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Capítulo II – Ação educativa na perspectiva do agir comunicativo

MUNDO DA VIDA Componentes

3. Proposta de uma tipologia dinâmica da ação educativa escolar

3.2. Ação orientada pelo processo (entendimento)

Neste item passaremos a analisar a ação orientada pelo processo, conforme consta na Figura 5 apresentada anteriormente, e se subdivide em dois grupos. O primeiro é formado pelas ações orientadas pela busca do consenso e compreende os atos-de-fala constatativos, a ação regulada por normas e a ação auto-expressiva. O segundo grupo é formado pelas ações educativas. Mesmo estando orientadas pelo entendimento as ações educativas são postas como uma possibilidade de realização e compreendem os atos-de-fala constatativos, a ação regulada por normas e a ação auto-expressiva. Iniciaremos com a análise do primeiro grupo, e, na seqüência, passaremos à análise do segundo grupo.

A ação comunicativa (2.1)42 está orientada pelo entendimento racional. Esse é o caso daquelas interações que, com o fim de obter o consenso racionalmente motivado, são produzidas entre os adultos da comunidade escolar. Nessas, não podem existir nem estratégias e nem fins orientados para o benefício individual. Elas buscam a coordenação das ações dos participantes envolvidos, compõem a base racional da vida escolar e o referencial orientador de todas as ações de caráter educativo (formativo). O resultado emblemático das ações comunicativas é, por exemplo, o consenso obtido quanto ao projeto político pedagógico de uma escola. Ele será genuíno quando for elaborado a partir de consensos racionalmente motivados, no qual os participantes tenham atuado intersubjetivamente em condições simétricas e livres de coações.

As ações comunicativas se diferenciam entre si em função do aspecto pelo que se lhes possa questionar (segundo a pretensão de validade racional a que estão vinculadas), entendendo-se por ação a própria emissão comunicativa.

Desdobramos a ação comunicativa em três tipos, segundo a pretensão de validade racional. O primeiro é formado pelos atos-de-fala constatativos (2.1.1), o segundo engloba as ações reguladas por normas (2.1.2) e o terceiro compreende as ações auto-expressivas (2.1.3).

Uma ação comunicativa caracterizada como um ato-de-fala constatativo (2.1.1) ocorre quando são utilizadas, nas emissões comunicativas, orações enunciativas elementares (cujo efeito é elocucionário) fazendo-se referência a fatos objetivos. Elas são produzidas pelas

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Os números entre parênteses indicam o tipo de ação que está sendo descrita e corresponde a sua posição dentro da Figura 5 – ‘Tipologia das ações escolares’, apresentada anteriormente.

interações realizadas entre os professores quando eles têm como objetivo analisar temas de caráter profissional, por exemplo, quando tomam decisões relacionadas aos princípios teóricos (sociológicos, psicológicos ou pedagógicos) da aprendizagem, durante o processo de elaboração da matriz curricular da escola.

Uma ação comunicativa caracterizada como regulada por normas (2.1.2) ocorre quando as emissões fazem referência a contextos normativos. Manifestações deste tipo são as decisões tomadas, entre os sujeitos competentes lingüisticamente da comunidade educativa, no momento em que elaboram o Regulamento Interno da escola ou quando definem as normas de convivência (formal ou informal) para a escola. Essas ações são executadas somente pelos sujeitos competentes (professores e pais) porque a posição dos alunos, mesmo que tenham participação nelas, não é simétrica com relação à comunicação se comparada aos sujeitos lingüisticamente competentes, e, portanto, o nível decisório e de responsabilidade não pode ser, por princípio, o próprio aluno.

Uma ação caracterizada como auto-expressiva (2.1.3) ocorre quando o conteúdo das frases utilizadas nas emissões for composto por elementos originários das experiências pessoais ou de valores subjetivos. Podemos encontrar manifestações deste tipo de ação nos debates (mediante ações comunicativas) realizados entre os pais e os professores da escola cujo objetivo é definir o projeto educativo da escola. Esse tipo de emissão também pode ocorrer nas reuniões de professores quando são trocadas informações ou sentimentos sobre as experiências e as vivências em sala de aula.

Passamos à análise do segundo grupo de ações. A ação educativa (2.2) é aquela definida pelo seu caráter formativo e cuja finalidade é orientar os alunos a reconhecer e executar ações guiadas pelo entendimento com vistas à obtenção do consenso. Poderíamos citar, como exemplo, as assembléias de sala de aula nas quais o professor elabora, com a participação do grupo de alunos de uma classe, as normas de convivência para o grupo. O grau de elevação racional das normas será maior ou menor, dependendo do nível de desenvolvimento dos alunos, do grau de autonomia destes em suas decisões e da capacidade argumentativa dos mesmos. Compete ao professor orientar o processo e sua atuação será maior ou menor em função da diferença existente entre a sua capacidade de autonomia e a dos alunos. O espaço decisório de liberdade dos alunos será maior ou menor dependendo do quanto dominam as regras próprias do discurso.

As ações educativas podem ser desdobradas segundo a pretensão de validade racional e são de três tipos. O primeiro corresponde aos atos-de-fala constatativos (2.2.1), o segundo compreende as ações reguladas por normas (2.2.2) e o terceiro engloba as ações auto- expressivas (2.2.3).

