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Obrigação de reparar o dano injusto ao meio ambiente

No documento Da obrigação propter rem (páginas 88-91)

Capítulo II – Obrigação propter rem no direito positivo brasileiro

2. Distinção de figuras assemelhadas

2.5. Obrigação de reparar o dano injusto ao meio ambiente

O Superior Tribunal de Justiça considera o proprietário do imóvel rural onde se constate a ocorrência de dano ambiental responsável por sua reparação, ainda que comprovadamente não o tenha causado, por exemplo, por tê-lo adquirido após a ocorrência do evento danoso242.

A Corte Superior, via de regra, situa a questão no âmbito da responsabilidade civil e, para fundamentar a existência de nexo causal entre aquele dano e a conduta de quem adquiriu o imóvel posteriormente à sua causação, recorre à figura da obrigação propter rem243.

242 Cf., para uma análise da evolução da questão no Superior Tribunal de Justiça, P. F. I. LEMOS, Meio

Ambiente e Responsabilidade Civil do Proprietário – Análise do Nexo Causal, São Paulo, RT, 2008.

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Cf., por exemplo, STJ, 1ª Turma, REsp. n.1090968/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 15/6/2010, disponível in

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802073110&dt_publicacao=03/08/2010. Cf., outrossim, os precedentes apresentados neste julgado.

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O enquadramento dogmático da quaestio iuris no âmbito da responsabilidade civil não é correto quando se trata de sujeito de direito que adquire o imóvel rural após a ocorrência do evento danoso.

A estrutura fundamental da responsabilidade civil é composta pela tríade conduta, dano-prejuízo injusto e nexo de causalidade, sendo justamente a existência deste que permite afirmar se a ocorrência daquele evento lesivo foi causada por aquela conduta.

Os estudiosos da lógica formal costumam chamar a atenção para a diferença fundamental que, a partir de um evento, há entre mero subsequente e consequente. Ambos são posteriores ao evento-referência, mas o consequente é subsequente qualificado, pois é o subsequente causado pelo evento-referência.

Daí o vício lógico presente na expressão latina post hoc, ergo propter hoc, que em tradução livre significa depois disso, logo causado por isso244.

Porém, se nem tudo que ocorre posteriormente no tempo é consequência de um determinado evento anterior, pode-se afirmar com toda certeza que um evento posterior não pode ter dado causa a um evento anterior.

É justamente nesta incoerência que se incide quando se afirma que a causação do dano ambiental anterior à aquisição do imóvel rural está unida por nexo de causalidade à conduta omissiva do seu adquirente.

Isto, contudo, não significa que a decisão da Corte deveria ser no sentido de eximir o adquirente do imóvel rural de qualquer responsabilidade, pelo contrário, sua responsabilização à luz do ordenamento jurídico brasileiro está correta, apenas deveria ter sido reconhecida mediante fundamentação adequada à espécie.

A lei nº 12.651/2012, que instituiu o novo Código Florestal Brasileiro, assim como fazia o Código Florestal Revogado no artigo 44245, traz em seu artigo 7º246 a

244 E. MORAES FILHO assevera que no direito do trabalho há tendência em transformar o post hoc em

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imposição ao proprietário da observância de verdadeiro dever propter rem de recompor a área de reserva legal, sem fazer qualquer menção à existência ou não da necessidade de tal recomposição quando de sua aquisição. Este dever do proprietário247 é autônomo, tem por fonte direta a lei, nada tendo que ver com responsabilidade civil248.

Uma situação hipotética facilitará a compreensão das consequências do que se sustentou até aqui. Suponha-se que o proprietário de imóvel rural deliberadamente desmate a área afetada à reserva legal para expandir sua atividade pecuária. Pouco tempo depois, aliena esta propriedade a outrem. O Ministério Público ajuíza ação civil pública visando a obrigar o atual proprietário a realizar a conduta descrita no artigo 7º do Código Florestal. A demanda é julgada procedente e o atual proprietário recompõe a reserva legal desfeita. Pergunta-se: ele terá direito de regresso em face do alienante para reaver os valores despendidos com a recuperação ambiental? Ou, ainda, após a recuperação, o Ministério Público poderia ajuizar ação de indenização contra o alienante pelos danos causados?

Por coerência, à primeira pergunta tem-se de dar resposta negativa. Ao recuperar a área de reserva legal, cumpriu dever que a ele mesmo, na qualidade de 245 Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou

regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5o e 6o, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente:

I - recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente;

II - conduzir a regeneração natural da reserva legal; e

III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento.

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Art. 7o A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.

§ 1o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário

da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.

§ 2o A obrigação prevista no § 1o tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.

§ 3o No caso de supressão não autorizada de vegetação realizada após 22 de julho de 2008, é vedada a

concessão de novas autorizações de supressão de vegetação enquanto não cumpridas as obrigações previstas no § 1o.

247 Há de insistir-se que a conduta imposta ao proprietário não é obrigação, mas dever propter rem. Sobre

a distinção entre dever e obrigação propter rem, cf. pte.1ª, cap. I.1, retro.

248 Cf., a esse respeito, o entendimento do Ministro relator Herman Benjamin, STJ, 2ª Turma, REsp. n.

948921/SP, j. 23/10/2007, disponível in

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proprietário, cabia, sendo certo que só há direito de regresso quando se realiza prestação devida por outrem. Ademais, é lícito supor que o estado do imóvel era conhecido dele quando da aquisição – até mesmo pelo standard de comportamento esperado do adquirente e que vem consubstanciado na expressão latina caveat emptor – e, inclusive, influenciou o preço.

Porém, caso fique evidenciada má-fé do alienante, ou mesmo erro do adquirente, poderá pleitear a anulação do negócio jurídico de alienação e, nesse caso, reaver o que gastou com a recuperação da área de reserva legal.

Com relação à segunda pergunta (se após a recuperação, o Ministério Público poderia ajuizar ação de indenização contra o alienante pelos danos que causou), a resposta, em princípio, deve ser afirmativa.

Diz-se em princípio porque caso a recuperação tenha sido perfeita, sendo capaz de reconduzir o ambiente ao statu quo ante, não haverá espaço para indenização em razão da supressão do dano. Ocorre que, como é assaz afirmado por especialistas em meio ambiente, tal recuperação ideal é impossível249, havendo, pois, sempre lugar para indenização. Se não mais houver o que se recuperar no imóvel rural em questão, os valores decorrentes da indenização deverão ser destinados a algum fundo próprio.

2.6. Obrigação de pagar certo valor a título de contribuição para associação de

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