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1. O INÍCIO DO PERCURSO, ONDE TUDO COMEÇOU

1.2. O Processo de Iniciação, minha madrinha: Hebe de Carvalho

1.2.1. Dados Biográficos

Dona Hebe nasceu em Recife-Pernambuco em 1914. Seu pai, engenheiro- arquiteto recém formado foi trabalhar lá num projeto de Saneamento, após já ter feito projetos semelhantes em Santos e em São Paulo. Lá conheceu sua futura esposa que era professora, assim como toda a sua família, de mulheres, também professoras. Trabalhou lá por dois anos e retornou com a família para São Paulo, D.Hebe contava então com dois anos de idade.

Aqui ele se tornou especialista em arquitetura religiosa, construindo igrejas de vários estilos diferentes. Fez por exemplo a Igreja Nossa Senhora do Brasil, e a Capela da Pontifícia Universidade Católica, entre outras. Ele trabalhou com Ramos de Azevedo, e com ele na Estação Sorocabana, no bairro da Luz, hoje transformada na Sala São Paulo, os detalhes, as rosáceas, as colunas foram projetos dele.

Por este início podemos perceber que D.Hebe foi criada sob a influência do pai que também vivia Arte, os trabalhos que ele realizou, aqui citados, são grandes marcos arquitetônicos da nossa Cidade.

Com doze anos de idade, D.Hebe começou a estudar com Theodoro Braga, pintor paraense, apaixonado pela História do Brasil, utilizando a temática em muitas de suas obras. D.Hebe nos conta que Theodoro Braga era uma pessoa muito tranqüila e estudiosa. Ele era colega de seu pai, que nessa época era Professor na Escola de Belas Artes de São Paulo e Theodoro Braga era o diretor.

Numa ocasião eles foram a Campinas, num grupo de educadores com a Secretaria da Educação, nessa época D.Hebe estava morando lá, cursando o quarto ano primário e eles a convidaram para juntamente com eles visitar a Escola Normal de Campinas.

“(...) Eu tinha uma professora que era apaixonada por pintura. Então ela dava para os alunos papel e pastel verdadeiro mesmo para trabalhar. E ela não fornecia, como se usava na época uma imagem já pronta para a criança copiar. Ela colocava, ela fazia uma natureza morta natural, colocava na frente e todas as alunas copiavam.

E o Theodoro Braga olhou o meu trabalho e gostou muito. Então ele disse ao meu pai:

- ‘Olha, essa menina precisa estudar!’ Eu ia fazer doze anos.26

D. Hebe retorna a São Paulo e passa a estudar no ateliê do artista que ficava na Avenida São João, esquina com a Avenida Ipiranga

“Eu tinha aulas das sete às nove da noite. Acho que o edifício existe até hoje. Eu era muito bem tratada, principalmente porque eu era a caçula da turma, a convivência era uma delícia, porque ele gostava do meu traço que era super-delicado, e eu tinha muita facilidade para copiar.

Eu fazia retratos muito fiéis, fazia retratos muito bem resolvidos.”27

Segundo relato de D.Hebe, Theodoro Braga era um pintor tradicional, clássico. Seu método iniciava-se fazendo gesso, auto-relevo. Não se fazia terceira dimensão, primeiro eram chapas de gesso ou de papelão com folhas de Arkansas e aí se desenhava e modelava o claro-escuro, durante vários meses; daí passava para as figuras de gesso em terceira dimensão, geralmente figuras de guerreiros que se compravam na Michelangelo. Lá também se compravam pés, mãos, braços em gesso para serem copiados.

26Entrevista de Dona Hebe de Carvalho dada ao autor em 21/08/2005. 27Ibid.

Era copiada aquela montagem toda, isso durante um ano inteiro. Eram aulas duas vezes por semana, de duas horas cada uma. Depois disso, eram dois anos de estudos de desenho, e em seguida passava-se para a figura humana do natural, e D.Hebe levava seus irmãos para posar. Figura humana feminina, ela nunca pintou, porque ele não contratava modelos.

Ela virou retratista de tanto desenhar, lá ficando até os dezoito anos. Em seguida passou a trabalhar com óleo, aquarela, mas raramente saíam do ateliê.

