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3 LÉSBICAS EM LUTA E RESISTÊNCIA EM PERNAMBUCO: QUEM SÃO ELAS?

3.2 Íris de Fátima da Silva

Figura 2 - Fotografia Íris de Fátima da Silva

Fonte: dados da pesquisa

Eu era uma menina que fui alimentada com caldo de arroz… Quando você cozinha o arroz e escorre o caldo e aí ele… Contava a minha mãe, né? Que me dava o caldo. E também eu tive muitas mães de leite materno. Porque na verdade quando eu nasci, não tive tempo de chegar na maternidade de tão apressada que eu sou, nasci d’uma parteira. (Entrevista cedida em 09/05/2018).

Íris de Fátima da Silva intitula-se negra, paraibana, 54 anos, técnica em contabilidade, lésbica, solteira. Sua configuração familiar é toda negra, sua mãe (falecida) era lavadeira de roupas de “ganho”, seu pai não a registrou, só o conheceu na fase adulta, ambos heterossexuais. Tem um irmão que é professor universitário e uma irmã que trabalha como auxiliar de serviços gerais, ela tem dois filhos que Íris considera como seus filhos também.

Estudou na infância em convento de freira, onde passava o dia para a mãe trabalhar. Não teve contato com seu pai na infância. Conheceu um senhor chamado Romualdo, que ela considera como anjo da guarda, por ter ajudado a sua família a sair da extrema pobreza, dando moradia para a família e proporcionado a ela o acesso à educação, cultura e lazer.

29 Prestes a depositar a dissertação recebemos a triste notícia do falecimento de Josenita Duda (28/02/2020). Para os movimentos foi uma grande perda, mas compreendemos que ela deu o seu melhor para uma sociedade mais justa e igualitária. Meus agradecimentos por todos os aprendizados e compartilhamentos. Até um dia! 30 Homenagem do COMLESBI para as lésbicas que fazem história em Pernambuco, com o documentário e

amostra fotográfica com a história de vida das mulheres intitulados: lésbicas e suas histórias de militância (2016) Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=G1Tt6Ju53DA

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Íris se considerava envergonhada: “eu era tão envergonhada, tão oprimida que eu levava o cachorro quente pra casa que eu tinha vergonha de comer na lanchonete”. Porém, a menina envergonhada saiu de João Pessoa para construir sua história em Pernambuco, depois de ter conhecido seu pai, por considerar o momento turbulento. Em Recife, viveu de favor, trabalhou em diversos espaços: “trabalhei de faxineira, pintei apartamento, pintei muitas calças jeans. E um belo dia apareceu lá um concurso público, e eu fiz esse concurso público, passei no concurso público”. Essa conquista ela atribui também a seu Romualdo que ela considerava como pai e a incentivava e sempre dizia: “você vai ser uma grande mulher”.

Íris potencializou suas ações políticas quando foi aprovada no concurso em março de 1991, e através desse passou pelo processo de mobilidade social. Vivenciou diversas funções, que serviram de experiência a impulsionar a sua história política, inicialmente no Sindicato de Saúde – SINDSAÚDE, depois ampliando para o movimento feminista e LGBT, com a influência política e afetiva de Josenita Duda, como nos apresenta:

Fui trabalhar na Bandeira Filho. E aí eu não esqueço que a Bandeira Filho tinha o nome de maternidade que era matadouro. E eu fiquei nessa maternidade lá, eu adentrei no movimento sindical, né? Comecei limpando chão, passei um mês, depois fui ser telefonista e fui convidada pra fazer parte do SINDSAÚDE, quando eu comecei a adentrar e compreender um pouco da política, sendo diretora sindical financeira. Em 1996 eu conheci o grupo AMHOR, através de Josenita Duda, que fui convidada pra fazer parte desse grupo. O grupo AMHOR era uma instituição que ela surge com a história da peste gay para desmistificar esse mito. E eu fui convidada e eu disse: olha, a única maneira que eu posso trabalhar com as meninas lésbicas é trabalho de futebol, porque no tempo eu jogava muita bola, né? E aí eu adentrei no universo LGBT, mas também adentrei noutros movimentos, no movimento feminista, fui conselheira seis anos no Conselho Municipal de Saúde, representando o Fórum de Mulheres, junto com o AMHOR, a gente pode mudar a realidade da maternidade Bandeira Filho. Saí de lá, a maternidade Bandeira Filho sendo amiga da criança. Fiz muitas formações, instituí muitos conselhos gestores das Regiões Político Administrativa - RPA, que os municípios de Recife se dividia em seis RPAs, e a gente ajudou muito de formar muitos conselhos distritais e muitos conselhos gestores. (Entrevista cedida em 09/05/2018).

