma história do Ribeirão nesse relato; é por onde ele puxa uma rede local de relações: pais, filhos, vizinhos, amigos, pescadores natos: “Com o sucesso, iniciou a segunda, a terceira, e, com os ajudantes Paulo Pedro Heidenreich e Hermínio Teófilo Heidenreich, chegou a construir 149 baleeiras”. Ele conta que os dois irmãos – seu pai e seu tio – permaneceram junto com o “velho mestre [Manoel Ignacio] até a sua morte”, posteriormente eles prosperaram nessa atividade, cada qual montando o seu “estaleiro”, e passaram tal ofício para outros parentes, alcançando grande sucesso “por todo este Brasil” na produção das embarcações.29 O morador fala ainda dos “construtores” que deixaram alguma baleeira “em acabamento”:

Paulo Pedro Heidenreich e Hermínio T. Heidenreich terminaram a baleeira iniciada sob a orientação de Manoel Ignacio. Oscar Silva terminou a baleeira iniciada por seu pai Hermínio Silva; Alberto Cavalheiro terminou a baleeira iniciada por seu sogro Hermínio T. Heidenreich; Alécio Heidenreich e Cyde A. Heidenreich terminaram a baleeira deixada

29 O morador também registra neste seu “livro” de histórias: “A Freguesia de Nossa Senhora da

Lapa foi responsável pela construção de aproximadamente mil (1000) unidades [de baleeiras] espalhadas por todo este Brasil” (Alécio Heidenreich, 2005, p. 3). Contudo, ele ressalta: “É um serviço que nunca foi de muito futuro” (informação verbal em 15 de julho de 2008).

por seu pai, e Bertinho terminou a baleeira deixada por Alberto Cavalheiro, e a baleeira iniciada por Oscar Silva foram Alécio e Alberto que terminaram. Isto significa que morreram trabalhando e, para não quebrar o tabu, a última baleeira iniciada pelo construtor Alécio Heidenreich foi também vendida pela metade para o velejador Amyr Klink e encontra-se exposta no museu do mar em São Francisco do Sul. Esta foi a única que o construtor não morreu deixando pela metade. (Alécio Heidenreich, 2005, p. 2, grifo meu).30

Num lugar, a Freguesia do Ribeirão, onde se “morre” trabalhando, não é de se admirar que o seu Agenor tenha começado a sua conversa comigo, em 2007, falando do trabalho na UFSC, arrumado por seu vizinho falecido havia anos – o senhor Antônio Antunes da Cruz, homem influente à sua época. E não é de se admirar que o seu Alécio tenha procurado descrever, com indisfarçável orgulho, as atividades de construção de baleeiras, “sob a orientação” do senhor de respeito, Manuel Ignacio, no bairro onde viveram também pescadores “portugueses açorianos”, porém enfatizando as habilidades dos moradores locais para o trabalho e a pesca. No caso, moradores ligados ao seu Alécio por laços de parentesco, vizinhança e/ou amizade. Foi nesses termos que o seu Agenor, certa vez, me explicou o “amor” e o respeito que ele tinha por seus vizinhos e amigos, dentre eles a filha de “um querido”, do estimado Antônio Antunes da Cruz31: “[Por] ela,

30 O que o seu Alécio quer dizer com a frase “não morreu deixando pela metade” é que o

construtor da baleeira – ele – continua vivo, porque, de fato, como ele afirma um pouco antes, a embarcação foi “vendida pela metade”, mas não por causa de uma morte, como aconteceu com os seus pares. Na conversa que tivemos, ele esclareceu isso: “O Amyr Klink comprou [a baleeira] pela metade para deixar no museu [em São Francisco do Sul/SC], para mostrar como era feita. Então, não quebrou o tabu, né?” [o “tabu” de deixar a embarcação pela metade] (informação verbal em 15 de julho de 2008).

31 O senhor Antônio Antunes da Cruz “era muito político”, assim dizem os da Freguesia,

embora ele mesmo não tenha se candidatado a cargos públicos na política catarinense ou de Florianópolis. Figura muito popular, “o Funga-Funga”, como ficou conhecido no meio político