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O desafio ético da educação escolar na era planetária: contribuições da complexidade para repensar a ética

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS – MESTRADO

O DESAFIO ÉTICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NA ERA

PLANETÁRIA: CONTRIBUIÇÕES DA COMPLEXIDADE PARA

REPENSAR A ÉTICA

FRANCINI CARLA GRZECA

IJUÍ (RS) 2010

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FRANCINI CARLA GRZECA

O DESAFIO ÉTICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NA ERA

PLANETÁRIA: CONTRIBUIÇÕES DA COMPLEXIDADE PARA

REPENSAR A ÉTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação nas Ciências – Mestrado – da Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientador: Prof. Dr. Celso José Martinazzo

IJUÍ (RS) 2010

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A Comissão abaixo-assinada aprova a presente dissertação:

O DESAFIO ÉTICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NA ERA

PLANETÁRIA: CONTRIBUIÇÕES DA COMPLEXIDADE PARA

REPENSAR A ÉTICA

Elaborada pela mestranda

FRANCINI CARLA GRZECA

Como requisito para obtenção do grau de MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

COMISSÃO EXAMINADORA:

___________________________________________________________________________ Doutor Celso José Martinazzo (orientador)

___________________________________________________________________________ Doutor Felipe Gustsack (UNISC)

___________________________________________________________________________ Doutor Paulo Rudi Schneider (UNIJUÍ)

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Dedico esta dissertação a Sonia Teresinha Escher, minha mãe.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha mãe por sempre acreditar, pelo incentivo, pela luta, pelo cuidado e carinho.

De maneira especial, agradeço ao meu professor orientador Celso José Martinazzo, por me apresentar Edgar Morin ainda na graduação, pelas leituras e correções, por acreditar na minha pesquisa, pela amizade, paciência e competência.

Ao Leonardo, pelo amor que me fez mais feliz neste tempo de escrita.

Aos meus amigos que perto ou distantes compartilharam de meus sonhos e anseios e se alegraram com esta conquista.

Agradeço também aos colegas do Mestrado com as quais, além de, compartilhar incertezas, compartilhamos aprendizagens, em especial agradeço aos colegas, hoje amigos: Renato, Dulcilene, Cátia, Ricardo e Sandra.

Aos professores do Programa de Pos-Graduação em Educação nas Ciências – Mestrado - da Unijuí agradeço a generosidade com a qual compartilharam seus conhecimentos acadêmicos e seus testemunhos de trabalho e de vida.

Agradeço a Capes e a Unijuí pela bolsa de estudos parcial que me possibilitou exercer minha profissão docente concomitantemente com a realização desta pesquisa.

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RESUMO

Esta dissertação tem o objetivo de trazer para o debate educativo a temática da dimensão ética da educação necessária tendo em vista as novas características da sociedade planetária sob a perspectiva da complexidade. Tendo como referencial básico a obra de Edgar Morin e seus comentadores a pesquisa buscou analisar e compreender as principais categorias do pensamento complexo para então repensar a ética considerando a complexidade inerente a ela. Para Morin a ética necessária é a antropoética, a ética propriamente humana que emerge da consciência da trindade indivíduo/espécie/sociedade da condição humana. A aposta do autor é que esta ética possa levar o ser humano e a humanidade toda a pensar e agir segundo os princípios de compreensão e solidariedade. No entanto, Morin alerta que para o desenvolvimento desta ética é necessário realizar a reforma do pensamento e concomitantemente, da educação escolar.

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ABSTRACT

This dissertation aims to bring to the educational debate the issue on the ethical dimension of education needed in view of new characteristics of society under the perspective of complexity. Having the work of Edgar Morin and their commenters as theoretical basis, the research sought to analyze and understand the main categories of the complex though and then rethink ethics, considering its inherent complexity. For Morin, the necessary ethics is the anthropo-ethics, a properly human ethics which emerges from the awareness of the triad individual/species/society of the human condition. The author claims that such an ethics can lead the human being and the whole humanity to think and act according to the principles of comprehension and solidarity. However, Morin warns that for this ethics to develop it is necessary to carry out a reform of though concomitantly with school education.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 OS FUNDAMENTOS E A CRISE DOS REFERENCIAIS E PARADIGMAS CLÁSSICOS ... 13

1.1 A Racionalidade da Modernidade e a Crise do Pensamento Moderno ... 13

1.2 A Crise dos Fundamentos da Certeza e dos Princípios Éticos ... 22

1.3 O Pensamento Complexo: uma Perspectiva Cognitiva ... 27

2 A COMPREENSÃO DA ÉTICA COM BASE NA COMPLEXIDADE ... 34

2.1 Cidadania Planetária ... 36

2.2 Ética em Perspectiva Complexa ... 40

3 TRABALHAR PARA O BEM PENSAR, EIS O COMPROMISSO ÉTICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR ... 61

3.1 Pensar Bem é Ético ... 61

3.2 Educação e Reforma do Pensamento ... 64

3. 3 O Imperativo Ético da Educação ... 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 71

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa busca compreender a concepção de Edgar Morin sobre a ética e relacionar o tema à educação, refletindo sobre a dimensão ética da educação necessária à era planetária contemporânea. A ética é o tema com o qual o pensador francês culmina sua principal obra O Método, composta por seis tomos em que ele reflete sobre o homem, a natureza, o mundo, a sociedade, o conhecimento e a moral. Morin é caracterizado por seus comentadores como um pensador contemporâneo cuja obra consiste em refletir sobre as questões atuais na busca de compreender o mundo em toda a sua complexidade. Para isso, ele utiliza-se das categorias de análise da lógica do pensamento complexo, promovendo o reencontro entre a ciência e o humanismo. Por transitar entre os saberes disciplinares das ciências do mundo físico, da vida e do homem, tem-se dificuldade de enquadrar o pensador em um lugar estático, como sociólogo, epistemólogo, filósofo. Por isso, preferimos nomeá-lo como ele próprio se define, como um artesão de pensamentos, um contrabandista de saberes que busca religá-los.

Sabe-se que Edgar Morin não é um pedagogo, mas tem nos últimos anos se debruçado sobre o tema da educação, defendendo a necessidade de reformar o pensamento para compreender o mundo na sua multidimensionalidade e nele atuar de forma solidária e responsável na era planetária. Com a intenção de aprofundar a compreensão que o autor estabelece entre a ação pedagógica de reforma das estruturas do pensamento e a intencionalidade ética da educação, é que esta dissertação estabelece a aproximação entre ética e educação. Deseja-se também, nesta pesquisa ampliar a compreensão do autor sobre a necessidade de se ensinar a ética do gênero humano, que ele aponta como o sétimo saber necessário à educação do amanhã no seu livro Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro (Morin, 2007b).

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Tecendo o texto com a interlocução de saberes a partir dos referenciais da Teoria da Complexidade, a pesquisa tem por característica metodológica, conforme Moreira e Caleffe (2008), a pesquisa exploratória. A pesquisa exploratória tem como principal finalidade desenvolver conceitos e ideias na promoção de esclarecimento e de formulação de novos questionamentos. Portanto, para alcançar os objetivos desta pesquisa foi realizado um amplo levantamento bibliográfico com o fim de desenvolver e aprofundar os principais conceitos da complexidade, tendo em vista repensar a ética com base nos pressupostos da complexidade e sua implicação para a educação nos tempos contemporâneos, caracterizada como era planetária. A revisão bibliográfica concentrou-se nas obras publicadas por Edgar Morin, livros e transcrições de conferências proferidas por ele, além de textos de comentadores.

Portanto, esta pesquisa busca investigar a ética com os olhares da complexidade, olhares para além daqueles que, de forma clássica, se consolidaram como um pensamento simplificador, isto é, fragmentado, disjuntivo e reducionista, para, com isso, poder realizar o propósito desta dissertação, que é repensar possibilidades e apontar alternativas para alimentar o debate sobre as finalidades e possibilidades do desafio ético na educação escolar na era planetária.

