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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E CONTEXTO DA PESQUISA

2.5 O marketing de relacionamento na promoção de medicamentos éticos

2.5.1 Práticas e estratégias de relacionamento

2.5.1.1 Desenvolvimento do relacionamento

Peppers e Rogers (2004) pregam que o desenvolvimento de um bom relacionamento com os clientes deve passar por quatro etapas: identificação, diferenciação, interação e personalização.

1º) Identificação: Essa etapa consiste em identificar todos os clientes da empresa. Afinal, não há possibilidade de se estabelecer um diálogo com alguém que não se conhece.

2º) Diferenciação: Superada a etapa da identificação dos clientes é imprescindível diferenciá-los, levando-se em consideração o seu valor real, o seu valor vitalício (life time value [LTV]), projetado mediante o histórico transacional de cada um desses clientes com a empresa durante toda sua vida, ou, ainda, o seu valor potencial, consistente em tudo o que tais clientes gastam no mercado onde a empresa atua.

3º) Interação: Distinguindo-se os clientes, pode-se desenvolver uma interação mais forte com eles, incentivando os preferenciais a continuar se relacionando, ou mesmo a aumentar sua interação com a empresa, e estimulando os que não são rentáveis a migrar para a concorrência. A interação é relevante porquanto possibilita, por meio do estreitamento dos laços entre a empresa e os clientes, que se conheça mais sobre eles e se lhes ofereça o que realmente esperam desse relacionamento.

4º. Personalização: A interação ajudará na personalização de produtos e serviços a serem ofertados aos principais clientes. A personalização constitui a oferta de produtos e serviços desenvolvidos para atender aos desejos e às necessidades desses clientes.

O Quadro 3 sintetiza os quatro passos para o desenvolvimento de um bom relacionamento, segundo Peppers e Rogers (2004).

Quadro 3 - Os quatro passos para o desenvolvimento do marketing one to one

Identificar Programa de identificação de clientes. Identificação dos clientes reais e potenciais.

Diferenciar Por valor Valor real É o valor projetado por meio do histórico transacional de cada um dos clientes com a empresa durante toda sua vida (valor vitalício, ou seja, life time value [LTV]).

Valor potencial É tudo o que tal cliente gasta no mercado onde a empresa atua.

Por necessidade Quanto maior o número de necessidades conhecidas, maior a oportunidade de participação do cliente.

Interagir A distinção dos clientes é importante para o desenvolvimento da política da interação da empresa. Dessa forma é possível incentivar os clientes preferenciais a continuar ou aumentar a sua interação e estimular os não rentáveis a migrar para a concorrência.

Personalizar Quanto mais personalizados o produto ou serviço ofertados maior o seu valor para o cliente, que verá conveniência em continuar se relacionando com a empresa

Fonte: Autor, baseado na teoria do marketing one to one de Peppers e Rogers (2004).

No mercado farmacêutico, parte-se da lógica que o paciente é completamente leigo sobre o assunto e, dessa forma, consome o que é receitado sem contestar. O consumidor em geral não é capaz de avaliar diversos aspectos da qualidade dos medicamentos, sendo necessário um profissional especializado para atestá-la (ALBIZZATI, 2001). Por isso o foco das ações de promoção não é o cliente final (o paciente), e sim o cliente médico (prescrevedor), responsável pela demanda dos produtos.

Para Lobo (1980), o número de médicos, em comparação à população total, mostra-se reduzido, de modo que os resultados publicitários no mercado farmacêutico se tornam muito concentrados, produzindo efeitos de saturação incomparavelmente superiores aos de outros mercados. As possíveis técnicas de venda, entre as quais se inclui o contato pessoal com cada um dos médicos, acabam sendo muito custosas, por isso identificar os clientes médicos é tão importante.

Uma vez identificados os clientes lucrativos, as empresas podem criar ofertas atraentes e estratégias especiais para capturá-los e conquistar sua fidelidade (KOTLER; ARMSTRONG, 2007). Conhecendo-os melhor ao longo do tempo, a empresa pode tornar a relação única, o que torna inconveniente ao cliente a infidelidade. Isso significa que ao deixar uma relação de longa data por um concorrente, o cliente terá que começar um relacionamento do zero, deixando para trás todo o prestígio adquirido na empresa anterior.

