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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.3. Óleos Essenciais, Monoterpenos e suas Atividades Contra o Câncer

Há milhares de anos que a flora medicinal tem sido utilizada pelas populações de várias partes do mundo face aos benefícios apresentados para manutenção da saúde humana, valor esse reconhecido pela Organização Mundial de Saúde que em 1978 passa a reconhecer a fitoterapia como alternativa de eficácia comprovada (VIEIRA, 1992).

Inúmeros são os registros que mostram a busca incessante, nas plantas medicinais, para cura ou mesmo o alívio de moléstias que tem atingido a humanidade (CARLINI, 1995; AHMAD et al., 1998). As plantas representam uma fonte importante de produtos naturais biologicamente ativos, muitos dos quais constituíram modelos para a síntese de um grande número de fármacos. Pesquisadores da área mostram- se interessados na diversidade de estruturas, propriedades físico-químicas e biológicas dos produtos encontrados na natureza (WALL & WANI, 1996).

As plantas aromáticas que são aquelas que possuem aroma e/ou perfume, capazes de sensibilizar nosso olfato devem ter incentivado os alquimistas a buscar nelas a quinta essência da matéria, pois podiam perceber sua presença mesmo quando não estavam na sua frente. Ainda após a retirada da matéria, ou seja, da planta aromática ter sido retirada do recinto, sua presença era percebida pelo aroma que havia liberado. Para Celsus, um alquimista do século XVI, usando vapor, conseguiu isolar substâncias que continham o aroma da planta, sua alma, ou a quinta essência daquele ser. Logo, o uso dos termos essência e óleo essencial são utilizados com a finalidade de designar o conjunto de substâncias que o vapor extrai, mas, que esse óleo, não se mistura à água. Por isso, até hoje, mesmo não havendo substâncias de natureza lipídica ou óleo, nem sendo essencial, o termo óleo essencial ou essência é aceito e usado largamente (BLANCO et al., 2014).

Os óleos essenciais podem também ser chamados de óleos etéreos ou essências. Essas denominações derivam de algumas de suas características físicas, como, por exemplo, a de terem aparência oleosa à temperatura ambiente, advindo a

denominação de óleo; entretanto, sua principal característica é a volatilidade, diferindo-se, assim, dos óleos fixos, misturas de substâncias lipídicas, obtidas geralmente de semente (CUNHA, 2005)

Outra característica importante dos óleos essenciais é o aroma agradável e intenso, sendo, por isso, também chamados de essência. São solúveis em álcoois e em solventes orgânicos comuns, como éter, recebendo por isso, a denominação de óleo etéreo. Em água, os óleos essenciais apresentam solubilidade muito baixa, mas suficiente para aromatizar as soluções aquosas, que são denominadas de hidrolatos (COSTA, 1994; SIMÕES, 2007).

Os óleos essenciais, normalmente, são incolores e apresentam densidades inferiores à da água, com algumas exceções. Quase sempre são dotados de atividade óptica, com índices de refração elevados (COSTA, 1994). São princípios imediatos de origem vegetal, próprios de vários grupos de espécies. Caracterizam-se também por apresentarem variação de constituintes, são formados por uma mistura de diversas moléculas orgânicas, como: hidrocarbonetos, álcoois, ésteres, aldeídos, cetonas, fenóis entre outras (SIMÕES, 2007). No entanto, de maneira predominante, são constituídos por terpenoides e substâncias aromáticas derivadas do fenilpropano (BAKKALI et al., 2008). Na sua grande maioria, eles são classificados quimicamente como derivados de fenilpropanoides ou de terpenos, estes últimos compreendem o maior grupo (cerca de 90%) de produtos naturais e, constituem uma classe de produtos naturais com grande diversidade estrutural (DEMYTTENAERE & KIMPE, 2001; DEWICK, 2009).

Os fenilpropanoides são formados a partir do ácido chiquímico, já os terpenos são de origem biossintética e derivam do isopreno. A unidade isoprênica deriva-se do ácido mevalônico. Os esqueletos carbonados dos terpenos são formados pela condensação de um número variável de unidades pentacarbonadas (SIMÕES, 2007; WANG, TANG & BIDIGARE, 2005).

Os monoterpenos encontrados nos óleos essenciais podem ser divididos em três subgrupos: acíclicos (mirceno, linalol, geraniol), monocíclicos (alfa-terpineol, terpinoleno) e bicíclicos (α-pineno, tujona, cânfora, fenchona). Em cada um desses subgrupos, há ainda outras classificações: hidrocarbonetos insaturados (limoneno), álcoois (mentol), aldeídos ou cetonas (mentona, carvona), lactonas e as tropolonas (γ-tujaplicina).