Tem-se o entendimento de que a complexidade não é algo novo que surgiu na contemporaneidade, mas de que ela sempre existiu, desde a formação do cosmos, desde o início da vida, no entanto, conforme a compreensão de Edgar Morin, ela foi reduzida e fragmentada pelo pensamento simplificador. Mas hoje o que se pode observar é que a complexidade tem, nas últimas décadas, ganhado destaque, justamente por estar sendo reconhecida pela ciência como uma propriedade inerente a todo fenômeno. Por essa razão, com a intenção de refletir sobre a complexidade, esta pesquisa busca explicitar os conceitos fundamentais da teoria da complexidade empreendida por Edgar Morin, seus principais princípios e categorias, destacando as potencialidades que ela representa em termos de uma nova matriz paradigmática de racionalidade e, por extensão, seus desdobramentos na ética e no processo educacional.

Para atingir os objetivos pretendidos neste trabalho, organizamos o texto da dissertação em três capítulos. No primeiro capítulo, procuramos caracterizar o modo de conhecer e pensar edificado na modernidade e sua atual crise. Para compreender esse movimento da modernidade, investigamos as considerações e análises de autores que estudam o tema. No entanto, tomamos como principal referência o entendimento que Edgar Morin tem e a crítica-reflexiva, que ele elabora sobre o que ele denomina de paradigma da simplificação. Assim, no texto, a modernidade é marcada pela ruptura com os dogmatismos medievais em

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que o conhecer era sinônimo de crer. Por sua vez, ela consolida a proposição de que conhecer passa pelo exercício racional centrado no intelecto de cada indivíduo. A modernidade é, então, entendida como um modelo de conhecimento cujos saberes projetam uma visão de mundo e, esta forma de compreensão do mundo, fundamenta a sociedade e o modo de vida nas sociedades modernas. Toma-se, assim, a modernidade como novo paradigma do conhecimento centrado na racionalidade subjetiva.

Morin, ao refletir sobre a modernidade, reitera essa concepção; no entanto, apresenta o modo de conhecer moderno, pautado em princípios simplificadores e reducionistas, como o pensamento simplificador. É neste argumento que o autor vai fundamentar sua crítica à insuficiência do pensamento moderno em pensar as questões complexas da atualidade e promover ações solidarizantes. Assim, este capítulo investiga o que Morin chama de crise do pensamento moderno e seus desdobramentos na sociedade, principalmente a crise ética desencadeada pela perda dos fundamentos da certeza do conhecimento e dos princípios da moral. E encerramos o capítulo trazendo a concepção e os princípios cognitivos do pensamento complexo que Edgar Morin apresenta como sendo o pensamento necessário capaz de contemplar a complexidade do mundo.

No segundo capítulo, tratamos da compreensão que Edgar Morin elabora sobre a ética pensada na perspectiva da complexidade. Morin parte sua reflexão sobre a ética da constatação da sensação de uma crise ética causada pela insuficiência das éticas tradicionais. Mas ele destaca que a necessidade de se retomar a discussão sobre ética, dá-se em virtude do novo que se apresenta à humanidade: a planetarização da humanidade. Tendo em vista a novidade da comunidade planetária, Morin revisita a ética e a retoma a partir do pensamento complexo. E mais: mostra toda a complexidade inerente às questões éticas, as incertezas, ilusões e ambigüidades, quando discorre sobre a necessidade de constituirmos a ética em antropoética, uma ética fundamentada na concepção complexa da condição humana de ser indivíduo/espécie/sociedade.

A antropoética lembra que nós, enquanto indivíduos, pertencemos a uma mesma espécie e a uma só sociedade, por isto a ética revigorada na complexidade constitui-se em ato de ligação. Daí a aposta do autor de que a antropoética possa se configurar em uma ética de solidariedade para com o outro, para com a espécie, para com a comunidade. É com esse entusiasmo que Morin vislumbra a possibilidade de, pela reforma do pensamento, humanizar a ética.

A reforma do pensamento e a emergência da cidadania planetária dependem fundamentalmente, na compreensão do autor, da consolidação de uma ética propriamente

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humana, ou seja, de uma ética que emerge da consciência de pertencimento à espécie humana. A antropoética é alcançada quando assumida a condição humana de indivíduo/sociedade/ espécie, no equilíbrio dos três termos dessa relação trinitária. Mas, sabemos que o modo de vida moderno e a educação gerada pela racionalidade redutora/simplificadora não contemplam a ética do gênero humano, e, sim, contribuem para a ruptura do vínculo indivíduo/sociedade/espécie, promovendo, assim, a sobreposição do indivíduo sobre os de mais termos da relação trinitária, que, por sua vez, conduz ao desenvolvimento do individualismo extremo e ao estabelecimento da crise ética. “O extraordinário desenvolvimento da individualidade humana, depositária do pensamento, da consciência, da reflexão, curiosa do mundo físico e do desconhecido metafísico, não deve nos levar a reduzir o humano apenas à individualidade” (MORIN, 2003a, p.51).

No terceiro e último capítulo, vamos desenvolver a proposição do autor de que o pensamento complexo se coloca como condição privilegiada para encarar o desafio de vislumbrar novas possibilidades que contemplem a complexidade do processo de educação escolar necessário à era planetária. Os novos caminhos para a educação pressupõem o apoio e a inspiração em princípios das ciências contemporâneas que permitem e promovem um olhar e um pensar multidimensional. O caminho que Edgar Morin vislumbra para a educação e para salvar a humanidade é a via da reforma das estruturas do pensamento.

O autor pontua que pensar bem, pensar complexo, é solidarizar conhecimentos. A educação, nesta perspectiva, necessita atuar na construção do bem pensar, que alarga a compreensão evitando o pensamento reducionista e preconceituoso. Como ele mesmo aponta, o grande desafio da ética é a incompreensão causada pelo mal pensar, pela incapacidade de compreensão intelectual promovida pelos determinismos culturais que enrijecem as estruturas de pensamento e as ideias. Para enfrentar a incompreensão, Morin traz para o centro da discussão da ética a necessidade do pensar bem, ligando e contextualizando os conhecimentos na promoção de ações solidarizantes, pois, como ele mesmo lembra, um pensar simplificador e fragmentado promove ações simplificadas e fragmentadas e uma pensar complexo e solidarizante, por sua vez, gera ações solidárias.

Portanto, os desafios éticos que se apresentam para a educação do futuro em uma sociedade que caminha para a planetarização da humanidade é fazer a reforma do pensamento, pensando no paradigma da complexidade como orientador para a educação necessária à sociedade contemporânea.

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1 OS FUNDAMENTOS E A CRISE DOS REFERENCIAIS E PARADIGMAS CLÁSSICOS

As discussões sobre o tema da ética posto em debate nas reflexões atuais de Edgar Morin suscitaram o desejo de, nesta pesquisa, explorar a temática da ética no contexto da educação. Com base no referencial teórico construído pelo autor, o desafio é pensar a ética para os tempos atuais na perspectiva da complexidade.

Assim, seguindo o pensamento complexo, para que se tenha uma ampla compreensão da problemática ética julgamos ser pertinente abordar o tema de forma contextualizada. Tendo como base os pressupostos teóricos do pensamento complexo, vamos compreender que a sensação de crise ética como algo que se manifesta nas exigências de ética, em todas as relações, tem origem na crise profunda dos fundamentos da modernidade. De acordo com Morin (2007a, p. 27), “a crise dos fundamentos da ética situa-se numa crise geral dos fundamentos da certeza: crise dos fundamentos do conhecimento filosófico, crise dos fundamentos do conhecimento científico”. Portanto, para melhor entender a crise ética nos dias de hoje buscar-se-á, no primeiro item deste capítulo, compreender a origem e o desenvolvimento desta crise ao longo do surgimento e consolidação do conhecimento filosófico e científico da modernidade.

