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1 OS FUNDAMENTOS E A CRISE DOS REFERENCIAIS E PARADIGMAS

2.2 Ética em Perspectiva Complexa

Edgar Morin, no livro O Método 6: ética (2007a), dedica-se a repensar e revisitar a ética, que, ao seu ver, não escapa aos problemas da complexidade. Ele faz a ressalva de que a cultura atual não está preparada para enfrentar os problemas éticos na extensão, radicalidade e complexidade que os caracterizam. Em seu livro, o autor aposta nos princípios do conhecimento complexo para esboçar um pensamento regenerador que permita retomar a ética em perspectiva complexa. Concebendo a ética complexa como um metaponto de vista que permite e possibilita a reflexão sobre os princípios da moral, ele elabora uma distinção conceituando ética e moral.

Busca-se, com frequência, distinguir ética e moral. Usemos “ética” para designar um ponto de vista supra ou meta-individual; “moral” para situar-nos no nível da decisão e da ação dos indivíduos. Mas a moral individual depende implícita ou explicitamente de uma ética. Esta se resseca e esvazia sem as morais individuais. Os dois termos são inseparáveis e, às vezes, recobrem-se; em tais casos, usaremos indiferentemente um ou outro (MORIN, 2007a, p. 15).

Em sua concepção, a ética manifesta-se no humano de maneira imperativa, que é sentida subjetivamente pelo indivíduo como um dever, como exigência moral. Não tendo mais o dever um fundamento exterior, ele não se impõe mais ao indivíduo como uma exigência de fé ou de pressões sociais. Mas o dever da ética é sentido pelo indivíduo de igual forma, dando à ética um aspecto místico. Nas palavras de Morin: “Embora não haja ritual, culto, religião no sentimento do dever experimentado pelo indivíduo leigo, a especificidade subjetiva do dever dá-lhe um aspecto semelhante ao do místico; o dever emana de uma ordem de realidade superior à realidade objetiva e parece derivar de uma junção sagrada” (2007a, p. 21). O autor infere que talvez este aspecto místico intrínseco ao dever possa ser uma herança

do predomínio da religião sobre a ética. Mas, para ele, essa fé inerente ao sentimento de dever, sentida interiormente pelo indivíduo, é a fé na própria ética, nos seus “valores”.

Nesse sentido é que Morin (2007a) destaca que a ética realiza-se numa simbiose de racionalidade e fé, na qual, o universalismo ético comporta um componente racional (universalidade) e um componente místico (fé). Assim, a ética acontece pela fé que o indivíduo tem em seus valores.

Essa exigência moral experimentada pelo indivíduo no sentimento do dever tem origens para além do apelo social e religioso da ética, mas também não as exclui. As origens deste imperativo ético, segundo o autor, são provenientes de três fontes interligadas entre si. Uma de origem interior ao indivíduo, que se traduz em dever; outra de origem exterior, relativa às crenças e normas que regulam a conduta social imposta pela cultura; e uma fonte anterior, referente à herança genética da espécie.

O seu imperativo origina-se numa fonte interior ao indivíduo, que o sente no espírito como a injunção de um dever. Mas ele provém também de uma fonte externa: a cultura, as crenças, as normas de uma comunidade. Há, certamente, também uma fonte anterior, originária da organização viva, transmitida geneticamente. Essas três fontes são interligadas como se tivessem um lençol subterrâneo em comum (MORIN, 2007a, p. 19).

Há, conforme Morin (2007a, p.22), uma fonte individual da ética, “[...] no princípio de inclusão, que inscreve o indivíduo na comunidade (Nós), impulsionando-o à amizade e ao amor, levando-o ao altruísmo [...]. Há, ao mesmo tempo, uma fonte social nas normas e regras que impõem aos indivíduos um comportamento solidário”. Pode-se pensar que esta fonte estabelece a harmonia para as questões éticas, pois leva o indivíduo a assumir uma ética de solidariedade e, de outro lado, a sociedade a impor uma ética de solidariedade. No entanto, o autor lembra que indivíduo e sociedade possuem uma natureza dupla: que o indivíduo, além do princípio altruísta, tem também o princípio egocêntrico, que promove o egoísmo; ao passo que a sociedade contém rivalidade e competição. No bojo dessa relação de antagonismos, na luta entre solidariedade e individualidade se engendra a problemática ética nas sociedades complexas: “As sociedades não conseguem impor as suas normas éticas a todos os indivíduos. Estes não podem ter comportamento ético que sempre supere o egoísmo” (MORIN, 2007a, p. 22).

