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A Vida de Teseu

3. Ação política

3. 1 O sinecismo e o funcionamento da nova Atenas

Como veremos no capítulo «Atenas, umbigo da Hélade», os Atenienses só se começaram a afirmar como povo superior depois do advento do regime democrático e do triunfo dos Gregos sobre os Persas. Como muito bem afirma Walker (1995: 54), foi sobretudo a partir desse momento que os Atenienses sentiram necessidade de fazer de Teseu o seu herói:

«they were embarking on a new political adventure and needed the sanction of tradition, a sense of continuity with the past. They were ready to act independently of Sparta and needed to be reassured of their ancient glory. Theseus had never been anything more than one of many Athenian heroes, but after 510 b. c. he became the greatest hero of Athens».

Não surpreende, por isso, que muitas das características atribuídas aos Atenienses – como a imaginação, a iniciativa, a inovação, o empreendedorismo, o gosto pelo risco e pela aventura fora do seu espaço, a capacidade de decisão, a rapidez no projeto e na sua concretização, a ousadia na vitória e na derrota, o patriotismo199 – sejam, efetivamente, alguns dos traços estruturantes da

personalidade de Teseu. É esse o caso da audácia e da temeridade que manifestou por diversas vezes ao longo das suas aventuras, ou do otimismo, cujo melhor exemplo talvez seja a confiança que demonstrou antes de embarcar para Creta, quando prometeu ao pai e aos concidadãos que regressaria a salvo, depois de libertar a do perigo que o Minotauro representava200.

Não causa, portanto, admiração que este herói (a cuja saga estão associados os de uma parte significativa dos elementos característicos da cultura e civilização de Atenas201) tenha sido o escolhido para funcionar como

precursor do ateniense do séc. V a.C., não só em termos morais (apesar das «arestas» que tiveram de ser limadas para eliminar alguns defeitos e excessos de comportamento202), mas sobretudo em termos de conduta política. É esta

última perspetiva que torna o tratamento da figura de Teseu fundamental na

199 Cf. capítulo «Atenas, o umbigo da Hélade» e Thuc. 1. 70. 3. 200 Cf. supra pp. 61-91, dedicadas às aventuras de Teseu. 201 Vide infra p. 99-105.

Parte III - A Vida de Teseu

obra de Plutarco, na medida em que é apresentado como fundador do regime que levaria Atenas a conhecer os seus dias de glória. Como veremos adiante, muitos dos problemas com que a se irá deparar no século do apogeu, muitos dos traços que caracterizam os políticos desse período e muitas das tradições então vigentes são como que reflexo do que melhor e pior teve a atuação do seu fundador mítico .

O Queroneu, como é seu hábito, procurou mostrar que, desde jovem, o herói revelou potencialidades políticas, algumas das quais podem ser consideradas hereditárias – como é o caso da propensão para promover a unificação cívica, à semelhança do que fizera Piteu203. A coragem/audácia

( ), as capacidades militares, o interesse pelo bem-estar do próximo ( ) são qualidades que evidencia mesmo antes de chegar a Atenas, quando, contrariando a vontade da mãe e do avô, decide fazer o percurso por terra204. São essas virtudes que, uma vez reconhecido como filho legítimo por

Egeu, lhe vão abrir caminho para a aceitação pelos concidadãos (que o viam como um estrangeiro), pois dispõe-se a partilhar os perigos que enfrentavam e a ajudá-los, ainda que para isso tenha de colocar a própria vida em risco e contrariar a vontade do pai205.

Uma vez sugeridas as virtudes que poderiam vir a fazer de Teseu um excelente homem de Estado, o biógrafo serve-se dos capítulos 24 e 25 para dar a conhecer de que modo o herói as pôs em prática mal assumiu o poder.