1.1 A Racionalidade da Modernidade e a Crise do Pensamento Moderno

De acordo com a perspectiva da complexidade, a crise ética é situada recursivamente na crise generalizada da sociedade contemporânea. Fortin (2007, p. 196) amplia esta ideia apontando que a crise ética inscrita nessa crise mais ampla abala os fundamentos de todo o edifício social (sociedade → ética → política → economia). Assim, para repensar a crise ética, seguindo o princípio hologramático da complexidade, em que as partes só podem ser

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entendidas em função do todo e vice-versa, entende-se ser necessário compreender o contexto sócio-histórico em que tal crise está sendo forjada. Considerando que a sociedade contemporânea ainda se orienta, em suas linhas gerais, nos pressupostos da modernidade, nesta parte do texto buscar-se-á explicitar quais são os principais fundamentos da modernidade e seus desdobramentos até os tempos atuais.

A modernidade, segundo as proposições de Marques (1993, p. 8), compreende “[...] a novidade que se abre para um outro horizonte de futuro em todas as dimensões da vida humana”. O novo inaugurado na modernidade é a racionalidade centrada na subjetividade, é o próprio exercício da razão humana como sistema autocentrado de conhecimento. Nesta mesma perspectiva, Marcondes (1999, p. 21) caracteriza a modernidade como um novo modelo de conhecimento, no qual “o centro do sistema de conhecimento não é mais o real, mas sim o sujeito”. A modernidade, nesse sentido, inaugura os pressupostos teóricos que vão justificar a racionalidade humana como o novo paradigma1 do conhecimento.

A modernidade se caracteriza por uma ruptura com a tradição que leva à busca, no sujeito pensante, de um novo ponto de partida alternativo para a construção e a justificação do conhecimento. O indivíduo será, portanto, a base deste novo quadro teórico, deste novo sistema de pensamento. É precisamente nisto que consiste o paradigma subjetivista na epistemologia (MARCONDES, 1999, p. 20; grifo do autor).

O paradigma do sujeito, entendido como o núcleo do pensamento da modernidade, é desencadeado, sobretudo, pelas descobertas da ciência moderna, que incute no homem uma nova visão de mundo. A “nova Ciência” formula um novo sistema de explicações que se contrapõe à concepção tradicional de mundo, de natureza, de tempo e de homem. É a chamada revolução copernicana, ocorrida nos séculos XVI e XVII, quando Copérnico propõe a teoria heliocêntrica do sistema solar em oposição à teoria geocêntrica da tradição clássica. Para além de um confronto teórico, o heliocentrismo representa uma ruptura radical com a visão aristotélica2 tradicional de mundo, pois a nova teoria, ao estabelecer uma re-interpretação da relação Homem-Universo afeta profundamente, conforme Marcondes (1999, p. 18), a “[...] concepção da natureza e do lugar do homem, enquanto microcosmos, nesta natureza, o macrocosmos”.

1 MORIN “Os paradigmas são estruturas de pensamento que de modo inconsciente comandam nosso discurso”

(1997, p. 21).

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Para Aristóteles e seus seguidores, dentre eles Ptolomeu, a terra constituía o centro do universo. Essa visão geocêntrica é também assumida pela doutrina cristã.

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A nova visão de mundo concretiza-se, justamente, na inversão da posição na relação homem-natureza e isso significa que, se antes havia a supremacia do homem sobre a natureza, no pensamento moderno, segundo Fensterseifer (2001, p. 52), há o entendimento de que a natureza, o cosmos, ocupa um lugar mais determinante e estável. Ou seja, a natureza existe de forma independente, não mais subordinada ao homem, ao seu bem, como acreditavam a filosofia grega e o pensamento medieval. O mundo e a natureza objetivam-se na modernidade e é neste movimento que o mundo se torna racionalmente compreensível, um novo mundo, desvelado pela razão.

Cabe salientar que é na modernidade, com o novo modo de pensar, com base em princípios racionais, que o homem produz uma nova ciência e supera assim a tradição metafísica de explicações místicas, supersticiosas e dogmáticas dos fenômenos percebidos no mundo. O homem moderno liberta-se do determinismo das crenças e preconceitos das explicações da tradição que incutiam medo e ilusões. Passa-se, então, a conhecer o mundo pelo prisma da razão centrada no sujeito cognoscente, pelo operar da razão subjetiva no homem que objetiviza o mundo para conhecê-lo. Com o pensamento da modernidade o conhecimento passa a ser produzido por um novo processo, agora, como afirma Marcondes (1999, p. 19), mais seguro e com teorias válidas.

Ao estabelecer-se a subjetividade como verdade primeira, substitui-se o paradigma ontológico do ser-em-si pelo paradigma mentalista da razão enquanto subjetividade idealizadora, de uma consciência, espaço interno, espelho em que se refletem as realidades feitas representações. A Ontologia é subsumida pela Epistemologia ou Teoria do Conhecimento (MARQUES, 1993, p.51).

O fundamento desse novo conhecimento, formulado pela razão, está no indivíduo, conforme Marcondes (1999, p. 19), “[...] em sua natureza sensível e racional” na sua própria razão subjetiva. Descartes, na obra Discurso do Método (2007, p. 21) destaca a ideia da razão inata ao homem quando universaliza a concepção de que aquilo “[...] que se denomina bom senso ou razão, é naturalmente igual em todos os homens”. É justamente nesse argumento que os modernos fundamentaram a justificativa desse pensamento, pela certeza primeira e indubitável da existência do “eu pensante”, da natureza racional como pressuposto à existência do indivíduo. A razão é tomada como faculdade inata ao homem, apontada como o lugar das ideias claras e distintas, “[...] a qual conduzida matematicamente decifrará os signos da verdade” (FENSTERSEIFER, 2001, p. 51). É o homem e, não mais a tradição, que pelo exercício racional irá legitimar o conhecimento, ponderar sobre o que é verdadeiro ou falso, discernir o certo do errado, o bem do mal. Nesta nova visão de mundo edificada pela

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modernidade é o homem, seguindo o pensamento de Fensterseifer (2001, p. 56), “[...] o ser onipotente, fundamento de toda verdade e valor, bem como do próprio mundo, tendo pela frente uma liberdade infinita”.

O homem moderno, consciente da sua faculdade racional, libertado das amarras da superstição, possui agora um novo mundo, ao qual deseja tornar mensurável em teorias científicas. O grande objetivo do pensamento moderno consiste, justamente, em, por meio da ciência, obter a verdade última, o conhecimento real e concreto do mundo para dominá-lo e transformá-lo. Na tentativa de garantir a validade dos novos conhecimentos, “descobertos” pela razão, é que o esforço de Descartes em formular um método para o modelo racionalista de conhecimento ganha destaque no pensamento da época.

O método de análise cartesiano estabelece os princípios organizadores do conhecimento moderno, que constitui a capacidade da razão de operar com ideias claras e distintas. Descartes, segundo Morin (2003b, p. 111), formulou muito bem os princípios da disjunção e redução que caracterizam um paradigma de simplificação: “Descartes separou para um lado o domínio do sujeito, reservado à filosofia, à meditação interior e, para outro, o domínio da coisa na extensão, domínio do conhecimento científico, da medida e da precisão”. Neste modelo de pensamento o conhecer se estabelece na disjunção da relação sujeito/objeto, onde o sujeito cognoscente decifra e domina o objeto cognoscível. O princípio de disjunção separa o objeto a ser conhecido do sujeito que o conhece, conforme Morin (2007b, p. 26) pois, “[...] o paradigma cartesiano separa o sujeito e o objeto, cada qual na esfera própria: a filosofia e a pesquisa reflexiva, de um lado, a ciência e a pesquisa objetiva, de outro”.

Instaura-se assim, no bojo do pensamento moderno, o princípio da disjunção, pela dicotomia sujeito-objeto, que irá marcar o modelo de civilização operado por este paradigma. Separou-se ciência e filosofia, homem e natureza, e seus inúmeros desdobramentos predominam na cultura ocidental, gerando um pensamento simplificador que é mutilador por ser limitado, e, selvagem por ser individualista.

