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CAPÍTULO 3 - AÇÕES AFIRMATIVAS

3.2 AÇÕES AFIRMATIVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A distribuição de posições e de poder que a discriminação positiva ajuda a buscar flui e muda naturalmente de acordo com milhões de eleições que as pessoas realizam por si mesmas. Se o programa funciona e consegue melhorar a posição geral de qualquer minoria – como o estudo River sugere que acabou por melhorar a posição dos negros –, isto só é assim, porque outros indivíduos têm buscado explorar seus resultados: uma maior quantidade e variedade de graduados com a motivação, o auto-respeito e a formação necessários para contribuir efetivamente em suas vidas. Desta forma, a discriminação positiva nas Universidades logra fazer a estrutura econômica e social eventual da comunidade não mais, porém menos artificial; não produz nenhuma balcanização, senão, que ajuda a dissolver a agora existente. Se os juízes reconhecem este objetivo que nossas melhores universidades intentam lograr, assim como a necessidade acadêmica da diversidade educativa, então, nos brindarão com uma grande ajuda. Atuarão não só como juízes, permitindo a continuidade de uma iniciativa educativa crucial, senão também como professores, ajudando a explicar à nação os custos verdadeiros e contínuos que para todos significam nosso passado racista e a clara promessa de uma política educativa que possa ajudar-nos a buscar, se realmente queremos, uma união mais perfeita.

A experiência americana após trinta anos de ações afirmativas, analisada pela cabeça privilegiada de Dworkin, não permite seja por nós brasileiros, ignorada. Trata-se de uma grande responsabilidade para com o futuro da sociedade brasileira, se a queremos uma sociedade mais justa, solidária e igual.

3.2 AÇÕES AFIRMATIVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O Brasil é uma nação que está muito marcada pela desigualdade racial. É o que demonstram os dados a seguir:

- São negros 64% dos pobres e 69% dos indigentes do País148;

- O Brasil ocupa a 74.o lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. Se fosse considerada apenas a qualidade de vida dos brancos, o país ocuparia o 46.o lugar. Considerada apenas a qualidade de vida dos negros, seria o 101.o lugar149;

148 Revista Carta Capital n.o 175, p.25 – dados do IPEA

149 Jornal Folha de S.Paulo, 6 nov. 2002, p. C-1 – dados de pesquisa feita por Marcelo Paixão, Prof. da UFRJ

- O índice de analfabetismo funcional entre maiores de 15 anos de idade é de 21,7% entre os brancos, 39,1% entre os pardos e 40,9% entre os negros150;

- O índice de analfabetismo funcional entre maiores de 15 anos é de 21,7% entre os brancos, 39,1% entre os pardos e de 40,9% entre os negros151; - Nas universidades públicas, os negros, pardos e mulatos, juntos repre-sentavam 21,4% dos formandos de 2000. Nas particulares, reprerepre-sentavam 13,1%152;

- Os negros representavam 2,2% dos formandos nos cursos avaliados pelo MEC em 2000. No curso de Medicina, o percentual cai para 1% e no de Odontologia para 0,7%153;

- Do total de 594 parlamentares eleitos para o Congresso Nacional em 1998, apenas 33 eram mulheres: 28 deputadas, no total de 513 representantes na Câmara dos Deputados, e 5 senadoras, no total de 81 representantes no Senado Federal154;

- 65% das crianças negras até os 6 anos são pobres. Entre os brancos o percentual é de 38%155.

Tais índices, registrados após dez anos da promulgação da Constituição, atestam a permanência de uma desigualdade marcantemente racial na sociedade

150 Dados do PNAD de 1999, constantes da publicação de Ações Afirmativas – gênero e raça/ etnia, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, p.11.

151 Idem.

152 Jornal Folha de S.Paulo, 1.o set. 2001, p.A-9. 153 Jornal Folha de S.Paulo, 14 jan. 2001, C-1.

154 Dados da Fundação SEADE, constantes da publicação mulher e mercado de trabalho no Estado de São Paulo, 2000, p.19.

brasileira. As conquistas sociais e culturais no Brasil acabaram por deixar à margem parcela significativa da sociedade.