Teseu revela-se, nessa altura, senhor de grande perspicácia e visão206,

adepto de uma política que não procurava apenas o bem-estar imediato dos concidadãos, mas a glória futura da 207. Nesse sentido, enceta negociações

com as populações, para criar uma única, que reunisse os diversos povos da Ática (ao que parece, seriam doze povoações) e suas magistraturas. O herói esperava, deste modo, evitar as desavenças que, não raras vezes, ocorriam entre eles e fomentar uma ação concertada em prol do bem comum208.

203 Cf. supra 51, nota 6.

204 A propósito do simbolismo desta decisão, vide supra p. 54. 205 Thes. 12. 5. Cf. supra pp. 63-64.

206 Esta ideia também ocorre em Tucídides (2. 15. 2), que é – como sabemos – uma das fontes

mais queridas e utilizadas por Plutarco. O historiador, como já vimos na página 32 (nota 8), admira a força e a inteligência de Teseu. Estas duas características, que os Atenienses reivindicam como específicas do seu povo, parecem, pois, ser mais uma herança legada pelo fundador mítico da . Tucídides enaltece ainda a sensatez do herói que soube, como ninguém, tomar as medidas certas para organizar a cidade. Sobre a história de Atenas, consultem-se, por exemplo, Hignett (1952); Mossé (1971); Trail (1975).

207 Tucídides (2. 15. 2) também reconhece a importância do sinecismo – que funciona como

embrião de um futuro imperialismo – para o esplendor que Atenas viria a alcançar.

208 É provável que, ao enumerar as dificuldades vividas antes do sinecismo, Plutarco tivesse em

mente o texto de Tucídides, porque, embora não recorra ao mesmo vocabulário, as ideias apresentadas são as mesmas. Sobre o sinecismo em geral e o de Atenas em particular, consultem-se Moggi (1976); Diamant (1982: 38-47); Gelder (1991: 55-64); Luce (1998: 3-31); Valdés Guia (2001: 127-197).

Ação política

As classes mais desfavorecidas – que pouco ou nada tinham a perder – aderiram ao projeto sem grandes reservas209. A elite, porém, fê-lo, na

generalidade, contrariada, para impedir não só a mudança, mas também que Teseu – cujo poder e capacidade de decisão temiam – se visse obrigado a recorrer à força para convencê-los. Tal atitude não surpreende, pois, como podemos continuar a verificar na atualidade, do mesmo modo que as classes inferiorizadas respondem positivamente ao apelo dos reformadores, os poderes instalados são a maior resistência com que se deparam os ventos da mudança, que tentam implementar reformas para melhorar o funcionamento das nações e as condições de vida da população.

É curioso salientar que Plutarco (Thes. 24. 2) se refere à opção da elite dizendo que:

“preferiram aceitar pela persuasão do que pela força.”

Este pormenor reveste-se de particular importância, pois faz da persuasão ( ) – enquanto característica própria dos Atenienses e resultado do exercício da retórica – uma competência herdada de Teseu, o primeiro a exercê-la espontaneamente com mestria210. Além disso, permite a Plutarco

realçar o facto de Teseu não ter recorrido à força para pôr em prática o seu projeto para Atenas211.

Para a nova , Teseu propunha um governo democrático ( ), que não fosse liderado por um rei ( ) e no qual todos seriam iguais ( ), com deveres a cumprir e direitos a auferir, em uma clara antecipação da realidade da Atenas do século V). A ele, apenas caberiam duas funções: a de guardião das leis212 ( )

e a de chefe militar ( ) em caso de guerra. Relativamente a esta última função, podemos dizer que falhou, pois , além de responsável pela

209 Não obstante a propensão do povo para aceitar a mudança, Teseu demonstra capacidade

de negociação e de condução das massas ( ), característica que se revelará típica de qualquer bom político ateniense.

210 Esta característica dos Atenienses e do seu sistema político remonta ao governo de Teseu,

que, segundo Paus. 1. 22. 3 e Isoc. 15. 249, estabeleceu o culto de Afrodite Pandemos e da Persuasão ( ). Plutarco não faz qualquer referência à introdução destes cultos pelo filho de Egeu.

