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6 A PERSPECTIVA DA ÉTICA NO CURRÍCULO FORMAL DO ENSINO SUPERIOR EM DESIGN DE MODA

6.3 A ÉTICA NO CURRÍCULO FORMAL DO DESIGN DE MODA

A Moda está presente em praticamente todos os espaços da vida social e se evidencia, principalmente, nas mudanças constantes em nosso comportamento e nossos hábitos de consumo. Ainda que seja, por vezes, compreendida como fútil e irrelevante, a Moda representa um fenômeno amplo e dinâmico por sua capacidade de abranger diversos aspectos como ambientais, culturais, econômicos, estéticos, políticos,

simbólicos e sociais. Nesse sentido, Fletcher e Grose (2011) descrevem a Moda como uma manifestação atrelada a uma diversidade de conceitos.

A moda reúne a autoria criativa, a produção técnica e a disseminação cultural associadas com o ato de vestir, unindo designers, produtores, varejistas e todos nós, usuários de roupas. Em sua forma mais criativa, a moda ajuda-nos a refletir sobre quem somos como indivíduos, ao mesmo tempo que nos conecta com grupos sociais mais amplos, fornecendo senso de individualidade e de pertencimento. A moda liga indivíduos de diferentes origens demográficas, grupos socioeconômicos e nacionalidades e os atrai para um movimento a favor da mudança. Mas a moda também tem uma relação complexa com sistemas mais abrangentes, como economia, ecologia e sociedade (FLETCHER E GROSE, 2011, p. 8). Berlin (2016) argumenta que esse setor “[...] vai da produção e plantio de sementes para a obtenção de matéria-prima dos substratos têxteis até a milhões de trabalhadores e suas variadas funções em diversos países do mundo – de lavradores a top-models” (2016, p. 26). Nessa perspectiva, a elaboração de reflexões críticas acerca das relações sociais e culturais que permeiam o universo da Moda é relevante; à medida que é preciso compreender que a indústria de moda, como qualquer atividade produtiva, pode ter inúmeras consequências para a vida em sociedade no que diz respeito aos comportamentos morais dos seus agentes68.

O universo da moda e da indústria têxtil não apresenta apenas um cenário de glamour, business e estética. Há também outro lado muito sério, palco de disseminação de miséria, transtornos psicológicos e alimentares e de uma ampla degradação ambiental. Uma realidade pouco percebida e sobre a qual há quase nenhuma reflexão (BERLIM, 2016, p. 22).

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Embora não tenhamos apresentado nas seções teóricas discussões específicas sobre as questões éticas envolvidas no campo da Moda, buscamos apresentar nesta seção uma breve explanação sobre esse assunto, uma vez que tais aspectos serão abordados na análise das unidades curriculares.

A título de exemplo, as questões éticas se apresentam em decorrência de valores econômicos hegemônicos que visam à obtenção de lucro a qualquer custo e que, consequentemente, geram impactos nocivos ao bem-estar social. Despidos de qualquer humanidade, fabricantes e empresários recorrem às práticas perversas como o trabalho análogo à escravidão e o trabalho infantil de maneira a se alcançar os tão almejados objetivos econômicos, as quais resultam em condições degradantes e indignas à vida dos seres humanos.

A pressão pela superflexibilidade da mão de obra, que deve trabalhar em qualquer horário - ou melhor, em todos - em qualquer local, e não apenas na fábrica, e por qualquer valor, pois do contrário haverá alguém disposto a rebaixar ainda mais seu nível de necessidades básicas para algo próximo do primitivo, é a responsável pelo ressurgimento desse sistema e do desenvolvimento das formas contemporâneas de trabalho escravo (BIGNAMI, 2014, p. 13-14). Outras questões éticas presentes nessa área de atuação estão relacionadas aos padrões e modelos estéticos. Nessa linha de pensamento, consideramos a relevante contribuição de Katz (2012, p. 26).

O nosso viver em sociedade se dá a partir de normas. A fabricação do modelo de corpo que sustenta essa operação tem uma grande aliada na eficiência com que a moda torna público o corpo a ser desejado. No capitalismo, o desejo não pode ser saciado, sob o risco de desmantelar a sociedade do consumo. Imagine-se o que sucederia se comprássemos uma camiseta e ficássemos sem desejo de comprar qualquer outra por um longo tempo.

A indústria de moda, com o auxilio do marketing, tanto estabelece tendências e ideais de beleza quanto exerce pressão para o consumismo, resultando em impactos na vida das pessoas, quando o consumo e a estética estão entre os valores que predominam numa sociedade que, de acordo com Bauman (2011b), compreende os seres humanos como “[...] corpos consumidores, e a medida da sua condição adequada é a capacidade de consumir o que a sociedade de consumo tem

a oferecer” (p. 157. Grifos do autor). Caso não se adequem ou não consigam seguir seus preceitos, considerando que a vida líquida moderna é caracterizada pelo desprendimento e indiferença, baseada na obsolescência e no descarte, inclusive do humano, acabam por ficar à margem da sociedade.