O Estado brasileiro não pode olvidar o dever de implementar as normas constitucionais o que implica a busca do respeito à igualdade material, para que os preceitos tenham efetividade156 no plano social, caso contrário, corre-se o risco de serem apenas programáticos157.

No que se refere à questão racial, o principal desafio que se apresenta para o Poder Público é implementar o Princípio Constitucional da Igualdade, de um lado coibindo toda e qualquer forma de discriminação e, de outro, pela execução de medidas que reduzam a desigualdade social.

No tocante ao combate à discriminação, as práticas discriminatórias não são devidamente coibidas pelas instituições nacionais, o arcabouço jurídico não oferece respostas objetivas capazes de punir adequadamente os autores de delitos. A isso, acrescente-se o fato de serem insuficientes os mecanismos de promoção e implementação da igualdade material devidamente institucionalizado.

156 O termo efetividade assinala a concretização do comando normativo, sua força operativa no mundo dos fatos. (FERRARI, Regina M. M. Nery. Normas constitucionais programáticas: normatividade, operatividade e efetividade. São Paulo: RT, 2001. p.251).

157 Canotilho defende a "morte" das normas constitucionais programáticas: "[...] Existem, é certo, normas-fim, normas-tarefa, normas programa que impõem uma actividade e dirigem materialmente a concretização constitucional. O sentido destas normas não é porém, o assinalado pela doutrina tradicional: simples programas [...] Concretizando melhor, a positividade jurídico-constitucional das normas programáticas significa fundamentalmente: (1) vinculação do legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição constitucional); (2) vinculação positiva de todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração como directivas materiais permanentes, em qualquer dos momentos da actividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição); 3 vinculação, na qualidade de limites materiais negativos, dos poderes públicos, justificando a atual censura, sob forma de inconstitucionalidade, em relação aos actos que as contrariam". (CANOTILHO, op. cit., p.1103).

Inobstante a pouca evolução que se refere à igualdade material nas últimas décadas158, foi na década de 1990 que mais se legislou a respeito, no Brasil. A Constituição Federal de 1988, a demanda dos novos movimentos sociais, a atuação de ONGs159 voltadas para a questão racial, são alguns dos fatores que constituem a base causal da referida ampliação da tutela normativa da igualdade racial.

Um acontecimento importante para a discussão e implementação do tema das Ações Afirmativas no Brasil foi o Seminário Internacional intitulado (Multiculturalismo e racismo: papel da Ação Afirmativa nos Estados contemporâneos). Esse evento foi organizado pelo Departamento dos Direitos Humanos, da Secretaria dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça. Realizado em julho de 1996, na UnB, diversos intelectuais participaram de forma ativa, no sentido de trazer, para o campo científico e político, a adoção de políticas públicas de combate à discriminação racial e ao racismo.160

158 Tome-se como exemplo o seguinte dado: segundo o IPEA, a média de estudo dos brancos adultos é de 6,6 anos, enquanto a dos negros é de 4,4 anos, praticamente a mesma, do início do século passado. Ainda de acordo com o IPEA, os brancos devem alcançar em 13 anos a média de 8 anos de estudo, enquanto os negros demorarão 32 anos para atingir a mesma meta. (Jornal Folha de S.Paulo, 30 jan. 2002, p.C-5).

Por outro lado é interessante notar que, de acordo com o IBGE a educação foi à área em que se constatou maior avanço na situação da mulher em relação ao senso de 1991. Chega a ser curiosa a seguinte passagem de uma matéria jornalística: "A área onde a situação da mulher mais avançou no país, na década de 90, foi à educação. Tanto que o Ministério da Educação já começa a se preocupar em realizar Ações Afirmativas para beneficiar os jovens do sexo masculino matriculados no ensino fundamental e médio." (Jornal Folha de S.Paulo, 08 mar. 2002, PC6). 159 Organização não-Governamental. Organização de caráter privado, mas sem fins lucrativos. Volta-se