A história do mundo e do pensamento ocidentais foi comandada por um paradigma de disjunção, de separação. Separou-se o espírito da matéria, a filosofia da ciência; separou-se o conhecimento particular que vem da literatura e da música, do conhecimento que vem da pesquisa científica. Separaram-se as disciplinas, as ciências, as técnicas. Separou-se o sujeito do conhecimento do objeto do conhecimento (MORIN, 1997, p. 21-22).

Como descrito nos parágrafos anteriores, a dicotomia inaugurada no paradigma cartesiano separa a cultura humanista, da filosofia, da literatura, das artes, da cultura

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científica, baseada na especialização e na mensurabilidade. Tal ruptura, na interpretação de Morin (2003b, p. 34), estende-se numa ruptura bem radical, que ocorre entre o conhecimento e a ética/moral. No pensamento moderno, opera-se uma disjunção no que se refere a julgamentos de fato e a julgamentos de valor, sendo que a ciência se ocupa da primeira e a ética da segunda. Assim, a ética fica atrelada à reflexão filosófica e a ciência, livre de preceitos e consciência moral para exercer o “conhecer por conhecer”, sem se preocupar com as consequências éticas que os resultados podem promover.

Conhecer, segundo o método cartesiano, representa ir além da aparente complexidade do mundo para encontrar a ordem simples que constitui o universo. O homem sempre se deparou com um universo que se apresenta complexo (VASCONCELLOS, 2002, p. 74); no entanto, para compreender esse universo, a partir da modernidade, acreditou-se ser necessário ultrapassar a aparência complexa do mundo, sinônimo de confusão e engano, e encontrar o simples. Essa concepção constitui e fundamenta outro princípio cognitivo cartesiano, o da simplificação, em que conhecer consiste em operar o pensamento de forma a reduzir e simplificar o conhecimento do real.

Morin denomina o pensamento que se fundamenta nos princípios cartesianos de simplificador. Os princípios cartesianos de inteligibilidade estabelecem que o conhecer ocorre por um processo racional, pautado em operadores mentais de generalização, abstração, redução, simplificação e fragmentação. Assim, para o pensamento moderno, conhecer é descobrir, desvelar a verdade do mundo e a essência da vida, por um pensamento disjuntivo que reduz, simplifica, fragmenta e compartimenta em especialidades o objeto do saber, ou seja, o mundo que se pretende conhecer.

Neste paradigma, a consciência conhece pela representação com que se relaciona com objetos que, para melhor domínio, reduz e fragmenta em especialidades compartimentadas e isoladas de todo seu contexto natural e cultural. As disciplinas científicas fecham-se em seus âmbitos estreitos e se tornam incomunicáveis entre si e inacessíveis aos não iniciados em seus segredos (MARQUES, 1992, p. 553).

Com essa nova concepção de razão, de descoberta do conhecimento, desdobram-se várias correntes de pensamento na modernidade, sendo a de tradição empirista uma das que mais se destaca. A consolidação dessa visão racional/empírica do conhecimento na sociedade moderna deu-se, sobretudo, pela crença na garantia de que a realidade objetiva assegurava a pretensão de saber da razão. Passou-se a conhecer por meio do operar da razão, por um processo indutivo-dedutivo, pelo qual se acreditava ser possível decifrar, traduzir, os fenômenos percebidos no mundo em conceitos. Surge, na modernidade, a instituição Ciência,

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a qual tinha por missão, segundo Morin (2006, p. 91), “[...] dissolver a complexidade das aparências para revelar a simplicidade oculta da realidade”.

Como instituição reguladora cabia à ciência clássica reconhecer os conhecimentos como válidos e verdadeiros. O conhecimento somente era reconhecido ao passar pelo crivo da ciência moderna que, através dos seus instrumentos, confrontava este com a realidade para tirar a prova. Na modernidade, o conhecimento é espelho da realidade, comprovado e verificado pela ciência, portanto, para essa perspectiva de conhecimento é o real que garante a validade do saber. Por isso, pode-se afirmar que, para as concepções modernas, a realidade objetiva existe de forma transcendente e independente dos humanos que nela se relacionam.

O desenvolvimento da ciência e da técnica, a partir da metade do século XVII, expandiu a produção do conhecimento e da tecnologia. O desenvolvimento das pesquisas científicas proporcionou à humanidade conhecer a vida através do prisma da razão, de entender as relações existentes na natureza pela técnica da experimentação. Sobretudo, com a técnica, que é a ciência aplicada, tornou-se possível a construção do mundo contemporâneo, o desenvolvimento tecnológico e a utilização dos recursos naturais em benefício da humanidade. Ou seja, a racionalidade moderna tornou possível ao homem moderno, através da ciência, ampliar o conhecimento sobre o mundo e atuar no mundo transformando-o. Como afirma o próprio Morin (2003b, p. 16-17): “Este paradigma, que controla a aventura do pensamento ocidental desde o século XVII, permitiu sem dúvida os grandes progressos do conhecimento científico e da reflexão filosófica”.

Com a amplitude cada vez maior do conhecimento produzido pela razão técnico-instrumental, o uso dos princípios da redução e da disjunção que organizam o modo de operar desse pensamento tornou-se cada vez mais necessário. Para assegurar o progresso das descobertas científicas, o conhecimento passou a ser separado em áreas de especialidades da ciência. Esta fragmentação do saber, ao mesmo tempo em que simplifica o conhecimento, tem possibilitado a sua ampliação, estabelecendo, assim, uma relação antagônica: quanto mais fragmentado o conhecimento, maior o desenvolvimento científico.

A partir da modernidade, com o desenvolvimento e consolidação do saber racional, o pensamento moderno vai se tornando predominante nas mentes e atitudes das pessoas. Marcondes (1999, p. 22) aponta que esse período “[...] em que este tipo de pensamento se torna predominante” é chamado de iluminismo. O pressuposto do iluminismo é de que todos os homens, por meio da sua capacidade racional, possam acessar o saber e conhecer o real para agir livremente. É neste momento que o pensamento moderno, através do iluminismo, configura-se em projeto de formação do indivíduo. São os ideais humanistas do iluminismo e

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os pressupostos do pensar moderno que vão, por meio da cultura, inscrever nos indivíduos o modo de ser, pensar e agir. Deste modo, pode-se afirmar que é na Ilustração que o pensamento moderno se instaura como paradigma que atuará na edificação do novo modelo de civilização, de cultura e de homem, pois, segundo Morin (2007b, p. 25), “[...] o paradigma efetua a seleção e a determinação da conceptualização e das operações lógicas. Designa as categorias fundamentais da inteligibilidade e opera o controle de seu emprego. Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles”.

De acordo com essa interpretação, pode-se entender que o paradigma da modernidade incute no psiquismo dos indivíduos os princípios simplificadores, disjuntivo e fragmentário do pensamento moderno. Isso quer dizer que o modo predominante da estruturação do conhecimento, na modernidade, configura-se em modo predominante na estruturação do homem moderno. É o pensamento com que o homem percebe, organiza e compreende o que está à sua volta que o irá constituir enquanto sujeito do seu tempo, pois o sujeito se constitui com base em princípios formadores que caracterizam um modo de pensar e passa a agir segundo tais princípios.

Segundo Morin (2003b, p. 86), o paradigma moderno, “[...] que põe ordem no universo e expulsa dele a desordem”, constitui o modo de pensar e agir do homem moderno pautado no princípio da simplificação, o qual “tende a limitar o conhecimento ao que é mensurável, quantificável, formulável” (MORIN, 2006, p. 88). O princípio da simplificação é que comanda inconscientemente o pensamento, o modo de vida e de ação do homem. Tal princípio, para o autor, gera o pensar simplificador, que separa o que está unido e reduz o que é complexo, ou seja, não permite que se perceba a complexidade da vida. Ainda, conforme Morin (2007a, p. 28), no campo da ética, este pensamento promove a fragmentação da responsabilidade e a dissolução da solidariedade.

