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Apêndice 4 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 255 Apêndice 5 – Carta anexada às devolutivas individuais

7. Futuro Apesar das dificuldades em conseguir vaga na vigilância, ela

6.1. Sentidos atribuídos à vigilância privada

6.1.2. Área masculina

O segmento de vigilância é maciçamente masculino (Nunes, 2011b; Zanetic, 2005; Oliveira, 2004) e as mulheres entrevistadas perceberam esta predominância. Pertence ao senso comum a percepção do trabalho do vigilante ser realizado predominantemente por homens, contudo se faz necessário ressaltar que o título do projeto de pesquisa descrito no TCLE era “Vigilante feminina: reflexões a partir do aumento de mulheres buscando profissionalização em uma área historicamente associada ao masculino”. A leitura do documento antes da realização da primeira entrevista pode ter influenciado esta referência. Elas também observaram maior penetração de mulheres no segmento, fruto da observação direta do acréscimo de vigilantes femininas atuando em escolas, bancos, shoppings etc. ou em sua rede de relações (irmã, amiga, vizinha etc.).

Por quebrar estereótipos de gênero, o movimento de inserção de mulheres na área recebeu sentido “desafiante” para as mulheres entrevistadas, contudo tanto elas como os/as gestores/as descreveram a recente e crescente inserção de mulheres na vigilância com base em visões naturalizadas e estereotipadas. As vigilantes foram consideradas mais atentas, atenciosas, detalhistas, responsáveis, educadas, esforçadas, “harmoniosas” e com melhor apresentação pessoal que os colegas homens.

Alguns gestores operacionais narraram ser necessário realizar um trabalho de “convencimento” junto aos clientes para inserir mulheres em postos de vigilância, vendendo o “produto” (a vigilante) com base nas significações naturalizadas citadas no parágrafo anterior. Pode-se apontar que as vigilantes conquistaram alguns espaços no segmento em função das ditas “qualidades femininas”, adquiridas na esfera reprodutiva (Diogo & Maheirie, 2008; Bruschini, 2007; Almeida, 2007; Araújo & Scalon, 2005; Siqueira, 2002 entre outras autoras). O capital se apropria diferentemente da força de trabalho masculina e feminina e,

de acordo com Eyng et al. (2008) e Lavinas (2001), as novas dinâmicas estabelecidas no setor produtivo passaram a valorizar as qualidades subjetivas femininas conquistadas no espaço privado, elevando as chances de inserção das mulheres no mercado de trabalho.

Ainda com base em estereótipos, as mulheres também foram consideradas mais “frágeis”, razão pela qual frequentemente sofriam preconceitos e discriminações pelos clientes. A menor força física e disposição para enfrentar o perigo constituem-se fortes estereótipos negativos ao trabalho feminino (Barros, 2008). A “fragilidade feminina” foi considerada impeditiva para a locação de mulheres em alguns postos: segundo os/as gestores/as, elas estariam aptas somente para aqueles onde a probabilidade do uso da força fosse “terciária”, abonando um lugar coadjuvante às vigilantes. Cabe reforçar que mulheres e homens receberam o mesmo treinamento de defesa pessoal e imobilização durante o CFV e que as modernas tecnologias de segurança invadiram o segmento, liberando as mulheres, na maioria das situações, para substituir pari passu a força de trabalho masculina.

A divisão sexual do trabalho se apóia nos princípios de separação e hierarquia (Kergoat, 2002), princípios estes reproduzidos nas entrevistas dos dois conjuntos de sujeitos. Observou-se um sentido subjacente de inferioridade feminina, denotando que a imagem do homem-forte-protetor ainda predomina no imaginário social da vigilância privada. Geralmente as características que descreviam as mulheres eram antagônicas às que representavam os homens (delicadeza versus brutalidade; fraqueza versus força; feminilidade versus virilidade), demonstrando uma polarização masculino versus feminino. Esta concepção dualista foi apontada por Fávero (2010) como produtora e reprodutora de estereótipos de gênero, pois demarca lugares estanques para ambos os sexos. Além disso, os atributos relacionados a homens e mulheres receberam diferentes valorações, pois aqueles relacionados ao masculino (virilidade, força física) foram mais bem apreciados neste segmento do que as “características femininas” (dedicação, concentração, atenção). Este não é um fato isolado à vigilância privada, pois encontra respaldo social (Kergoat, 2002). Geralmente as mulheres adquirem as qualificações ou habilidades tácitas (Kuenzer et al., 2007; Kuenzer, 2002) intergeracionalmente na esfera privada e, como não há custos envolvidos, estas são superexploradas pelo capital sem a devida valorização e remuneração, perpetuando-se desigualdades.