para interesses coletivo, mas muitas vezes exercendo funções que caberiam às instituições estatais. O que move as ONGs é a visão de solidariedade e de justiça social, emanada na ética humanista. As ONGs podem se constituir sob forma de sociedade civil ou fundação. (LEONELLI, Vera (Org.). ABC direitos humanos:dicionário. Salvador: UNICEF, Projeto Axé, 2000. p.79). 160 GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. Ações afirmativas para população negra nas universidades

brasileiras. In: SANTOS, R. E.; LOBATO, F. (Orgs.). Ações afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p.93-94.

O evento contou com a participação do então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que se manifestou nos seguintes termos:

Brasil é um país que discrimina racialmente os negros, solicito aos participantes do evento a serem inovadores e criativos no sentido de ajudar o Estado brasileiro a buscar soluções contra o racismo no país [...] nós no Brasil, de fato convivemos com a discriminação e convivemos com o preconceito, mas as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam com lá, o que significa que a discriminação e o preconceito que aqui temos não são iguais aos de outras formações culturais. Portanto, nas soluções para esses problemas, não devemos simplesmente imitar. Temos de ter criatividade, temos que ver de que maneira a nossa ambigüidade, essas características não cartesianas do Brasil – que dificultam tanto em tantos aspectos –, também podem ajudar em outros aspectos. Devemos, pois,buscar soluções imaginadas para situações em que também há discriminação e preconceito, mas em um contexto diferente do nosso. É melhor, portanto, buscarmos uma solução mais imaginativa [...], a discriminação parece se consolidar como alguma coisa que se repete, que se reproduz. Não se pode esmorecer na hipocrisia e dizer que o nosso jeito não é esse. Não, o nosso jeito está errado mesmo, há uma repetição de discriminação e há inaceitabilidade do preconceito. Isso tem de ser desmascarado, tem de ser realmente, contra atacado, não só verbalmente, como também em termos de mecanismos e processos que possam levar a uma transformação, no sentido de uma relação mais democrática entre as raças, entre os grupos sociais e entre as classes.161

A manifestação do Presidente da República movimentou vários setores da sociedade de modo que a sua "vontade política" tomasse corpo e forma, por meio de medidas governamentais, no sentido de responder às pressões sofridas internamente e também no exterior, para modificar os rumos das relações raciais brasileiras.

Com vistas a valorizar a população negra, o governo criou o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), em 20de novembro de 1995, que foi instalado em 27de fevereiro de 1996, com o objetivo de "inscrever a questão do negro na agenda nacional". O que fez o grupo constar do preâmbulo na Carta Magna "Instituir um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

161 CARDOSO, Fernando Henrique. Pronunciamento do presidente da República na abertura do seminário Multiculturalismo e Racismo. In: SOUZA, Jessé (Org.). Multiculturalismo e racismo: uma comparação Brasil - Estados Unidos. Brasília: Paralelo 15, 1997. p.14-16.

individuais, [...] a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos [...]".

Assim, ficou consagrado na Constituição que o Estado deve recriar e organizar as instituições da República segundo os ditames democráticos de modo a eliminar as desigualdades e injustiças, conforme bem salientou o Ministro Joaquim Barbosa:

Divergências também existem quando se indaga se na implementação do princípio constitucional da igualdade o Estado deve assegurar apenas uma certa "neutralidade processual" ou, ao contrário, se sua ação deve se encaminhar de preferência para a realização de uma igualdade de resultados ou igualdade material. A teoria constitucional clássica, herdeira do pensamento de Locke, Rosseau e Montesquieu, é responsável pelo florescimento de uma concepção meramente formal de igualdade a chamada igualdade perante a lei. Trata-se em realidade de uma mera igualdade de meios. As notórias insuficiências dessa concepção de igualdade conduziram paulatinamente a adoção de uma nova postura, calcada não mais nos meios que se outorgam aos indivíduos num mercado competitivo, mas nos resultados efetivos que eles podem alcançar. Resumindo singelamente a questão, diríamos que as nações que historicamente se apegaram ao conceito de igualdade formal são aquelas onde se verificam os mais gritantes índices de injustiça social, eis que, em última análise, fundamentar toda e qualquer política governamental de combate à desigualdade social na garantia de que todos terão acesso aos mesmos instrumentos de combate corresponde, na prática, a assegurar a perpetuação da desigualdade. Isto porque essa opção processual não leva em conta aspectos importantes que antecedem a entrada dos indivíduos no mercado competitivo. Já a chamada igualdade de resultados tem como nota característica exatamente a preocupação com os fatores externos a luta competitiva como classe ou origem social, natureza da educação recebida, que tem inegável impacto dobre o seu resultado.162