A crítica de Edgar Morin ao paradigma moderno é realizada na perspectiva de questionar os princípios simplificadores desse pensamento. Aponta Martinazzo (2009, p. 17) que tais princípios são “[...] resultantes de uma compreensão linear, redutiva e disjuntiva do real”, que, por sua vez, “[...] fragmenta e desintegra a dimensão complexa do real”. É, justamente, o modo de conhecer forjado no paradigma da modernidade, que parte da compreensão simplificada, determinista e linear do real que fundamenta a sociedade contemporânea, que o autor considera estar em crise na atualidade. Segundo essa compreensão, o conhecimento fragmentado, que não estabelece relação e promove um pensamento que separa e fragmenta a complexidade do mundo, um pensar alienado, devido à incapacidade de articulação e contextualização da mente, torna-se, na contemporaneidade,

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insuficiente para dar conta da compreensão de toda a complexidade inerente ao mundo.

Na interpretação do autor, a complexidade diluída na simplificação e a incapacidade de pensar esta tessitura complexa forjaram na atualidade a sensação de crise generalizada da sociedade contemporânea. Morin (2006, p. 13) enfatiza que tal crise coloca-se no meio da inadequação “[...] entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários”. Dito de outro modo, os problemas que a humanidade enfrenta na atualidade são de ordem complexa e exigem a superação do pensar simplificador por um pensar complexo.

De modo que, quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam. Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável (MORIN, 2006, p.14).

Pode-se ainda afirmar que o resultado do modo de vida fundamentado no pensamento simplificador, bem como os efeitos decorrentes da aplicação do conhecimento científico, são responsáveis pelos principais problemas da humanidade que hoje remetem a essa sensação de crise social. A demasiada individualidade, o consumo, a valorização do dinheiro, a degradação ecológica, a fome e violência são alguns dos produtos desse modo de vida pautado na racionalidade simplificadora, pois, como afirma o próprio Morin (2006, p. 14), o pensamento simplificador não é suficiente para tratar desses problemas gerados pelo modo de vida das sociedades modernas. Assim, seguindo o pensamento do autor, é possível afirmar que a crise geral da sociedade, decorrente do modo de vida moderno, impõe a necessidade da ruptura do pensar fragmentado. Afinal, os problemas instaurados na atualidade revelam o complexo como uma problemática, o que, por sua vez, exige uma outra lógica reflexiva, um pensamento que integre, complemente e contextualize. Exemplificando: não é mais possível pensar nas questões econômicas de forma isolada, é preciso contextualizar o econômico com o ecológico e com o social.

Em outra perspectiva, explicitada em Vasconcellos (2002, p. 22), defende-se que essa crise do paradigma da modernidade pode ser focalizada de dentro da própria ciência, a partir do desenvolvimento ocorrido no interior das teorias científicas. Para a autora, a crise do paradigma moderno também decorre do interior da própria ciência, quando os avanços teóricos esbarram no limite do seu próprio paradigma. Tem-se, como exemplo dessa

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inadequação, o princípio da indeterminação da matéria, em que a ciência física tradicional tornou-se inadequada diante das contradições insuperáveis que ela mesma havia detectado.

Como se sabe, no campo da física, a ruptura com a ciência clássica começa a ocorrer a partir de 1927, quando o físico Werner Heisenberg desenvolve o princípio da indeterminação da matéria. Segundo tal princípio, “[...] pode-se conhecer a posição exata de uma partícula – um elétron, por exemplo – ou a sua velocidade, mas não as duas coisas ao mesmo tempo” (BETTO, 1997, p. 49). Para a epistemologia, isso significa a queda da visão determinista, do princípio da certeza do conhecimento científico, e abre a discussão quanto à crise do paradigma da ciência moderna. É também no mesmo ano de 1927, que outro cientista, o físico Niels Bohr, formula o princípio da complementaridade “No interior do átomo, a matéria apresenta-se com aparente dualidade, ora se comportando como partículas, que possuem trajetórias bem definidas, ora se comportando como onda, interagindo sobre si mesma” (BETTO, 1997, p. 50). Desse modo, a física quântica rompe com a concepção clássica de exclusão das contradições e passa a considerar as interações de complementaridade na construção do conhecimento.

Ao contrário do que supunha Einstein, Deus parece jogar dados com o Universo. As imutáveis e previsíveis leis da natureza em sua dimensão macroscópica não se aplicam à dimensão microscópica – eis a descoberta fundamental da física quântica. Na esfera do infinitamente pequeno, segundo o princípio quântico da indeterminação, o valor de todas as quantidades mensuráveis – velocidade e posição, momento e energia, por exemplo – está sujeito a resultados que permanecem no limite da incerteza. Isso significa que jamais teremos pleno conhecimento do mundo subatômico, onde os eventos não são, como pensava Newton, determinados necessariamente pelas causas que os precedem. Todas as respostas que, naquela dimensão, a natureza nos fornece estarão inelutavelmente comprometidas por nossas perguntas (BETTO, 1997, p. 49).

De fato, a ciência tradicional mostra-se inadequada para lidar com os problemas sociais cada vez mais complexos e interligados. Sabendo que existe uma relação recursiva entre os efeitos causados pela aplicação do conhecimento científico e a própria evolução da ciência, pode-se discorrer que, devido à conjuntura atual, a ciência, para continuar a progredir, deve sofrer um redirecionamento. Essa reforma da ciência, segundo Fortin (2007, p. 19), “[...] deverá ir no sentido do desafio que a espera e que é o de reconhecer a complexidade do real”.

Desta forma, é possível considerar que o projeto civilizatório da modernidade esbarrou justamente naquilo que o concretizou: o modelo de racionalidade. Justamente pelo fato de que esse modelo de razão não permitiu a compreensão do todo da vida, nem reconheceu a teia complexa das relações existentes na natureza. Assim, tem-se, como consequência dessa

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racionalidade, ao invés da democratização do progresso e da felicidade a imensa desigualdade econômica, social e cultural, ou seja, uma crise de civilização.

1.2 A Crise dos Fundamentos da Certeza e dos Princípios Éticos

Como já referido no texto, os avanços da ciência acabaram por abalar as certezas do conhecimento sobre o mundo físico que se acreditava ser incontestável. A incerteza do conhecimento desdobra-se também em outras instâncias, na crise das certezas e dos princípios éticos.

Morin (2007a) entende que a crise dos fundamentos da ética situa-se no enfraquecimento, da ruptura e do deslocamento da relação trinitária indivíduo/espécie/sociedade, que ele coloca como as três fontes da ética. Respectivamente, uma fonte interior, outra anterior e outra exterior. Nas comunidades da Antiguidade, a ética era determinada de forma exterior ao indivíduo, pela força física ou pela submissão psíquica aos dogmatismos religiosos. Nessa conjuntura, segundo Morin (2007a, p.23), a relação trinitária desequilibra-se em detrimento do indivíduo, que é suprimido pelo Superego social. Nesta condição, o indivíduo não dispõe de autonomia moral para autodeterminar-se. Resta-lhe, assim, subjugar-se à Lei das éticas comunitárias e obedecer aos preceitos éticos religiosos que vão determinar as normas do agir moralmente, do bem, do mal, do certo, do errado, do justo, do injusto.

Temos a compreensão de que a ética, por lidar com questões da vida prática, sempre está ligada ao contexto sociocultural de cada época. E, como elaboração teórica, ela busca dar conta das necessidades e problemáticas de cada contexto sócio-histórico. Assim, na tradição filosófica, desde os gregos, vem se discutindo e teorizando sobre os preceitos éticos de cada época, que têm por finalidade normatizar a conduta e os valores de uma determinada sociedade indicando o que é certo ou errado, bom ou mau, justo ou injusto, permitido ou proibido. Seguindo essa mesma perspectiva de entendimento, Morin (2007a, p. 29) sugere que a ética seja compreendida como uma emergência e; como tal, para emergir, depende das condições sociais e históricas.

