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É PELO DINHEIRO?

No documento AS NOVAS SUBJETIVIDADES NEOLIBERAIS: (páginas 90-94)

Mapa 2 Distribuição de startups no bairro de Mitte, Berlim

12.1 É PELO DINHEIRO?

Em todas as entrevistas, quando questionamos os interlocutores sobre o que é se autorrealizar, em todos os casos as primeiras respostas se desenharam como uma tentativa de colocar em oposição suas reais motivações com o papel que o dinheiro desempenha em suas vidas. Nos chama atenção o fato de que, especificamente nesse momento, a palavra "dinheiro" não foi pronunciada no enunciado das perguntas, mas esta foi a reação imediata para o questionamento na maioria dos casos.

Acredito, como pesquisador e membro desta indústria desde que comecei a minha vida profissional, que em suas vidas, principalmente no contexto de trabalho, o tópico "dinheiro" é sinônimo de reflexão constante sobre como deve-se lidar com este fator. Pode-se dizer que a figura do empreendedor que apenas visa o lucro desenfreado é um dos maiores estigmas - em meio à muitos estereótipos positivos - que esses jovens empreendedores enfrentam em suas carreiras, e provavelmente por esse motivo este assunto veio à tona de forma tão proeminente. Antes da pesquisa ter se lançado à fase de entrevistas em profundidade, esperávamos que o fator financeiro fosse uma discussão protagonista das conversas com os fundadores, entretanto, foi observado que este é um assunto que tentam deixar em segundo plano ao máximo, somente sendo tocado durante as entrevistas no momento em que falamos sobre suas motivações e conceitos de autorrealização. Em primeiro lugar, quando finalmente mencionaram o fator dinheiro, os interlocutores se esforçaram para assegurar que este não é o fim procurado

90 por eles através de seus empreendimentos, e o argumento principal, como comentado em um dos capítulos anteriores, é a afirmação de que eles poderiam estar trabalhando em muitas outras ocupações - principalmente como consultores autônomos ou embarcados em grandes empresas - ganhando cifras muito mais altas do que estão a ganhar em seus projetos atuais nas startups. Mas ao contrário disso, enquadram seus esforços como parte de um propósito maior, ao fazer questão de provar seus valores e capacidades intelectuais.

Empreendedor B: eu também poderia ganhar muito mais, facilmente poderia ganhar 100 mil euros por ano fazendo consultoria, trabalhando em bancos, etc. Mas eu queria provar que minha ideia estava certa, e essa era a minha maior motivação de continuar com a empresa, eu queria provar que minha ideia era boa o suficiente para um negócio.

Entretanto, em ponderação, os interlocutores fazem questão de reivindicar e delinear a importância da parte financeira para os empreendimentos - e não diretamente para si, no nível pessoal. Segundo eles, o dinheiro teria o mero papel de mensurar o sucesso de seus produtos desenvolvidos, e de como estes podem ser "bem vendidos" ao mercado, como uma forma de avaliar o quão bem eles resolvem problemas reais dos clientes que pagam por seus serviços.

Esta afirmação, nas entrelinhas, deixa claro que há uma tentativa de limitar o valor especulativo de seus negócios no sentido de apenas validar a qualidade de suas ideias e esforços, do que necessariamente o desfrute que o poder aquisitivo pode desempenhar em suas vidas, como resultado do sucesso como empreendedores.

Empreendedor A: dinheiro não é o objetivo final. Por exemplo, quando você tem um milhão de euros, isso significa que você pode investir esse dinheiro sem ter que nunca mais trabalhar na vida, mas se eu tivesse esse dinheiro, eu ainda assim nunca pararia de trabalhar. Eu não estou atrás apenas do dinheiro, estou atrás de ser bem sucedido no que eu faço. Eu não me sentiria feliz, autorrealizado, se eu ganhasse na loteria, porque eu não teria feito quase nada pra conseguir isso. Eu ficaria alegre, mas absolutamente não estaria preenchido com isso. Mas se eu concebo um negócio e vendo o meu negócio por um milhão de euros, aí sim eu ficaria feliz. Imagine, tem uma pessoa disposta a pagar um milhão de euros por algo que eu fiz, por algo que eu criei, isso significa muito reconhecimento, e dessa maneira, o dinheiro é somente um indicador do quão bem-sucedido é um negócio, é uma medida.

Este discurso aponta claramente a noção de valor dos nossos interlocutores, que está diretamente relacionada ao valor financeiro gerado a partir do que realizam em suas vidas profi ionai . A fra e adicionar alor foi repe ida di er a e e por odo o in erloc ore

91 entrevistados, sempre com uma conotação positiva, fundamental, atrelada ao resultado de seus trabalhos e esforços intelectuais.

Podemos também perceber, mais uma vez, a posição de privilégio que os interlocutores deste perfil gozam. Como abordado no capítulo 8, a descrição do perfil dos fundadores entrevistados deixa claro que eles fazem parte de uma pequena faixa social privilegiada no mundo, em primeira instância por serem cidadãos de países ricos da Europa, e mais do que isso, por também fazerem parte de famílias estruturadas financeiramente, posicionadas nas classes sociais de bom poder aquisitivo dentro do contexto de suas cidades natais.