O processo de feminização (Lombardi, 2011) da vigilância ainda está ancorado na subordinação e inferioridade do trabalho feminino. Segundo os/as gestores/as, as mulheres teriam que apresentar “algo a

mais” que os homens para merecerem entrar e permanecer no segmento: “exigível” Ensino Médio completo, conhecimentos de informática, preferencialmente não ter filhos pequenos e não desejar engravidar (a gravidez foi descrita pelos/as gestores/as como um grave transtorno econômico e operacional), ter “impecável” apresentação pessoal (maquiagem sóbria, cabelos presos, unhas curtas e pintadas, não estar com sobrepeso ou ser muito magra, aparentando fragilidade) e “postura” (isto é, corporificar a autoridade inerente à função do/a vigilante). Não era o caso de nenhuma das mulheres entrevistadas, mas os/as gestores/as apontaram que a área rejeitava mulheres “masculinizadas”. Neste segmento altamente exigente e repleto de estereótipos de gênero foi possível perceber que as vigilantes “perfeitas” teriam que apresentar certo perfil andrógino, associando vaidade e delicadeza à postura viril; tendo comportamentos e aparência “características de mulher”, mas renunciando a feminidade do corpo gestante; podendo até ser homossexual, mas sem afrontar “a sociedade com sua predileção”.

Observou-se pelo exposto que a feminização da vigilância ainda é parcial, segmentada e a inserção de mulheres geralmente se dá em posições coadjuvantes e pouco valorizadas. Vários exemplos podem ser citados para amparar esta consideração: o uso de “casais” em alguns clientes “pra não parecer tão frágil o posto”; o veto de mulheres aos postos noturnos, de alta periculosidade ou próximos de favelas; e a segmentação ocupacional feminina em postos prioritariamente voltados ao atendimento ao público (recepções, portarias, shoppings, escolas, PGDM etc.).

Foi possível apreender que a introdução de mulheres poderia, desde o ponto de vista dos/as gestores/as, fragilizar alguns postos de trabalho. Para Antunes (2004) as relações de exploração e dominação são mais duras em relação às mulheres, fazendo com que as desbravadoras de segmentos maciçamente masculinos sofram preconceitos (também citados por Chies, 2010; Denissen, 2010; Soares & Musumeci, 2005 entre outras autoras). Poucas foram as falas que evocaram igualdade de condições ou superioridade feminina na vigilância privada, na maioria das vezes oriundas das mulheres entrevistadas, tais como: “o serviço que um homem faz eu também faço [...] [pois]o curso que ele fez eu fiz também” (EV18), “[as mulheres podem] fazer tudo o que um homem faz” (EV8) ou “[elas são] mais indicadas que os homens” (EV17).

Cabe, por fim, apresentar um paradoxo (Gaulejac, 2007; Vasconcelos et al., 2006; Vasconcelos & Vasconcelos, 2004): por um lado mudanças no perfil dos clientes e nos postos de trabalho promoveram a absorção da força de trabalho feminina, contudo o setor ainda se encontra associado à imagem “secutity-man” e persistem desqualificações, tais como “mulher não impõe respeito”. Elas se tornaram vigilantes ‘vigiadas’, pois o trabalho feminino se destaca neste “cenário masculino” e é alvo de especulações, demandando uma prestação de serviços exemplar e sem quaisquer falhas. Aproximação e retração convivem na entrada da mulher neste setor; ainda demandará uma mudança societal e cultural para que elas consigam se legitimar neste espaço.