Theodoro Braga trabalhava com os alunos somente natureza morta, e ele especificava os tons a serem utilizados, coibindo assim de certa forma que os alunos criassem algo próprio em seu trabalho. D.Hebe conta-nos que isso a deixou de certa forma muito amarrada à figura.

Por isso, depois quando começou a ensinar, partiu para outra metodologia: primeiro, desenvolver a criatividade.

“Ele mandava viu! Desenhe em casa, mas ele não fazia isso com a gente, não tinha o exemplo, e depois ele era muito tradicional, ele censurava muito a pintura moderna, era um professor muito acadêmico.

Meu pai também era acadêmico. Então eu fui criada num ambiente tradicional. Só quando me casei com vinte e dois anos, foi que eu comecei a ter os olhos abertos para a Pintura Moderna.”

Como relata Maria Amélia Carvalho:

“E hoje ela diz, foi muito bom casar com seu pai, porque ele abriu as portas da Arte de Vanguarda, da Arte Moderna, da Semana de 22, estava aí muita coisa acontecendo, e ela teve momentos bem interessantes com ele, eles eram sócios da Sociedade de Cultura Artística, então eles iam todas as semanas assistir concertos. Meu pai era eclético, intelectual, era

muito forte.”28

D.Hebe casou-se com o advogado e poeta Pedro Xisto, que pertencia à vanguarda artística e que à apresentou à Arte Moderna. Tiveram quatro filhos, entre eles Maria Amélia Carvalho que se tornou atriz de Teatro de Bonecos29 e Lia

Robatto que se dedicou à dança.

Memélia conta-nos um pouco sobre a vida em família:

“... nós fomos criados nesse meio de arte, a gente fazia muito teatrinho de bonecos, com as crianças, então a gente dançava, fazia teatro, cobrava ingressos isso era constante lá, e na minha casa, a minha mãe deixa adentrar

28Ibid.

todo mundo lá. Deixava todas as crianças entrarem, e fazia lanche e tudo mais.

Porque eu me lembro que nas outras casas, a mãe não deixava: olha não pode abrir para não entrar poeira, essa sala é fechada, porque essa sala é de visitas.

Lá em casa não, era aberta, a vontade, então era um ambiente assim gostoso, de liberdade, não é?

Minha mãe sempre pintando, ela pintava pelo meio da casa, no terraço, fosse onde fosse. Ela não tinha um ateliê dela, então ela nem ligava, e ilustrava livros.

Nessa época ela ilustrou muitos livros, alguns ela mesma que escrevia, ela pegava temas populares transformava aquilo em livros.30

A carreira de professora de D.Hebe, segundo suas próprias palavras, começou porque ela pintava, e um pintor quando ele não vende seu trabalho, e precisa ganhar dinheiro, ele vai ser professor, porque é um mercado que está sempre aberto. Ou você entra numa escola para ensinar, ou você põe alunos na sua própria casa.

Em 1950, com trinta e seis anos de idade D.Hebe desquitou-se e necessitou procurar uma escola para trabalhar, para poder completar o orçamento familiar. Ela então foi trabalhar no Mackenzie na Graded School substituindo uma professora durante um ano. As aulas eram dadas em sala de aula com o material que crianças traziam, em geral, um caderno e lápis de cor e D.Hebe tentou introduzir com muita dificuldade, novas técnicas. A professora que a antecedeu usava o sistema de colocar o modelo na pedra desenhando para os alunos copiarem. D.Hebe introduziu o desenho do natural. Ela colocava vasos, flores, objetos, composições com formas geométricas, e ela solicitava que fosse feito o desenho com lápis preto, utilizando só o traço e sombra.

Os alunos estavam na faixa de 8 a 11 anos. Aos poucos ela conseguiu introduzir um número maior de técnicas na medida das possibilidades dos alunos ou da possibilidade dela mesma levar o material para colagens, um pouco de guache, mas era uma sala de aula comum, não aparelhada, o que tornava o trabalho muito difícil.

Ela desinteressou-se pelo trabalho e deixou as aulas mais ou menos um ano e meio depois de te-las iniciado.

30A expressão “atriz de teatro de bonecos”, é a forma como M.Amélia se qualifica, e para nosso entendimento