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É PELA AUTONOMIA?

No documento AS NOVAS SUBJETIVIDADES NEOLIBERAIS: (páginas 94-96)

Mapa 2 Distribuição de startups no bairro de Mitte, Berlim

12.2 É PELA AUTONOMIA?

Christian Laval e Pierre Dardot se referem à subjetividade da "empresa de si mesmo" como ethos da autovalorização. "Falar em empresa de si mesmo é traduzir a ideia de que cada indivíduo pode ter domínio sobre sua vida: conduzi-la, geri-la e controlá-la em função de seus desejos e necessidades, elaborando estratégias adequadas" (2017, p. 333).

Pode-se dizer que esta linha de valores é confirmada positivamente pelo que pensam os fundadores entrevistados. Segundo eles, o fato de terem se inserido no mundo do empreendedorismo se deve em boa parte ao desejo de serem autônomos e responsáveis por seus próprios passos.

A possibilidade de serem seus "próprios chefes", controlarem seus próprios horários de trabalho e não terem a necessidade de reportar o resultado dos seus trabalhos a ninguém, são tidas como parte de um estado ideal de vida à ser alcançado.

Empreendedor B: a parte boa é que esse trabalho também me dá como um fundador muita flexibilidade para somente ser responsável por mim mesmo no final das contas, obviamente que também sou responsável pelo time, mas não tenho nenhum chefe pra me questionar o motivo de eu não ter ido ao trabalho no dia anterior, etc. [risos].

Mais do que isso, também é celebrada a liberdade que se tem para escolher com quem trabalhar, como um poder que se adquire ao galgar a posição de sócio-fundador de uma empresa, onde eles detêm o poder de decisão no processo de contratação de qualquer funcionário.

Uma vez que as startups, em geral, contam com um quadro reduzido de funcionários, é muito comum que nos processos de contratação sempre haja uma etapa em que os candidatos sejam entrevistados diretamente pelos fundadores da empresa. Isso aconteceu, por exemplo, em vários dos processos seletivos que participei, desde o primeiro, que me trouxe à Berlim pela

94 primeira vez, como no momento em que estava envolvido em diversos processos de outras startups em Berlim.

Esta condição não é comum nos processos seletivos de empresas consolidadas e com quadros extensos de funcionários, a não ser em poucos casos, como na contratação de executivos da alta gerência. Portanto, a liberdade, a não necessidade de dar satisfações sobre seus trabalhos e o poder de escolha sobre com quem querem trabalhar, são pontos positivos importantes que dizem muito respeito aos motivos e subjetividades que movem os interlocutores entrevistados à se lançar no mundo do empreendedorismo.

Empreendedor B: sim, é bom você pode ter uma ideia e fazer ela acontecer. Tanto por você mesmo ou com um time. O fato que você não é responsável por nenhuma outra pessoa, mas sim por você mesmo. E que você tem influência no que está sendo feito na empresa e nas pessoas que você trabalha junto. Mesmo eu tendo sido negativo anteriormente [se referindo a pessoas que ele não gostou de trabalhar, e que foram demitidas], mas também é legal saber que você pode escolher com quem trabalhar. Muitas vezes isso é uma coisa positiva, eu escolhi trabalhar com várias pessoas e isso é ótimo, mas se não funciona, você pode cortar. Seria horrível para mim estar preso a uma situação onde eu odiasse trabalhar com outra pessoa e eu não pudesse fazer nada.

Além dos aspectos pontuais do dia-a-dia de trabalho, o gozo dessa liberdade também diz respeito ao poder de interferência em relação aos resultados práticos e políticos que seus empreendimentos têm no mundo real.

Ocupar a posição de sócio-fundador de uma startup automaticamente autoriza estes empreendedores a terem o poder de controlar as decisões críticas que são tomadas em relação ao caminho que o produto ou serviço oferecido pela empresa deve trilhar. Em outras palavras, a autonomia se manifesta também através do poder que se tem sobre a área de atuação da empresa e sobre a "palavra final" das decisões.

Em um capítulo anterior, falamos sobre as oposições entre trabalhar em startups ou em grandes empresas, e trouxemos o ponto de vista do perfil de funcionários de startups que, através de seus relatos, revelaram que se sentem mais ouvidos e influentes nas decisões de negócio/produto dentro de startups, em oposição ao que acontece em grandes empresas.

Todavia, como parte da observação empregada pela pesquisa, pudemos perceber que embora haja de fato um canal aberto de comunicação entre executivos e funcionários, facilitado pela hierarquia horizontal e a pouca quantidade de pessoas nos escritórios, ainda há uma sobreposição notória de poder hierárquico entre sócio-fundadores e profissionais comuns.

95 Dentro das dezenas de reuniões que participei e observei, pude testemunhar diversas situações onde a figura do sócio-fundador, embora ouvisse, por exemplo, as sugestões de design de produto feitas por funcionários que são especialistas nessa área de conhecimento, também pedia para que fossem convencidos de que aquele era o melhor a ser feito pela empresa. Ser convencido significa necessariamente concordar com algo que está sendo proposto, não é o mesmo de, por exemplo, acreditar em uma decisão sugerida por profissionais que dominam um certo assunto pela confiança que se tem nas habilidades deles.

Portanto, em linhas gerais, podemos afirmar que de fato os funcionários têm acesso fácil aos executivos, mas no final das contas, os fundadores têm a liberdade e a autonomia de definir não só pequenas decisões de produto, mas também todas as estratégias de atuação da empresa no mercado.

Empreendedor B: meu desejo é o de aprender coisas, novas coisas. Ser capaz de causar um impacto na sociedade, e esse desejo é muito mais fácil de ser alcançado sendo um empreendedor, porque você pode escolher onde aplicar essa mudança, ao invés de, por exemplo, se você trabalhar como funcionário em uma grande corporação.

No documento AS NOVAS SUBJETIVIDADES NEOLIBERAIS: (páginas 94-96)