Pensando pelo princípio cognitivo da recursividade, ao mesmo tempo em que a ética determina as normas e valores de uma comunidade, ela acaba tornando-se a marca constitutiva dessa comunidade. Com a transformação das sociedades e o surgimento de novas problemáticas éticas em novas circunstâncias históricas, os preceitos éticos, até então vigentes, tornam-se insuficientes nesse novo contexto, caracterizando uma sensação de crise

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ética. Nesta perspectiva, entende-se que os parâmetros éticos precisam ser revisados e reconstruídos, pois a ética enquanto construção histórica é retomada de acordo com o contexto social de cada época e de cada lugar. No entendimento de Marcondes (2007, p. 10), “os valores éticos de uma comunidade variam de acordo com o ponto de vista histórico e dependem de circunstâncias determinadas. O que é considerado ético em um contexto pode não ser considerado da mesma forma em outro”.

Como se sabe, na história da tradição filosófica as primeiras elaborações sobre a ética iniciam com os gregos na Antiguidade. A teorização da ética aparece na filosofia grega, que estabelece o alcance da virtude, do bem e do bom como ideal ético e instaura, também, o dualismo entre o bem e o mal. A ética grega serviu de base e foi incorporada pela teologia cristã, na Idade Média, na edificação de uma ética religiosa. O cristianismo enquanto referência de valores e de normas de conduta estabelece uma ética que, na concepção Marcondes (2007, p. 11), “supõe a fé e a adesão a uma religião determinada”. No entanto, com o surgimento da sociedade moderna (séc. XVII), a pluralidade de crenças e valores e, ainda, com a diversidade de práticas e culturas, ou seja, com um novo contexto social, tornou-se necessário dissociar a ética da religião e fundamentá-la em preceitos filosóficos racionais.

Na modernidade, após o longo tempo da forte influência da ética cristã, da sobredeterminação de pressões externas ao indivíduo, determinando as normas do agir humano, abrem-se as condições que, segundo Morin (2007a, p.23), permitem a construção da autonomia moral individual. O surgimento de uma consciência moral individual autônoma, de acordo com o autor, exigiu o desenvolvimento da individualidade, que se manifesta na sobreposição do nível individual sobre os outros dois termos da relação trinitária. Na visão da complexidade a emergência da consciência moral individual ocorre a partir do deslocamento no circuito trinitário indivíduo/espécie/sociedade, que torna o indivíduo superior aos demais termos da relação. O foco da fonte de ética desliza da sociedade para o indivíduo.

A dimensão individual, colocada em instância superior, estabelece na relação recursiva o desenvolvimento da individualidade e, em decorrência, desenvolve uma autonomia moral individual. Com o progresso da autonomia moral a ética torna-se individualizada, pois instala-se na consciência de cada indivíduo que, emancipado dos constrangimentos das éticas comunitárias, delibera sobre as decisões que toma ao nível ético, assumindo para si a responsabilidade sobre seus atos. Morin (2007a, p. 91) considera que as condições para a emergência da autonomia moral são postas na dinâmica do enfraquecimento do Superego social, da degradação do primado dos costumes, do desenvolvimento do egoísmo e na

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consciência da “responsabilidade de si”. A possibilidade dessa realização se deu pelas condições da modernidade em tornar o sujeito centro do universo.

A ética na modernidade é abordada na perspectiva reflexivo-filosófica, visando analisar os conceitos e valores dos costumes, investigando a fonte e os princípios da moralidade, que se acreditava residir na razão pura. O ideal da filosofia moderna era a constituição do ser humano autônomo que, por meio da consciência da sua racionalidade, tornar-se-ia emancipado moral e intelectualmente. No âmbito da ética, esse sujeito constitui-se em sujeito de consciência, autoconsciente da sua capacidade de deliberação moral. Immanuel Kant foi um pensador que em muito contribuiu para essa concepção ética, formulando os pressupostos filosóficos que constituem a teoria ética da Metafísica dos Costumes. Este autor transformou o sujeito subjetivo num sujeito consciente de si mesmo que, pelo operar da sua razão, poderia autojustificar-se moralmente.

A ética kantiana liberta o homem da opressão da Lei divina e do constrangimento da Lei social, inaugurando na individualidade os pressupostos da edificação da nova sociedade. O autor individualiza a ética em deliberação moral ao considerar que a decisão de nível moral cabe ser determinada por cada indivíduo diante de cada nova circunstância. Sem regras para seguir, é o indivíduo orientado pela autonomia da sua consciência moral, que escolherá o bem, o justo, o certo; assim o indivíduo torna-se, na modernidade, o juiz das suas próprias ações, pois, segundo Kant (2005a p. 76), a moralidade consiste na relação da ação do homem com a sua própria legislação.

O autolegislar-se moralmente consiste no humano pensar por si mesmo, exercer sua razão para que, por meio do seu próprio entendimento, o que Kant (2005b, p. 64) denomina de Aufklärung,3 possa escolher suas ações. O indivíduo, ao fazer uso da razão, pode ter consciência de sua condição optando em agir segundo o determinismo das leis sociais ou metafísicas, ou, então, agir segundo os ditames de sua própria razão. Como se pode perceber, a possibilidade que o indivíduo tem de deliberar sobre suas ações utilizando-se de sua própria razão para agir moralmente é o que o faz ser um sujeito livre. A liberdade e o esclarecimento são, recursivamente, condição para a emergência da individualidade na sociedade moderna. Neste sentido, pressupondo a liberdade moral de autolegislar-se, tem-se como consequência a autonomia e a individualidade do sujeito.

Como ser racional e, portanto, pertencente ao mundo inteligível, o homem não pode pensar nunca a causalidade da sua própria vontade senão sob a idéia da liberdade,

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pois que independência das causas determinantes do mundo sensível (independência que a razão tem sempre de atribuir-se) é liberdade. Ora à idéia da liberdade está inseparavelmente ligado o conceito de autonomia, e a esse o princípio universal da moralidade [...] (KANT, 2005a, p. 102).

Por essa concepção kantiana, agir moralmente é ser capaz de autodeterminar-se, é deliberar sobre o que para si é lei. Com a modernidade a razão esclarecida passa a ser condição para um agir moral, dado que age moralmente quem é capaz de agir segundo leis da própria razão. Nessas condições, o humano é o protagonista de seu agir moral, pois ele, ao determinar as regras de sua conduta moral, torna-se o fundamento da ética kantiana.

Seguindo a perspectiva da reflexão de Morin (2007a, p. 26); podemos concluir que “o progresso do individualismo produziu a emancipação dos indivíduos”, acarretando a autonomia e a privatização da ética. Se, antes, os indivíduos eram constrangidos a agir em obediência aos “bons costumes”, agora, com o progresso da individualidade este apelo social torna-se obsoleto, pelo reconhecimento das condutas individuais. O enfraquecimento da tutela social e a privatização da ética no indivíduo apresentam dois aspectos antagônicos. De um lado, ao se instalar no indivíduo a ética conduz ao universalismo ético e, por outro, promove o desenvolvimento do egocentrismo.

O egocentrismo é entendido como um dos princípios que torna o ser sujeito, centro do seu mundo. Para a concepção de sujeito elaborada por Morin (2007a, p. 20), situar-se no centro do seu mundo, se autoafirmar, comporta dois princípios que se opõem e complementam. Um é o princípio de exclusão: “significa que ninguém pode ocupar o espaço egocêntrico onde nos exprimimos pelo nosso Eu”, princípio que assegura a singularidade do indivíduo e é a fonte do egoísmo. O outro princípio é o de inclusão “que lhe permite incluir o seu Eu num Nós (casal, família, pátria, partido) e, consequentemente, incluir em si esse Nós, incluindo o Nós no centro de seu mundo”. Tal princípio é fonte de altruísmo, que o torna fraterno. O indivíduo opera nessa dialógica, oscilando entre egoísmo e altruísmo, um podendo recalcar o outro.

