• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II – Ação educativa na perspectiva do agir comunicativo

MUNDO DA VIDA Componentes

4. Análise dos contextos de interação na escola

As dinâmicas realizadas nas instituições escolares desenvolvem-se em quatro contextos. O primeiro é formado pelas relações funcionais entre a organização escolar concreta44 e os três subsistemas dos quais depende: o político, o econômico e o sócio-cultural.

44

No decorrer do trabalho nos referimos à escola como “instituição” e como “organização”. Utilizamos os termos com o sentido empregado por Marilena Chauí quando discute a passagem da universidade de instituição social para organização social. Segundo ela, a universidade é uma “instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e estruturada por ordenamentos,

O segundo reúne as interações entre os membros adultos de uma instituição escolar (os pais, os professores e os especialistas da educação com atuação na escola). O terceiro é integrado pelas interações entre adultos e alunos adolescentes. E o quarto é composto pelas interações entre os próprios alunos.

A seguir apresentaremos as atividades possíveis de serem realizadas nesses quatro contextos escolares geradores das relações funcionais, das interações entre adultos, das interações entre adultos e alunos e das interações entre os alunos.

O primeiro é das relações funcionais. Neles as relações predominantes são as de caráter instrumental. Tratam-se daquelas atividades de caráter burocrático e permitem a gestão organizacional da escola ou são as ações de planejamento econômico realizado pela administração. Esse tipo de agir tem como finalidade a própria sobrevivência da organização e, portanto, cumpre a função de integração sistêmica da organização em geral. Normalmente, essas ações são desenvolvidas na escola por um funcionário de secretaria ou pelo próprio diretor e, na administração regional ou estadual, por gestores. Elas apresentam-se de forma semelhante ao que ocorre com as organizações empresariais, porém, são muito diferentes na sua essência, pois não podem esquecer o fim de uma escola: sua natureza simbólica e não econômica ou produtiva. Nessa proposta teórico-crítica de análise da instituição escolar, em discussão, essas ações necessitariam dar conta de uma racionalidade comunicativa, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos a ela”. (CHAUÍ, 1999, 217) A universidade, com a reforma do estado brasileiro orientado pelo programa neoliberal, passa a ser uma organização. Também segundo ela, a “rearticulação administrada transforma uma instituição social numa organização, isto é, numa entidade isolada cujo sucesso e cuja eficácia se medem em termos da gestão de recursos e estratégias de desempenho e cuja articulação com as demais se dá por meio da competição. Uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma outra prática social, ou seja, a de sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações articuladas às idéias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por ser uma administração, é regida pela idéia de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso que para a instituição social universitária é crucial, é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe”. (CHAUÍ, 1999, 218-219) Em outro contexto Chauí define a universidade como organização quando ela é administrada pela “tecnocracia”, ou seja, é “aquela prática que julga ser possível dirigir a universidade segundo as mesmas normas e os mesmos critérios com que se administra uma montadora de automóveis ou uma rede de supermercados”. (CHAUÍ, 2001, 196) É importante observar que com estes textos Chauí está analisando um outro nível da educação que é a universidade. O que desejamos imprimir nos termos “instituição” e “organização” é o sentido dado a eles pela autora. O nosso contexto de análise é a educação compreendida pelo nível atendido pela escola e ela também pode ser interpretada abordando tanto o aspecto de ser uma organização, regida pelo mundo sistêmico, quanto o de ser uma instituição, regida pelo mundo da vida.

submetendo os critérios instrumentais aos critérios do agir comunicativo45. Ações desse tipo são as decisões político-administrativas sobre o quadro de professores das escolas. Tais decisões, freqüentemente, respondem a critérios de racionalidade instrumental pois se encontram sustentadas em argumentos econômicos. É indispensável para uma instituição escolar que seguisse um modelo crítico, nessas decisões, analisar as características particulares de cada escola para determinar, em função das necessidades concretas e específicas não contempladas pela norma geral, qual seriam os números ideais de professores, chegando a essa decisão, através de processos comunicativos com todos os envolvidos, adotando como referência critérios prático-morais e não prioritariamente instrumentais.

