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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.2. Triagem de Novos Fármacos e o Tratamento do Câncer

Os vegetais representam as maiores fontes de substâncias ativas que podem ser usadas na terapêutica, devido à grande diversidade estrutural de metabólitos produzidos e, talvez, a fonte mais antiga de medicamentos para o homem. Na busca de novos medicamentos originados de plantas são envolvidos diversos conhecimentos que vão desde aspectos agronômicos, botânicos, químicos, farmacológicos e toxicológicos (BALUNAS et al., 2005).

De acordo com NEWMAN, CRAGG & SNADER (2003), medicamentos derivados de produtos naturais são capazes de tratar 87% das enfermidades humanas categorizadas, incluindo as indicadas como antibacterianas, anticoagulantes, antiparasitárias, imunossupressoras e anticancerígenas. Esta última classe de medicamentos teve 1/3 do mercado em 2002 representado apenas por dois grupos de quimioterápicos derivados de produtos naturais, sendo que os taxanos e derivados da camptotecina representam cerca de U$ 3 bilhões de dólares (THAYER, 2003; OBERLIES & KROLL, 2004).

Metodologias recentes cada vez mais modernas de isolamento e identificação de substâncias de fontes naturais têm propiciado aumento no número de novas estruturas químicas bioativas para inúmeras indicações terapêuticas. Paralelo a esse progresso, desenvolveram-se métodos de screening biológicos automatizados (High

Throughput Screening - HTS) que permitem testar in vitro milhares de substâncias

frente a alvos biológicos específicos em curto espaço de tempo Metodologias recentes cada vez mais modernas de isolamento e identificação de substâncias de fontes naturais têm propiciado aumento no número de novas estruturas químicas bioativas (BALUNAS & KINGHORN, 2005).

Com o aprimoramento da metodologia de cultura de células foi possível o desenvolvimento de diversas linhagens celulares oriundas de tumores humanos, que possibilitaram o desenvolvimento da metodologia para triagem in vitro. No processo

de descoberta de drogas anticâncer, o screening pré-clínico no Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (US-NCI) em linhagens tumorais humanas in vitro e seleção de testes in vivo ajudam a identificar a maioria das drogas alvos. No próximo estágio de desenvolvimento de drogas, ensaios toxicológicos, de produção e de formulação são realizados antes da droga iniciar uma triagem clínica (LEE, 1999).

Com esse objetivo, o US-NCI desenvolveu um painel de células cancerígenas que, atualmente, conta com 60 linhagens oriundas de oito tipos de tumores sólidos (pulmão, melanoma, mama, rim, cólon, próstata, ovário, cérebro) e do sistema hematopoiético (leucemia). Dessa maneira, essa metodologia permite a avaliação em diversos tipos de células neoplásicas, possibilitando a descoberta de drogas com maior especificidade. Outra vantagem dessa triagem é a rapidez e eficiência do método, que em apenas quatro dias pode avaliar um número elevado de drogas (SKEHAN et al., 1990; RUBINSTEIN et al., 1990).

Os sistemas in vitro, como alternativa aos experimentos animais nas pesquisas toxicológicas, avaliam o grande número de substâncias sintetizadas ou purificadas. Os ensaios de citotoxicidade utilizando células in vitro têm sido usados para determinar a atividade e o mecanismo de ação de produtos naturais antitumorais, além de identificar novos alvos moleculares (NAGLE et al., 2004). Com isso, a análise da função celular é a atividade central da pesquisa científica de novos antitumorais. Os parâmetros analisados são geralmente número de células, integridade da membrana celular ou atividade de certas enzimas celulares. O número celular pode ser medido, por exemplo, pela análise do total de conteúdo de DNA. Análises da integridade da membrana permitem melhor detecção de efeitos citotóxicos e podem ser acessadas por análise da habilidade da célula em reter substâncias, como por exemplo, no teste da atividade da enzima lactato desidrogenase (LDH) ou nos ensaios de incorporação do corante vital vermelho neutro. Testes comuns usados para detectar o estado metabólico das células incluem também o MTT (integridade mitocondrial) (HYNES et al., 2006).

Após os ensaios in vitro, ensaios clínicos são desenvolvidos com o objetivo de investigar e encontrar agentes naturais e sintéticos que sejam capazes de prevenir, bloquear ou reverter tanto a fase de iniciação da carcinogênese quanto a progressão de células pré-malignizadas. Estes estudos incluem análises de toxicidade e segurança dose-dependente (Fase 1), eficiência em uma pequena população com alto risco tanto para cânceres específicos quanto para presença de biomarcadores (Fase

2) e grandes testes com controle de placebos conduzidos em grandes populações (Fase 3) (GREENWALD, 2004).