São precisas as afirmações do ministro Joaquim Barbosa, que se manifesta no sentido de identificar o apego à isonomia formal como um fator que leva à desigualdade social, amplamente comprovada pelos índices e projeções que solidificam as estatísticas nacionais. A dinâmica que está sendo utilizada em nossa sociedade é de estabelecer metas com o apoio dos princípios constitucionais, direitos fundamentais e legislações infraconstitucionais que acolhem dispositivos legais de suporte para que os mais necessitados sejam amparados e protegidos.

No Supremo Tribunal Federal encontram-se posições fundamentadas como a do Ministro Marco Aurélio Mello, que, ao abordar o tema das Ações Afirmativas, escreve:

do Artigo 3.o vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma Ação Afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a hiperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual. [...] Posso asseverar, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática, meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos 'construir', 'garantir', 'erradicar' e 'promover' implicam, em si, mudança de óptica, ao denotar 'ação'. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar – e encontramos, na Carta da República, base para faze-lo – as mesmas oportunidades.163

É necessário frisar que a Constituição compreende muito bem o sentido pacificador do Direito. As normas jurídicas procuram ser substitutas das armas na defesa dos interesses individuais e de grupos. Essa pretensão do Direito só é alcançável quando se tem um consenso acerca daquilo que seja constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal. No momento em que a Constituição reconhece as desigualdades e a discriminação existente na sociedade, ela procura servir de instrumento para corrigir essas distorções e maximizar o potencial do Direito como pacificador social.

Essa compreensão da Constituição de 1988 encontra aporte na doutrina e na jurisprudência nacionais. José Afonso da Silva, por exemplo, escreve:

nossas constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade, como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos. A compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5.o, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com outras normas constitucionais, conforme apontamos supra e, especialmente, com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social.164

163 MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. Ótica constitucional: a igualdade e as ações afirmativas. In: SEMINÁRIO DISCRIMINAÇÃO E SISTEMA LEGAL BRASILEIRO. Anais... Tribunal Superior do Trabalho, 20 nov. 2001. p.23.

164 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p.205.

O Prof. Clèmerson Merlin Clève, ao abordar o tema da igualdade racial em face da proposta de Emenda Constitucional n.o 44/2001 de autoria do Senador Geraldo Cândido, com a qual se almeja implementar, mediante a criação do Fundo para a Promoção Econômica e Social dos Afro-descendentes, Ações Afirmativas em favor dos afro-descendentes, nas áreas de educação, produção, emprego e renda, concluiu:

Dentre as três grandes nações ocidentais (Estados Unidos, África do Sul, Brasil) marcadas pela agudeza das desigualdades sociais fundadas no fator racial, o Brasil é o país que apresenta as mais gritantes desigualdades de fundo racial, todavia jamais se cogitou da edição de medidas de cunho promocional, integrativo, suscetível de inserir os negros em igualdade de condições no mercado de trabalho e de propiciar-lhes acesso à boa educação. Diante dessa conjuntura, é salutar a implementação de ações afirmativas, tal como levado a cabo na referida Proposta de Emenda; eis que tais mecanismos buscam contribuir para mitigar a desigualdade gritante e para evitar a perpe-tuação de um apartheid informal no Estado Brasileiro.