Em relação à fonte anterior da ética, que tem sua origem junto à espécie, Morin (2007a, p. 22) considera que:

As fontes da ética também são naturais no fato de serem anteriores à humanidade; o princípio de inclusão está inscrito na auto-sócio-organização biológica do indivíduo e se transmite por via genética. As sociedades mamíferas são, ao mesmo tempo, comunitárias e rivais; contêm, ao mesmo tempo, o enfrentamento conflitual dos egocentrismos e a solidariedade em relação aos inimigos exteriores. Comunitárias na luta contra a presa ou o predador; rivais, sobretudo entre os machos, nos conflitos pela primazia, pela dominação, pela posse das fêmeas. Os indivíduos dedicam-se à prole, mas também podem, às vezes, comer os próprios filhos.

Como se pode perceber, o autor liga a ética as três instâncias, indivíduo-sociedade- espécie, ao caráter trinitário da condição humana. É com base na tríade inaugurada por ele, para construir a concepção complexa de homem, que ele retoma a noção de ética numa concepção igualmente complexa. Morin (2007a, p. 30) esclarece que “não se trata, portanto, para nós de encontrar um novo fundamento para a ética, mas, ao mesmo tempo, de dar-lhe novas fontes, novas energias e de regenerá-la no circuito de religação indivíduo/espécie/sociedade”. A complexidade, portanto, aponta para a necessidade de a ética recorrer a várias fontes (interior/exterior/anterior) para constituir-se em “auto-socio-antropo- ética” (FORTIN, 2007, p. 204).

Essa percepção ética trazida por Edgar Morin é considerada, por Almeida (2005, p. 139), como um “divisor de águas no oceano das inumeráveis interpretações filosóficas e sociológicas sobre ética”. Isso porque o argumento utilizado pelo autor ilustra a dificuldade de fundar a ética em pressupostos reducionistas na figura de um sujeito antropocêntrico, como a ética racionalista, em que o fundamento último é a razão autocentrada. Ou, então, em um fundamento transcendental, como nas éticas religiosas, em que a verdade e o bem são revelados por um ser supremo, exterior ao próprio homem.

Esse novo patamar ético, conforme a autora, transcende a visão antropocêntrica da ética limitada à experiência humana e enreda a ética na concepção complexa da condição humana, que considera também os domínios da vida e da matéria. Nesse sentido, a autora destaca que a tríade indivíduo/espécie/sociedade, mais a dialógica natureza-cultura e individual-coletivo, tecem a reconstrução da concepção de ética elaborada pelo autor, tendo como pano de fundo o intercruzamento da história da vida, da história da cultura e da história individual.

A ética inaugurada sob a ótica da complexidade transpõe a visão clássica de ética, pois traz no seu âmago uma nova concepção de homem e de mundo. Para o autor, a noção de sujeito humano é mais abrangente, não ficando limitada aos domínios da consciência ou da cultura conforme a tradição humanista. O ser humano é reconhecido a partir da sua condição físico-biológica, como parte da matéria que constitui o cosmos, como parte da natureza viva.

Nesse sentido, entende-se que o sujeito humano se engendra no interior de inter-relações não exclusivamente humanas, ou seja, históricas e culturais, mas emerge de contingências sócio- históricas e bio-culturais. Não só cultural e histórico, nem somente biológico, o sujeito é complexo.

O sujeito humano se engendra no interior das contingências sócio-históricas e bio- culturais - outra forma de dizer que ele emerge do interior de reorganizações não exclusivamente humanas, históricas e sociais. Para Morin, é possível distinguir, mas não isolar, nem contrapor, os domínios individuais, sociais e biológicos que juntos configuram o paradigma aberto e inacabado da espécie humana, do sujeito e da ética (ALMEIDA, 2005, p.140).