Gordon (2003) observa que a identificação dos clientes proporciona aos profissionais de marketing a oportunidade de moldar seus negócios, decidindo quais devem ser recompensados, quais devem ser gerenciados, quais devem ser disciplinados e quais devem ser descartados. Para o autor, tão importante quanto conhecer a rentabilidade dos

clientes atuais é conhecer a potencialidade dos futuros clientes, para o que sugere uma forma de segmentação de clientes baseada na sua rentabilidade e potencialidade.

Assim, deve-se investir e recompensar clientes rentáveis e de alto potencial (por manterem relacionamento com a empresa). Já os rentáveis de baixo potencial devem ser gerenciados (tentando otimizar o relacionamento em busca de maior rentabilidade dos mesmos). Os de baixa rentabilidade e de alto potencial devem ser disciplinados a aumentar o relacionamento com a empresa e os de baixo potencial e de baixa rentabilidade devem ser descartados (estimulados a ir para a concorrência).

Quanto maior a rentabilidade do cliente ou o seu potencial, mais os investimentos para a manutenção do relacionamento com eles serão justificados.

A Figura 8, a seguir, representa as formas de segmentação dos clientes proposta por Gordon (2003) de acordo com sua rentabilidade e suas potencialidades.

Figura 8 – Formas de segmentação dos consumidores

Fonte: Gordon (2003).

A classificação em estudo se mostra possível no mercado farmacêutico graças a auditorias de mercado e a sistemas de informação, que rastreiam os clientes médicos mais rentáveis aos laboratórios e com maior potencial de prescrição. A manutenção do foco na determinação de clientes chaves, daqueles mais rentáveis à organização ou daqueles que têm potencial para se tornar um é ratificada por McKenna (1992), quando afirma que as empresas devem buscar vender seus produtos aos clientes certos.

Segundo Poser (2010), com as informações captadas (antes, durante e depois dos contatos estabelecidos entre as empresas e os clientes) e armazenadas no banco de dados é possível estabelecer o perfil dos clientes individualmente, de forma segmentada, agrupando-

Descartar Disciplinar

Gerenciar Recompensar e

investir Rentáveis

Baixo potencial Alto potencial Investimentos

Futuros clientes Não rentáveis

os por afinidade, estilo de vida ou geograficamente. Informações relativas às preferências, ao histórico de compras e à lucratividade individual são importantes para a determinação dos clientes preferenciais.

Outra forma de diferenciação dos clientes proposta por Peppers and Rogers (2004) é por meio das necessidades, ou seja, quanto maior o número de necessidades conhecidas, maior a oportunidade de participação do cliente. No entanto, em razão de o mercado farmacêutico brasileiro ser caracterizado por sua concentração extrema entre as classes terapêuticas, representadas por grandes monopólios especializados (SILVA; NASCIMENTO; MENDONÇA, 2006), esse critério é pouco usual, de modo que os mais utilizados são os de diferenciação de acordo com o valor real, o valor vitalício (life time value [LTV]) e o valor potencial de cada médico.

A propósito, Peppers and Rogers (2004) estabeleceram que o LTV é o valor projetado por meio do histórico transacional de cada um dos clientes com a empresa durante toda sua vida (para o mercado farmacêutico, seria o valor projetado de todas as receitas de um medicamento da empresa durante toda a vida de um determinado médico), enquanto o valor potencial seria o que um cliente gasta no mercado onde a empresa atua (consistente no valor de todas as prescrições de uma classe de medicamentos por um determinado médico).

Como já foi visto, na propagação dos produtos éticos, a principal ferramenta de integração constitui, sem dúvidas, os representantes do laboratório, denominados de propagandistas. Esses profissionais têm a função de propagar os produtos que representam diretamente aos médicos, demonstrando as vantagens da prescrição do medicamento em relação aos seus concorrentes.

Segundo McKenna (1992), o vendedor, nesse caso o representante farmacêutico, é parte integral e intangível do produto que vende; é quem fornece os outros ingredientes vitais que diferenciam seus produtos de todos os outros. O conhecimento de um propagandista sobre seus produtos e sua adaptação aos ambientes muitas vezes voláteis de seus clientes médicos pode ser a linha divisória entre o sucesso e o fracasso de um laboratório.

