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Ônus reais

No documento Da obrigação propter rem (páginas 80-83)

Capítulo II – Obrigação propter rem no direito positivo brasileiro

2. Distinção de figuras assemelhadas

2.1. Ônus reais

Em sede de Direitos Reais, a palavra ônus é utilizada, ora para designar qualquer direito subjetivo real sobre coisa alheia, ora para designar categoria jurídica pela qual o titular de direito subjetivo real cujo objeto seja um prédio se obriga, à custa do potencial econômico do prédio222, a realizar prestações periódicas em favor de outrem. Neste sentido, a que se chamará de próprio, o ônus real é instituto do direito alemão e suíço, atualmente estranho ao direito brasileiro. A obrigação propter rem e o ônus real em sentido próprio têm em comum o fato de estarem próximos de situação jurídica de direito das coisas, o que impõe seja feita sua distinção.223

O ônus real (Reallasten) é disciplinado pelo Código Civil Alemão entre os parágrafos 1.105 e 1.112224. A simples leitura destes dispositivos legais é suficiente para apreender distinções entre ônus real e obrigação propter rem.

222 M. WOLFF, trad. esp. de B. P. Gonzáles e J. Alguer Tratado de Derecho Civil – Derecho das Cosas II,

Tomo III, Barcelona, Bosch, 1937, p. 151.

223 Cf. M. H. MESQUITA, Obrigações cit. (nota 99.supra), p. 398.

224 “§ 1105 Conteúdo legal do ônus real: (1) Um prédio pode ser onerado de modo que àquele, em favor

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Em verdade, a confusão que se possa fazer entre estes institutos só poderá ser fruto do vício lógico consistente em fundamentar os resultados da comparação de objetos nos efeitos produzidos por cada um deles, sem considerar sua estrutura e função próprias.

Há entre o ônus real e a obrigação propter rem distinção estrutural que não se pode ignorar: enquanto a obrigação propter rem pressupõe prévia situação jurídica entre credor e devedor225 – justamente a situação jurídica da qual surge –, o ônus real inaugura relação jurídica entre credor e devedor. O ônus real, então, é relação jurídica de primeiro grau; a obrigação propter rem, de segundo grau.

A asserção comprova-se ao considerar-se a função dos institutos. Percebe-se que, enquanto o ônus real tem por função gerar um benefício a alguém (titular ou não de

conteúdo do ônus real também se pode pactuar a atualização automática das prestações se as circunstâncias se alterarem, podendo-se determinar a maneira e a quantia do ônus do prédio mediante os pressupostos estabelecidos no acordo. (2) O ônus real pode também ser instituído a favor de quem seja proprietário de outro prédio;

§ 1106 Ônus sobre uma cota: Uma cota de um prédio só pode ser gravada com um ônus real quando consistir cota-parte de um condômino;

§ 1107 Prestações individuais: Às prestações individuais se aplicam por analogia as disposições que disciplinam os interesses de um crédito hipotecário;

§ 1108 Responsabilidade pessoal do proprietário: (1) O proprietário responde, também, pessoalmente pelas prestações devidas enquanto dura sua propriedade, sempre que outra coisa não se tenha estipulado. (2) Se o prédio for dividido, os proprietários de cada parte individual respondem como devedores solidários;

§ 1109 Divisão do prédio dominante: (1) Se o prédio do titular for dividido, subsistirá o ônus real para cada uma das partes singulares. Se a prestação for divisível, determinar-se-á os quinhões dos proprietários de acordo com a proporção do tamanho da parte; se não for divisível, aplicam-se as disposições do § 432. O exercício do direito é, na dúvida, somente admissível de modo que dito exercício não seja mais gravoso para o proprietário do prédio gravado. (2) O titular pode estabelecer que o direito deva estar ligado somente a uma das partes. A determinação deve realizar-se no ofício do registro imobiliário e requer inscrição no Livro de Imóveis; aplicam-se, por analogia, as disposições dos § § 876 e 878. Se o titular aliena uma parte do prédio, sem determinação deste tipo, o direito permanece unido à parte que ele conservar. (3) Se o ônus real implica vantagem só para uma das partes, ficará unido só a esta parte;

