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As ênfases defendidas pelos sujeitos

Os elos entre ensino e mudança

2.4. O Ensino Superior e as expectativas de mudança nas histórias dos sujeitos

2.4.1. As ênfases defendidas pelos sujeitos

É importante destacar que a organização dos posicionamentos a seguir, em quatro itens distintos, não indicam necessariamente posições divergentes entre si, mas uma diferenciação da ênfase nos quais se legitimam os oito elos analisados anteriormente. Assim sendo, as quatro

ênfases apontadas pelos sujeitos traduzem a forma como vivem e olham o ES mediante os seus valores, padrões de comportamento, sentimentos, implicações, experiências pessoais e profissionais em constante ressignificação.

Como será percebido, a professora Margarida defende a perspectiva (auto) formativa, autônoma e vivenciada do ensino enquanto a professora Alguém que Acredita atribui um valor exagerado ao repertório teórico necessário ao ensino. O professor Do Contra se prende ao ensino como ato solitário e a professora Justiceira enfatiza a responsabilização do professor frente aos problemas vividos no Ensino Superior.

Comecemos por Margarida, onde uma das suas narrativas revela a ênfase para a perspectiva (auto) formativa, autônoma e vivenciada que atribuí ao ensino:

O ensino faz parte da minha vida [...] a ponte que estabeleço entre um e outro me constrói pessoa e profissional [...] não é verdade que quando entramos na sala de aula os nossos problemas ficam atrás da porta porque entendo que é a abertura aos problemas, ansiedades, tristezas, relacionamentos, prazeres, acontecimentos, decepções, saberes, fazeres dessa vida que dão fundamento e sentido ao que faço e sou como professora [...] não quero ser comparada com ninguém, tenho o direito de ser diferente porque a minha historia é diferente de todas as outras histórias (Margarida).

É patente a abertura e autonomia da professora Margarida perante o ciclo dinâmico e imprevisível da sua vida e de seus prazeres e contratempos. Uma relação de disponibilidade refletida por Freire (1987):

É na minha disponibilidade à vida a que me entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em minha relação com o contrário de mim. E quanto mais me dou à experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com as diferenças, tanto melhor me conheço e construo o meu perfil (FREIRE, 1987, p.151).

Na perspectiva de conceber o ensino como uma relação de disponibilidade Margarida se aproxima dos princípios freirianos que consideram o pensar crítico e a emoção como dimensões indicotomizáveis

do processo formativo. Conceituá-lo nessa perspectiva passa, portanto, pela noção de “disponibilidade à vida” e aos espaços - tempos - relações afetivas vivenciadas. Que se constitui, por sua vez, do entendimento de que o professor e os estudantes do Ensino Superior, antes de tudo, são pessoas com tudo que isso significa e implica e, que é como tal, que vivenciam a experiência educativa.

É neste investimento pessoal de troca e abertura que vislumbramos a utopia de mudar a sociedade em que vivemos, ainda que a longuíssimo prazo e que demande a criação de novos espaços – tempos diferentes dos que temos constituído atualmente:

Se queremos mudar esta sociedade excludente em que vivemos ao invés de estimular o individualismo possessivo, o egoísmo e a competição em nossos estudantes e alunas, fazendo-as crer que só sobrevivem os mais aptos e mais competitivos, devíamos estar criando espaços / tempos de colaboração, de relações de troca amorosa, de generosidade, de compaixão (FREIRE, 1987, p.126).

Isso constitui em meio aos aspectos históricos – culturais – sociais - institucionais que se enraízam ao que sentimos, somos, pensamos, fazemos e desejamos ao vivenciar o ensino. Por outro lado, a ênfase defendida pela professora Alguém que Acredita, nos seus relatos, aponta para a perspectiva do repertório teórico necessário ao ensino. Como pode ser visto a seguir:

Tenho conseguido o melhorar o meu ensino a partir da ampliação do repertório teórico [...] participo de todos os cursos que posso para aprofundar a minha fundamentação teórica e metodológica [...] momentos para reflexão da prática que desenvolvo na sala de aula [...] os problemas do Ensino Superior são complexos e uma sólida base teórica se faz necessária par resolvê-los (Alguém que Acredita).

É legítima a preocupação da professora Alguém que Acredita, em buscar o aprofundamento teórico – metodológico da prática docente. Autores como Ramalho (2003), Tardif (2002), Pimenta e Anastasiou (2002), confirmam a importância de se considerar nos processos

formativos as exigências da profissão que se configuram, entre outros, daquilo que ensinamos (saberes das áreas de conhecimento), da prática educativa delineada por diversos sentidos (saberes pedagógicos), da articulação da teoria da educação e de ensino (saberes didáticos) e da maneira como elaboramos tudo isso ao desenvolver a profissão de professor (saberes da experiência).

