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A Legislação Antidiscriminatória Pós-Constituição Federal de 1988

CAPÍTULO 2 - O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL

2.3 GARANTIAS CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL

2.3.3 A Legislação Antidiscriminatória Pós-Constituição Federal de 1988

Outra manifestação expressa na Constituição Federal no sentido de promover a cultura afro-brasileira é o que estabelece a Seção II, Art. 215, parágrafo 1.o e 2.o que assim se manifesta: "O Estado protegerá as manifestações das culturas populares indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional". E em seguida: "A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais".

Com relação à cultura, deve-se frisar que o Art. 242 da Constituição Federal assim se manifesta: "O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro". No ano de 2003 passou a vigorar a Lei n.o 10.639 que altera a Lei n.o 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e base da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e cultura afro-brasileira" nos estabelecimento de ensino fundamental e médio, particular e oficial, alterando o conteúdo programático das escolas brasileiras, incluindo o estudo do povo negro e suas contribuições sociais, econômicas, políticas, resgatando assim o seu papel histórico.

2.3.3 A Legislação Antidiscriminatória Pós-Constituição Federal de 1988

A Lei n.o 7.716/89115 passou a vigorar tendo em vista o preceito consti-tucional do Art. 5, inciso XLII, que estabeleceu a prática de racismo como crime (inafiançável e imprescritível) ficando sujeito ao autor à pena de reclusão. À época a Lei foi sancionada com muitos vetos da Presidência da República, havendo pouco avanço em relação à Lei Afonso Arinos. A legislação não avançou na definição de práticas discriminatórias, bem como na hipóteses de ilícitos penais; entre os juristas e operadores do direito várias críticas foram formuladas, o que prejudicou em

115 MARTINS, Sergio da Silva. Direito e combate à discriminação Racial no Brasil. In: GUIMARÃES, A. S. A.; HUNTLEY, L. (Orgs.). Tirando a máscara: ensaio sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p.426-427.

demasia a sua aplicação. Nos anos seguintes, essa lei sofreu três modificações bastante importantes, como será mostrado a seguir.

A primeira delas foi realizada por meio da Lei n.o 8.821/90, que define como crime "o incentivo à discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, pelos meios de comunicação ou publicação de qualquer natureza." Prevê ainda a legislação, como medida cautelar, a possibilidade de recolhimento do material de divulgação de idéias discriminatórias. Na sentença, o magistrado poderá determinar a suspensão do funcionamento do estabelecimento por três meses e a destruição do material apreendido.

A segunda modificação foi trazida pela Lei n.o 8.882 /94, que "acrescentou a proibição de fabricação, comercialização e a veiculação de símbolos nazistas".

A terceira refere-se à Lei n.o 9.459/97, que ampliou a sua extensão para punir os crimes resultantes de discriminação ou preconceito, bem como criou um novo tipo penal na ordem jurídica brasileiro, a chamada injúria racial, que estabeleceu o parágrafo 3.o no Art. 140 do Código Penal Brasileiro.

As legislações antidiscriminatórias apresentam falhas. Não definem concretamente o que é racismo e tampouco apresentam uma enumeração exaustiva de suas práticas. Também desponta contra as referidas leis sua difícil aplicação, já que não criam mecanismos que facilitam a prova de efetiva prática desse crime. Por outro lado, ao tornar necessário o tipo subjetivo "intenção discriminatória", conduz a situações em que a palavra do agressor compete com a do agredido. Tais falhas e deficiências na legislação penal têm representado um entrave histórico para a efetiva tutela penal dos atos atentatórios ao princípio da isonomia constitucional.

A questão se apresenta de forma bastante complexa e se faz necessária a utilização de mecanismos reais para a promoção de isonomia plena e de inclusão da população afro-descendente.

Na esfera Internacional muito se tem buscado para se estabelecer novos parâmetros de conduta, a repressiva punitiva por intermédio de legislação e o aparato judicial e a promocional que objetiva promover e avançar a igualdade. Métodos

isolados não têm surtido efeitos práticos de forma eficaz tornando seu caminho inócuo. O ideal a se perseguir é a conjugação destes fatores (repressiva-punitiva com o lado promocional), ou seja, o caminho é a adoção da discriminação positiva, as chamadas Ações Afirmativas, conforme estabelece a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (Art. 1 parágrafo 4.o). Sobre isso, bem se posicionou Flavia Piovesan:

[...] Faz-se necessário combinar a proibição da segregação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade, no sentido de que ela se configure como um processo. Isto é, para assegurar a igualdade não basta apenas proibir a discriminação, mediante legislação repressiva. São essenciais as estratégias promocionais capazes de estimular a inserção e inclusão de grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais. Com efeito, a igualdade e a discriminação pairam sobre o binômio inclusão-exclusão. Enquanto a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a discriminação implica na violenta exclusão e intolerância à diferença e à diversidade. O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem debaixo de uma consistente padrão de violência e preconceito. Neste sentido, como poderoso instrumento de inclusão social, situam-se as ações afirmativas. Essas ações constituem medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da equidade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais e as mulheres, dentre outros grupos.

Esse tipo de ação, como políticas compensatórias, adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado de discriminação, cumprem uma finalidade pública decisiva ao projeto democrático, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social. Elas constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que esta deve se moldar na forma do respeito à diferença e a diversidade. Por meio delas, transita-se da igualdade formal para a igualdade material substantiva.116

O caminho a ser trilhado é a efetiva implementação da igualdade em qualquer âmbito de um Estado democrático pluralista. Em última análise, a democracia significa igualdade no sentido de promover o nivelamento desses direitos fundamentais, ainda mais nos Estados onde imperam e desigualdade social e a ampliação das

116 PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas sob a perspectiva dos direitos humanos. In: DUARTE, Evandro C. Piza; BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima; SILVA, Paulo Vinícius Baptista (Coords.). Cotas raciais no ensino superior: entre o jurídico e o político. Curitiba: Juruá, 2008. p.21.

miséria por completo. E é essa a realidade sentida por todos no Brasil, conforme os dados anteriormente apresentados que revelam a fragilidade social em que se encontra a população negra, além da ausência de políticas públicas eficazes destinadas e reverter o presente quadro institucional.

CAPÍTULO 3