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Deste balanço feito até agora dos destaques da música nacional urbana, principalmente na esfera da então capital federal e berço do samba urbano — a cidade do Rio de Janeiro — vemos que cada época carrega consigo suas tendências, abrindo espaço para novos talentos, que despontam no cenário artístico e consolidam suas carreiras. Mas vale salientar que os registros fonográficos possibilitaram a execução de discos em residências e nas emissoras de rádio, de tal forma que um cantor que gravasse, mesmo deixando de ser sucesso em determinada época, poderia ainda ser lembrado e escutado pelos que o admirassem. Uma nova era não elimina, necessariamente, a existência de artistas de épocas anteriores. A música brasileira foi assim aumentando sua galeria de artistas com o acúmulo de registros.

Não havia mais dúvida: a canção estava definitivamente consolidada como a verdadeira representação da sonoridade brasileira. No item anterior, por exemplo, citamos que o governo federal articulou a cooptação de tal fenômeno, mas a canção já havia

disseminado um atributo plural, em harmonia com a diversidade cultural existente no país. Os cancionistas já sabiam a que a canção veio:

Atentas ao fenômeno de massa, as autoridades do Estado Novo tentaram envolver alguns compositores e intérpretes nas campanhas de civismo e regeneração dos costumes, chegando a extrair alguns sucessos (“O Bonde de São Januário”, “Izaura” etc.) com a nova ideologia. Mas para cada canção de encomenda saíam dezenas de outras celebrando a vida noturna, os amores e a malandragem (...). E as canções puderam seguir livres com seus recados, seus convites à dança e suas queixas amorosas. (TATIT, 2004, p. 46)

O ano de 1939 merece um importante registro histórico: o início da Segunda Guerra Mundial, que provocou uma mudança também na conjuntura artística, como resultado de um arrefecimento nas atividades que transpusessem as questões referentes ao conflito. Medida adotada em praticamente todo o planeta. Natural que houvesse uma baixa em determinados tipos de consumo, e com o entretenimento não foi diferente. Relata André Diniz:

O ritmo dos investimentos na produção fonográfica e nos espetáculos caiu substancialmente, afetando a até então crescente indústria do entretenimento. Discos deixavam de ser lançados, shows eram cancelados, bailes e desfiles carnavalescos adiados.

(...) O samba, nesse contexto, já havia conquistado seu espaço nas rádios, tornando-se o gênero preferido do povo. (DINIZ, 2006, p. 145)

Também no ano de 1939 desponta o cantor e compositor baiano Dorival Caymmi. Ele se destaca, a princípio, como compositor, através de sua primeira canção de sucesso, o samba “O que é que a baiana tem”, registrado e bem conhecido na voz de Carmen Miranda. A partir daí, nos anos de 1940, Caymmi passa a produzir uma obra de merecido reconhecimento, que se mantém até hoje.

Quatro sambistas aparecem com destaque no início dos anos quarenta: Wilson Batista, Geraldo Pereira, Ataulfo Alves e Herivelto Martins (SEVERIANO & MELLO, 2002, p. 89). Representam de certa forma a consolidação do samba-canção com grande

divulgação radiofônica. A tendência seguida descambava cada vez mais para uma acentuada passionalização. Queixas amorosas tomam a linha de frente, principalmente após o término da guerra, em 1945. Tango e bolero passam a influenciar diretamente a canção radiofônica difundida no Brasil. Tinhorão rejeita a qualidade de tal produção do período, assim se posicionando:

Dos fins dos anos 1940 aos fins de 1950, o samba-canção, ao nível da produção dos compositores profissionais de rádio, se transformaria praticamente em sambas-boleros e sambas-baladas (chegaram a existir, para distingui-los, as denominações sambolero e sambalada), provocando o rebaixamento do gênero a níveis insuportáveis. (TINHORÃO, 1986, p. 157)

Dolores Duran, Antônio Maria e Lupicínio Rodrigues eram sinônimos de sucesso com esse tipo de samba-canção na década de 19503. Juntava-se ainda a esse grupo de intérpretes Maysa, que chegava a ser chamada de “cantora da fossa”, tamanha era a quantidade de lamúrias presentes nas letras por ela interpretadas (DINIZ, 2006, p. 152).

Luiz Tatit, sem atribuir juízo de valor a essas produções, confirma essa grande produção de canções passionais, apontando também um declínio da produção carnavalesca após a Segunda Guerra Mundial. O contraponto que surge para as músicas desaceleradas e românticas é o aparecimento do baião do pernambucano Luiz Gonzaga, que “de certo modo, expandiu os impulsos dançantes do carnaval para as outras épocas do ano, só que em forma de forró” (TATIT, 2004, p. 46-47).

O final da Guerra, em 1945, coincidia de certa forma com o declínio da produção dos artistas da Época de Ouro, o que marca historicamente seu fim. Tal baixa tem a ver com a repetição de fórmulas dos grandes nomes da década anterior. O samba tradicional e o samba canção careciam de novos grandes nomes. Para Jairo Severiano e Zuza Homem

3 Para Júlio Medaglia, aquele momento representava “plena síndrome da ‘dor de cotovelo’, do samba-canção aboloreado, onde Lupicínio Rodrigues como compositor e Maysa e Agostinho dos Santos como intérpretes eram das poucas figuras verdadeiramente interessantes e criativas” (MEDAGLIA, 2003, p. 171-172).

“não há na ocasião uma renovação de valores à altura dos que começavam a sair de cena. Iniciava-se, então, a era do baião e do prebossanovismo que levaria a MPB à modernidade” (SEVERIANO & MELLO, 2002, p. 89).

A década de 1950 conta com consideráveis avanços tecnológicos, que alimentariam com novidades a indústria do lazer, que estava em baixa no período da Segunda Guerra, como citamos anteriormente. Dentre as novidades apresentadas temos, no Brasil, a chegada da televisão, em 1950; do LP (Long Play) de 33 rotações, em 1951; o disco de 45 rotações, em 1953; e uma significativa melhora na qualidade da gravação de som, com a substituição do registro em cera pelo emprego da nova fita magnética. “Acompanhando essas inovações, passam a ser fabricadas modernas eletrolas, os chamados aparelhos ‘hi-fi’, com evidente melhoria na reprodução das gravações” (id. ibid., p. 242).

Os autores referenciados seguem fazendo um resumo desse período, citando outros fatos marcantes ligados à música brasileira: o rádio vive a época de maior prestígio, com o enorme sucesso dos programas de auditório; com o aumento da radiodifusão, os responsáveis pelas programações radiofônicas passam a influenciar o gosto dos ouvintes; a música estrangeira imigra numa quantidade bem superior a outras décadas (id. ibid.).