Nesse cenário o marketing de consumo tem forte influência no comportamento das pessoas, por meio da disseminação de valores estéticos propicia a construção de corpos submissos aos padrões de beleza e gera a anulação do desempenho moral dos indivíduos ao agirem de acordo com normas impostas externamente. Para Sapoznik et al (2012, p. 49) “quando a moda [...] valoriza o apagamento do humano que habita a roupa ao transformá-lo em um mero veículo de exibição, esse é o ponto no qual a moda se enlaça com o campo da ética”. Em outras palavras, Vázquez (2017, p. 222) argumenta que:

[...] o homem, como consumidor, é rebaixado à condição de coisa ou objeto que se pode manipular, passando por cima de sua consciência e vontade [...] porque, impedindo que escolha e decida livre e conscientemente, minam-se as próprias bases do ato moral, e deste modo, restringe-se o próprio domínio da moral.

As questões éticas envolvidas no mundo da Moda também englobam os problemas socioambientais. Isso porque o sistema da moda é regido pela efemeridade que é alicerçada na obsolescência programada e na rapidez da produção, induzindo ao consumo inconsciente e exacerbado, visando o poder e o lucro econômico a qualquer custo. Berlim (2016, p. 17) assinala que “em nome do crescimento econômico, sacrificam-se o meio ambiente e a dignidade de boa parte da sociedade, e dessa forma, a viabilidade futura da vida da humanidade”. Nesse sentido, as questões relacionadas à sustentabilidade são relevantes para uma reflexão ética.

Além desses problemas éticos mencionados, tantos outros exemplos poderiam ser citados aqui. Razão pela qual as discussões éticas são essenciais no contexto de formação dos profissionais da área de Moda.

Sabe-se hoje que o estudo da ética é tão importante quanto o estudo técnico, porém, diferentemente desse, aquele não deve se resumir ao repasse de informações ou ao treinamento,

muito menos à transmissão de regras normas e métodos. Ele deve ter como finalidade levar as pessoas a pensar. Mais do que isso, a refletir sobre seus atos tomando por base o respeito à pessoa e à verdade (PASSOS, 2015, p. 104. Grifos da autora).

Conscientes de que, como educadores, preparamos profissionais para trabalhar no contexto social vigente, o qual é permeado por aquelas contradições e conflitos éticos supramencionados, os quais queremos e precisamos superar; ao analisarmos o currículo escrito de cursos do ensino superior em Design de Moda, buscamos nos PPCs identificar a perspectiva da Ética nessa formação. Tal empreendimento visa destacar os pontos em que há um comprometimento com a formação dos acadêmicos desses cursos na perspectiva Ética, e, também, verificar os espaços e lacunas que precisam de mais atenção para contribuir com o avanço dessa perspectiva.

Para tanto, nessa seção buscamos identificar a concepção de ética nos currículos focando nos elementos que possam nos dar indícios dessa compreensão com base nos fundamentos de Ética que podem nos direcionar para a síntese mais geral. Para efeito de análise, destacamos que nossa compreensão de Ética (cf. Capítulo 2) não se relaciona a uma ética normativa, compreendida aqui, no sentido de estar embasada em um conjunto de prescrições que legislam o comportamento moral humano ou com uma ética abstrata no sentido de partir de uma concepção abstrata do sujeito. Ao contrário, a teoria Ética na qual nos baseamos reflete justamente a partir de situações oriundas da realidade concreta, possuindo o objetivo chave de “[...] explicar a natureza, fundamentos e condições da moral, relacionando-a com as necessidades sociais dos homens” (VÁZQUEZ, 2017, p. 25) em razão da concepção de sujeito concreto. Sendo assim, a Ética busca a obtenção da autonomia do sujeito, aquele que não age mediado pelo hábito, mas que atua com certa liberdade e consciência pessoal e social.

Em síntese, visando identificar a perspectiva da Ética na formação profissional superior em Design de Moda, a análise da categoria conceitual Ética ocorrerá sob dois enfoques. No primeiro, exposto na subseção 6.3.1, buscamos identificar a perspectiva de ética quanto à abordagem curricular dos PPCs, a partir de suas concepções teórico-metodológicas, do objetivo geral do curso e seu desdobramento nos objetivos específicos; no segundo, exposto na subseção 6.3.2. Também buscamos saber qual a perspectiva de ética que se reverbera