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A Vida de Teseu

4. Fim de Vida

O momento do exílio coincide com a confirmação do declínio do político (que representa o declínio futuro do próprio regime democrático), mas também com a morte do herói. De acordo com a versão preferida por Plutarco, uma vez refugiado na ilha de Esciro, e confiante no acolhimento de Licomedes, que tinha por amigo – mas que, na verdade não queria ter problemas com o homem que então representava o poder (Menesteu) –, Teseu é mais uma vez traído por alguém em quem depositava todas as suas esperanças258 (como acabara

de acontecer com os concidadãos atenienses) e encontra a morte, empurrado do cimo de um barranco259. Deste modo, ao afirmar que Licomedes agiu em

benefício de Menesteu ( ), o biógrafo consegue denegrir ainda mais a figura do demagogo.

Curiosamente, não houve reações à sua morte: Menesteu continuou, impávido, à frente dos destinos de Atenas, governando como um rei ( ); quanto aos filhos do herói, revelaram não serem feitos da mesma cepa do pai, pois nem se atreveram a vingar a morte do progenitor, nem a reclamar o poder sobre Atenas, limitando-se a aguardar o desaparecimento de Menesteu para, só então, (re)assumirem o poder que fora de Teseu.

A indiferença de todos – povo, inimigos, filhos – para com a morte de Teseu prende-se provavelmente também às circunstâncias inglórias em que ocorreu, impeditivas do normal processo de heroicização, donde resulta que os jogos em honra do fundador estejam relacionados com o episódio central da biografia e não com a sua morte, como é habitual260.

O povo, contudo, foi sabendo aos poucos dar valor ao herói que outrora havia atraiçoado. Isso aconteceu sobretudo na sequência do episódio da batalha de Maratona, durante o qual muitos julgaram avistar Teseu

258 Se se aceitar a versão que atribui a responsabilidade da queda (física) a um descuido do

próprio (Thes. 35. 7), esta pode ser vista como uma repetição do que acontecera no plano político, no qual o declínio do herói não foi mais do que uma consequência do não cumprimento das suas funções de líder.

259 Não deixa de ser curioso notar que a morte de Teseu é semelhante à de Egeu, pois

também ela resulta de uma queda provocada por outra pessoa e permite que outros assumam definitivamente o poder em Atenas. Há, como não poderia deixar de ser, diferentes versões sobre a morte do herói. O próprio Plutarco faz alusão a outra, segundo a qual Teseu cai por seu próprio descuido; a mais curiosa é, contudo, a que faz de Teseu primeira vítima de ostracismo (cf. Teophr. fr. 131 Wimmer, Char. 26. 6). Em Paus. 1. 7. 4 sqq., podemos encontrar um resumo das diferentes versões.

Parte III - A Vida de Teseu

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“armado, atacando os bárbaros em sua defesa.”

Apenas nessa altura – ou seja, vários séculos após a sua morte e por indicação da Pítia – é que os ingratos Atenienses tentaram recuperar os ossos de Teseu para lhes prestar as homenagens merecidas. Mas só sob a ação de Címon262, em 476 a.C., foi possível fazê-lo, já que, tendo conquistado a ilha

de Esciro, pôs fim à oposição que os Dólopes ofereciam ao resgate dos ossos de Teseu.

É curioso notar que o processo de recuperação dos ossos de Teseu descrito por Plutarco apresenta paralelos com a descrição que Heródoto (1. 67-68) faz da recuperação dos ossos de Orestes263. Em ambos os casos, há um oráculo de

Delfos que despoleta o processo de recuperação. Este revela-se particularmente difícil, porque, do túmulo – que se situa em território hostil – não se conhece a localização exata, até que aparece um cidadão (Címon, no caso de Teseu), com perspicácia suficiente para compreender as indicações divinas e encontrar as ossadas264. Uma vez encontrados os esqueletos, que impressionam pelas suas

grandes dimensões265, são transportados para um novo túmulo que, a partir

desse momento, passa a proteger a cidade em cujo centro se situa.

No que respeita ao túmulo de Teseu, importa realçar que se tornou em um abrigo onde os mais desprotegidos buscavam refúgio. Tal facto evidencia a humanidade ( ) que caracterizava a personalidade do herói, retratada, por exemplo, nas tragédias de Eurípides ou no Édipo em Colono de Sófocles e na oratória, textos nos quais Teseu surge como alguém sempre pronto a defender os fracos e a justiça266. E prenuncia o apoio que Atenas viria

a dar àqueles povos que mais tarde pediram o seu auxílio.

Plutarco finaliza a biografia de Teseu com uma alusão às cerimónias que eram anualmente celebradas em sua homenagem. Importa, acerca deste assunto, fazer duas chamadas de atenção: a primeira, para salientar que este é um elemento que só ocorre em algumas biografias de fundadores ou de figuras

261 Thes. 35. 8. Esta aparição miraculosa foi retratada no Pórtico Pintado; cf. Paus. 1. 15. 3. 262 Cf. Cim. 8. 5-7. A propósito da discussão desta data, vide Podlecki (1975: 1-20). 263 A semelhança entre os dois casos é mencionada por Pausânias (3. 3. 5-8). Sobre este

assunto, vide Moreau (1990, 209-218).

264 Ao lado da de Teseu foram igualmente encontradas armas de bronze (Thes. 36. 2). Tal

achado reveste-se de particular importância, pois o facto de as armas serem de bronze funcionava como «certificado» da antiguidade da ossada, já que as armas dos heróis míticos eram fabricadas, segundo a tradição, nessa liga metálica.

265 Acreditavam os antigos que os primitivos heróis eram verdadeiros gigantes. Cf. Il. 1.

262-272; Hdt. 2. 91. 3.

Fim de Vida

de cariz mitológico (como no caso da de Licurgo – Lyc. 30. 6-7), já que, por norma, os políticos «humanos» não eram agraciados com tais cerimónias. O outro pormenor que sobressai é o facto de essas festas ocorrerem no dia oito do mês de Pianépsion, que coincide com a data do seu regresso de Creta. O oitavo dia de cada mês era consagrado a Poséidon, pelo que muitos defendem que essa coincidência se deve à tradição que fazia de Teseu filho deste deus olímpico267.

Do esforço empreendido pelo biógrafo para traçar o perfil de uma figura mitológica em um enquadramento histórico, resulta um Teseu humano que, como o comum dos mortais, possui virtudes e vícios, o maior dos quais é o de se deixar guiar por paixões que põem em causa as suas qualidades inatas de bom político e a obra delas resultante.

A sua ação e as suas virtudes e vícios prefiguram o futuro político de Atenas, incluindo muitos aspetos da maneira de ser dos bons e dos maus homens de Estado. No decurso da análise do perfil de Péricles e Alcibíades (segundo Plutarco), procuraremos comprovar isso mesmo.

267 Sobre este assunto, vide Flacelière (1948: 84). A propósito da organização das festas em

Parte IV

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