Partindo de um referencial biológico, o pensamento complexo possibilita a reabilitação da concepção de sujeito. Morin (1999) entende como noção de sujeito a qualidade de natureza própria de todo ser vivo, do unicelular ao homem. Considerando que toda organização viva tem a capacidade de tratar informações e utilizar estas informações em função da sua organização de forma a garantir sua existência, a computação das informações é sempre uma atividade centrada em si mesma, egocêntrica e autorreferente. Assim, a qualidade de sujeito é definida, em Fortin (2007, p. 92), como os traços de individualidade que repousam sobre o ego-auto-centrismo e a ego-auto-referência de todo sistema vivo. É a individualidade que fundamenta o conceito de sujeito. O predomínio do ego-centro, que corresponde ao princípio de exclusão, faz com que cada ser vivo se considere o centro do seu universo. Esse reconhecimento de si como ser único, distinto de tudo o que lhe é exterior, é o que o faz ser autorreferente. Para o autor, são essas as qualidades, de organização e de natureza própria do indivíduo vivo, que definem o sujeito, pois lhe garantem a existência e salvaguardam sua sobrevivência. Essa concepção biológica de sujeito liga o homem ao vivo e está sempre vigilante para lembrar que o homem é um ser vivo, como o unicelular, a planta e o animal.

No entanto, como já analisado no texto, a noção complexa de sujeito não é restritiva a um biologismo; ela é mais abrangente, comportando também a dimensão histórica e cultural. Nesse sentido, a qualidade de sujeito no homem é acompanhada pelo desenvolvimento simultâneo da individualidade e da autonomia que ocorre pela e na cultura. É no meio da cultura que se opera o surgimento da reflexão, da linguagem e do pensamento, bem como a consciência da condição de inacabamento, o que, por sua vez, permite ao sujeito tornar-se singular em meio à identidade social.

Portanto, para a complexidade é o caráter trinitário da condição humana que marca a concepção complexa de indivíduo, conforme reflete Morin (2007a, p.19):

O indivíduo humano, mesmo na sua autonomia, é 100% biológico e 100% cultural. Apresenta-se como o ponto de um holograma que contém o todo (da espécie, da sociedade) mesmo sendo irredutivelmente singular. Carrega a herança genética e, ao mesmo tempo, o imprinting4 e a norma de uma cultura.

O ser humano foi, desde os gregos, definido como um “animal razoável” que se diferencia de outras espécies pela capacidade de refletir e raciocinar. A modernidade veio corroborar essa definição de ser racional, consolidando a racionalidade na figura do homo sapiens. Complementando a definição de que o homo é essencialmente racional, sapiens, acrescenta-se ainda o selo homo faber que faz uso da razão na fabricação de instrumentos e no desenvolvimento da técnica e, também, a noção de homo economicus, adicionando-lhe a utilidade e o interesse. Como afirma Morin (2003b, p. 116), “assim homo faber e homo economicus consagram a marca homo sapiens”.

No entanto, o pensamento complexo está vigilante para mostrar que a razoabilidade não é a única qualidade, nem mesmo a marca soberana, que caracteriza o ser humano, é uma instância entre outras. Como argumento para demonstrar a impossibilidade de tomar a razão como única dimensão humana, o autor escreve:

Já para Platão, o psiquismo humano era um campo de batalha entre o espírito racional (nús), a afetividade (thumos) e a impulsividade (epithumia). Mais recentemente, Freud indicava que o sujeito racional, de forma alguma soberano, estava inserido numa trilogia permanente em que enfrentava a violência do Id pulsional e a dominação do Superego autoritário. Daí a sua fórmula admirável: “Onde estava o Id, o Eu deve surgir”. Enfim, Maclean mostrou que o nosso cérebro contém não somente o esplêndido neocórtex próprio da racionalidade humana, mas também a herança do cérebro mamífero (afetividade) e do cérebro dos répteis (cio, agressão, fuga) (MORIN, 2003b, p 116).

Nesse sentido, para o autor, a definição de ser racional permanece insuficiente, pois o homem não é apenas razão, é também loucura, agressão e afetividade. A compreensão racionalista do ser humano ignora os inúmeros exemplos de barbárie da história humana ilustrados pelo autor em seus textos. Ele questiona se foi o sapiens, movido pela disposição racional, ou o demens, motivado pelo componente irracional, que promoveu as exterminações de povos na Austrália e na América, que criou a escravidão, ou, então, que promoveu o holocausto.

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Morin (2007a) entende por imprinting as marcas culturais impostas pela família e, depois, pelos grupos sociais que condicionam nosso modo de ser individual.