211 Esta versão apresentada pelo biógrafo, como já vimos (supra p. 66), contradiz a tradição

(nomeadamente a veiculada por Apollod. Epit. 1. 11), segundo a qual, antes de concretizar o sinecismo, Teseu teve de eliminar os cinquenta Palântidas. Sobre a luta entre Teseu e os Palântidas, ver Herter (1973: col. 47-9); Brommer (1972: 137-9).

212 Remonta, pois, a esta medida de Teseu, o grande orgulho que os Atenienses tinham de

si próprios por acreditarem ser o único povo a que vivia sob o jugo da isonomia e que obedecia apenas à lei e não aos caprichos dos déspotas – cf. A. Pers. 241-242.

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Amazonomaquia (Thes. 26-28), não só provocou a invasão dos Dioscuros ao raptar Helena, como não esteve presente para defender a cidade desse ataque (Thes.31-34).

Com o intuito de concretizar o seu projeto e organizar o governo (

), depois de concluídas as negociações com as diferentes partes interessadas e de consultadas as divindades213, Teseu aboliu as magistraturas,

os pritaneus e os conselhos locais e criou um pritaneu e um conselho comuns no lugar da atual cidade214, a que deu o nome de Atenas215. Além disso, após

ter convocado todos os interessados em aderir ao projeto (pois sonhava com a fundação de um povo universal216) a convergir para a cidade, dividiu os cidadãos

– aos quais prometera igualdade – em três classes217: os nobres ( ),

que teriam a seu cargo as «coisas» divinas, as magistraturas, o ensino das leis e a interpretação dos costumes – e que, portanto, eram superiores em dignidade; os camponeses ( ), superiores em utilidade, e os artesãos ( ), superiores em quantidade. Alargando assim a cidadania, procurava, de forma antecipada e clarividente, estruturar o funcionamento da nova constituição ( ), de modo a não dar azo ao desenvolvimento de situações de desordem – é que o povo com liberdade em excesso, se não for conduzido por

213 Como é sabido, os Gregos tinham por hábito consultar os deuses – nomeadamente o

oráculo de Delfos – sempre que se propunham uma grande empresa, como é o caso da fundação de uma cidade. Teseu revela-se, por isso, um homem religioso, como já acontecera em momentos anteriores, como por exemplo aquando da sua chegada a Atenas – onde não entrou senão após a purificação a que se deveria sujeitar por ter cometido crimes de sangue (Thes. 12. 1) – e, mais tarde, quando, na sequência da vitória sobre o Touro de Maratona, o oferece em sacrifício a Apolo Delfínio (Thes. 14. 1). Podemos recordar ainda os sacrifícios a que presidiu em agradecimento pelos sucessos obtidos em Creta e pelo seu regresso (Thes. 22. 2). Sobre o ascendente do oráculo de Delfos, vide Parke – Wormell (1956).

214 Estas medidas encontram-se igualmente descritas em Thuc. 2. 15. 2. Se compararmos

Thes. 24. 2-3 com este texto do historiador, fica claro que o biógrafo o conhecia bem e que terá

sido influenciado pelo mesmo, sobretudo em termos de escolha do vocabulário, nomeadamente no que respeita às formas verbais utilizadas: (Plu.) / (para a ideia da organização do novo regime); (forma comum a ambos para fazer referência à abolição das magistraturas). Sobre a instituição das festividades que também eram um dos elementos da estratégia política de Teseu, vide infra pp. 99-101.

215 O aproveitamento da figura de Teseu (tal como acontece com Drácon e Sólon) resulta do

tema propagandístico da patrios politeia, desenvolvido em especial no último quartel do séc V e no século IV, e faz com que as ações atribuídas ao filho de Egeu sejam irrealidades históricas. Ao rol das que serão enumeradas nas próximas páginas, podemos acrescentar, por exemplo, a cunhagem da moeda. Para este tema, vide Leão (2001: 43-72).