O primeiro tipo de ação educativa caracterizado como ato-de-fala constatativo (2.2.1) ocorre quando os atos-de-fala utilizados são enunciados e se referem a uma descrição do mundo objetivo43. Esse tipo de emissão é freqüente na transmissão de um conteúdo do conhecimento relacionado a um conceito, lei, princípio etc. Eles se diferenciam das ações instrumentais porque aqui a finalidade da ação tem uma clara orientação comunicativa. O que interessa ao professor é, primeiro, a reflexão crítica do aluno sobre as informações oferecidas a ele e, segundo, orientar o aluno para participar do debate crítico com o professor e os seus colegas. O debate crítico terá como objetivo refutar o que foi apresentado como um princípio teórico divergente ou aceitá-lo mediante uma afirmação racional do mesmo nível e não com uma crença. Poderíamos observar essa diferença na análise da metodologia utilizada pelo professor ou do próprio objetivo do docente quando compartilhado com o aluno. Aqui o que interessa, principalmente, é o domínio das regras da comunicação, não como meio para obter uma habilidade a ser exercida no futuro, característico da ação instrumental, mas como meio para aprender a dominar as regras necessárias para o processo formativo. O que importa aqui são as condições pelas quais ocorre o processo: sempre orientado pelo entendimento concebido como caminho racional para atingir o consenso.

Esse tipo de agir, cujo fim é o sucesso na obtenção do consenso, utiliza orações enunciativas e descritivas do mundo objetivo, característico do discurso, e é mais adequado para os últimos anos da educação básica. O discurso realizado entre o professor e o aluno, argumentando sobre a pretensão de verdade de um enunciado, necessita de um nível evolutivo e de conhecimentos que na maioria dos temas os alunos ainda não possuem, ao menos por princípio.

O segundo tipo de ação educativa, chamado de ação regulada por norma (2.2.2), ocorre naquelas ações nas quais o professor busca, durante o processo de interação com o aluno o entendimento e, como fim, persegue a definição consensuada das normas de convivência para

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Quando utilizamos o termo mundo objetivo não somente incluímos o mundo físico, mas também o mundo social e o mundo subjetivo, quando estes são analisados a partir de uma atitude objetivante.

a sala de aula ou formas para resolver os conflitos originados das normas. Também é possível realizar, nessas ações, a análise crítica, com fins educativos, da situação normativa existente na sociedade. Esse tipo de ação permite aos alunos criticarem os conteúdos éticos, ou seja, se uma norma é boa para o indivíduo ou para a sociedade e os conteúdos morais, se uma norma é justa.

Uma ação educativa, caracterizada como ação auto-expressiva (2.2.3), ocorre no momento em que o agir refere-se às emissões nas quais o professor expressa modelos vivenciáveis de valores, opiniões etc. Os modelos são apresentados aos alunos para que esses possam adotar uma posição crítica frente a eles. Não cabem aqui as atitudes dogmáticas do professor porque suporia uma renúncia do caráter educativo da sua ação e, por tanto, deixaria de ser educativa. Também fazem parte deste tipo de agir as emissões vinculadas às análises críticas dos valores sociais, nas quais os alunos participam ao tematizá-las, com suas próprias contribuições, fazendo uso de argumentos relacionados ao seu próprio mundo subjetivo (opiniões e crenças argumentadas).

Tanto a ação orientada pelo produto quanto a ação orientada pelo processo, por sua natureza social, realizam-se nos contextos interativos. Porém, antes de iniciar a descrição desses contextos e suas conexões com os diversos tipos de racionalidade é necessário fazer quatro esclarecimentos. Primeiro, da mesma forma como ocorre em outros contextos sociais, não existem ações que possam ser classificadas como sendo de um tipo ou de outro num sentido “puro”. Todas as ações são compostas de diversos interesses que lhe imprimem matizes instrumentais, estratégicos, comunicativos ou educativos. Essa classificação somente pode ser considerada como um artifício metodológico que auxilia na compreensão das dinâmicas escolares e contribui para desvelar ou esclarecer os conflitos latentes ou não resolvidos. Quando se considera que uma ação é suscetível de ser classificada em uma categoria ou em outra é necessário nos atermos ao interesse dominante, ou seja, na intencionalidade ou sentido que é dado por parte do agente e das implicações na interação.

Segundo, por outro lado, as ações escolares são produzidas seqüencialmente, em cadeia, de tal forma que uma fica vinculada à outra. Em certas ocasiões é a própria cadeia completa de ações que permitirá a compreensão do sentido e da intencionalidade de alguns fragmentos isolados da ação.

Terceiro, com relação ao contexto em que se realizam as ações numa escola, quanto a sua natureza social, é possível dizer que essas ações se desenvolvem sobre um contexto interacional. Porém, existe na vida escolar um tipo de ação, de caráter instrumental, que é realizada a partir da relação institucional estabelecida entre o próprio subsistema escolar, a organização escolar, e o subsistema político, econômico e cultural. Nesse tipo de relação, por ser uma relação funcional, a interação acaba por diluir-se no anonimato.

Quarto e último esclarecimento, a ação educativa ocorre em todas etapas do processo educativo de uma sociedade. O que distingue um nível da organização sistêmica do outro é a predisposição dominante da ação educativa. Em determinados níveis a ação educativa poderá acentuar mais o seu caráter formativo. Em outros níveis ela poderá estar mais orientada pelo seu caráter instrucional ou informativo. Como observamos no primeiro esclarecimento, a ação educativa nunca ocorre de uma forma pura, ou seja, somente formativa, somente instrucional ou somente informativa. Essa tipologia se propõe analisar, de forma mais apropriada, os níveis atendidos pela instituição escolar cuja função é predominantemente produzir ações formativas. A educação universitária, principalmente desenvolvida pelas instituições universitárias, possui como característica principal uma predisposição instrucional e informativa. Nesse nível, em função do domínio das regras discursivas, os alunos universitários estão posicionados, quanto à autonomia em relação a sua própria formação e aos demais interlocutores, mais próximos da ação instrutiva ou informativa do que da ação formativa, ao menos por princípio. Realizados esses esclarecimentos passamos a analisar os contextos de interação na escola.