§ 1110 Ônus real subjetivamente real: Um ônus real, estabelecido a favor do proprietário ocasional de um prédio, não pode ser separado da propriedade deste prédio;

§ 1111 Ônus real subjetivamente pessoal: (1) Um ônus real estabelecido a favor de uma determinada pessoa não pode ser unido à propriedade de um prédio. (2) Se a pretensão às prestações individuais não for transmissível, o direito não poderá ser alienado ou gravado;

§ 1112 Exclusão do titular desconhecido: Se o titular é desconhecido, aplicam-se por analogia as disposições do § 1104 para exclusão de seu direito”.

Tradução livre da versão do Código Civil alemão convertida à língua espanhola por A. L. MARQUÈS,

Madrid, Marcial Pons, 2008.

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direito subjetivo real), a obrigação propter rem tem por função conservar a res objeto de situação jurídica de direito das coisas226.

Com relação às fontes, por tanto, vê-se logo que o ônus real tem fonte negocial, enquanto que a obrigação propter rem, como demonstrado, advém de situação jurídica de direito das coisas.

Como já afirmado, os ônus reais não mais existem no direito brasileiro, sendo, em verdade, raros em ordenamentos jurídicos de origem latina227. Era exemplo - talvez o único - de ônus real no Brasil as rendas expressamente constituídas sobre imóveis qualificadas como direito real pelo artigo 674 do Código Civil de 1916.

Sobre esta categoria jurídica, F. C. PONTES DE MIRANDA ensina:

“o direito real de renda nenhum poder dá sobre a coisa, salvo o de execução forçada das prestações vencidas e a pretensão à abstenção de esbulho e turbações. Não há qualquer uso” 228. Daí ser inviável equipará-lo à enfiteuse e enxergar no fôro ônus real, quando, na verdade, o fôro é remuneração devida pelo enfiteuta ao senhorio direto pela concessão a este do domínio útil229.

À luz do ordenamento jurídico brasileiro, a utilidade que há em distinguir ônus real de obrigação propter rem é a de evitar o mau uso da terminologia jurídica, pois

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Ainda que se queira adotar a tese que vê na obrigação propter rem meio de solução de conflitos entre titulares de posições jurídicas ativas de direito das coisas, a diferença ressalta, pois o ônus real não tem esta função, sendo mesmo desnecessário que seu credor seja titular de direito subjetivo real.

227 É o que ensina M. H. MESQUITA: “Os ónus reais (...) são hoje extremamente raros nas legislações de

origem latina. À medida que, ao longo do século XIX, as ideias liberais foram influenciando o direito positivo, o legislador operou (ou permitiu que se operasse, através da atribuição aos interessados da faculdade de remição) a extinção de quase todos os encargos que oneravam a propriedade e constituíam um obstáculo à sua livre circulação e a uma exploração económica adequada. O regime dos direitos reais passou a ser fixado imperativamente pela lei, o que eliminou a possibilidade de, por via negocial, serem repostos, como elementos daquele regime, os encargos feudais extintos”. Cf. Obrigações cit. (nota 99.supra), p. 423.

228 Cf. F. C. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Direito das Coisas:

Usufruto. Uso. Habitação. Renda sôbre Imóvel, Tomo XIX, 3a ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1971, p.401. 229 Cf., quanto à enfiteuse constituir ônus real, L. C. PENTEADO, Direito das Coisascit. (nota 14.supra), p.

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que, à exceção de direitos subjetivos de renda ainda em vigor, atualmente, não há mais regime jurídico dos ônus reais.

2.2. Tributos que têm por hipótese de incidência posição jurídica ativa de direito das

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