216 Este sonho persistiu pelo menos até à Época Clássica, durante a qual Atenas se orgulhava

do seu cosmopolitismo. A célebre convocatória de Teseu – « » – sugere bem a boa relação dos Atenienses haveriam de manter com os estrangeiros que afluíam à sua cidade. Sobre este assunto, vide p. 122, nota 41.

217 É costume estabelecer-se um paralelo entre as reestruturações de Teseu e a remodelação

territorial e política que Clístenes efetuou na Ática, fundamentais para a democracia do séc. V. a.C. Vide Schefold (1946: 59-93); Francotte (1976); Bertelli (1987: 38-39); Calame (1990: 416- 424) e passim; Walker (1995: 46-47 e passim).

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um pulso ao mesmo tempo firme e dócil, sente-se perdido (embriagado, no dizer de Platão218) e acaba por agir em prejuízo do bem comum.

Plutarco (Thes. 25. 3) apresenta-nos, portanto, um Teseu que é, segundo palavras que o biógrafo atribui a Aristóteles (fr. 2. Sandys),

“o primeiro a inclinar-se para as massas e a abandonar o poder absoluto.”

No entanto, na Constituição dos Atenienses (41. 2), o Estagirita imputa o aparecimento da democracia a Sólon; de Teseu apenas diz que

“se afastou um pouco da monarquia219.”

Sagaz, Teseu procurou não só criar a coesão entre os que haviam passado a constituir um novo e único povo, como também fomentar as relações entre Atenienses e demais Gregos, imprimindo a Atenas o tom de cidade cosmopolita220. Para concretizar tal objetivo, institui as Panateneias e os

Jogos Ístmicos221, respetivamente. Enquanto fundador, Teseu foi ainda autor

de outras intervenções consideráveis: a cunhagem de moeda222, um fator

político e de desenvolvimento fundamental; a criação dos jogos conhecidos por Metécias223 (que serviriam para celebrar o sinecismo) e o estabelecimento

de fronteiras, considerado por Tucídides um passo imprescindível para o progresso das cidades, na medida em que permitem melhor defesa, reserva de bens e o cultivo da terra (Thuc. 1. 2. 2). Esta última medida destaca-se

218 R. 562 c-d:

... “Quando uma cidade democrática, penso eu, sedenta de liberdade, tem, por força do acaso, no seu comando, maus escanções e se embebeda muito mais do que devia com essa [liberdade] da pura, ...” A tradução apresentada é de Rocha Pereira (2001). Este passo da República é invocado por Plutarco em Per. 7. 8.

219 Na verdade, este «desvio da monarquia» também caracteriza a ação de Rómulo, que, ao

contrário de Teseu, enveredou pela tirania. Não admira, pois, que Plutarco (Rom. 31) considere reprovável o comportamento de ambos. Sobre este assunto, leia-se Larmour (1988: 368).

220 Cf. página anterior.

221 Sobre a instituição destes festivais, vide infra p. 101, notas 233 e 235.

222 Cf. Arist. Pol. 1257a31-40. A cunhagem de moeda denota um forte desenvolvimento

e tem implicações sociopolíticas: só uma sociedade minimamente organizada e estável tem condições de proceder a essa atividade que, além de facilitar as trocas comerciais, favorece a justiça entre cidadãos (já que as trocas se baseiam numa escala comum de valores pré-definida) e permite afirmar a autonomia da cidade. Para um aprofundamento desta questão, consulte-se, por exemplo, Will (1954: 209-231; 1955: 5-23); Picard (1986 : 157-171).

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pela anexação – obviamente forçada – de Mégara à Ática (mais um prenúncio do convívio atribulado dos respetivos habitantes) e pela colocação da famosa estela que indicava, de cada um dos lados, a localização de quem a contemplava, indiciando também ela as atribuladas relações entre Atenas e Esparta: quem estava do seu lado direito encontrava-se na Iónia e não no Peloponeso; quem estava do seu lado esquerdo, no Peloponeso e não na Iónia.

