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1. O INÍCIO DO PERCURSO, ONDE TUDO COMEÇOU

1.2. O Processo de Iniciação, minha madrinha: Hebe de Carvalho

1.2.6. Ateliê Infantil de Artes

Em 1965 como já foi dito, D.Hebe deixa o Experimental e a FAAP, para abrir a sua própria escola. O Ateliê de Arte Infantil, inicialmente na Avenida Paulista, num conjunto comercial, todo envidraçado com uma bela vista.

Mas ela sempre achou que a criança precisava de mais espaço em volta, para que ela pudesse sair da sala um pouco e se expandir, correr um pouco, ver plantas, árvores, respirar ar, ver o sol... então alugou uma casa na Alameda Santos próxima ao Parque Trianon, onde foi sem dúvida o apogeu do ateliê e um marco na História da Arte-educação. Aí teve a liberdade total de material e organização, que era basicamente o mesmo que ela implantou na FAAP e no Experimental. A clientela era de alunos advindos da classe média alta, com algumas exceções para alunos bolsistas, de idade variável entre três e dezesseis anos. Para os adolescentes ela desenvolvia muita gravura, escultura com arame, serigrafia, além de trabalho com bico-de-pena, óleo, etc.

“Uma das exigências do ateliê era que desde que a criança começasse um trabalho, era preciso terminá-lo, mas, às vezes ela precisava ser um pouquinho dirigida para que fizesse todas as técnicas, senão ele às vezes ficaria no preciosismo, perdendo um pouquinho a vontade de fazer um trabalho solto, mais livre...

Jamais uma criança tinha o direito de estragar o trabalho que ela tinha feito, rasgar, picar, ela procurava terminar aquilo da melhor maneira possível, se não gostasse ele punha depois de lado, mais depois de esgotar todas as possibilidades, de realizar melhor aquele trabalho, então aí entrava o professor procurando ajudar, para que não fosse uma experiência frustrada.41

Segundo Paula Motta, ex-aluna e posteriormente professora do Ateliê a idéia era ter um belíssimo ateliê, o melhor ambiente de trabalho e tudo ao alcance das crianças, com liberdade para ela crescer.

40Ibidem.

41Entrevista concedida a Ilsa Leal Ferreira em 1983, para o IDART da Secretaria Municipal de Cultura – Centro

“Então havia um pote de pincéis em cima da mesa, de todos os tamanhos, potes com lápis de cor, etc. Aquilo ficava em cima da mesa, e na FAAP também era assim.

A criança chegava, decidia se ela ia pintar, se ia desenhar, se desenhava misturando tintas.

E havia uma conversa ali: como você está o que você está pensando hoje, o que viu, o que você gosta, você já experimentou tal papel, você quer trabalhar com tais cores?

A criança pegava um porta-ovo e colhia as cores que queria usar. Ela era orientada no cuidado com o excesso, para não ficar sujando as cores, atento à questão do desperdício, a criança aprende a trabalhar, a respeitar o suporte, o material, o funcionário e o ambiente.

As turmas no Ateliê eram divididas por idades com oito a dez crianças por turma, em diversos horários.

D.Hebe fazia um aquecimento inicial com as crianças, e após as aulas, discutia os trabalhos com as professoras, a parte da composição principalmente.

D.Hebe em aula era muito sutil nas suas orientações. Por exemplo, como controlar a questão da água quando pintava, a invasão de uma cor pela outra.

Quando necessário, com a maior delicadeza e sem ser invasiva, ela fazia demonstrações na utilização adequada dos instrumentos e materiais.”42

Durante o tempo que permaneceu como professora no Ateliê Infantil, Paula Motta foi fazer um estágio na Escola de Arte de Fanny Abramovitch, e são muito interessantes as suas comparações entre ambas as orientações: D.Hebe a de Fanny:

“O ambiente lá na Escola da Fanny era bem diferente. Primeiro tinham várias atividades simultâneas, era nas concepções atuais um ambiente mais multimídia, mais voltado para o teatro, com muitos jogos dramáticos, e a orientação era deixar a criança fazer o que quisesse, o que valia para ela era o processo, não o produto. D.Hebe valorizava o produto, ela achava importante o resultado e que a criança concluísse alguma coisa por si própria.

Na verdade, acredito que ela deixava a questão do resultado não como demonstração para os pais, mas, para a criança refletir sobre sua própria realização. Por isso quando ela sugeria alguma coisa era sempre muito sutil, chegando a resultados determinados.

E, na época, lá na Fanny, a coisa era assim um ‘oba-oba’ de experimentação.

De repente, havia crianças que passavam a tarde, derretendo giz de cera para brincar com fogo, por exemplo. Ele não ia fazer encáustica, ou alguma coisa assim.

E trabalhava muito com sucata. Na D.Hebe éramos muito criteriosos na colocação e uso da sucata.

Dona Hebe era meio vista, naquele momento, quer dizer, para aquém olhava da Fanny, uma senhora muito burguesa, aristocrata, enquanto que a Fanny era liberdade total.

Na D.Hebe a criança era orientada, acompanhada e muito respeitada, uma coisa de mãe mesmo.43

A orientação que D.Hebe fornecia as professoras era igual para todas, acompanhar o trabalho sem interferir. Ela estava sempre buscando novidades para aplicar na Escola, quando viajava trazia sempre na bagagem, técnicas novas para seus alunos. Ela orientava as professoras principalmente como aplicar cada técnica e com quem, e observar o que fazia e só em caso da criança ter dúvidas, interferir apenas no esclarecimento das mesmas.

Sobre o Ateliê, D.Hebe afirma ainda que:

“Eu sempre procurei fazer com que a criança respeitasse o trabalho do outro, e cuidasse da limpeza e arrumação do seu ambiente de trabalho. Eu sempre procurei manter isso, porque eu acho que se não houver isto eu estou apenas, fazendo um trabalho de liberação, mas aí já não é nossa área, aí seria uma área para um psicólogo trabalhar. Com a orientação adequada e com determinada finalidade, para ela depois retornar conforme o caso se ela achar necessário, agora dentro do ponto de vista da educação, eu Acho que ele tem que preparar a criança mentalmente para uma determinada atividade, que foi especificamente estipulada, se comprometeu, a fazer aquilo,

então você tem que dar condições de certa ordem, de certa disciplina mental, a criança não pode progredir, então o que eu estou dizendo seria de estar deseducando para a sua própria atitude perante a vida, perante si mesmo, perante o seu desenvolvimento.”44