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O Romantismo, as casas de concerto e a visão otimista da tecnologia

No documento Geografia e Música: diálogos (páginas 135-139)

Criamos a imagem de que nosso século [XX] tornou-se cada vez mais rápido. É possível que isto seja válido para a ciência, mas em geral, para as artes, o século XX constituiu o mais lento dos séculos. Exemplo: toca-se Erwartung de Schöenberg, obra composta em 1909; e 90 anos depois ela continua ainda sendo uma peça problemática [...] Nosso século é, repito, realmente muito, muito lento. (BOULEZ, 2000 apud ADORNO, 2009, p. 40).

O século XIX foi de prosperidade econômica para os países que tiveram a possibilidade de industrializar a produção. Inglaterra, Holanda, França, Alemanha e EUA estavam em pleno crescimento, graças, também, à tecnologia a vapor. Os EUA, em especial, patentearam muitas invenções importantes. Diversas máquinas de música rudimentares foram inventadas no século XIX. As primeiras permitiam a produção de som a partir de um sistema totalmente mecânico de leitura da mídia que armazena a informação de execução das notas musicais em ordem programada como nas caixinhas de música, porém uma das primeiras máquinas que com razoável importância foi a pianola: um piano adaptado com um sistema mecânico capaz de executar uma peça escrita num papel rolo especial com perfurações que são informações de controle de execução

das notas musicais. Alguns compositores notáveis do campo da musicologia escreveram peças especificamente para pianola como o russo Igor Stravinsky e o alemão Paul Hindemith.

A primeira máquina capaz de registrar e reproduzir os sons registrados foi o Fonógrafo de Thomas Edison em 1878, que

usava uma tira de papel revestida com parafina como mídia3.

Acredita-se que essas máquinas foram criadas com ênfase no registro da voz humana. A partir dessas máquinas mais materiais foram testados como mídia e melhorias técnicas que viabilizaram aperfeiçoamentos, diminuindo ruídos e resolvendo limitações de forma a capacitar as máquinas para gravações de música.

Ainda na primeira metade do século XX, as limitações técnicas dos aparelhos de gravação e reprodução sonora não haviam atingido um nível de qualidade satisfatória. A maior parte das gravações resultavam em reproduções muito rudimentares comparados à apreciação musical em espaços com acústica adequada como nos salões, teatros e casas de concerto. Além disso, as mídias só armazenavam poucos minutos contínuos e seu custo era bastante elevado. Dessa forma, as gravações pouco eram utilizadas como veículos de apreciação musical e ficavam mais reservadas como objetos de recordação, uma espécie de memória rudimentar e parcial do som das músicas.

No momento de sua invenção, qualquer artefato tecnológico não tem ainda um uso ou uma história social mesmo que tenha sido produzido num contexto social. Quer dizer, a produção de tecnologia é bastante diferente de suas utilizações sociais subsequentes (TAYLOR, 2001, apud IAZZETTA, 2009, p. 153).

O período marcado pelo nacionalismo (o qual podemos compreender entre o final do século XIX e início do século XX) em diversas instâncias – inclusive na Geografia produzida na época – foi marcado pelo romantismo, o qual estabelecia o elo entre política e cultura através da criação de imaginários coletivos de identidade. Seja na música, na poesia ou na pintura, as obras que exaltavam a pátria ou a nação eram recorrentes. Alguns desses países, e outros que estavam em plena formação (ou resgate) de identidade reproduziam os sentimentos e as formas simbólicas através do resgate ao repertório cultural tradicional ou, em alguns casos, na unificação através da pluralidade regional. O Quadro 1 apresenta alguns exemplos de autores que compuseram obras de temáticas relacionadas aos seus países de origem:

País Autores e Obras

Polônia F. Chopin (Mazurkas e Polonaises)

Repúbica Tcheca

B. Smetana (Ma Vlast), A. Dvorak (Slavonic Dances)

Hungria F. Lizst (Rapsódias Húngaras), B. Bartok

Rússia O “Grupo dos Cinco”, P. Tchaikovsky (Voye-

voda, Sinfonia n. 2)

Alemanha R. Wagner (Der Ring des Nibelungen)

Finlândia J. Sibelius (Quatro lendas de Kalevala)

Estados Unidos

A. Dvorak4 (Sinfonia n. 9, Quartetos de corda

n. 12 e 13 - “American”)

Brasil C. Gomes (O Guarani), H. Villa-Lobos

Quadro 1: Exemplos de obras nacionalistas, com seus respectivos autores

e países de origem. Fonte: Autoria própria.

No final do século XIX, toda a dinâmica social de pertencer a um Estado-Nação era uma nova concepção que ainda precisava ser assimilada por boa parte da população. Durante esse período, houve um intenso agenciamento promovido por grupos naciona- listas – com e sem o apoio do Estado – que buscavam, através de elementos semióticos e estéticos, construir uma noção de pertencimento a um grupo e a uma história ancestral em comum (ANDERSON, 2008). Os chefes de estado, cientes do impacto da cultura nacional, conhecem o poder de difusão de valores e identidade que uma obra de arte possui. Portanto, o Estado passa a fazer uso da arte romântica para se projetar dentro do imaginário popular, criando, então uma espacialidade essencialista, focada em símbolos específicos de cunho patriótico ou regional.

O Nacionalismo, portanto, é mais do que mera ideologia: é uma prática social incorporada pelas pessoas que se identificam com o estereótipo nacional e defendem esta lealdade perante essa nova forma de poder. O prestígio que alguns dos músicos nacionais atingiram ainda se perpetuam em museus, orquestras financiadas com recursos públicos (ou através de parcerias público-privadas) e a preservação e divulgação das obras que definiram o essencialismo nacional da época. Para Smith (1997), a música, assim como qualquer produto cultural, pode ser escutada como um sinalizador de diferenças em uma variedade de escalas espaciais.

Além disto, o Estado Moderno, estebelece contratos sociais que, em teoria, são elaborados, fiscalizados e analisados pelos três poderes. Os contratos sociais, outrora debatidos na coleti- vidade ou estabelecidos a partir da tradição (como acontece com países teocráticos, por exemplo) passaram a ser formalizados em uma língua denominada oficial. Além do idioma, existe também a “música oficial”, no caso, os hinos nacionais, que exaltavam as lutas, os sacrifícios e as concessões necessárias para que a transformação em nação fosse possível (ADORNO, 1992).

Dessa forma, a casa de concerto se torna um espaço de agenciamento do imaginário nacional, onde se criava uma atmosfera na qual não somente elementos da semiótica musical se combinavam em sonoridades “locais” – geralmente voltadas a peças folclóricas – mas também o público, através da apreciação coletiva e de uma orientação interpretativa textual, identifi- cava-se como um grupo social de “iguais”.

Parte II - Século XX:

O surgimento da indústria cultural

No documento Geografia e Música: diálogos (páginas 135-139)