A partir das primeiras descobertas, numerosos agentes quimioterápicos citotóxicos foram detectados, isolados, caracterizados e comercializados. Hoje encontramos várias categorias de agentes quimioterápicos citotóxicos: agentes alquilantes (ciclofosfamida, temozolamida, cisplatina e oxiplatina), antimetabólicos (metotrexato, citarabina, fluorouracil e capecitabina), antibióticos antitumorais (doxorrubicina, epirubicina e bleomicina), inibidores da topoisomerase (etoposídeo e irinotecan) e estabilizadores de microtúbulos (paclitaxel e docetaxel) (PALUMBO et

al., 2013). Essas categorias podem agir em todas as etapas da carcinogênese:

iniciação, promoção e progressão (BRANDÃO et al., 2010). As moléculas que atuam como bloqueadores de microtúbulos celulares representam um grupo de substâncias mais atrativas e promissoras como anticancerígenas de aplicação clínica para uma grande variedade de câncer. Estes interferem na dinâmica dos microtúbulos das células em divisão, provoca parada do ciclo celular e morte celular por apoptose, sendo seu representante mais conhecido os alcaloides da vinca, assim como taxanos e colcichina (TOPHAM & TAYLOR, 2013).

O tratamento da maioria dos casos de câncer consiste na combinação de diferentes técnicas como, por exemplo, cirurgia e quimioterapia (CARVALHO, 2006). Esta última baseia-se na busca por destruição das células neoplásicas, que têm como característica o fato de se dividirem muito mais rápido que a maioria das células normais. Contudo, podem ocorrer efeitos secundários importantes naquelas células normais de crescimento rápido, como as do trato gastrintestinais, capilares e as do sistema imunológico, causando diarreia, náuseas, vômitos, alopécia e maior susceptibilidade às infecções, respectivamente (BRANDÃO et al., 2010; ALMEIDA et

al., 2005).

Os agentes hoje conhecidos com ação sobre o câncer podem ser classificados em dois grupos. O primeiro é constituído por aqueles que inibem a iniciação do processo carcinogênico e o segundo, por aqueles que inibem a proliferação celular durante as fases de promoção e progressão do câncer (YOU & JONES, 2009).No primeiro grupo pode ser citado o exemplo do consumo regular de chá verde, Camellia

sinensis, no Oriente, exemplo clássico de quimioprevenção (como é denominada a

ação desses agentes), como também os diterpenos, presentes no café e os ácidos sulfídicos no alho (DUVOIX et al., 2005). Segundo YANG e colaboradores (2007)

observa-se que nessa região a incidência de câncer de cólon e mama é muito mais baixa comparada com dados do Ocidente, podendo ser justificado pelos flavonoides e outras substâncias fenólicas presentes no chá verde, especialmente a 3-galato- epigalocatequina, que possuem atividade comprovada em diversos sistemas fisiológicos. Enquanto que os agentes supressores de câncer são os mais procurados para o desenvolvimento de novos fármacos, pois atuam após a instalação da doença (DUVOIX et al., 2005).

Os três tipos de tratamentos mais utilizados no combate da neoplasia maligna são a cirurgia, radioterapia e quimioterapia (terapia de ação sistêmica). Mais recentemente tem sido utilizada a fototerapia e a imunoterapia como adjuvante no tratamento do câncer (KATZUNG, 2010; KUSUZAKI et al., 2007). Cada um desses tratamentos tem o objetivo de erradicar o câncer, normalmente por meio de terapia combinada, onde é associado mais de um tipo de tratamento (KATZUNG, 2010). A escolha do tratamento mais apropriado irá depender da gravidade da neoplasia, contudo, avanços nesses tratamentos são responsáveis pela diminuição da mortalidade do câncer em países desenvolvidos, mesmo com o contínuo avanço da idade da população (PALUMBO et al., 2013; RAMAKRISHNAN & GABRILOVICH, 2013).

A técnica cirúrgica consiste na retirada do tumor, podendo ser erradicado totalmente se o processo de metástases não estiver instalado (SAVAGE, 2007). Após procedimento cirúrgico, a quimioterapia pode ser utilizada como adjuvante, com o objetivo de eliminar qualquer célula cancerígena restante e combater micrometástases (MCLEOD, 2013). Existem tumores classificados como inoperáveis que comprometem a qualidade de vida do paciente, aumentando, dessa maneira, a procura de alternativas para a erradicação do tumor (GASPARINI & SARAIVA, 2004). Durante o tratamento contra o câncer cerca de metade dos pacientes receberão radioterapia pelo menos uma vez (KIM, 2013). A radioterapia tornou-se uma ferramenta fundamental para o controle do câncer, depois de 1960, com a invenção de um acelerador linear; mas tal como a cirurgia, não foi capaz de erradicar a metástase do câncer (CHABNER & ROBERTS, 2005). A radiação danifica o DNA das células tumorais, ocasionando morte celular; contudo, pode danificar também células normais, fazendo com que esse tratamento esteja sujeito a severas limitações (LOMAX et al., 2013). Esse tratamento compreende a emissão de raios gama, radioisótopos e raios X (FRANCESCHINI et al., 2007) na região do tumor. É

comumente utilizada junto com a cirurgia ou associada à quimioterapia em estágio inicial, com o intuito de aumentar a taxa de cura do câncer (KATZUNG, 2010).

