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CAPÍTULO 2 - O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL

2.2 DISCRIMINAÇÃO E RACISMO

dado um mesmo ponto de partida, a posição que enfim ocuparão dependerá exclusivamente da velocidade com que tiverem corrido e da distância alcançada. O liberalismo clássico afirmava que a Igualdade de oportunidades é possível mediante a igual atribuição dos direitos fundamentais [...].

Mais tarde veio a reconhecer-se que a igualdade de direitos não é suficiente para tornar acessíveis a quem é socialmente desfavorecido as oportunidades de que gozam os indivíduos socialmente privilegiados. Há necessidades de distribuições desiguais para colocar os primeiros ao mesmo nível de partida; são necessários privilégios e benefícios materiais para os economicamente não privilegiados.99

Não obstante a lição esclarecedora do autor, discorda-se do termo 'privilégio', por ele adotado, pois, como se trata de pessoas entre as quais impera a desigualdade, esta equiparação não seria um privilégio e sim um mecanismo de nivelação de modo a sanar as desigualdades sociais e econômicas existentes.

A implementação e concretização do direito à igualdade e respeito a todas as pessoas em sua dignidade é objetivo a ser alcançado a partir do confronto com a discriminação sob todos os seus aspectos e formas.

2.2 DISCRIMINAÇÃO E RACISMO

Conviver significa tolerar e respeitar os outros. Igualdade e justiça são valores a serem respeitados a qualquer custo; a intolerância racial, baseada em critérios físicos ou sociais, é antecedida pelo preconceito e conseqüente discriminação. É nesse sentido que o princípio da tolerância consiste no reconhecimento da diferença, seja ela religiosa, política ou racial. A tolerância100 em sentido positivo é o reconhecimento fraterno e solidário. A intolerância é a tolerância negativa, é o repúdio. A pessoas devem ter seus direitos respeitados para que haja uma convivência pacífica em

99 BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, op. cit., p.604.

100 A intolerância sempre teve seus artifícios para excluir das comunidades "os diferentes", os "indesejáveis" ou mesmo qualquer outro. É neste sentido que a intolerância racial se dá no não-reconhecimento do "outro" como ser humano. Tolerar significa portar, suportar, conviver com a diferença. (ABREU, Sergio. Os descaminhos da tolerância: o afro-brasileiro e o princípio da isonomia e da igualdade no direito constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999. p.65).

sociedade. O termo discriminação surge em meados do século XIX na França e na Alemanha, não tendo o condão de diferenciar. A idéia era utilizá-lo para definir o fato de distinguir ou discernir. A utilização nos tratamentos diferenciados, desigual, aplicado aos homens ou grupos, surge no século XX, na economia, no direito e na política, referindo-se às minorias e a todas as faces de tratamento desigual101.

O mecanismo que foi bastante utilizado para selecionar as pessoas ou dotá-las de privilégios ou prerrogativas por muitos e muitos anos, seja num papel político de atuação dos governos, seja no controle social e econômico de diferenciar as culturas minoritárias, foi a discriminação, que, na forma de seleção, alcançou alguns objetivos que foram sendo adotados e assimilados conforme a conveniência e oportunidade.

O ministro do STF Joaquim Barbosa assim se refere à discriminação:

[...] A discriminação, como um componente indissociável do relacionamento entre os seres humanos, reveste-se inegavelmente de uma roupagem competitiva. Afinal, discriminar nada mais é do que uma tentativa de se reduzirem às perspectivas de uns em benefícios de outros. Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos os mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra à clivagem entre discriminador e discriminado. Daí resulta inevitavelmente, que aos esforços de uns em prol da concretização da igualdade se contrapõem os interesses de outros na manutenção dos status quo.102

A discriminação – ação que discrimina – consiste em ato ou conduta (comissiva ou omissiva) que viole direitos com base em critério arbitrário, independentemente da motivação que lhe deu causa (credo no racismo, porte de preconceito, temor de represália etc.). O sistema jurídico vigente no Brasil estabelece a sua modalidade direta e indireta.

101 ABREU, op. cit., p.65.

Discriminação direta é aquela presente em uma situação concreta, estado ou comportamento determinados, expressa de forma objetiva e abertamente. No dizer do Ministro Joaquim Barbosa:

O tratamento discriminatório é a mais trivial forma de discriminação. A pessoa vítima da discriminação é tratada de maneira desigual, menos favorável, seja na relação de emprego ou em qualquer outro tipo de atividade, única e exclusivamente em razão de sua cor, raça, sexo, origem ou qualquer outro fator que a diferencie da maioria dominante.103

O Art. I, item 1, da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, estabelece:

Para fins da presente convenção, a expressão "discriminação racial" significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos políticos, econômicos, social, cultural, ou em qualquer outro campo da vida pública.