O segundo contexto é das interações entre os professores e os pais. As ações decorrentes da interação entre os membros adultos de uma comunidade escolar podem ter um caráter estratégico ou comunicativo. Exemplos do primeiro tipo são aquelas ações realizadas pelo diretor ou pelo coordenador de um curso quando tentam influenciar outro professor, utilizando-se do seu cargo, para que mude o comportamento e passe a agir adequando-se às expectativas ou interesses do coordenador ou do diretor. O autor da ação busca o sucesso dos seus próprios fins e não o entendimento mútuo entre os participantes da interação46.

Porém, o nível presumível de capacitação dos adultos de uma escola possibilita a ocorrência com sucesso de ações comunicativas. Não é absurda uma expectativa que acredita na possibilidade de ocorrer ações dessa natureza quando professores estejam reunidos em torno de um objetivo comum. Exemplo de uma ação comunicativa orientada pelo entendimento ocorre quando os docentes chegam a um consenso, motivado racionalmente, sobre o ementário ou o objetivo de uma disciplina do currículo, durante uma reunião de colegiado de curso. Para que se possa falar com propriedade de que ocorreu consenso nas condições previstas pela teoria do agir comunicativo é necessário o preenchimento de certas

45

Partimos do pressuposto teórico de que o conceito de ação racional com vista aos fins, cujo principal expoente é o trabalho, está estreitamente ligado ao conceito de interação mediada simbolicamente. Por isso, ainda que se fale de ações de natureza instrumental, nestas sempre surgirão aspectos relacionados ao mundo da vida prático- moral, já que a sociedade se reproduz a partir desta dupla via, onde a reprodução material está intrelaçada com a reprodução simbólica. Neste sentido, trilhamos a opção evolutiva de Habermas e não de perspectivas reducionistas.

46

Utilizamos o termo “ambos” para assinalar paradigmaticamente os dois membros ou as duas partes que são necessários para que ocorra uma interação. Com isso, não estamos afirmando que não seja possível estabelecer uma interação entre uma pessoa e um grupo ou entre dois ou mais grupos. A análise aqui realizada contempla somente as ações desenvolvidas pelos indivíduos. As ações realizadas pela interação entre grupos não foram abordadas neste contexto.

exigências: não tenha ocorrido nenhum tipo de coação durante o processo comunicativo, a tomada de decisão apoiou-se em argumentos racionais e as pretensões de validade do discurso foram cumpridas ao invés de, unicamente, apoiar as decisões em votações cujo princípio primeiro é o número de votos47. As implicações desse tipo de agir podem ser ampliadas para as relações entre professores e pais. A definição de um marco axiológico educativo, cuja origem e sustentação estiver centrada no projeto educativo ou pedagógico da escola, necessita realizar-se mediante ações comunicativas livres de coações, condição para a obtenção do consenso autêntico.

O terceiro contexto é palco das interações entre adultos e alunos. Nas interações estabelecidas entre o corpo docente e o corpo discente de uma comunidade escolar é possível ocorrer três tipos de ações: as instrumentais, as estratégicas e as educativas. Exemplo do primeiro tipo são as ações de planejamento e desenvolvimento do currículo. O professor se propõe a atingir um objetivo de caráter instrutivo e formativo. A partir do objetivo define os meios e recursos adequados para atingi-lo48.

Pois bem, o desenvolvimento do currículo necessita de uma base comunicativa entre o professor e os alunos. Essa base permite atingir, com sucesso, o objetivo previsto ou reformulá-lo no caso de não ser adequado. Aqui falamos de ações educativas quando o professor pretende incluir, progressivamente, o aluno na tomada de decisão sobre o processo de aprendizagem. Com isso queremos dizer que, ainda que seja o professor, como profissional detentor do conhecimento sobre o conteúdo da matéria ou tema a ser abordado, quem planeja inicialmente a forma como se dará o processo, o aluno, na medida que vai adquirindo maiores níveis de autonomia e de capacidade racional, poderá interferir paulatinamente na tomada de decisões sobre os aspectos envolvidos nesse processo educativo, assim como assumir níveis de responsabilidade cada vez maiores na instituição e no direcionamento dos processos de aprendizagem. Essa progressiva autonomia é evidente em questões prático-morais. Por

47

A contaminação dos atuais processos democráticos apoiados em número de votos e não em análises críticas sobre a racionalidade das propostas influencia, com freqüência, os processos de tomada de decisão nas escolas. Existe uma grande resistência para aceitar que é mais importante um bom argumento do que o número de votos ou o número de mãos levantadas.