O principal objetivo da quimioterapia contra o câncer é erradicar as células neoplásicas sem prejudicar as células normais. Infelizmente não existem, no momento atual, agentes disponíveis que satisfaçam esse critério, e o uso clínico dessas drogas exige que os benefícios sejam confrontados com a toxicidade na procura de um índice terapêutico favorável (KATZUNG, 2010). Tipicamente, esses agentes não são tumores específicos e, frequentemente, suas administrações resultam em efeito tóxico sobre os tecidos não cancerosos como citado anteriormente.

A terapia hormonal usada como adjuvante, essencialmente priva a célula tumoral dependente de hormônio, como exemplo o câncer de mama que tem a característica de progredir na presença de hormônios sexuais femininos, e suas privações resulta em redução no crescimento das células cancerígenas (SHAIKH et

al., 2012).

O sucesso do tratamento contra o câncer requer que o diagnóstico seja estabelecido numa fase mais precoce do tumor, com tamanho inferior a 1 centímetro, o que pode resultar em maior taxa de cura dos pacientes (KATZUNG, 2010). Outro fator importante para o sucesso do tratamento é a combinação das modalidades terapêuticas como radioterapia, quimioterapia e terapia alvo. Até recentemente, a imunoterapia não fazia parte da lista de combinações terapêuticas, devido à falta de eficácia clínica e a suposta incompatibilidade com quimioterápicos imunossupressores (RAMAKRISHNAN & GABRILOVICH, 2013). A imunoterapia estimula o próprio sistema imune do paciente no combate ao câncer através do uso de vacinas anticâncer ou com a introdução de citocinas naturais, como interleucina-2 (IL-2) ou interferon-γ (IFN-γ).

Atualmente, existem evidências que sugerem a quimioterapia como um potencializador do efeito antitumoral da imunoterapia. O mecanismo desse fenômeno ainda não está totalmente claro. É possível que a quimioterapia em doses baixas possa atuar aumentando a resposta imune antígeno específica, sensibilizando as células tumorais e aumentando a atividade antitumoral dos linfócitos T citotóxicos e células natural killer (RAMAKRISHNAN & GABRILOVICH, 2013).

A compreensão dos mecanismos das vias biológicas de regulação das células do câncer e das células normais influência a direção do desenvolvimento de novos tratamentos. A terapia alvo, muitas vezes referida como um produto de um desenho

racional de drogas, atua em proteínas ou vias de sinalização celular que estejam mais expressas em células cancerígenas que em células normais, como exemplo, em certos tipos de leucemia e em tumor estromal gastrointestinal membros de uma classe de proteínas tirosina quinase, que participam da transdução de sinal estão hiperativas levando a um crescimento descontrolado, o mesilato de imatinibe (Glivec®) diminui atividade da proteína promovendo redução do tumor.

Outras terapias direcionadas bloqueiam o crescimento de vasos sanguíneos para os tumores (angiogênese), impedindo a chegada de suprimento sanguíneo para a obtenção de nutrientes e oxigênio necessários para o crescimento continuado. Nesse contexto, a análise genômica tem levado a identificação de mutações somáticas específicas e alterações epigenéticas, que podem orientar para o tratamento mais adequado, otimizando a dose da droga e predefinindo a susceptibilidade do paciente a efeitos secundários da droga; este conhecimento pode melhorar a relação risco benefício e individualizar o tratamento (MCLEOD, 2013).

Diante de tal cenário, a descoberta de novos alvos moleculares e novas substâncias bioativas se faz necessário para um melhoramento no tratamento do câncer. Diante disso, a obtenção de análogos estruturais de substância bioativas é um processo comumente utilizado para investigar os grupos funcionais que influenciam a atividade biológica, através do uso da relação entre a estrutura e atividade biológica. Nesse sentido, o desenho de fármacos é um processo interativo que começa quando uma substância com perfil biológico interessante é identificada e termina quando tanto o perfil de atividade e a síntese de uma nova entidade química são otimizados (RICHON, 1997). Assim, o processo se inicia com um conjunto de moléculas, mas, a cada fase, muitas delas são descartadas por não atenderem às especificações necessárias. Ao final, apenas algumas moléculas apresentarão um perfil adequado e uma será eleita como candidato potencial a um novo fármaco (TROULLIER et al., 2002). Desta forma, grande parte dos gastos das indústrias farmacêuticas é empregado na avaliação e no teste de substâncias que são descartadas no decorrer do processo.

A modelagem molecular se mostra promissora por permitir a detecção precoce de moléculas com problemas e por orientar a pesquisa na direção de moléculas com maior potencial (TROULLIER et al., 2002; COLLINS et al., 2003; HANSCH et al., 2004). A disponibilidade de programas computacionais e bancos de dados são ferramentas essenciais para a simulação do comportamento de moléculas no

planejamento de novos fármacos. Novos agentes terapêuticos podem ser desenvolvidos pela análise da relação estrutura-atividade, onde os dados estruturais podem ser obtidos por técnicas de modelagem molecular (PATRICK, 2001; CARVALHO et al., 2003).