O Art. 1.o, da Convenção 111, Concernente à Discriminação em matéria de Emprego e Profissão (Promulgada pelo Decreto n.o 62.150, de 19/01/1968), preceitua:

Para ao fins da presente convenção, o termo "discriminação" compreende: Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

Já discriminação indireta é aquela cujo efeito, independentemente da causa, resulte em discriminação. Note-se que a discriminação pode ser praticada por indivíduos ou instituições. A discriminação institucional acentua o caráter rotineiro e

contínuo da discriminação, "aberta ou encoberta; visível ou escamoteada", diferente da discriminação tradicional, que sempre é um fenômeno "aberto e escancarado".104 Para se estabelecer um bom convívio social, a discriminação, observada como conduta, como ato ou ação, sujeita seu agente à sanção civil, penal, administrativa dentre outras reprimendas. Cabendo ressaltar que o sujeito passivo da discriminação tanto pode ser um indivíduo isoladamente quanto uma coletividade.

O racismo é um comportamento social que está presente na história da humanidade e que se expressa das mais variadas formas, em diferentes contextos e ambientes. No dizer de Nilma Lino Gomes, o racismo assim se apresenta:

Um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação às pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo; por outro lado um conjunto de idéias e imagens referentes aos grupos humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores. O racismo também resulta da vontade de se impor uma verdade ou uma crença particular como única e verdadeira.105

Em outras palavras, mas com sentido muito semelhante, para Abreu, o racismo:

É o conjunto de idéias que classifica a humanidade em coletividade distintas, mas segundo atributos naturais ou culturais, estabelecendo critérios de hierarquização. A classificação baseada em critérios de superioridade racial e inferioridade racial é descrita como racista. A dinâmica do racismo fez dele um conceito em permanente discussão. A experiência norte-americana e sul africana demostraram que a hierarquização racial, com bases "cientificistas", segregou e relegou, no primeiro caso, a minoria afroamericana e, no segundo, a maioria negra sul africana, as condições sociais subalternas.106

104 CONFERÊNCIA MUNDIAL DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O RACISMO, DISCRIMINAÇÃO

RACIAL, XENOFOBIA E INTOLERANCIA CORRELATA, 3., 2001, Brasilia. Relatório do Comitê Nacional para Preparação da Participação Brasileira. Brasilia: Ministério da Justiça, 2001.p.15. 105 GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no

Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal n.o 10639/2003. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p.51.

A sociedade brasileira é formada por vários segmentos que constitui um conjunto de pessoas variadas em diversidade como: cultura, estética e etnia bastante peculiar no mundo. O conjunto de aproximadamente 4 milhões de africanos que chegaram ao Brasil por três séculos e meio no período do colonialismo, somados a imensa gama de imigrantes europeus e asiáticos que, ao longo do século XIX e XX, povoaram o nosso território, estabeleceu uma rara experiência de integração social, muito embora algumas mazelas surgiram e outras se perpetuam . E o racismo constitui uma dessas questões que deve ser enfrentado e combatido.

A prática do racismo pode desenvolver-se no âmbito individual ou mesmo no âmbito institucional. No primeiro caso, ele se manifesta por meio de atos discriminatórios cometidos por indivíduos contra indivíduos; no segundo, implica práticas discri-minatórias sistemáticas fomentadas pelo Estado ou com seu apoio indireto. Nos casos de racismo individual podem atingir altos graus de intolerância como: a prática de violência, como agressões físicas, assassinatos ou destruição de bens ou propriedades. Acontecimentos dessa ordem ocorreram, por exemplo, na África do Sul, durante o regime do Apartheid e nos conflitos raciais existentes nos Estados Unidos nas décadas de 1960, 1970 e 1980. No Brasil, muitos casos foram registrados, porém, a cordialidade brasileira é um fator que reprime e camufla esta prática na sociedade. Nos casos de racismo institucional, a prática surge de forma a isolar os negros em determinados bairros ou locais e empregos subalternos, também se manifesta em livros com fortes estereótipos e imagens modificadas da realidade (mídia, filmes, novelas), com personagens que retratam o povo negro diferente da história oficial107.

O certo é que as diferenças raciais persistem, pois o trato social com os negros não foi de equilíbrio e igualitário. Desde o princípio histórico viveram sob o estigma das discriminações, violações de toda ordem, desrespeitos atentatórios à

dignidade das pessoas. A expressão principal dessas disparidades raciais é a distribuição desigual da riqueza e de oportunidades. 108

O desafio é o de impulsionar indivíduos, instituições e sociedades para além desta prática nefasta do racismo, tanto na prática quanto na crença, desenraizando as atitudes, as políticas e os arranjos institucionais que promovem e sustentam as desigualdades.