Morin vê no epíteto homo sapiens uma definição muito pouco científica e muito pouco razoável do ser humano. Homo não é só sapiens, isto é faber, locus e economicus, ele é também demens, é sapiens/demens, sapiens na sua demência, demens na sua sapiência. Convém olhar para estas noções à luz da dialéctica e corrigir o ângulo de visão que, embora reconfortante, é insuficiente. A demência não nasce da sapiência, mas ambas são contemporâneas e coexistem desde os tempos antigos. Repetimos: o homem não inventou só a ferramenta, a moral, a ciência, a filosofia: desde o princípio ele cometeu também as piores violências, exacções, chacinas, atrocidades. A sua entrada na história corresponde não só à entrada da sapiência na história, mas à entrada na história da crueldade e da barbárie (FORTIN, 2007, p. 176).

O pensamento complexo alarga a compreensão tradicional de ser humano, tirando-o do locus solitário e privilegiado da razão e enredando-o na complexidade inerente à vida. Segundo Fortin (2007, p.189), “o ser humano é um ser extraordinariamente complexo, que une dialogicamente (recursivamente) em si vários componentes e contém sempre contradição, ambigüidade, incerteza”. Ainda, conforme lembra esse autor, a dificuldade em compreender a complexidade humana reside na forma de pensar reducionista, que tende a reduzir o humano a somente uma dimensão, pensando-o de modo disjuntivo seguindo a lógica binária: ora isto, ora aquilo. Assim, para a compreensão da multidimensionalidade do humano, de toda a sua riqueza e diversidade, é necessário transcender a simplificação e a fragmentação pensando recursivamente o uno no múltiplo e o múltiplo no uno, visto que o ser humano é simultaneamente uno e múltiplo, múltiplo e uno, cada dimensão contendo a outra de forma complementar, mas, também, concorrente e antagônica, ou seja, complexa.

Assim, para pensar o humano de forma complexa, Morin (2003b, p. 117) ressalta que “precisamos, então, corrigir, complementar, dialetizar a noção de homo sapiens”. Desse modo, na visão complexa o humano é entendido na sua dimensão homo sapiens, mas também demens, ele é dialogicamente sapiens/demens, um contendo o outro de forma recursiva, simultânea e inseparável. O ser humano na complexidade é, ao mesmo tempo, sapiens e demens, racional, louco, poético, prosaico, afetivo, estético, lúdico, ou seja, homo complexus.

Considerando que o homem não age somente de acordo com os ditames da razão, mas, sim, oscila entre razão, demência, pulsão e afetividade, sendo, ao mesmo tempo, egoísta e altruísta, ou como na definição de Morin (2007a, p. 20): “Alguns indivíduos são mais egoístas, outros mais altruístas e, geralmente, cada um oscila, em graus diferentes, entre o egoísmo e o altruísmo”. É que, para a complexidade, a ética não pode ser uma questão simples, mas algo que comporta contradição, incerteza, engano e ambiguidade. Nesse sentido, a complexidade própria da constituição do ser humano atribui à ética novos contornos, pouco considerados até os tempos atuais.

A visão complexa da ética distingue-se da compreensão clássica, em que a ética é fundamentada em verdades reveladas ou em certezas de uma razão pura, ao perceber que a ética nada tem de simples e evidente, mas, ao contrário, está repleta de complexidades, enganos, erros e ilusões. A complexidade mostra as incertezas, as contradições e as ambiguidades inerentes às questões éticas. Morin (2007a) entende que, pela complexidade da condição humana, pela constituição sapiens/demens no homem, e, sobretudo, porque toma como preocupação da ética os efeitos e consequências do ato moral no mundo, as decisões de cunho ético sempre estão sujeitas à incerteza.

Por outro lado, o autor adverte que a ação consiste numa decisão, em uma escolha, que por sua vez, é também uma aposta. Desse modo, é pela noção de aposta que a ação ética comporta que se tome consciência do risco e da incerteza de toda ação. Assim, a ética, para a complexidade, é tomada como aposta provisória, estratégia, escolha e risco. Não se tem garantias de verdade ou certeza.

Acreditar na possibilidade de uma ética transparente, auto-suficiente e omnisciente, é não conhecer a ética e desconhecer as perversões, inversões, contradições, desvios e voltas que a acção ética pode sofrer. Na relação intenção/acção, tal como em tudo o que é humano, as coisas nunca são claras e em ética não basta só julgar a acção (ou a intenção) mas também as consequências da acção (FORTIN, 2007, p. 204).