48

Estas ações instrumentais, apesar de não serem críticas em si mesmas, podem ser potencialmente críticas quando contribuem para proporcionar instrumentos cognitivos e procedimentos para os alunos acessarem a um conhecimento crítico da realidade. Tais ações são imprescindíveis para que os alunos possam desenvolver, posteriormente, um pensamento crítico.

exemplo, a definição de normas de convivência para o conjunto de alunos de uma sala de aula. A participação do aluno na definição das normas de convivência do grupo pode ser incentivada desde a sua chegada na escola. Qualquer aluno, mesmo em idade escolar correspondente à educação infantil, pode “aprender a decidir” sobre quais normas são mais adequadas para regular o comportamento a ser adotado diante dos demais colegas ou diante de si mesmo.

Nessa interação, os autores da ação podem ser os alunos em suas relações com os professores ou pais. Os alunos também têm a possibilidade de agir estrategicamente frente aos professores49, porém em tais interações é imprescindível que o aspecto educativo predomine. O objetivo do professor necessita estar orientado para a busca de um determinado tipo de ação com a finalidade de conduzir o comportamento do aluno para agir comunicativamente, mesmo que de forma parcial.

O quarto contexto é o cenário no qual os alunos participam da interação e os seus interlocutores são os colegas. Nesse tipo de interação os autores podem realizar ações estratégicas, ainda que, como no caso anterior, a finalidade educativa necessita estar orientada no sentido de aproximar as ações estratégicas das ações educativas. Como exemplo de ação estratégica podemos citar uma situação típica da sala de aula. O aluno produz coações afetivas, econômicas ou físicas sobre um outro colega com a finalidade de induzir o outro a assumir uma responsabilidade do autor da coação, como no caso da realização de um trabalho escolar. Porém, os alunos também podem estabelecer ações comunicativas entre si, limitadas ao seu nível de desenvolvimento, buscando atingir um consenso, mediante o uso de argumentos, ao invés de recorrer a meios de coação como a força verbal, afetiva, financeira ou física.

Com relação às ações educativas existe a necessidade de progressivamente ir capacitando os alunos em função do nível do desenvolvimento pessoal e da competência comunicativa (lingüística, cognitiva, interativa, moral). É tarefa do professor mostrar ao aluno, num primeiro momento através de exemplos, como podem ser tais tipos de ações, e, num segundo momento, é necessário que seja explicitado o processo de entendimento de forma seqüenciada e aplicada a situações concretas. Isso inclui estabelecer um espaço de liberdade e

49

Este é o caso de ações de protesto ou de dúvidas dos alunos frente à escola. É necessário tê-las presente porque também fazem parte do currículo latente da escola e podem influenciar tanto o desenvolvimento do currículo como até a sua orientação.

possibilidade para o aluno executar interações com os colegas (como trabalhos em grupos ou a organização dos diversos trabalhos coordenados pelos próprios alunos), criando alternativas para a realização de experiências comunicativas.

Nesse momento, é necessário fazer uma breve consideração sobre o que já foi exposto. Apesar da intenção ter sido a de apontar um marco analítico com o objetivo de compreender adequadamente as ações realizadas dentro da organização escolar, identificando qual tipo de racionalidade é predominante e como orientar o agir educativo, é necessário ter consciência de que a realidade escolar não é categorizável mediante um único esquema de ação. Isso é assim porque as interações realizadas em qualquer instituição escolar estão carregadas de muitos significados simbólicos (valores, normas, esquemas interpretativos, sentimentos etc). A pretensão primeira é aproveitar o marco categorial oferecido por Habermas para, ao adotar uma certa distância com relação aos fenômenos escolares, poder desvelar o tipo de racionalidade dominante numa situação cotidiana da escola, assim como esclarecer os conflitos que surgem nela quando um participante não tem presente a natureza mista (sistêmica e simbólica) da instituição escolar, e assim poder introduzir a crítica ideológica dos conflitos originados dessas interações.