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Para refletir sobre a natureza e as características da produção do conhecimento científico, é imprescindível olhar para as questões metodológicas e estruturais que compõem toda pesquisa. Da mesma forma, é imprescindível considerar também as questões éticas que regem o fazer científico.

Celani (2005) discute amplamente essa temática e revela que, no campo da pesquisa científica no Brasil, a preocupação com questões éticas começa na medicina. Baseando-se na compreensão de que o termo ética relaciona-se com os princípios que regem e regulam o comportamento humano em termos de normas, regras, valores e moral de um determinado grupo social ou sociedade (HOUAISS, 2001; HOLANDA, 1999), é a área médica (em 1995, no Brasil) a primeira a sentir a necessidade de determinar padrões de conduta éticos a serem seguidos para regular sua prática. Tais procedimentos se disseminam no campo acadêmico e, em 2002, surgem comitês de ética nas universidades para avaliar todo e qualquer projeto de pesquisa que envolva seres humanos.

Determinar padrões de conduta ética em dada área da pesquisa científica remete diretamente à consideração do paradigma que orienta a área de pesquisa em questão. No campo das Ciências Humanas e das Ciências da Linguagem predominam, até então, o paradigma qualitativo da pesquisa positivista e, neste, verifica-se uma preocupação com códigos de conduta do profissional em relação a si e a seus pares da comunidade científica, a seu objeto de estudo (os sujeitos pesquisados) e à sociedade como um todo.

Esses códigos de conduta referem-se a procedimentos considerados éticos e não-éticos. Paiva (2005) defende que a pesquisa ética deve preocupar-se, de igual modo, com a relação entre pesquisadores e com a relação pesquisador e pesquisado ou participante da pesquisa.

Quanto à relação entre pesquisadores, a autora avalia que uma conduta ética deveria refletir o respeito ao trabalho do colega, destacar os créditos corretos de autoria e co-autoria, cumprir normas que assegurem respeito construtivo e imparcialidade na emissão de pareceres sobre os trabalhos de colegas, utilizar de forma responsável os trabalhos de outros colegas em citações e, por fim, procurar,

sempre que possível, a cooperação com outros pesquisadores, para o bem da pesquisa e do avanço do conhecimento.

No que se refere à relação entre pesquisador e pesquisado, por sua vez, Paiva (2005) defende que a conduta ética deve preocupar-se em não invadir ou alterar a rotina e o planejamento do pesquisado em sua vida ou na instituição pesquisada em nome unicamente do andamento da pesquisa; informar corretamente e completamente os participantes sobre os objetivos da pesquisa; ter cuidado na transcrição dos dados de forma a evitar constrangimentos para o informante da pesquisa; comprometer-se a dar retorno aos informantes sobre a conclusão e os resultados da pesquisa; eximir-se de selecionar informações sobre o pesquisado colhidas durante a pesquisa de forma a ressaltar aspectos em foco de seu trabalho; em caso de pesquisa experimental, observar se as interferências feitas durante a pesquisa, em caso de grupos controle e grupos experimentais, não trazem prejuízo para nenhum deles e, por fim, respeitar as preocupações do informante ao elaborar questionários e entrevistas de modo que as perguntas e respostas possam ser relevantes tanto para o pesquisador quanto para o pesquisado.

Por outro lado, quanto aos procedimentos considerados não-éticos, Celani (2005) os classifica em duas categorias: má conduta e fraude. Exemplos de má conduta na pesquisa seriam: não arquivar dados, não aceitar avaliações, encomendar dados, publicar precocemente para publicar primeiro, explorar subalternos, tratar mal os sujeitos que compõem a amostra, entre outros. Caracterizariam fraude, por sua vez, o plágio, a falsificação de dados e a invenção de resultados.

Como qualquer classificação, essa também não é unanimidade e, para alguns autores, a linha que separa, por exemplo, o que seria má conduta e o que seria fraude pode ser bastante tênue. Em determinados casos, a falsificação de dados é considerada fraude, pura e simplesmente. Em outros casos, essa mesma falsificação pode ser considerada, apenas, má conduta. Ou seja, isso aconteceria se o autor, apenas, forçasse um pouco a margem do que lhe é possível depreender dos dados com o objetivo de confirmar ou refutar uma hipótese de pesquisa. Essa prática é conhecida pela expressão “massagear os dados” (HOWE; MOSES apud CELANI, 2005, p. 108).

Outra questão problemática a ser considerada quando se pensa em regulamentar normas e padrões de conduta para uma determinada atividade, seja

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ela de pesquisa ou não, consiste em determinar o que exatamente é considerado um padrão de conduta aceitável ou não em cada sociedade ou grupo social.

Uma vez que juízos, regras e valores são mutáveis e relativos, a determinação de códigos de conduta ética também poderia sê-lo. Na pesquisa científica, considera-se o pressuposto lógico de que os seus paradigmas regem os aspectos éticos da atividade científica. Sendo eles universais, não haveria, então, razão para que qualquer pesquisa realizada em conformidade com seu paradigma escapasse a seus padrões éticos. Porém é necessário levar em conta, também, as especificidades de cada grupo e sociedade.

Mesmo considerando certas dificuldades na classificação já apresentada, é certo que a ética na pesquisa determina parâmetros e, conforme o paradigma adotado, certos procedimentos são exigidos, uma vez que sem estes, torna-se impossível garantir a validade, a fidedignidade e a qualidade de uma pesquisa.

Os dois principais paradigmas adotados na área de estudos lingüísticos, a pesquisa quantitativa e a pesquisa qualitativa, determinam suas próprias normas e padrões de conduta. Segundo Celani (2005), a pesquisa no campo da linguagem realizada dentro de uma proposta qualitativa (principalmente a crítica, defendida pela autora) assumirá uma postura ética diferente daquela postulada na pesquisa condicionada por métodos quantitativos.

A primeira proposta tenta buscar um equilíbrio entre deveres e obrigações do pesquisador para com sua pesquisa (planejamento, decisões de natureza epistemológica, procedimentos de pesquisa etc.) e para com o sujeito pesquisado (proteção dos participantes, consentimento, liberdade para desistir de participar da pesquisa etc.). O sujeito é, ao mesmo tempo, um informante e um participante ativo da pesquisa, atuando como negociador, ao lado do pesquisador, na construção dos significados da pesquisa.

A segunda busca atuar dentro de rígidos critérios de neutralidade e objetividade e, embora sem desrespeitar o sujeito da pesquisa, preocupa-se muito mais com os procedimentos da pesquisa em si e com a fidedignidade dos resultados.

É preciso ressaltar, e Celani (2005) alerta para o fato, que também os conceitos sobre o que é ético ou não-ético na pesquisa estão sendo revistos e ampliados devido às mudanças nos modos de realizar pesquisa, de se olhar para seu objeto de estudo e de inserir pesquisa e pesquisado na rede social, histórica e

política da contemporaneidade, na qual questões sociais, de relações de poder, diferenças culturais, liberdade e responsabilidade passam a contar na hora de seguir padrões passíveis de serem considerados éticos.