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A trajetória da (auto) formação

Minha lúdica carreira de Educadora, vejo agora, foi se delineando desde as incansáveis brincadeiras de escolinha, jogos infantis, mergulhos na coleção literária “Mundo da Criança”. Horas mágicas de programas e contos infantis, participação no grupo de teatro escolar, viagens aos lugares mais inusitados com a família e, é claro, nas primeiras experiências de (auto) formação, desencadeada pela Catequese, ao estilo de “Colônia de Férias”, que adorei participar. (Marques, Diário “Devaneios”, 2003). 12

Há muito sabemos que a criatividade, a autonomia, a participação, o desejo e a curiosidade são indissociáveis do pensamento reflexivo, da postura ética e dos saberes teórico-práticos. Assim como, o coletivo integra os processos individuais de (auto) formação dos professores, vivenciado.

Afinal, a formação acompanha o percurso da socialização e toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de muitas outras pessoas. Sendo assim, é preciso rememorá-las sob pena de se ficar com um gosto de usado daquilo que nem se provou.

Deste modo, neste capítulo desvelamos como o processo de (auto) formação se torna decisivo para que cheguemos a docentes no Ensino Superior e as diversas influências e relações que estabelecemos na construção da nossa identidade e desenvolvimento profissional.

12 Diário “Devaneios” consiste no diário de campo construído pela pesquisadora durante a

investigação-formação onde foram anotadas partes de narrativas dos sujeitos, ocorrências, acontecimentos, idéias, reflexões, enfim, experiências e momentos vividos. Assim o diário reúne uma “infinidade de transações e de vivências” (Josso, 2004, p.48) do caminho experienciado.

1.1. Como cheguei a docente no Ensino Superior

Sacristan (2000) pondera que refletir sobre o presente é impossível sem se valer do passado. Esse se tornou o ponto de partida. Daí que ao analisar, detidamente, como comecei a ser professora situei uma espécie de jogo prazeroso e freqüente na minha infância que chamávamos de escolinha. Eu, a do meio das três meninas e quatro anos mais jovem do que nosso único irmão, sempre disputava o lugar de mestra.

O que basicamente consistia em imitar o jeito da professora Carminha, que até então era a imagem mais ilustrativa da prática docente escolar que dispunha. Só mais tarde, no Curso de Magistério e no de Pedagogia, é que fui compreendendo, lentamente, o que significava aprender com o ensinar.

Uma fase que demarcou percepções para toda uma vida norteando, o meu processo identitário/formativo, pontilhado de indagações internas: Como é que cada um se tornou o professor que é hoje? (Nóvoa, 1995); Por que me tornei à professora que sou? Como fui construindo um estilo tão próprio de ser professora?

Perguntas cujas respostas não são simples de obter. É certo que a formação é como um pequeno quadro dentro de um quadro maior, isto é insere-se na vida da pessoa, desenvolve-se com ela, articula-se em profundidade com sua problemática existencial (Chené, 1988).

Do Ensino Fundamental e Médio (antigos primeiro e segundo graus), feitos no Colégio Nossa Senhora da Soledade consigo, sem esforço algum, lembrar dos pátios e jardim bem conservado no centro de salas escrupulosamente encerradas e um opressivo ou quase palpável silêncio, por entre as longas fileiras de carteiras com lugares pré-determinados.

Se me concentrasse bastante poderia escutar os ecos de algumas aulas em que a lição era tomada na base do “repetir de cor” e dos olhos marejados de lágrimas quando a reprimenda brotava da Madre, mal tinha finalizado o momento da argüição. Resquícios que vão ficando no caminho.

O que não impedia, no entanto, de devanear mesmo de olhos abertos e fixos na professora ou na saída orquestrar divertidas transgressões pelos corredores mal iluminados. Sentia-me tal qual explicado por Morin - o ser humano é ao mesmo tempo, singular e múltiplo, uma poliexistência no real e no imaginário, no sono e na vigília, na obediência e na transgressão (2000, p.94).

Isto, é claro, também incluía bilhetes e caricaturas exemplares dos professores mais chatos ou menos queridos, o que se tornava um problema se “caía” nas mãos da vítima desdenhada. Relembro esses momentos, com prazer, quando encontro as velhas amizades da Soledade em shoppings, eventos educacionais ou surpresas da vida.

Pude aprender que da mesma forma que é preciso a apropriação dos saberes científicos, é necessário à apropriação dos saberes pedagógicos e que é essencial a convicção de que a paixão de ensinar e o cuidado amoroso com o outro, podem operar resultados surpreendentes.

Tenho clareza de que cada professor, a seu modo, influenciou na minha prática de ensino particular e de que quando alguém aprende uma profissão o faz em uma rede de conversações (Maturana, 2004) e trocas das mais diversas. Um modo pessoal, que vejo ser possível assumir pois transcende o “pacote” de competências, características e capacidades esperadas de todo professor. Tentativa de construir, de fato, metodologias de ensino pautadas na realidade vivida na sala de aula, histórica e mutante, por se configurar num espaço crítico-social. Um tácito compromisso.