As variações estruturais dos sesquiterpenos são da mesma natureza que as precedentes, podendo ser acíclicos (farnesol, nerolidol), monocíclicos (ácido abscísico), bicíclicos (γ-bisaboleno, β-selineno, cariofileno) ou lactonas sesquiterpênicas. O número de substâncias terpênicas conhecidas ultrapassa 8.000; como componentes descritos em óleos essenciais, é estimado um número superior a 150 monoterpenos e 1.000 sesquiterpenos (SIMÕES et al., 2007).

Os terpenos são facilmente disponíveis e precursores naturalmente renováveis (DEMYTTENAERE & KIMPE, 2001). São classificados de acordo com a classificação estabelecida por WALLACH em 1887, a partir da proposição da chamada “regra do isopreno” (ERMAN, 1985). De acordo com esta regra, os terpenos foram considerados como constituídos de unidades básicas de isopreno (Figura 3), o que corresponde a uma fórmula geral para os terpenos de (C5H8)n.

Essas substâncias são classificadas de acordo com o número de unidades de isopreno em seu esqueleto carbônico como: hemiterpenos (5 carbonos), monoterpenos (10 carbonos), sesquiterpenos (15 carbonos), diterpenos (20 carbonos), sesterterpenos (25 carbonos), triterpenos (30 carbonos) e tetraterpenos (40 carbonos) (WANG TANG & BIDIGARE, 2005; DEWICK, 2009).

A

B

Figura 3. Estrutura química das substâncias: (A) isopreno e (B) monoterpeno.

Pela sua crescente utilização nas indústrias de alimentos (condimentos e aromatizantes de alimentos e bebidas), cosméticos (perfumes e produtos de higiene) e farmacêuticos, o cultivo de espécies aromáticas e a obtenção de óleos voláteis constituem importante atividade econômica (SIMÕES et al., 2007). No entanto, é importante assinalar que, atualmente apesar dos óleos essenciais serem amplamente utilizados nas indústrias de alimentos e perfumaria, o seu uso como fármaco requer cuidados especiais. A maioria dos constituintes dos óleos essenciais é lipofílica e por

isso são rapidamente absorvidos tanto por via pulmonar como por via cutânea ou digestiva (BRUNETON et al., 2001).

Alguns óleos essenciais são conhecidos por apresentarem propriedades medicinais antissépticas, ou seja, bactericidas, virucidas e fungicidas, além de serem muito utilizados na confecção de perfumes, incensos, temperos e como agentes flavorizantes em alimentos, por possuírem uma fragrância agradável. Na indústria farmacêutica são manipulados para fins de conservação dos alimentos e como medicamentos tais como antimicrobianos, analgésicos, sedativos, anti-inflamatórios, agentes espasmolíticos, anestésicos locais, entre outros (BAKKALI, 2008; DE SOUSA, 2012; SÁ et al., 2013).

Segundo BAKALLI (2008), os óleos essenciais são caracterizados por dois ou três grandes componentes em concentrações bastante elevados (20 - 70%) em comparação com os outros componentes presentes em quantidades vestigiais. Por exemplo, o carvacrol (30%) e timol (27%) são os principais componentes do óleo essencial da Origanum compactum, o linalol (68%) do óleo essencial Coriandrum

sativum, α-tujona e β-tujona (57%) e cânfora (24%) do óleo essencial da Artemisia herba-alba, 1,8-cineol (50%) do óleo essencial do Cinnamomum camphora, o mentol

(59%) e mentona (19%) do óleo essencial da Mentha piperita. Geralmente, estes principais componentes determinam as propriedades biológicas dos óleos essenciais, inclusive monoterpenos oxigenados como o timol e o mentol, estão presentes em muitas formulações farmacêuticas e são muito utilizados como analgésico e anti- inflamatório tópico.

Derivados monoterpênicos oxigenados usualmente demonstram interessantes propriedades organolépticas e formam um dos mais importantes grupos de ingredientes de fragrâncias. α-Pineno, o principal constituinte do óleo de Terebentina extraído de coníferas, é uma valiosa substância utilizada na produção de aromas naturais, como também apresentou atividade anti-inflamatória in vitro (RAO & SANTOS, 2000).

Crescentes estudos realizados em modelos animais revelaram várias propriedades farmacológicas benéficas de óleos essenciais, tais como, citotóxica e antitumoral (MAGGI et al., 2013; FERRAZ et al., 2013), espasmolítica (DE SOUSA et

al., 2010), anticonvulsivantes (DE ALMEIDA et al., 2011), analgésica (DE SOUSA,

2011), depressora do sistema nervoso central (PERAZZO et al., 2003) e atividade anti- inflamatória (MENDES et al., 2010). A atividade farmacológica de uma determinada

substância presente em óleos essenciais dependerá de sua estrutura química (DE SOUSA, 2012). Genericamente, eles demonstram atividade sobre mucosas, secreções, músculos lisos e sistema nervoso central (SNC).