Não surpreende, por isso, que, a partir de finais do séc. VI a.C., a ação de muitos políticos tenha sido associada – pelos próprios ou pelos concidadãos – à de Teseu, figura que passou a funcionar como instrumento de propaganda que conferia aos feitos dos novos políticos maior prestígio. Vários foram os classicistas que procuraram demonstrar, inclusive, que terão sido esses políticos – Pisístrato, Clístenes, Temístocles, Címon, Péricles, segundo a teoria de cada um224 – a fomentar o culto de Teseu, que, até início do séc. V a.C., ainda não

tinha a dimensão de herói nacional que hoje lhe conhecemos.

224 Herter (1939: 244-326); Nilsson (1953: vol. 2, 743-748) são partidários de Pisístrato;

Schefold (1946: 59-93); Jacoby (1949: 395), de Clístenes; Podlecki (1975: 1-20), de Temístocles; Barron (1971: 141-143) e Woodford (1974: 158-165), de Címon; Goossens (1932: 9-40), de Péricles. Para uma visão sistemática deste tema, consultem-se Walker (1995: 35-81; 1995b: 3-33).

Ação política

3. 2.

À criação dessa dimensão não é alheio o facto de a Teseu ter sido atribuída a instituição de diferentes elementos não só da cultura ateniense em particular, mas até da cultura pan-helénica, da qual Atenas se tornou modelo. Na verdade, Teseu funciona como para muitas práticas, festas e tradições, cuja origem se acreditava remontar aos primórdios da história da cidade que fundou, definindo-se, por isso, como pai de uma civilização e de uma cultura. Ora, essa especificidade, decorrente da sua condição de fundador e civilizador, tem consequências práticas na redação da Vida de Teseu, que se demarca das restantes pela grande quantidade de nela referidas: Plutarco evoca mais de vinte, que são como que reflexo do que melhor e pior teve a atuação do fundador. Reflitamos em seguida sobre a natureza dos e dos acontecimentos a que deram origem.

Em primeiro lugar, podemos dividir os em quatro grandes grupos que, grosso modo, coincidem com os feitos que se tornaram mais populares: as façanhas (Touro de Maratona, expedição a Creta, regresso do Hades), a efebia (em Atenas e em Delfos), o exercício do poder na Ática (luta contra os Palântidas e o sinecismo) e os amores (Periguna, Ariadne, Amazonas e Helena). Do mesmo modo, podemos, em traços gerais, agrupar os acontecimentos a que deram origem em seis núcleos: festividades, fórmulas/expressões, costumes, toponímia, monumentos e dança.

Foram as façanhas e os amores os grupos de mais produtivos. Importa, contudo, lembrar que os blocos Creta e Ariadne podem ser lido como um único, na medida em que a relação do herói com esta jovem decorre da expedição àquela ilha. Se olharmos para a questão sob tal prisma, este é, sem dúvida, o núcleo que deu origem a mais elementos. Curiosamente, a grande maioria das «produções» deste são festas (muitas delas de cariz religioso225),

em relação às quais Plutarco fornece pouca informação: as Cibernésias226, em

homenagem ao comandante e ao chefe de proa escolhidos por Teseu (Thes. 17. 7); a festa de homenagem a Ariadne em Chipre227 (Thes. 20. 6-7); o certame de

225 A profusão de festivais religiosos instituídos por Teseu tem que ver com a importância da

componente religiosa na vida dos indivíduos e da na Antiguidade.