Em sua trajetória, quando se apresenta como lésbica, enfrentou a lesbofobia do espaço, mas isso não a paralisou, construiu sua história dentro do seu espaço de trabalho, além de ampliar sua militância para o movimento LGBT, potencializando sua existência lésbica, no AMHOR e no Fórum de Mulheres de Pernambuco, assim como, no controle social com um dos pontos chave.

E daí eu adentrei no universo sindical, no feminismo, no Fórum de Mulheres de Pernambuco. E o movimento de mulher de Pernambuco não falava da questão da lesbianidade. E aí eu venho com essa discussão, provoco a discussão. Eu me lembro que a gente fez o primeiro torneio de futebol, foi o primeiro grupo a fazer um torneiro de futebol na frente, naquela quadra do Derby ali, no hospital da Polícia Militar. [...] E aí a gente começou a demarcar o espaço político em Pernambuco. Daí

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eu começo também publicamente a me dar, né? A lutar, começar a fazer as ações de intervenção no estado de Pernambuco e no SUS porque como funcionária pública eu conhecia o controle social. Uma coisa que a gente identificou muito era que nesse tempo os grupos que trabalhavam com AIDS, porque só tinha verba era na AIDS, eles não compreendiam o universo do controle social. Eles recebiam o recurso, mas não discutia a importância do controle social. E gente começou a provocar isso nacionalmente, que pros grupos receberem a verba do SUS, eles tinham que fazer uma discussão sobre o controle social. E aí eu penso que é onde o movimento começa a dar importância e a valorizar essa parceria. (Entrevista cedida em 09/05/2018).

Íris provocou as discussões sobre lesbianidade no FMPE, gerando conflitos, pois era uma pauta destoante do heterofeminismo que durante muito tempo foi bandeira prioritária, mesmo com a atuação de lésbicas no espaço, o que gerou o afastamento de Íris para potencializar as demandas específicas das lesbianidades, dando continuidade a história no AMHOR e contribuindo em outros espaços de ações coletivas, como os conselhos e discussões do controle social, especialmente na saúde.

Íris de Fátima trilhou o caminho de construção dos movimentos LGBTs em Pernambuco, sendo uma das referências das causas lésbicas no Estado, sobretudo, pensando o controle social em saúde integral para a população LGBT e a organização do movimento LGBT. É uma das militantes de Pernambuco que participou do I SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas, no Rio de Janeiro, em 1996.

Íris tem uma vasta contribuição em Pernambuco, é uma das fundadoras do Fórum LGBT de Pernambuco, organiza a Parada da Diversidade de Pernambuco desde a primeira edição, uma das fundadoras do COMLESBI, da Ala das mulheres na Parada. Trabalhou na implementação dos conselhos de saúde do estado e município, assim como na área técnica de saúde integral da população LGBT, o que resultou na implementação de uma coordenação específica para trabalhar a saúde integral para a população LGBT, cargo que até o momento só tem sido coordenado por homens gays. Contribuiu para a fundação do Conselho Estadual de Políticas para a População LGBT, participou da organização das primeiras conferências municipais e estadual GLBT31, em 2007, esteve presente na I Conferência Nacional GLBT,

em 2008, foi vice-presidenta da ABGLT e uma das fundadoras da Articulação Brasileira de Lésbicas - ABL.

Atualmente Íris está lotada como técnica na Coordenadoria LGBT, integrada na Secretaria de Segmentos Sociais/SESES e Secretaria de Desenvolvimento Social Criança e Juventude/SDSCJ do Governo do Estado de Pernambuco, com o objetivo de pensar as

31Em 2008 o movimento era denominado GLBT, no mesmo evento foi modificado para LGBT pela necessidade de visibilização da lesbianidade e das relações de discriminações de gênero internas no movimento, que vinha a muitos anos sendo denunciada pelas lésbicas.

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Figura 3 - Fotografia Micheline Américo da Silva

políticas públicas para as lésbicas e mulheres bissexuais e a interação dos movimentos lésbicos com o governo. Integra o Comitê Interinstitucional Pró-Lésbica e de mulheres bissexuais, lotado na Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco, atuando enquanto coordenadora.

Íris tem uma grande história política e de vida, em que demonstra que é possível sair do anonimato, da pobreza, do sofrimento causado pela ausência do pai e construir outros caminhos, fazer história, agregar pessoas. Atualmente mora sozinha e continua nas construções políticas e é uma das coisas que para ela constrói felicidade, conflitos, afetos, enfrentamentos, rompimentos, mas potencializa seu estado de militância lésbica.