Por sua vez, o desenvolvimento do individualismo conduz ao fortalecimento do egocentrismo, que contribui para a desintegração do sentimento de pertença a uma comunidade inibindo as potencialidades altruístas e solidárias. Com a individualidade o egocentrismo sobrepõe-se sobre o altruísmo, ao ponto de o sujeito chegar a não se reconhecer como parte de uma sociedade. Nessa conjuntura, a realidade social fica distante, exterior ao indivíduo e à comunidade, enquanto fonte de ética, fica enfraquecida. Há um desequilíbrio na relação trinitária entre indivíduo, espécie e sociedade promovendo a desarticulação entre eles.

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Assim expressa Morin (2003b, p.51): “O extraordinário desenvolvimento da individualidade humana, depositária do pensamento, da ciência, da reflexão, curiosa do mundo físico e do desconhecido metafísico, não deve nos levar a reduzir o humano apenas à individualidade”. E continua:

As fontes da ética quase não irrigam mais; a fonte individual é asfixiada pelo egocentrismo; a fonte comunitária é desidratada pela degradação da solidariedade; a fonte social é alterada pela compartimentação, burocratização, atomização da realidade social e, além disso, é atingida por diversos tipos de corrupção; a fonte bioantropológica é enfraquecida pelo primado do indivíduo sobre a espécie (MORIN, 2007a, p.28).

Por outra via de pensamento, Fortin (2007, p. 197)destaca que, nos tempos modernos; “os desenvolvimentos do Estado, os desenvolvimentos da economia, os desenvolvimentos das especializações e das compartimentações são inseparáveis dos desenvolvimentos do individualismo”, e estes, por sua vez, interagem com o conjunto da sociedade, que se torna laica e democrática. É nessa sociedade moderna que explodem as especializações e as burocratizações, tornando a compreensão da realidade fragmentada. A compartimentação da realidade nas inúmeras especializações conduz à degradação do tecido social. Perde-se a noção do todo. Neste sentido, a consciência individual, num contexto de realidade fragmentada, conduz à degradação das responsabilidades. E enfatiza Morin (2007a, p. 25): “Em todos os campos, o desenvolvimento das especializações e dos compartimentos burocráticos tendem a encerrar os indivíduos num domínio de competências parcial e fechado, de onde deriva a fragmentação e a diluição da responsabilidade e da solidariedade [...]”.

Morin (2007a, p. 27) considera que essa sensação de crise ética vivida na atualidade é produzida e produtora da individualização extrema que produz a falta de solidariedade e da erosão do tecido social, que promove a perda da noção de responsabilidade. Ele também aponta que os desdobramentos da privatização da ética causaram um distanciamento entre o indivíduo e a sociedade, e mesmo entre os próprios indivíduos. Isso, a seu ver, promove um estranhamento ao outro, às coisas que são do social. O autor também situa a sensação de crise ética da atualidade na perda da certeza que as éticas superiores ou transcendentes asseguravam. Não se possui mais nenhum fundamento anterior ou exterior à ética, ela só tem a si mesmo como fundamento, por isso, comporta contradições e incertezas.

Assim, a crise dos fundamentos da ética reside na crise dos fundamentos do pensamento moderno, que fragmenta a compreensão da realidade gerando ações unidimensionais e mutiladoras. Na análise de Morin, sob a ótica da complexidade, uma das

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causas principais de tal crise se localiza no surgimento e no desenvolvimento da individualidade que faz com que o humano não reconheça seu vínculo com a espécie e com a sociedade; só se perceba como indivíduo. Falta-lhe a identidade social e a identidade terrestre. Nesta perspectiva, o pensamento complexo defende que o restabelecimento do vínculo indivíduo/espécie/sociedade resgataria a condição humana de ser cosmobioantropológico, o que fundamentaria uma ética da solidariedade.

1.3 O Pensamento Complexo: uma Perspectiva Cognitiva

O pensamento moderno e o conhecimento validado pela ciência edificaram a cultura ocidental engendrando o mundo contemporâneo. Isso significa dizer que pelo modo como concebe a realidade e a partir do modo como se percebe neste mundo, o homem se situa e age nessa realidade. Nos tempos contemporâneos é pelos olhos das teorias científicas, que simplificam a aparente complexidade dos fenômenos, que a humanidade forja o modo de viver neste mundo. Existe, assim, uma relação recursiva entre o conhecimento de uma sociedade e as práticas realizadas por ela, ou seja, uma determinada forma de pensar gera uma determinada forma de agir, que retroage sobre si modificando a forma de pensar. Com isso é possível compreender que o pensamento moderno embasa a percepção, as formas de pensar e enxergar o mundo, as quais, por sua vez, embasam o modo de agir no mundo. Uma mudança de paradigma, de pensamento, implicaria uma mudança de concepção de mundo, por seu turno que implicaria uma transformação no modo de agir e na forma de estar no mundo.

É essa transposição de pensamento que Morin vem, ao longo dos últimos anos, apresentando e defendendo como necessária à humanidade. Transpor o pensamento simplificador e propor um pensamento complexo é o empreendimento deste autor. Nas últimas décadas, Edgar Morin (1990, p.19), assim como outros pensadores, chamam a atenção para diversos fatores que refletem o progresso e os limites do pensamento moderno. Ele pontua os problemas sociais produzidos pelo modo de vida pautado por esse pensamento e a sua insuficiência para lidar com a complexidade produzida por ele próprio e inerente ao mundo.

O autor referenda a necessidade de uma reforma paradigmática e propõe a complexidade como novo paradigma do conhecimento, refletindo sobre a insuficiência dos pressupostos filosóficos que fundamentaram a modernidade. Mas, também, ele toma como ponto de referência os resultados das pesquisas científicas de ponta, as mais especializadas, que vêm demonstrando a complexidade inerente aos fenômenos biofísicos e sociais. São os

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resultados dessas pesquisas, como as da física quântica, já referendadas no texto, que impulsionam o autor a cunhar na ideia de complexidade um novo paradigma, um metaponto para a compreensão do mundo.

É importante que se faça uma distinção entre o uso recorrente que se faz da palavra complexidade e o entendimento conceitual que se pretende construir. Por vezes, fala-se em complexidade como sinônimo de complicação, daquilo que é difícil de ser explicado. Mas a complexidade, no entendimento de Morin (2003b, p. 20), é conceituada como “[...] o tecido de acontecimentos, acções, interacções, retroacções, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal”. Complexo é o que está tecido junto, interligado, é o laço que junta o todo. Outro equívoco que ocorre é achar que a complexidade é um produto novo. É comum escutar que, nos dias de hoje, o mundo, a sociedade e os problemas são complexos. Mas a complexidade sempre existiu, o que é novo é o seu reconhecimento pela ciência, que sempre tentou simplificá-la.

A ciência tradicional simplificou o complexo, banindo as inter-relações existentes em todos os fenômenos do universo. A física se destacou como a grande ciência, como modelo de cientificidade, pelo sucesso de suas pesquisas em revelar a ordem simples do mundo, seu determinismo e objetividade. No entanto, é pela mesma via que a excluiu, a ciência física, que a complexidade é retomada no âmbito das ciências.

Ora, a complexidade voltou, nas ciências, pela mesma via que a tinha banido. O próprio desenvolvimento da ciência física, que se dedicava a revelar a Ordem impecável do mundo, o seu determinismo absoluto e perpétuo, a sua obediência a uma Lei única e a sua constituição de uma maneira primeira e simples (o átomo) desembocou finalmente na complexidade do real (MORIN, 2003b, p. 20).

Não se pode obviamente considerar que Morin tenha sido o único protagonista da ideia de complexidade. A palavra complexidade, bem como a ideia de um sistema complexo, já estava sendo utilizada, principalmente, nas áreas da cibernética e da teoria da informação. O próprio autor também reconhece a origem do uso da palavra complexidade ao filósofo Bachelard. Mas, segundo Almeida (2002, p. 30), é imperativo que seja creditado a Edgar Morin “[...] o papel do grande artesão do pensamento complexo e da idéia de complexidade” que, transitando entre os saberes das diversas áreas do conhecimento, da biologia, da física, da filosofia, da teoria da informação e das ciências da cognição, trabalha na reconstrução da visão complexa do mundo, recuperando e promovendo a noção de um conhecimento transdisciplinar.