OH O

OH

Linalol

Epóxi-carvona Pulegona

(S)-(-)-Álcool perílico (-)-Mentol Hidroxidihidrocarvona OH

O O

O

OH

Figura 4. Estruturas químicas dos monoterpenos oxigenados: (S)-(-)-álcool perílico, (-)-mentol, hidroxidihidrocarvona, epóxi-carvona, pulegona e linalol.

Experimentalmente, os constituintes majoritários dos óleos essenciais têm sido descritos para diversas atividades farmacológicas. A exemplo dos monoterpenos tais como: (S)-(-)-álcool perílico que apresentou atividade quimiopreventiva e quimioterápica in vivo para diversos tipos de tumores malignos (BELANGER et al., 1998; GOULD et al., 1997), (-)-mentol que exibiu efeito antinociceptivo em ratos (GALEOTTI et al., 2002), hidroxidihidrocarvona e α-terpineol que reduziram a ação inflamatória em distintos modelos experimentais (DE SOUSA et al., 2010; BHATIA et

al., 2008), linalol e epóxi-carvona apresentaram ação sedativa em camundongos

(LINCK et al., 2009; DE SOUSA et al., 2007) e a pulegona que apresentou atividade espasmolítica reduzindo o tônus muscular em íleo isolado de cobaia (DE SOUSA et

al., 2008) (Figura 4).

Os monoterpenos citados acima são caracterizados pela presença do esqueleto p-mentânico (Figura 5), com exceção do linalol que é um monoterpênico

acíclico. Seus esqueletos carbônicos apresentam dez carbonos equivalentes a duas unidades isoprênicas. A variação do número de repetições de unidades de isoprenos, as reações de ciclização e rearranjos são responsáveis pela diversidade de estruturas observadas na natureza para estas substâncias (ROHMER, 1999; WANG, TANG & BIDIGARE, 2005). 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Figura 5. Esqueleto p-mentânico (FERREIRA et al., 1998).

Estes monoterpenos possuem esqueleto carbônico comum, mas diferem na posição e/ou na presença de determinados grupos funcionais ou na configuração dos centros estereogênicos, conferindo sua seletividade quanto à relação estrutura- atividade farmacológica.

Interessantemente, diversos monoterpenos estruturalmente simples têm demonstrado uma gama de atividades farmacológicas na investigação do câncer (SOBRAL et al., 2014). Nesse sentido, muito dos efeitos preventivos dos monoterpenos na pesquisa com o câncer foi atribuído à desintoxicação através da ativação de enzimas metabolizantes de carcinógenos, juntamente com a inibição da interação do carcinógeno com o DNA (GOULD et al., 1997; BELANGER et al., 1998; CROWELL et al., 1999).

O efeito antitumoral dos monoterpenos se deve às alterações metabólicas e moleculares impostas às células malignas. Trabalhos tem relatado atividade citotóxica de monoterpenos, tais como o álcool perílico (GOULD et al., 1995), ácido perílico (YERUVA et al., 2007), perialdeído (SONBOLI et al., 2010), limoneno (HAAG et al., 1992), mentol (LU et al., 2007), carvacrol (GEDARA, 2008) e timol (BUCCELLATO & VALGUARNERA, 1966) (Tabela 2).

Tabela 2. Descrição da atividade citotóxica e possível mecanismo de ação de monoterpenos estruturalmente relacionados.

Monoterpenos Atividade Citotóxica Mecanismo de ação Referência Álcool perílico OH Regressão de carcinoma de mama Indução de apoptose GOULD et al. (1995) Inibição da proliferação e sobrevivência de células endoteliais e tumorais LOUTRATI et al. (2004) Ácido perílico O HO Eficaz na terapia de quimiorradiação de câncer de pescoço e cabeça Indução de apoptose com aumento da expressão da atividade de bax, p21 e caspase-3 YERUVA et al., (2007) Perialdeído O H Inibição de células tumorais: - Cérebro (MCF-7) - Leucemia (K562) - Medula (PC-12) -- SONBOLI et al., (2010) Limoneno Regressão de carcinomas de mama Indução de apoptose HAAG et al. (1992) Citotoxicidade em

células leucêmicas MAEDA et al., 2012

Carvacrol OH Citotoxicidade em células leucêmicas (P388) Indução de apoptose GEDARA, 2008

Continuação da Tabela 2 Timol OH Citotoxicidade em células: -HeLa (carcinoma humano) - HepG2 (hepatoma humano) Indução da parada do ciclo celular em G0 / G1 fase BUCCELLATO & VALGUARNERA, (1966)

O álcool perílico é um membro da família dos monoterpenos, substâncias que estão naturalmente presentes em várias frutas e vegetais. Demonstrou-se que o álcool perílico é citotóxico para uma grande variedade de células cancerosas tanto in vitro como in vivo e trabalhos clínicos na FASE I apontam para a sua utilidade em seres humanos. Ele é considerado o agente anticâncer mais potente entre os monoterpenos (BELANGER et al., 1998; GOULD et al., 1997; CROWELL et al., 1999). É encontrado em grande quantidade nas cerejas, alfazema (lavanda), hortelã, salva, artemísia, perila, capim santo (capim-limão), bergamota silvestre, folhas do gengibre, cominho- armênio e sementes de aipo (BELANGER et al., 1998).