O autor alerta para a impossibilidade de se considerar o ato moral de forma isolada, pois toda ação se inscreve no interior de um contexto sociocultural, nas interações do mundo. Por isso, Morin (2007a, p. 41) lembra que: “Infelizmente, é no ato que a intenção corre o risco de fracassar. Daí a insuficiência de uma moral que ignora o problema dos efeitos e conseqüências dos seus atos. A doença da moral insular aparece desde que percebemos que a ação não poderá realizar a intenção”. Com esse alerta, o autor traz para a discussão da ética o hiato existente entre a intenção da ação e a ação e suas conseqüências, mostrando que a incerteza ética reside justamente na impossibilidade de previsibilidade dos efeitos da ação. A incerteza que a ética enfrenta está no bojo da relação intenção-ação.

Há, portanto, uma relação, ao mesmo tempo, complementar e antagônica quando se toma em consideração juntos a intenção e o resultado da ação moral. Complementar, pois a intenção moral só ganha sentido no resultado do ato; antagônica por causa das conseqüências eventualmente imorais do ato moral e das conseqüências eventualmente morais do ato imoral (MORIN, 2007a, p. 41).

Assim, para compreender a problemática das consequências dos efeitos da ação moral, o autor lança a ideia da ecologia da ação. Fortin (2007, p.205) explica que, seguindo o

princípio da ecologia da ação, toda ação escapa à vontade do seu autor na medida em que se inscreve no interior do meio em que ela se desenrola e entra no jogo das inter-retro-ações. Deste modo, os efeitos pretendidos na intenção, pela ação, podem ser desviados do seu fim, podendo ter efeito contrário do pretendido, ou, ainda, fracassar. O contexto passa a ser considerado nas questões éticas, por Morin (2007a, p. 42), quando ele formula o primeiro princípio da ecologia da ação: “[...] os efeitos da ação dependem não apenas das intenções do ator, mas também das condições próprias ao meio onde se acontece”.

Para ilustrar esse primeiro princípio da ecologia da ação, Morin (2007a, p. 41-42) faz uso de exemplos históricos e de romances clássicos que mostram os desvios e os efeitos contrários dos pretendidos pela vontade do autor. Fortin (2007, p. 204), em seu texto, retoma estes exemplos e escreve:

A Revolução Francesa foi desencadeada por uma reacção aristocrática que queria recuperar os seus privilégios. Resultado: a reacção, ao desencadear a revolução, arrastou a abolição dos privilégios da aristocracia (exactamente o inverso) e a própria abolição da aristocracia como classe varrida pela Revolução (ainda pior que o inverso!). Exemplo mais actual: a invasão do Iraque pelos Estados Unidos que deveria travar o terrorismo. Longe de travar o terrorismo e de eliminar o problema, a intervenção dos americanos contribui para o agravar!

É na perspectiva desse primeiro princípio da ecologia da ação que ganha sentido a frase popular “é de boas intenções que o inferno está cheio”. Por melhores que sejam as intenções, ao entrar no jogo das inter-retro-ações, a ação escapa da vontade do seu autor e seus fins tornam-se incertos. No caso dos efeitos de uma ação serem esperados num longo prazo, os resultados tornam-se ainda mais imprevisíveis. É nessa perspectiva que se situa o segundo princípio da ecologia da ação, que é o “[...] da impossibilidade de previsão a longo prazo. Podemos imaginar ou supor os efeitos a curto prazo de uma ação, mas os seus efeitos a longo prazo são impossíveis de prever” (MORIN, 2007a, p. 46).

Os limites da previsibilidade dos efeitos da ação ocorrem pela impossibilidade de se imaginar a totalidade das inter-retro-ações que acontecem num meio complexo, no caso da humanidade, em meio sócio-histórico. Além da impossibilidade de se prever o futuro, ela também ocorre devido aos limites das possibilidades cognitivas que impedem que se tenha uma visão global, produzindo uma ignorância que provoca efeitos indesejados. Sobre isso, Morin (2007, p. 43) analisa que: “O nosso modo compartimentado de conhecimento produz uma ignorância sistemática ou uma consciência retardatária dos efeitos perversos de ações consideradas salutares”. Como exemplo, o autor lembra os casos de medicamentos criados

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