Entretanto, o desenvolvimento da profissão pode levar o professor, como indica a narrativa de Alguém que Acredita, a buscar saídas para os problemas enfrentados no Ensino Superior via, primordialmente, o aprofundamento dos fundamentos teórico – metodológicos. De fato a qualificação e o (auto) questionamento são de suma importância para o desenvolvimento da docência. A proposição do ensino como atividade reflexiva (Schon, 1992), no entanto, desvinculada do contexto social e institucional (Contreras, 1997) pode se tornar igualmente problemática:

Ficam, então, desconsiderados os elementos constitutivos dessa categoria profissional: o ideal, os objetivos, os compromissos pessoais e sociais, a regulamentação profissional, o conceito de profissão e de profissional, o código de ética, as participações nas entidades de classe que são fundamentais para exercer-se com competência uma profissão, o que possibilitaria um reconhecimento social da profissão (ANASTASIOU, 2002, p. 176).

Consequentemente, ao enfatizar o ensino desvinculado dos elementos constitutivos da categoria profissional, a professora Alguém que Acredita passa pelo risco, de atribuir à prática reflexiva um caráter de racionalidade técnica que secundariza a relevância do contexto social onde a prática se inscreve. No caso do professor Do Contra, as suas narrativas apontam para a perspectiva solitária do ensino:

Na faculdade onde dou aulas dizem que estou mais bem preparado do que os bacharéis de outras áreas de formação [...] é um erro se pensar assim porque aprendo a ser professor que atua no Ensino Superior na prática [...] o curso de Pedagogia me preparou sim, mas para ensinar crianças e não jovens e adultos [...] aprendi a ser professor, sendo (Do Contra)

Ao se referir a estes aspectos, o professor Do Contra demonstra reconhecer o seu relativo despreparo e solidão para lidar com os problemas relativos ao Ensino Superior uma vez que foi licenciado para trabalhar com crianças do ensino infantil e fundamental. Anastasiou (2002) ao questionar o caminho percorrido em relação à profissão docente universitária, explica:

No caso da profissão universitária, para a maioria dos professores que atuam na instituição de Ensino Superior, os cursos efetivados na universidade não funcionaram como preparação para a docência, com exceção dos professores oriundos da área da educação ou licenciaturas, que tiveram oportunidades de discutir elementos teóricos e práticos relativos à questão do ensino e da aprendizagem, porém para outra faixa de idade dos estudantes (ANASTASIOU, 2002, p. 174).

Ou seja, em grande medida, os relatos dos professores o indicam: uma parcela considerável de professores que estão assumindo a sala de aula não foram preparados para fazê-lo. Ainda que sejam competentes em outras áreas e campos profissionais isso não significa que o estão sendo no ES. Tampouco parecem estar recebendo o acompanhamento de que necessitam para que possam desenvolvê-lo como esperado.

Para Ramalho (2006) a perspectiva solitária no desenvolvimento da profissão docente se configura numa dimensão decisiva porquanto traz implicações ás relações que precisam se estabelecer para que ocorra o ensino-aprendizagem. Placoo et alii (2006, p.03) coloca deste modo: “[...] a aprendizagem do adulto, traduzida em novos saberes, resulta da transação entre adultos, quando experiências são interpretadas, habilidades e conhecimentos são adquiridos e ações são produzidas e desencadeadas”.

Logo, ao enfatizar o ensino deste modo o professor Do Contra

refere-se, portanto, a noção de investimentos “solitários” na formação continuada, processos (auto) formativos e ocorrência de poucas

evidencia estar consciente de que é na interação (e não na solidão) que o processo de ensinar-aprender deve transcorrer.

A quarta ênfase é defendida pela professora Justiceira que aponta para a perspectiva da responsabilização do professor:

Discutindo sobre como formar “bem” os futuros professores concluí que formamos “mal” [...] primeiro teremos que chegar a uma noção mais clara sobre o que é ensinar no Ensino Superior, ou melhor: as responsabilidades do professor, competências, relações de poder, status da profissão, condições materiais [...] quando falarmos claramente sobre o papel do professor saberemos mais sobre o ensino e como fazê-lo bem.

Alguns elementos presentes na narrativa da professora Justiceira

são coerentes, vinculam-se ao movimento de profissionalização do ensino e encontram ressonância nas discussões travadas por Ramalho (2005) quando defende que a formação e a profissionalização da docência enquanto processo de construção de identidades não pode acontecer pela ação de forças endógenas aos docentes. Sendo necessário, portanto, o compromisso da categoria na busca de novos referenciais, papéis e condutas profissionais, que fazem parte, por sua vez, de seus projetos pessoais e coletivos (Ramalho, 2005).

A formação compreendida com esse nível de complexidade e significados sociais não se constitui, como explica Ramalho, pela ação de forças externas ao sujeito como parece estar subjacente ao relato da professora Justiceira. Além do mais, a dimensão técnica se interliga a dimensão política, pedagógica e humana do ensino, guardadas as devidas especificidades.

O que é preocupante é que a professora Justiceira tende a considerar que os papéis e condutas assumidas pelo professor são suficientes para resolver à problemática do Ensino Superior. Conceituar o ensino nessa perspectiva passa pelo mesmo risco assumido pela professora Alguém que Acredita, qual seja: o isolamento do contexto social da profissão, sendo que neste caso, por conta de se atribuir à

responsabilidade do professor uma dimensão redentora que ele não tem e nem poderia ter.

Por fim, foram, primordialmente, os posicionamentos dos sujeitos que contextualizaram e encaminharam as discussões onde tentamos elucidar como se chega ou como chegamos a docentes no Ensino Superior. O que irá se tornar mais evidente no próximo capítulo.