O efeito quimiopreventivo desse álcool monoterpênico foi investigado através da aplicação tópica em camundongos Swiss com tumorgênese de pele. Esse tratamento promoveu resultados que sugerem uma eficácia quimiopreventiva provavelmente devido à inibição de respostas ao stress oxidativo, a inibição da via de Ras, da proliferação celular, e na indução de apoptose na fase de promoção do tumor da pele (CHAUDHARYet al., 2009). Os mecanismos de ação desse monoterpeno foram investigados em carcinoma mamário de rato por ARIAZI e colaboradores (1999), que demonstrou a indução da apoptose no carcinoma de mama tratado com o álcool perílico, revelando um possível agente anticâncer. STARK e colaboradores (1995) demonstraram que o álcool perílico tem atividade antitumoral contra o carcinoma pancreático, em doses não tóxicas, e pode ser um agente quimioterapêutico eficaz para o câncer pancreático humano.

De acordo com YERUVA e colaboradores (2007), o ácido perílico, monoterpeno quimicamente relacionado ao álcool perílico, induziu citotoxicidade de maneira dose- dependente, interrompendo dessa forma, o ciclo celular e causando apoptose. Esse processo foi confirmado do aumento da expressão de Bax, p21, e a atividade da caspase-3 em linhagens de células A549 (adenocarcinoma alveolar humano).

O monoterpeno perialdeído mostrou uma acentuada atividade antioxidante favorecendo a eliminação de radicais livres em vários modelos testados. Essa substância inibiu o crescimento das células MCF-7, K562 e PC-12 de uma maneira dose-dependente e tempo-dependente, com valores de CI50 de 0,25 - 5,0 mmol/L

(SONBOLI et al., 2010).

Em estudo realizado por HAAG e colaboradores (1992) foi evidenciado uma regressão de carcinomas da mama induzida pelo limoneno. O monoterpeno limoneno também apresentou uma ação antiproliferativa seletiva sobre os linfócitos de tumor e inibiu a progressão metastática de B16F-10 células de melanoma em ratos (MANUELE et al., 2008; RAPHAEL & KUTTAN, 2003).

JI e colaboradores (2006) demonstraram que a indução de apoptose por d- limoneno é mediada por uma via de morte mitocondrial dependente de caspase em células humanas de leucemia. Além disso, o d-limoneno induz a apoptose em células HL-60 através da ativação de caspase-8 (KAWAMORI et al., 1996).

A atividade citotóxica do carvacrol e timol, monoterpenos fenólicos encontrados em diversas plantas aromáticas, foi significativa frente a linhagem de células leucêmicas P388 de ratos (GEDARA, 2008). Na linha de células de mastocitoma, P815, o carvacrol mostrou um efeito citotóxico dependente da dose e, curiosamente, quando este foi testado contra as células mononucleares do sangue periférico humano normais, apresentaram um efeito proliferativo ao invés de citotóxico (BARET et al., 2007). STAMMATI e colaboradores (1999) demonstraram que o carvacrol inibe a proliferação e viabilidade de células Hep-2 de uma forma dependente da dose, sugerindo um envolvimento do processo de morte por apoptose através da análise morfológica (STAMMATI et al. 1999).

Timol, também foi testado para sua atividade antitumoral contra mastocitoma da linhagem P815 mostrando um efeito citotóxico dependente da dose (BARET et al., 2007). HORVATHOVA e colaboradores (2006; 2007) demonstraram que o timol foi citotóxico contra células HepG2 de hepatoma humano, do cólon células Caco-2 e K562 com o mecanismo possivelmente relacionada com uma atividade antioxidante e não está relacionado com um efeito de danificar o DNA (HORVATHOVA et al. 2006; 2007). Os efeitos de timol em células de melanoma B16-F10 de murino foram testados por SATOOKA e colaboradores (2009). O timol exibiu citotoxicidade com um valor de CI50 de 88,5 µg / mL.

Além disso, JAAFARI e colaboradores (2009) demonstraram que o timol induz a parada do ciclo celular na fase G0 / G1. E, também foi observado o timol induz células HL-60 à apoptose, envolvendo as caspases, tanto pelas vias dependentes quanto independentes (DEB et al., 2011).