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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E CONTEXTO DA PESQUISA

2.7 Ética no relacionamento empresa / médico

Como é perceptível por tudo o que já foi visto até aqui, a indústria farmacêutica, em particular o segmento ético, baseia-se na preferência do receituário médico como forma de estimular sua demanda. Buscando um melhor desempenho de vendas dos produtos estratégicos, no processo de construção de relacionamento longos e rentáveis entre os prescritores e os laboratórios, o marketing farmacêutico se utiliza de uma série de estratégias e controles (CESAR, 2005).

Tais estratégias, presumidamente, devem ser conduzidas com bastante cuidado, pois mesmo sendo ferramentas eficazes, se mal utilizadas podem desfigurar o papel do representante e desestabilizar essa aliança, tão valiosa para a empresa (ZENONE, 2010). Nessa conjuntura, uma busca muito intensa pelo receituário é capaz de transformar um relacionamento harmonioso em algo psicológica e moralmente desagradável, desgastando de forma irreversível o relacionamento (BUENO; RESENDE; OLIVEIRA, 2005).

Para Cesar (2005), uma das premissas do relacionamento entre cliente e empresa é a ética do comportamento entre as partes. Todo relacionamento deve ser pautado, sobretudo, por uma conduta digna e transparente, capaz de desenvolver confiança entre os envolvidos.

No entanto, para Jesus (2005), o marketing farmacêutico - ou marketing da dor - se utiliza não só dos médicos para promover seus efeitos fantásticos e milagrosos, mas de altos investimentos em meios como rádios, emissoras de televisão, revistas, outdoors, e na confecção de materiais de ponto de vendas e sua distribuição em farmácias e drogarias, para vender não só os produtos éticos, como vitaminas, xaropes e fortificantes.

Evidencia-se que o marketing farmacêutico lança mão de todas as ferramentas que estão a sua disposição com o intuito de aumentar as vendas e bater suas metas. Tais estratégias envolvem não só canais de comunicação em massa (televisão, rádio, revistas, outdoors, etc.), mas também a comunicação dirigida (vendas pessoais, Internet, telemarketing, etc.). Por intermédio de visitas frequentes a clínicas, hospitais, farmácias e consultórios, os representantes conseguem vender o conceito de seus medicamentos e influenciar a prescrição médica, alcançando a meta estabelecida, ou seja, vendendo mais.

Por outro lado, deve-se advertir sobre o duplo papel desempenhado pelo propagandista: a função comercial, orientada para o incremento das vendas dos produtos e a suposta função educativa, no âmbito da qual informa os médicos prescritores a respeito das novas drogas e tratamentos do mercado. O exercício desses papéis pode levá-lo a um conflito de interesses inerente às duas funções, já que, inevitavelmente, em função da competitividade e da busca por bons resultados financeiros, a indústria farmacêutica colocará alguns princípios éticos e legais em segundo plano (CESAR, 2005).

As companhias farmacêuticas querem comercializar seus produtos, o que é justo e esperado, quando, em tese todos os novos medicamentos nos últimos 60 anos foram desenvolvidos e manufaturados por esses produtores. Porém, não se espera que profissionais da saúde sejam educados, informados e cooptados pela indústria farmacêutica (STREMERSCH; DYCK, 2009).

O conflito de interesses a que aqui se refere já era criticado por Quijano (2003), por considerá-lo perversor da própria ideia da profissão médica, denegrindo a imagem desses profissionais e desprestigiando a classe perante a sociedade.

Sobre a relação dos médicos com os laboratórios, Correia e Oliveira (2008) ressaltam o perigo representado pelos profissionais de marketing farmacêutico, que ignoram a evolução das modernas práticas médicas e das atitudes dos médicos.

Apesar de a maioria absoluta alegar que sua integridade não é comprada por brindes, viagens e patrocínios, há evidência de que a prescrição é, sim, influenciada pelas técnicas de marketing e de que o ato de presentear é altamente produtivo na busca pelo aumento de vendas de medicamentos (WANNMACHER, 2007).

Segundo Jain (2008), pesquisas no campo das ciências sociais mostram que mesmo quando os indivíduos procuram ser objetivos, suas opiniões encontram-se sujeitas a um viés inconsciente e não intencional de autointeresse.

Outro problema, levantado por Fagundes et al. (2007), aborda a confiança que os médicos depositam nas peças publicitárias distribuídas pelos laboratórios. Segundo sua pesquisa, 22% dos médicos confiam plenamente nessas peças publicitárias, traduzindo um perigoso excesso de confiança nos propagandistas, principalmente por não existir embasamento científico na maioria delas.

Não obstante, essa realidade aos poucos vem se modificando, posto que algumas empresas vêm reconhecendo que o comportamento ético também pode ter repercussão positiva nas vendas (BARROS, 1995).

Segundo Jain (2008), muitos médicos não gostam de como a informação comercial influencia significativamente sua decisão no atendimento ao paciente. Vários se sentem demasiadamente incomodados com a pressão dos laboratórios, chegando, algumas vezes, ao extremo de passar e prescrever apenas medicamentos manipulados (CORREIA; OLIVEIRA, 2008).

Lerer (2005) observa que nos Estados Unidos cada vez mais médicos cobram honestidade e transparência dos laboratórios e dos representantes em seus relacionamentos com a classe.

A sociedade também vem se mobilizando e, partindo do princípio da correlação direta entre os lucros das empresas e a prescrição, passou a fomentar a crença de que a atuação em forma de lobby por parte da comunidade médica pode gerar bons frutos (CORREIA; OLIVEIRA, 2008).

Jain (2007) afirma que 64% dos pacientes acreditam que a estratégia de presentear os médicos como forma de persuasão no momento da prescrição médica, utilizada pela indústria farmacêutica, reflete em aumentos de custos da medicação.

Estudos demonstram que o número de famílias conscientes da importância da saúde vem aumentando, e que quanto mais conscientes são, menos sensíveis aos preços ficam (STREMERSH; DICK, 2009). Pacientes informados tendem a pressionar mais seus médicos na hora da prescrição por fármacos dos quais tomaram conhecimento por meio da propaganda direta ou no boca a boca entre amigos (WANNMACHER, 2007).

Assim, diferentes Organizações Não Governamentais (ONGs), como Pour une Información Médicale Éthique et le Developpement (Pimed, França) e Medical Lobby for Appropriate Marketing (MaLAM, Austrália), foram criadas com o intuito de usar a influência do médico para incentivar as empresas a proporcionar informações fundamentadas e consistentes para que a prescrição e a dispersão dos medicamentos seja adequada (CORREIA; OLIVEIRA, 2008).