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ÁREA INDÍGENA DA ILHA DA COTINGA

No documento Laudo Técnico Vicuña (páginas 45-47)

3. IMPACTOS CAUSADOS

3.1 CARACTERIZAÇÃO DAS ÁREAS ATINGIDAS 1 LOCALIZAÇÃO

3.1.5 ÁREA INDÍGENA DA ILHA DA COTINGA

As informações sobre a Área Indígena da Ilha da Cotinga basearam-se em ALMEIDA MUNIZ (2005), da Fundação Nacional do Índio – FUNAI (Anexo 074).

O Governo Federal deflagrou, através da FUNAI, o Processo Administrativo nº 550/98, de Regularização Fundiária da Terra Indígena da Ilha da Cotinga, Município de Paranaguá, Estado do Paraná, com área de 1.685,00 ha, conforme Portaria nº 256/MJ, de 28.05.92.

Por força da mencionada Portaria Ministerial, restou declarada como de posse indígena, para efeito de demarcação, a área indígena da Ilha da Cotinga, com superfície aproximada de 1.685,00 ha e perímetro também aproximado de 40.839,00 metros. Devidamente demarcada, foi homologada pelo Presidente da República, através do Decreto nº 92, de 16 de maio de 1994, e caracterizada como de posse imemorial do Grupo Guarani-M’bya, com um total de 1.701,20 ha e perímetro de 41.895,73 m, abrangendo as ilhas da Cotinga e Rasa da Cotinga.

Três aspectos da vida guarani expressam uma identidade que dá especificidade, forma e cria um "modo de ser guarani": a) o ava ñe'ë (ava: homem, pessoa guarani; ñe'ë : palavra que se

confunde com "alma") ou fala, linguagem, que define identidade na comunicação verbal; b) o tamõi

(avô) ou ancestrais míticos comuns e c) o ava reko (teko: "ser, estado de vida, condição, estar,

costume, lei, hábito") ou comportamento em sociedade, sustentado em arsenal mítico e ideológico. Estes aspectos informam ao ava (Homem Guarani) como entender as situações vividas e o mundo

que o cerca, fornecendo pautas e referências para sua conduta social (SUSNIK, 1980:12 apud MUNIZ, 2005).

Os Guarani hoje em dia denominam os lugares que ocupam de tekoha. O tekoha é, assim, o

lugar físico – terra, mato, campo, águas, animais, plantas, remédios, entre outros – onde se realiza o

teko, o “modo de ser”, o estado de vida guarani. Engloba a efetivação de relações sociais de grupos

macro familiares que vivem e se relacionam em um espaço físico determinado. Idealmente este espaço deve incluir, necessariamente, o ka’aguy (mato), elemento apreciado e de grande

importância na vida desses indígenas como fonte para coleta de alimentos, matéria-prima para construção de casas, produção de utensílios, lenha para fogo, remédios, entre outros. O ka’aguy é

também importante elemento na construção da cosmologia, sendo palco de narrações mitológicas e morada de inúmeros espíritos. Indispensáveis no espaço guarani são as áreas para plantio da roça familiar ou coletiva e a construção de suas habitações e lugares para atividades religiosas.

Deve ser um lugar que reúna condições físicas (geográficas e ecológicas) e estratégicas que permitam compor, a partir da relação entre famílias extensas, uma unidade político-religiosa- territorial. Idealmente um tekoha deve conter, em seus limites, equilíbrio populacional, oferecer

água boa, terras agricultáveis para o cultivo de roçados, áreas para a construção de casas e criação de animais. Deve conter, antes de tudo, matas (ka'aguy) e todo o ecossistema que representa, como

animais para caça, águas piscosas, matéria-prima para casas e artefatos, frutos para coleta, plantas medicinais, entre outros.

O tekoha deve ser considerado em face da realidade contemporânea que conduziu os índios a

valorizá-lo e concebê-lo da forma como o fazem, com a consciência de que a recuperação plena do território do passado é uma empreitada inatingível. Portanto, mais do que ver os aspectos político- religiosos como externos às condições históricas de sua articulação, nos parece oportuno ver o

tekoha como resultado e não como determinante, como um processo continuado de ajustamento

situacional em torno da determinação de uma relação territorial entre índios e brancos. Assim sendo, o tekoha seria uma unidade política, religiosa e territorial, que deve ser definida em virtude

das características efetivas – materiais e imateriais – de acessibilidade ao espaço geográfico por parte dos Guarani.

Vista sob este prisma, a relação entre os Guarani e a terra ganha outro significado, inscrito na tradição cosmológica e na historicidade. Enfatizando-se a noção de tekoha enquanto espaço que

garantiria as condições ideais para efetuar essa relação, os índios procuram reconquistar e reconstruir espaços territoriais étnica e religiosamente exclusivos a partir da relação umbilical que mantêm com a terra, ao passo que flexibilizam e diversificam a organização das famílias extensas, podendo assim manter uma relação articulada e dinâmica com o território mais ampliado, neste caso como espaço contínuo.

Cabe salientar o fato de que o vínculo osmótico entre os índios e a terra não é genérico, não existindo, portanto, uma relação abstrata entre Guarani indiferenciados e lugar também indiferenciado; ao contrário, o que se estabelece é uma relação entre famílias extensas específicas que se vinculam historicamente a lugares precisos, e que, a interrupção da continuidade ocupacional provoca exaltação da noção de origem antiga ( ymaguare), baseada no sentimento de autoctonia, e a

mais próximo possível dos lugares de seus antepassados, deslocando-se circularmente ao redor deles sempre que são expulsos ou importunados pelo branco. A circulação ao redor de lugares dos

quais por alguma razão foram afastados, permite aos Guarani dar continuidade à manutenção do equilíbrio cósmico, embora muitas vezes de modo fragmentário, o que permite minimamente a relação telúrica com o mundo. São assíduas e freqüentes as atividades religiosas guarani, com práticas de cânticos, rezas e danças que, dependendo da localidade, da situação ou das circunstâncias, são realizados cotidianamente, iniciando-se ao cair da noite e prolongando-se por várias horas. Os rituais são conduzidos pelos ñanderu que são líderes e orientadores religiosos;

contemplam necessidades corriqueiras como colheita da roça, ausência ou excesso de chuva. A cerimônia em si, dirigida por um líder religioso, tem início ao cair do sol e finda na aurora do dia seguinte. Este xamã deve conhecer o mborahéi puku ou “canto comprido”, cujos versos, que não se repetem, não podem ser interrompidos depois de iniciada a cerimônia. A cada verso entoado pelo

ñanderu a comunidade o repete, sempre acompanhados pelos mbaraka confeccionado e usado por

homens e os takuapu usados por mulheres. Ao amanhecer, terminado o mborahéi puku (canto

comprido), há o batismo da colheita (mandioca, cana, abóbora, batata doce, milho, entre outros), que permaneceu depositada no altar. Na noite seguinte a cerimônia do avati kyry continua com

cantos e danças mais profanos, os kotyhu e os guahu, por toda a comunidade e por muitas visitas

que participam da cerimônia.

3.1.6 MEIO SÓCIO-ECONÔMICO

No documento Laudo Técnico Vicuña (páginas 45-47)