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1. O INÍCIO DO PERCURSO, ONDE TUDO COMEÇOU

1.2. O Processo de Iniciação, minha madrinha: Hebe de Carvalho

1.2.7. Ação Metodológica

Dona Hebe tem a Arte praticamente como herança genética, uma vez que seu pai era um grande artista da arquitetura, e as obras que realizou ou daquelas que participou são verdadeiros ícones da história da Arquitetura em São Paulo; com ele ela aprendeu o gosto pela Arte.

Teve toda uma formação acadêmica clássica com o pintor Theodoro Braga, mas foi seu marido o poeta concretista Pedro Xisto, quem a levou a ter contato e a apreciar o Modernismo.

43Entrevista de Paula Motta ao autor em 15/03/2006. 44Entrevista ao autor em 21/08/2005.

Como professora, inicialmente levada por uma necessidade de sobrevivência após o seu desquite, o fez de uma forma incrível, transformando a necessidade em uma função para sua vida no Universo.

Desenvolveu um método próprio de ensino para crianças e adolescentes com origens na Escola Nova, mais precisamente no Movimento de Educação através da Arte, cujo principal teórico foi Herbert Read. Através das leituras de Cizek, Read e Lowenfeld, desenvolveu seu método sem se deixar levar pelo “laissez-faire” do tudo é permitido e a supervalorização do processo sem levar em conta o produto final.

O método da livre expressão foi interpretado no Brasil equivocadamente como uma total não condução do processo, o famoso “laissez-faire”, deixar a criança em total liberdade, para fazer o que bem entendesse as famosas aulas de Educação Artística, principalmente nas décadas de 1970 / 1980 de “Desenho Livre”;

Na realidade não era isto que era proposto por Cizek.

“Katherine S. Dewey (1974) e Arthur D. Efland (1976) estão entre os teóricos que afirmam que a falta de orientação não era uma constante nas aulas de Cizek. Efland diz: Os pais de minha esposa nasceram e foram educados em Viena, e minha sogra estudou com Cizek na Escola de Arte (...), mas os métodos de ensino que esta descreveu nada tinha a ver com aqueles de Papa Cizek, conforme foram detalhadamente descritos por Wilhelm Viola em seu livro Arte Infantil. Os métodos, segundo o depoimento da minha sogra, envolviam uma pesquisa rigorosa e exigente de elementos e princípios de desenho, mais ligados ao enfoque sintético de Dow que ao da livre expressão.

Katherine Dewey diz que mesmo uma leitura mais profunda do livro de Viola mostra que havia alguma orientação presidindo suas aulas.

Entretanto, os métodos de Cizek eram inferidos de seus slogans e não de uma análise mais acurada de sua ação pedagógica. Uma má interpretação de suas práticas difundiu a idéia de que, para desenvolver a expressão infantil, o professor deve impedir influências externas e prevenir a contaminação.”45

Faço aqui uma comparação entre os métodos de D.Hebe e de Cizek que sofreram interpretações, de ambos que muitas vezes confundido com a total liberdade de criação e expressão, quando não era o que acontecia de fato.

D.Hebe na maioria das vezes fazia uma proposta de trabalho, sugeria um tema, propunha uma técnica diferente. A liberdade, a não interferência residia na não intervenção direta no trabalho do aluno enquanto o mesmo o estivesse executando e não solicitasse o seu auxílio.

Isso aparentemente levava a uma ilusão de liberdade total. Mas, mesmo quando o tema não era sugerido, havia uma conversa preparatória com as crianças que as levasse a ativar sua memória e poder realizar o trabalho; outras vezes, a técnica conduzia o trabalho aos objetivos esperados.

Tinha um método de organização próprio que a acompanhou em sua trajetória de arte-educadora, principalmente em suas atuações nos cursos livres na Fundação Armando Álvares Penteado, do Grupo Escolar Experimental “Doutor Edmundo de Carvalho” e no seu Ateliê de Arte Infantil.