Aliás, frise-se, por oportuno, que a adoção da discriminação positiva contribui não só para efetivar materialmente o princípio constitucional da igualdade, mas também, para atender à necessidade de promoção do bem-estar de todos e da dignidade da pessoa humana.

[...]

Por derradeiro, são insofismáveis a relevância e a pertinência das ações afirmativas para a concretização do princípio da igualdade e para a redução das desigualdades, no entanto cumpre repudiar a adoção de medidas que, a pretexto de efetivarem tal princípio, acarretem a instauração do extremo oposto, isto é, da discriminação inversa.165

Em decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança n.o 2005.70.00.001963-0, o Juiz Federal Vicente de Paula Ataíde Junior alerta:

não basta afirmar na Constituição que todos são iguais perante a lei, sem nenhuma discriminação; [...] é imprescindível consolidar uma igualdade substancial, ou seja, que busque realizar a igualização das condições desiguais. [...] Nesse ponto, não é preciso lançar mão de estatística ou de outros dados do IBGE para afirmar que a pessoa negra no Brasil ainda sofre com o preconceito e a discriminação, um dos fatores mais relevantes que intensificam a marginalização da raça e, como subproduto, o quase nulo acesso ao ensino superior.

165 CLÈVE, Clèmerson Merlin; RECK, Melina Breckenfeld. As ações afirmativas e a efetivação do princípio constitucional da igualdade. A & C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, Ano 3, n.11, p.35, jan./mar. 2003.

A doutrina estrangeira, visualiza o princípio da igualdade não apenas como um princípio do Estado de Direito, mas também como do Estado social. Para Canotilho:

independentemente do problema da distinção entre "igualdade fática" e "igualdade jurídica" e dos problemas econômicos e políticos ligados à primeira (exemplo: políticas e teoria da distribuição e redistribuição de rendimentos), o princípio da igualdade sob o ponto de vista jurídico Constitucional, assume relevo enquanto princípio de igualdade de oportunidades (Equality of opportunity) e de condições reais de vida. Garantir a "liberdade real" ou "liberdade igual" (Gleich Freiheit) é o propósito de numerosas normas e princípios consagrados na Constituição (exemplo: CRP o art. 74 – ensino).166

Ainda segundo Canotilho, essa igualdade assume dois aspectos:

(i) conexiona-se "com uma política de 'justiça social' e com a concretização das imposições constitucionais tendentes à efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais"; (ii) é inerente à "própria idéia de igual dignidade social (e de igual dignidade da pessoa humana) consagrada no art. 13/2 que, deste modo, funciona não apenas como fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, objetivas ou subjetivas, mas também como princípio jurídico-Constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador da violação da igualdade por comportamentos omissivos (inconstitucionalidade por omissão)".167

Para Jorge Miranda o sentido primário do princípio da igualdade é negativo, ou seja, consiste na vedação de privilégios e de discriminações. No entanto, observa o professor da Universidade de Lisboa:

privilégios são situações de vantagem não fundadas e discriminações situações de desvantagem; ao passo que discriminações positivas são situações de vantagem fundadas, desigualdades de direito em conseqüência de desi-gualdades de fato e tendentes a superação destas.168

166 CANOTILHO, op. cit., p.567.

167 CANOTILHO, op. cit., p.567-568. Consta da Constituição Portuguesa, artigo 13 – (Princípio da Igualdade) 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação econômica ou condição social". 168 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000. Tomo IV. p.213-214.

Um dos grandes princípios consagrados nessa nova óptica Constitucional é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana169, que está determinado no Art. 1 inciso II da CF de 88. Nos termos postos pela Prof.a Maria Berenice Dias:

[...] A preocupação com o promoção dos direitos humanos e da Justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. Sua essência é difícil de ser capturada em palavras, mas incide sobre uma infinidade de situações que dificilmente se podem elencar de antemão. [...] O princípio da dignidade humana é o mais universal de todos, é um macro princípio do qual irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, e solidariedade, uma coleção de princípios éticos. [...] Representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade.

Um marco importante estabelecido na Constituição de 1988 é o que