Este entendimento é reforçado pela oposição que existe em relação ao discurso empregado pelos interlocutores do perfil de funcionários entrevistados. Quando questionados sobre o valor que o fator financeiro desempenha em suas vidas, notamos um tom pragmático relacionado à deveres, necessidades básicas e dívidas, embora ainda apresentem uma convergência no sentido de que dinheiro não é o fim procurado através de seus esforços profissionais.

Gabriel: qual é o papel que o dinheiro desempenha na sua vida atualmente? Funcionário B: eu acho que assim, desempenha no sentido de fazer as coisas que eu quero, seja fazer uma viagem, seja não ter dívida com ninguém... Eu acho que isso é uma coisa que eu aprendi muito com o meu pai e, enfim, às vezes é bom, às vezes é ruim, é o sentimento de compromisso e de dever cumprido. Então, eu sei que eu tenho uma gama de contas pra pagar, eu quero estar com tudo pago, para aí depois eu pensar na diversão. Conseguir fazer uma viagem, conseguir, sei lá, comprar um computador, conseguir comprar um jogo, sei lá, ir na loja porque estou com frio e preciso comprar um casaco novo hoje. Ter a possibilidade de fazer isso de uma maneira tranquila. Não planejo ficar milionário e por mais que eu consiga fazer isso, não vai ser uma coisa que eu vou estar correndo atrás. Pode ser ganhando na mega sena, encontrando uma mala na rua (risos), não é uma coisa que eu estou galgando pra mim.

Por isso, podemos entender melhor os valores do perfil de fundadores, que descarta opções profissionais que os retornariam mais dinheiro e as falas que classificam o poder financeiro como algo de importância média.

É natural pensar que a retórica utilizada nas respostas faz parte de um discurso pronto e politicamente correto, mas no entendimento da pesquisa, interpretamos que este não é o caso. Ela seria, na verdade, parte dos valores da juventude de uma das mais privilegiadas faixas sociais do mundo, e esse status, em alguns momentos da pesquisa, foi reconhecido por alguns dos fundadores entrevistados.

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Empreendedor D: acho que dinheiro é importante, mas é só isso mesmo [risos]. Eu posso dizer que não ligo muito pra dinheiro, porque isso nunca foi algo que eu precisei demais, não penso muito sempre isso, mas isso é fácil de dizer quando você é privilegiado. Mas claro, acho que dinheiro é importante, mas não é isso que me faz continuar envolvido.

Empreendedor A: obviamente isso é um problema de primeiro mundo, dizer que apenas ter um dinheiro desses que garanta sua estabilidade na vida não me faz feliz, faz parte também do fato de que estou acima de uma faixa econômica no mundo, eu nunca tive que lutar contra a pobreza ou para alimentar meus filhos. Dentro desse meu contexto de primeiro mundo é que posso dizer que o dinheiro é apenas uma medida.

Durante a discussão desse assunto, foi citado por alguns dos interlocutores entrevistados que existe uma parcela de empreendedores e investidores dentro da cena de startups de Berlim que, supostamente, estariam no mundo do empreendedorismo por motivos egocêntricos ou mobilizados cegamente pelo dinheiro. Estas afirmações foram empregadas em tom de crítica, de modo a classificar estes indivíduos como desviantes em relação ao que as pessoas de dentro da cena "deveriam" ser.

Este é um exemplo claro de um código não escrito existente dentro da cena de startups e do empreendedorismo jovem. Espera-se que o empreendedor seja uma figura detentora de propósitos nobres em relação aos seus empreendimentos, e que estes resolvam problemas ou tornem algo melhor para as pessoas ou empresas, em uma expectativa análoga ao que se espera de um herói de boa moral, o que seria o total oposto dos empreendedores supostamente famintos por dinheiro e fama.

Para os entrevistados, o motivo principal que faz com que estas pessoas sejam atraídas ao mundo do empreendedorismo é a glorificação do status de ser um empreendedor nos dias de hoje.

Empreendedor D: se fala que status é o que as pessoas mais se importam na sociedade, até mais do que dinheiro, e eu acho que para os empreendedores no momento essa questão é muito verdade, talvez tenha sido sempre assim, não sei, mas sinto que no momento está muito em voga, e também a cena de startups parece muito mais em voga, na moda, mais do que era no passado, acho que isso é uma coisa boa, mas também é desviante, porque atrai muita gente que se junta a essa cena pelos motivos errados, e se preocupam muito mais sobre status, dinheiro, e não sobre as responsabilidades que eles têm com as pessoas nas empresas deles, e também em algum momento com outros negócios ou com a sociedade, dependendo do que eles façam.

93 Uma terceira variação da relação percebida dos interlocutores com a questão financeira, é o enquadramento do dinheiro como um importante trampolim que possibilita a realização de suas missões no mundo através do empreendedorismo. O Empreendedor C, em sua entrevista, usou a frase "make money to make something", em tradução livre, "faça dinheiro para fazer algo importante", para ilustrar este valor. O que se traduz aqui é novamente o suposto empreendimento do propósito, do objetivo nobre para com os seus negócios, e não como um meio para o retorno financeiro desassociado de um impacto real na vida das pessoas.

No documento AS NOVAS SUBJETIVIDADES NEOLIBERAIS: (páginas 90-94)