Volta a enfatizar que D.Hebe não foi adepta do espontaneísmo livre, como no caso do Movimento preconizado pela Escolinha de Arte do Brasil, mas um método de organização e respeito ao trabalho das crianças em todas as suas fases, ao material e à organização.

Entendo que esse tão propalado espontaneísmo transmitido pelo Movimento das Escolinhas de Arte do Brasil, também não foi bem compreendido. Em depoimento informal ao autor, Suzana Kohl 46, que trabalhou como professora na Escolinha de Arte do Brasil no Rio de Janeiro junto ao professor Augusto Rodrigues e a professora Noemia Varella e aos professores Ilo Krugli e Marília Rodrigues entre outros, contou que ia pessoalmente aos consulados e embaixadas buscando filmes de arte, principalmente sobre a vida e a obra de artistas consagrados. Esses filmes eram permanentemente exibidos na Escolinha com ou sem público, para quem quisesse ver.

Havia também livros de Arte aos quais os alunos tinham acesso. Portanto, havia sim informações à disposição dos alunos; o que não havia era a obrigatoriedade de consultá-las.

No sentido do espontaneísmo e organização do trabalho, parece-me que a Escola de Arte da professora Fanny Abramovitch (citada pela Paula Motta), tinha mais relação com a Escolinha de Arte do Brasil do que com a metodologia aplicada por D.Hebe em suas aulas.

A síntese do pensamento filosófico que norteava a sua atuação pode ser dada como:

• A criança necessita ser estimulada a cada dia; para tanto você traz uma flor diferente, você exalta aquilo, você conta uma história, põe

uma música. Você inventa uma forma diferente de usar o papel, uma cor de papel diferente, tamanhos diversos.

• Devem-se variar as atividades sempre. Um dia você dá pintura com guache, outro desenho com lápis de cera, outro recorte e colagem. Você procura alguma coisa que há muito tempo não dá, em que a criança vai criando uma rotina de trabalho, que na aula seguinte ela possa dar continuidade e se aprimorar, sem se enfastiar.

• Você deve estimular para que ela crie, mas, se ela está há muito tempo sem repetir formas, você vai recriar através de uma história, de um objeto, de um pensamento, de uma atividade.

• D.Hebe afirma que a criança precisa se sentir segura, ela gosta quando se dá uma direção, ela não se sente perdida.

• Paras isso eu precisava a cada dia criar o maior número de técnicas, para que o aluno se interessasse, porque não estava ainda na idade do aluno criar o maior número de técnicas por si, ele ia criando através do material.

Na linguagem da Arte o matérico, o material e a técnica somados, representam o “alfabeto”, representam as “palavras” que as crianças vão usando. Com o uso irão criando novas formas de utilização que levam à progressão de sua livre expressão.

Dona Hebe acredita que para tudo isso acontecer você necessita de um local amplo, bonito e bem organizado.

Em todos os locais em que lecionou essa organização era fundamental. A cada aula a criança encontrava as mesas preparadas com material para uma determinada atividade, porém, mais como uma sugestão, pois se a criança não quisesse tinha uma mesa preparada com opções de atividades e ainda livre acesso a todo o material do ateliê, principalmente no Experimental da Lapa onde criou o primeiro ateliê de Artes numa Escola da Rede Oficial.

D.Hebe iniciava a aula com uma motivação, ouvia as crianças sobre o que tinham feito desde a aula passada e dava as explicações necessárias de forma carinhosa e afável.

Não interferia e não permitia, no caso dos outros professores quando no seu Ateliê, a interferência no processo de criação. A interferência só se dava quando

solicitada pelo aluno, e assim mesmo com relação à utilização correta da técnica (quantidade de água adicionada a tinta, não invasão de uma cor pela outra, etc.)

D.Hebe é dona de um carisma invejável, ela tinha todo um “jeitinho de propor”, as atividades, e também nas conversas passava carinhosamente uma coisa de educação, de princípios.

Mas, o principal, que eu posso apontar era a RELAÇÃO que Dona Hebe desenvolvia com todos: atenção, carinho, presença constante, geração de clima, segurança e ludicidade.