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Na busca da edificação do novo paradigma, Morin vai se apoiar nas teorias e princípios da física quântica com os quais mostra a necessidade de retomar a visão complexa do mundo, simplificada pelo pensamento reducionista, utilizando-se do “princípio da indeterminação ou da incerteza, de Werner Heisenberg, e do princípio da complementaridade, de Niels Bohr” (BETTO, 1997, p. 47), o autor parte numa reflexão filosófica ascendente de contestação do conhecimento simplificador, mostrando que o mundo é complexo.

As obras do autor denunciam a incompatibilidade entre o pensamento simplificador e um mundo que se sabe, cada vez mais, ser complexo. A realidade, por sua vez, é complexa porque o mundo tem em sua gênese a complexidade como propriedade inerente. Portanto, a complexidade é uma dimensão intrínseca a todos os fenômenos percebidos no mundo e, por isso, não pode mais ser desconsiderada pela ciência.

As reflexões do pensador francês apontam para a constatação da insuficiência do pensamento simplificador para pensar as questões postas à humanidade na contemporaneidade. Neste sentido Morin (cf. ALMEIDA, Maria da C. de; CARVALHO, Edgard de Assis (Orgs.), 2005, p. 19) afirma que “a maneira de pensar que utilizamos para encontrar soluções para os problemas mais graves de nossa era planetária constitui um dos mais graves problemas que devemos enfrentar”. Busca-se na racionalidade simplificada, à qual Morin e Kern (1995, p. 164) qualifica como “a falsa racionalidade, ou seja, a racionalização abstrata e unidimensional”, soluções intelectuais vindas da ciência ou da filosofia, sem perceber, segundo o autor, que a própria racionalidade é que constitui o problema mais urgente a se resolver. Há então, na visão do autor, a necessidade de uma reforma do pensamento que ligue o que está separado, que considere o complexo e que associe o contexto para pensar a época atual. Nas palavras de Morin (2006, p. 20), “a reforma do pensamento é que permitiria o pleno emprego da inteligência para responder a esses desafios”.

O esforço empreendido por Edgar Morin (cf. ALMEIDA, Maria da C. de; CARVALHO, Edgard de Assis (Orgs.), 2005, p. 67) consiste em repensar o pensamento em suas estruturas, nos princípios que governam a inteligência e que permitem a organização do conhecimento. Neste sentido, o que o autor propõe é uma reforma de natureza paradigmática, que deve governar o modo de pensar e agir do homem frente aos desafios da contemporaneidade. Em contraponto ao paradigma moderno, que promove um pensar e agir simplificador, a reforma projeta o paradigma da complexidade, que promove um pensamento do contexto e do complexo, um agir que liga e se solidariza.

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Trata-se de uma necessidade histórica-chave: uma vez que a complexidade dos problemas de nosso tempo nos desarma, torna-se necessário que nos rearmemos intelectualmente, instruindo-nos para pensar a complexidade, para enfrentar os desafios da agonia/nascimento desse interstício entre os dois milênios, e tratar de pensar os problemas da humanidade na era planetária. Falta-nos compreender que nossa lucidez depende da complexidade do modo de organização de nossas idéias (MORIN, in: ALMEIDA, Maria da C. de; CARVALHO, Edgard de Assis (Orgs.), 2005, p. 27).

A reforma do pensamento consiste em mudar as bases que desencadeiam a estrutura do raciocínio. Como já descrito no item anterior, o modo do homem conhecer, ser e agir edificou-se sobre os princípios simplificadores e fragmentários do conhecimento moderno. O que Morin (2003b, p. 147) propõe; porém, com a reforma do pensamento é que se pense através dos princípios da complexidade: “Ando em busca de uma possibilidade de pensar através da complicação (quer dizer, das inumeráveis inter-retroacções), através das incertezas e através das contradições”. Os estudos e investigações do autor levam ao pensar complexo, a um pensamento que não exclui a simplificação, mas a engloba nas contradições, a um pensamento multidimensional que não elimina os antagonismos, mas os vê como complementares, enfim, a um pensamento que contextualiza e liga.

A resistência de Morin (2003b, p. 10) em aceitar o saber parcelado é o que o tem animado na construção do pensamento complexo. A edificação desse pensar parte da crítica à insuficiência do conhecimento simplificador, redutor e disjuntivo da racionalidade clássica da ciência moderna, que, por sua vez, resulta em ações unidimensionais e mutiladoras, próprias do modo de vida contemporâneo. Na busca de alargar o pensar simplificador e fragmentado e consolidar o pensamento complexo, o autor dedica-se à procura de um método de conhecimento que reconheça a multidimensionalidade das coisas e a complexidade do mundo.

O método de complexidade, porém, não pretende abandonar o método cartesiano, mas conservá-lo e ao mesmo temo ultrapassá-lo, alargando e complexificando os conhecimentos separados pelo método de simplificação. Assim, o método de complexidade configura-se como um meio para consolidar a reforma do pensamento, pois possibilita a rearticulação, contextualização e complexificação dos conhecimentos, permitindo um pensamento fundamentado em princípios racionais complexos, capazes de conduzir a ações complexas e não mutiladoras. Conforme Fortin (2007, p. 26): “Este método é o método de complexidade que Morin propõe. Um tal método, ao mesmo tempo que ultrapassa o método cartesiano, deverá salvaguardar-lhe a inspiração primeira e as suas conquistas mais preciosas”.

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O método de complexidade é concebido pelo autor como caminho, percurso, estratégia, perseguição ao conhecimento. Ele é comunicação, faz ligação entre os saberes, entre o sujeito e o objeto, entre o sujeito e o conhecimento. Na interpretação do autor segundo Fortin (2007, p. 32), o método de complexidade leva ao reaprender a aprender, a reorganizar o sistema mental, a estrutura de raciocínio. Portanto, esse reaprender, na perspectiva da complexidade, é o que o autor defende como a reforma do pensamento, num pensar que possa reorganizar, articular, contextualizar o conhecimento.

O trabalho de Morin (1997, p. 17) objetivou-se no desafio de encontrar e elaborar operadores do conhecimento que permitissem abordar a complexidade do mundo. Esses instrumentos mentais são sistematizados, no método de complexidade, em princípios que subsidiam a construção do conhecimento complexo. São esses princípios que conduzem à reforma das estruturas de pensamento, levando a uma outra compreensão da realidade por operar com outras categorias de análise. Diferente dos princípios cartesianos, das ideias claras e distintas, da análise, da ordenação e da quantificação os princípios da complexidade, operam a contextualização, a ligação, a complementaridade, a incerteza e a recursividade.

Em sua obra, Morin (2006, p. 93) tece princípios para um pensamento complexo, colocando-os como complementares e interdependentes. Dentre esses, se destacam três, considerados fundamentais: o dialógico, o hologramático e o elo recursivo. Há, porém, outros princípios e categorias com origem em diferentes ciências e que colaboram com a construção do pensamento complexo que, no entendimento de Martinazzo (2009, p.22), são: o Princípio da Complementaridade, o Princípio da Incerteza e o Princípio da Autopoiése.

Morin, porém, enfatiza a ideia extraída de Pascal, que se expressa no princípio hologramático, ou seja, que une e religa os conhecimentos:

O pensamento que une substituirá a causalidade linear e unidirecional por uma causalidade em círculo e multirreferencial; corrigirá a rigidez da lógica clássica pelo diálogo capaz de conceber noções ao mesmo tempo complementares e antagonistas, e completará o conhecimento da integração das partes em um todo, pelo reconhecimento da integração do todo no interior das partes (MORIN, 2006, p. 92).

Segundo o autor citado, é preciso ter o cuidado para não reduzir o método da complexidade a alguns princípios para não correr o risco de torná-lo programático e estéril, seguindo o mesmo vício do pensamento simplificador. O autor também aponta para a importância de se ter clareza sobre a abrangência e as implicações das categorias e princípios da complexidade, principalmente, pelas mensagens inovadoras que estes comportam.

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