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HORIZONTALIDADE, INFORMALIDADE E IMPROVISO

No documento AS NOVAS SUBJETIVIDADES NEOLIBERAIS: (páginas 81-84)

Mapa 2 Distribuição de startups no bairro de Mitte, Berlim

10.3 HORIZONTALIDADE, INFORMALIDADE E IMPROVISO

Durante as entrevistas, três características que se complementam foram repetitivamente lembradas pelos entrevistados quando se discutia a vida dentro do ambiente de trabalho das startups: a questão da horizontalidade na hierarquia das equipes, a informalidade e o improviso na execução de tarefas.

Pôde-se observar que todos esses fatores transitam por um grau positivo e outro negativo de acordo a interlocução de fundadores e funcionários. A parte positiva diz respeito, principalmente, ao poder de interferência que o funcionário tem sobre decisões de design e engenharia. Um membro de uma equipe em uma startup geralmente tem autonomia para fazer sugestões, e mudar o curso do desenvolvimento de um produto em meio a uma relação informal que geralmente é muito próxima dos líderes do negócio, como o CEO ou os líderes de equipe (chefes de programação, design, marketing, etc.). A palavra dos membros da parte de baixo da hierarquia muitas vezes tem o mesmo peso dos líderes. Nesse ponto se observa uma negação fundamental ao corporativismo de empresas grandes: segundo os interlocutores, a capacidade de interferência e autonomia que funcionários têm poder de exercer em um ambiente de startups é muito maior se comparados a um ambiente tipicamente corporativo (tópico mais detalhado em seção mais a frente).

Funcionário A: em tese, o CTO é meu superior. Apesar disso, nós nos vemos como colegas. Não só ele, mas também o pessoal do marketing e até mesmo o CEO. Somos uma grande equipe. Isso é bom, pois garante mais autonomia para mim. Tratar diretamente com o CEO é muito mais fácil do que ter que atravessar diversas camadas de burocracia para se comunicar com superiores. Por um lado, essa é uma maneira muito mais direta de fazer prestação de contas, o que é bom, mas por outro lado, se alguém da gerência estiver, por

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exemplo, tendo um dia ruim, é você quem vai lidar diretamente com esta pessoa, sem intermediários, e isso é ruim.

Funcionário A: as startups jovens são muito mais fluidas. As coisas estão muito mais em debate. Se você quiser mudar alguma coisa, pode falar sobre isso com outras pessoas, porque sua equipe é menor. Nós éramos 20 pessoas. Você pode conversar com todo mundo e se houver um número suficiente de pessoas que concordam com você, será suficiente. (...) Não é como se os cofundadores estivessem acima de qualquer outra pessoa, se houver um número suficiente de pessoas que discordam deles, por exemplo, na decisão de design, seguíamos o que a maioria estava dizendo, e não o que os cofundadoresauto diziam. Essa era a cultura dessa empresa. Você pode expressar sua opinião. Você tem permissão para dizer essas coisas, e cabe aos gerentes e aos líderes da equipe permitir isso. Em um ambiente muito mais corporativo, há uma hierarquia muito mais clara e acho que essas hierarquias são negativas. Essas hierarquias são coisas ruins. Sendo o mais plano possível, geralmente permite que as pessoas floresçam e façam as coisas, porque você poderá fazer o trabalho da maneira que deseja.

O fato desse tipo de empresa geralmente contar com equipes reduzidas, comumente entre 10 e 30 pessoas, desencadeia uma série de problemas relatadas principalmente pelos perfis de funcionários entrevistados. Foram relatadas situações relacionadas ao acúmulo de funções para um só profissional, episódios de assédio moral por conta da ausência de uma equipe de recursos humanos que gerenciasse as relações profissionais e interpessoais, e a execução precária de tarefas pela falta de profissionais e processos especializados.

Funcionário A: uma das maiores frustrações ocorreu nos primeiros meses. Eu tive uma desavença com um dos meus colegas que, no final das contas, admitiu sua culpa. O fato de ser uma empresa pequena, sem RH, atrapalhou. Após ser aconselhado por minha esposa, tive que tomar a atitude de falar com o líder da minha equipe. Apenas aí o problema foi tratado pela empresa e deixou de ser exclusivamente uma questão pessoal. Outro problema era que, devido ao fato de a empresa ser pequena e informal, todos os projetos eram na base da improvisação. Sempre faltava algo, seja pessoal suficiente, seja organização, seja tempo suficiente para entregar, seja recursos, etc. Nunca houve um projeto planejado e cumprido do início ao fim. Além disso, havia muito desvio de função. Davam-me responsabilidades que não deveriam ser minhas. Uma vez que eu resolvia um certo tipo de problema, eu ficava automaticamente responsável por resolver esse problema para sempre, e isso ia acumulando, no final das contas isso me impedia de fazer meu trabalho que fui contratado para fazer.

Um dos principais motivos relatados para tal comportamento existir é a pressa que os empreendedores jovens têm para disponibilizar seus produtos ou serviços no mercado o mais rápido possível, para que também possam vencer a concorrência ao pôr no ar atualizações de seus produtos para obter a preferência dos consumidores. Esta ansiedade contribui para o

82 estabelecimento da desorganização, das longas jornadas e da precariedade no processo de desenvolvimento do trabalho, conforme comenta o Funcionário B:

As pessoas trabalhavam muito, passavam muito tempo no escritório. O chefe saía todo dia de 20h. Esta é uma cultura que eu particularmente não curto, porque eu não quero estender demais o meu expediente, nem arrumar um burnout. Esta cultura tem a ver com a necessidade de chegar logo no mercado, de precisar fazer impacto, não tem tempo, os concorrentes estão vindo aí, a gente vai acabar perdendo o time. Então as pessoas acabam esticando demais a sua rotina, abdicando da sua vida fora da empresa e prol de entregar alguma coisa. Eu tendo a achar que esse é um comportamento muito presente nesse ambiente, porque essa startup que eu trabalhei por último, particularmente, a [nome da empresa suprimido], principalmente a cúpula da empresa, são pessoas que saíram da faculdade e abriram uma empresa e conseguiram investimento. Então são pessoas muito jovens que não têm experiência de mercado, não sabem lidar com funcionários, não sabem planejar um produto, um projeto, e só querem correr com aquilo e entregar.

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11 A OPOSIÇÃO AO CORPORATIVISMO

Pode-se dizer que esse tópico obteve a maior convergência de opiniões das entrevistas aplicadas, tanto dos fundadores como dos funcionários. O dito corporativismo, segundo a visão dos entrevistados, seria uma cultura comumente encontrada em empresas de grande porte, com processos de trabalho complexos, e um alto nível de trâmites burocráticos.

Estas características e mais outras detalhadas nas próximas páginas, são encaradas de maneira muito negativa pelos entrevistados, quase como quem firma um posicionamento político oposto através da demarcação da diferença, se orgulhando de terem escolhido traçar caminhos antagonistas dentro do mundo do empreendedorismo.

No documento AS NOVAS SUBJETIVIDADES NEOLIBERAIS: (páginas 81-84)