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ação e objeto concomitantemente

No documento Geografia e Música: diálogos (páginas 158-162)

A técnica, quando estudada pela geografia, não se pode relegar apenas às técnicas particulares. A técnica precisa ser analisada através de seu uso, o que configura a noção de fenômeno técnico (SANTOS, 1996). Se o território é, de algum modo, a sobreposição de técnicas de diversos períodos e se essas conformam usos sociais, poder-se-ia afirmar que a técnica constitui um meio: “O meio em que penetra uma técnica torna-se todo êle, e às vezes de um só golpe, um meio técnico” (ELLUL, 1968, p. 87).

Nos dias atuais, a modernização do território brasileiro encontra seu corolário no consumo das famílias, já que a reposição de objetos (bens de consumo não duráveis) tende a ser fomentada através da oferta de crédito e por meio de lógicas da publicidade feitas por empresas do circuito superior (SANTOS, 1979; SILVEIRA, 2004).

Esse fenômeno é condição para a instalação de uma dada psicoesfera, mas é igualmente um antecedente necessário à

reprodução do modo de produção já cristalizado. Nessa dinâmica, instrumentos e equipamentos que reproduzem músicas são meios de difundir ideias e de propagar informações. É, portanto, nesse sentido, que a música, enquanto veículo de informação, é ao mesmo tempo uma ação com um propósito e um objeto.

A cada inovação das tecnologias, há um novo desdobramento no trabalho entre os diferentes grupos de atores, dentro dos

dois circuitos da economia urbana1. O consumo das famílias

e a ação das empresas ganham novas expressões no espaço geográfico diante das inovações levadas a cabo a mando do circuito superior. O conjunto de objetos técnicos tende a regular a organização da vida cotidiana e moldar uma psique coletiva, na qual a centralidade da racionalização exprime lógicas impressas nos objetos. Nessa direção, “o modo de uso cotidiano dos objetos constitui um esquema quase autoritário de suposição do mundo” (BAUDRILLARD, 2009, p. 64).

O papel constitucional das tecnologias ligadas à comunicação no espaço geográfico possibilita a concretização da unicidade do tempo e a unicidade do motor (SANTOS, 1996):

A convergência das técnicas para um sistema unificado, novidade do período atual, significa, outrossim, a utilização combinada de modernos objetos técnicos na produção de uma informação sobre a terra e sobre o tempo (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 94).

Sem objetos da comunicação portadores de informações (rádios e tocadores de som, televisores, computadores,

notebooks, tablets, aparelhos de celular com acesso à rede)

e, também, toda infraestrutura que permite sua realização (os grandes sistemas de engenharia, ou seja, hidroelétricas, sistemas de distribuição de energia, redes de satélites, cabos

de fibra ótica, antenas de transmissão de sinais, etc.), não se alcançariam as unicidades da globalização.

A informação é o combustível a girar os mecanismos da reprodução da divisão do trabalho nos lugares no período atual. “O mundo de hoje é o cenário do chamado ‘tempo real’, porque a informação se pode transmitir instantaneamente”, garantindo “maior produtividade e maior rentabilidade aos propósitos daqueles que as controlam” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 98).

O território é informatizado, a partir de fixos geográficos, com a intenção de garantir maior fluidez de informações, mercadorias e pessoas. José Ortega y Gasset (1963, p. 73) escreve que “O tecnicismo da técnica moderna se diferencia radicalmente daquele que inspirou todas as técnicas anteriores [...] O meio, eu disse, imita sua finalidade”. Os projetos individuais e coletivos são afirmados a partir da técnica, ao estado das famílias de tecnologias postas em sistemas – sejam grandes sistemas de engenharia ou pequenos sistemas de técnicas, como uma sala de gravação musical. As técnicas que constituem o conjunto material e social, cuja síntese é o território, transforma o campo prático dos atores. A informação passa a ser o corolário das práticas cotidianas e o motor a dinamizar a economia política das cidades.

As firmas ligadas à comunicação, de um modo geral, ganham maior destaque no arranjo organizacional do espaço geográfico. Os insumos materiais, os próprios objetos técnicos, são indispensáveis ao projeto arquitetado e posto em movimento, geralmente, a mando do próprio aparelho do Estado orientado a satisfazer as demandas do circuito superior.

Ricardo Castillo (1999, p. 33) afirma que:

quando se considera o papel da informação e da comunicação mediadas por sistemas técnicos, antigos ou contemporâneos, estabelece-se imedia- tamente uma relação com o aperfeiçoamento do

controle do território e com novas possibilidades abertas para o uso do território.

As tecnologias ligadas às redes2 de comunicação, isto é,

antenas, satélites, cabos de fibra ótica, redes de transmissão de energia e, também, as redes de transportes, incluindo portos, aeroportos e estradas de rodagem, são os novos capitais fixos, tornados próteses no território.

As transmissões dos comandos dos agentes hegemônicos não poderiam existir sem a configuração técnica atual, tampouco haveria a difusão tão ampliada de discursos e a criação da atual cognoscibilidade de eventos planetários. Nas letras de Baudrillard (2009, p. 58),

No lugar do espaço contínuo mas limitado que os gestos criam ao redor dos objetos para poder usá-los, os objetos técnicos instituem uma extensão descontínua e indefinida. O que regula esta extensão nova, esta dimensão funcional é a coerção da organização maximal, de comunicação otimal.

A extensão dos objetos, ainda que descontínua, com a intermitência dos tipos e regularidades de consumo, nas diferentes camadas de população, conhece no período da globalização, o ápice da capacidade de organização da vida social. A música, enquanto elemento das práticas culturais, também acaba por se transformar em relação à totalidade da vida social. A partir das inovações tecnológicas, amparadas pela informatização do território, a produção, distribuição e consumo musical são rearranjados.

A estrutura organizacional do território é modificada, perpassando os fatores de produção da economia política das

cidades e desdobrando em especificidades da formação socioes- pacial brasileira e dos lugares que a compõe.

No documento Geografia e Música: diálogos (páginas 158-162)