226 Cf. Philoch. FGrHist 328 F 3. A festa dos pilotos seria celebrada, em data por nós

desconhecida, em memória de Nausítoo e de Feácio, nomes certamente inspirados em habitantes da ilha de Esquéria, a ilha dos Feáces na Odisseia. Teseu terá sido obrigado a escolher pilotos estrangeiros, porque os Atenienses ainda não se dedicavam ao mar. Embora a narrativa de Plutarco pareça sugerir que a homenagem (festas e monumentos) tenha sido instituída antes do regresso de Creta, o mais lógico é que o tenha sido apenas no regresso. Alguns estudiosos avançam datas possíveis para esse festival, nomeadamente Deubner (1932: 225), segundo o qual coincidiria com a celebração das Teseias e Jacoby (FGrHist IIIb, Suppl. Notes, 345), que acredita que teriam lugar na abertura ou no fecho do período de navegação.

227 Na ilha de Chipre, Teseu encarrega habitantes locais de fazer sacrifícios em memória de

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Delos em honra de Apolo228 (Thes. 21. 2), em que vencedores recebem um ramo

de palma; as Oscofórias229, festas em honra de Dioniso (Thes. 22. 4 e 23. 2) e

as Pianépsias230 (Thes. 22. 4-7). Mas este é também o grupo responsável pela

dança ritual em honra de Ariadne, a que os Délios chamavam «de grua» (Thes. 21. 2); pelos de Nausítoo e Féax231 (Thes. 17. 7), pelo epíteto Epitrágia,

de Afrodite232 (Thes. 18. 3) e pela designação de «Ariadne Afrodite» atribuída

a um bosque233 (Thes. 20. 6-7).

Não podemos deixar de chamar a atenção para o facto de as festas até agora mencionadas não serem celebradas em Atenas, o que, como já se disse, faz de Teseu responsável pelo aparecimento de fenómenos pan-helénicos. Mas,

no dia 2 do mês de Gorpieu (mês macedónio equivalente aos nossos agosto e setembro), um jovem assumia o comportamento de uma parturiente.

228 Cf. Paus. 8. 48. 3; Moralia 724A. A atribuição da origem do certame a Teseu, que teria

instituído o festival e o prémio ( ‘ramo de palma’), prende-se à reorganização das festas de Delos, levada a cabo pelos Atenienses (Thuc. 3. 104. 3-5).

229 As informações que Plutarco nos dá sobre as Oscofórias, aparecem entrecortadas pelas

que dizem respeito às Pianépsias, o que ilustra, mais uma vez, as frequentes divagações do biógrafo. Sem entrar em pormenores relativamente à forma como as festas se desenrolavam, chama a atenção para o facto de nelas se coroar o caduceu e não o arauto (à semelhança do que o herói fez quando soube da notícia da morte do pai) e para a natureza dos gritos proferidos durante as libações, que combinam a dor pela morte de Egeu e a alegria pelo regresso dos que haviam sido condenados ao Minotauro. Revela igualmente a origem da presença de dois jovens vestidos de mulher na procissão: é que quando Teseu partiu para Atenas, ao invés de levar todas as jovens exigidas pelo Minotauro, substituiu duas por dois jovens, que lhe eram próximos, de aspeto efeminado e delicado – mas corajosos e viris – que preparou para que se parecessem ainda mais com mulheres. E ninguém deu pela diferença... No regresso, esses jovens participaram consigo, transportando rebentos de videiras ( ), na procissão em homenagem a Dioniso e Ariadne, em honra dos quais a festa tinha lugar. Sobre esta procissão, vide Kadletz (1980: 363-371). Sobre a relação entre Teseu, Temístocles e as Oscofórias, vide Podlecki (1975: 1-20).

230 Estas festas tinham lugar a 7 de Pianépsion (quarto mês do calendário ateniense,

equivalente aos nossos outubro e novembro, durante o qual se celebravam, além das Pianépsias, também as Teseias, as Tesmofórias e as Apatúrias), um dia consagrado a Apolo. Foi igualmente nesse dia que ocorreu o regresso de Creta. Consta que o nome destas festas deriva de / ‘fava’ e do verbo ‘cozo’, pois um dos ritos que as constituíam consistia em cozer

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