Numa das suas reflexões, Paulo Freire (1979, p.15) afirmou que o compromisso seria uma palavra oca, uma abstração, se não envolvesse a decisão lúcida de quem o assume. Se não se desse no plano do concreto. Se não envolvesse risco. Também penso que o risco é inerente à nossa ação porque vejo o educador como alguém inquieto, curioso. Dotado de atitudes não conformistas. Esperançoso do vir a ser sendo.

Bem mais tarde a entrada no Curso de Pedagogia da UFBA, após uma história escolar entre freiras e meninas, significou a ruptura e choque esperados. Não mais professores que direcionavam concepções e

aprendizagens. Que ditavam horários e regras. Agora a liberdade institucional não construída, mas abruptamente oferecida. Tenho certeza de que o principal marco estruturante na transição: escola/universidade foi a minha família, diálogo e apoio incondicional. Dominicé ajuda a explicar:

A formação assemelha-se a um processo de socialização, no decurso do qual os contextos familiares, escolares e profissionais constituem lugares de regulação de processos específicos que se enredam uns nos outros (...) passa pelas contrariedades que foi preciso ultrapassar, pelas aberturas oferecidas (DOMINICÉ, 1988, p.61)

Sei que, todos esses contextos e (auto) regulações contribuíram para os estudos que desenvolvo agora no campo da formação de professores. Em seguida, o mergulho e primeiras vivências na carreira universitária começando pela Faculdade de Educação da Bahia (FEBA), a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Centro de Estudos Superiores (CESB). Onde atuei respectivamente como professora auxiliar, substituta e contratada. Passo fundamental para trabalhar na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) no campo de Formação de Professores mediante seleção docente e posteriormente concurso.

Nessa época, o Mestrado em Arte-Educação na UFBA fez diferença na minha história de Professora Universitária. A dissertação defendida: “A Capacitação de Professores e o Uso de Linguagens Artísticas no Cotidiano Escolar” foi mais uma oportunidade de (auto) avaliação e desenvolvimento profissional além de contribuir para que outros professores envolvidos na pesquisa também o fizessem.

Lido no rodapé de um texto (2000), de um dos ex-estudantes da Pós-Graduação da UNEB: quando a gente pensa que sabe todas as respostas vem à vida e muda todas as perguntas.

A título de (re) encontrá-las, poderia indagar: Por que, afinal, gosto tanto de ser professora? O que busco, hoje, no exercício do ensino? Como tenho conduzido o trajeto em busca da profissionalização? Porque a (auto) formação tem prevalecido na minha construção identitária docente? O que

acrescento nas relações com os meus familiares, amigos, estudantes, colegas de profissão, dirigentes, e formadores? Cumpri, ao menos parcialmente, o meu projeto existencial pessoal-profissional? Quem de fato sou ou venho me tornando? São outras perguntas problematizadoras cujas respostas mesmo que inconclusas vão sendo ressignificadas, afinal, a experiência reflexiva demarca a profissão do professor (Schön, 1995; Zeichner, 1998; Alarcão, 1996; Nóvoa, 1992).

Cada um tem uma trajetória de vida, um caminho formativo e um tempo próprio, repleto das questões mais singulares, o que por sua vez ajuda a compor o que chamamos de história pessoal e que não deve ser compreendida isoladamente.

No tempo, vivemos e somos nossas relações sociais, produzimo-nos em nossa história. Falas, desejos, movimentos, formas perdidas na memória. No tempo nos constituímos, relembramos, repetimo-nos e nos transformamos, capitulamos e resistimos, mediados pelo outro, mediados pelas práticas e significados de nossa cultura. No tempo, vivemos o sofrimento e a desestabilização, as perdas, a alegria e a desilusão. Nesse contínuo, nesse jogo inquieto, está em constituição nosso “ser profissional” (FONTANA, 2000, p. 180).

Dentre todas as desestabilizações e alegrias vividas na profissão, o que deveras surpreende é que à medida que estudo mais profundamente a (auto) formação e o ensino vivencial posso, a cada vez, descobrir algo acerca da própria prática e o modo como tudo se articula com a pessoa e profissional que estou sendo e vindo a ser. Sem deixar de considerar que fui um dia o que alguma educação me fez (Brandão, 2000).

Depois do dito e contado situando, brevemente, algumas dentre diversas experiências pessoais - profissionais que me ajudaram a investir na carreira do Magistério cabe acrescentar outros elementos presentes na trajetória formativa e desenvolvimento profissional do professor que atua no Ensino Superior.

1.2. A (auto)

13

formação como ponto de partida e suporte da construção da