Para Correia e Oliveira (2008, p. 442), “Esses representantes raramente conseguem mais que alguns minutos da atenção dos médicos, de modo que sua apresentação tem que ser incisiva, rápida e convincente”. Também devem estar atentos ao diálogo desenvolvido com o médico, às suas críticas e às solicitações por mais informações sobre o produto que está sendo ofertado. Cada nova pergunta respondida é conhecimento acumulado a respeito dos clientes, e os funcionários que têm contato com eles devem ser treinados e

incentivados a conhecê-los melhor e a registrar esse conhecimento nas bases de dados de clientes das empresas (PEPPERS; ROGERS, 2004).

O conhecimento adquirido durante esses contatos deve alimentar um sistema de informação da empresa com dados importantíssimos acerca do perfil dos clientes preferenciais e da eficiência e qualidade dos produtos propagados (POSER, 2010). Essa interação ajudará na personalização de produtos e serviços a serem ofertados aos principais clientes, pois quanto mais uma empresa se relaciona com seus clientes, mais oportunidades têm de conhecê-los melhor.

Peppers e Rogers (2004) consideram que quanto mais personalizados forem os produtos e serviços de uma empresa, maior valor terão para o cliente, que verá conveniência em continuar se relacionando com a empresa.

No entanto, Stone e Woodcock (2002) afirmam que os requisitos do relacionamento dos clientes geralmente irão variar de acordo com o que consideram importante em cada transação e com o relacionamento em geral. Dessa forma, os autores acreditam que seja possível adequar um modo ideal de relacionamento para cada nível de relação consolidada.

Berry e Parasuraman (1995), por sua vez, pregam que o marketing de relacionamento pode ser praticado em um de três níveis, dependendo do tipo e do número de elos que uma empresa utilize para mover a lealdade do cliente. Isso significa que quanto mais elevado o nível em que o marketing de relacionamento é praticado, mais elevada será a potencial recompensa. A seguir, o Quadro 4 resume os níveis de relacionamento segundo os autores.

Quadro 4 – Os três níveis do marketing de relacionamento

Nível Tipo de ligação Orientação de marketing Grau de personalização do serviço Elementos básicos do mix de marketing Potencial de diferenciação competitiva sustentada

1 Financeira Consumidor Baixo Preço Baixo

2 Financeira e social

Cliente Médio Comunicação

pessoal Médio 3 Financeira, social e estrutural Cliente De médio a elevado Prestação de serviço Alto

Fonte: Berry e Parasuraman (1995, p. 162).

Leal (2004) esclarece que no nível 1 do marketing de relacionamento é comum a referência a marketing de frequência ou de retenção. Nesse nível, os profissionais do

marketing tendem a usar incentivos (principalmente em relação aos preços de produtos) como forma de estimular os clientes a continuarem fazendo negócios com a empresa, podendo-se citar, como exemplo, a prática da “empurroterapia” (já vista anteriormente) realizada pelas empresas de medicamentos bonificados junto às farmácias e aos balconistas.

No nível 2 as empresas vão além das ações promocionais focadas no preço do produto. Aqui elas tentam fortalecer os elos sociais, não deixando de lado a competição de preços (elos financeiros). Enfatizam a prestação de serviços personalizados, a valorização do contato pessoal e a preocupação de conhecer mais sobre as necessidades e os desejos dos clientes.

Já o marketing de relacionamento do nível 3 consolida o relacionamento, desenvolvido com elos financeiros e sociais, com elos estruturais. Segundo Berry e Parasuraman (1995), os elos estruturais são criados por serviços valiosos para os clientes, os quais normalmente têm sua base na tecnologia e visam ajudar os clientes a se tornarem mais eficientes e produtivos. Quando essa vantagem é percebida pelo cliente, ele tende a manter-se fiel à empresa, por isso seu potencial de vantagem competitiva é o mais alto entre os três níveis (LEAL, 2004).

Evidencia-se, de maneira geral, a concordância entre os estudiosos do marketing de relacionamento - Berry e Parasuraman (1995), Gordon (2003), Grönroos (2003), Gummesson (2010), Kotler e Armstrong (2007), Peppers e Rogers (2004) e Stone e Woodcock (2002) - sobre a existência de um processo contínuo de interações que resultam no desenvolvimento do bom relacionamento, começando antes do primeiro contato com o cliente, identificando-os no primeiro contato, interagindo com eles durante a relação comercial até conseguir personalizar os produtos e serviços que lhes serão ofertados. Quanto maior o nível do relacionamento, maiores as chances da empresa de manter seus clientes leais.