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4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.3 POLÍTICAS DE COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL

4.3.2 Ações de Enforcement

Como abordado no referencial teórico (item 2.2.2), uma das causas da corrupção brasileira é atribuída à deficiência dos sistemas de enforcement no Brasil, que reforçam a sensação de impunidade. No Brasil, as instâncias de apuração de responsabilidade administrativa, civil e criminal são independentes entre si, cabendo a CGU atuar administrativamente apenas no âmbito do Poder Executivo Federal. Para os casos em que são identificadas situações envolvendo outras esferas de poder ou de responsabilidade, a CGU comunica aos órgãos responsáveis, nos termos do ordenamento jurídico pátrio.

4.3.2.1 Responsabilização de Servidores Públicos

A atuação da CGU na seara da responsabilização administrativa é feita por meio da Corregedoria-Geral da União (CRG), Órgão Central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, que supervisiona todas as atividades relacionadas a apuração de responsabilidade no âmbito do Executivo, bem como conduz comissões de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nos casos mais relevantes e relacionados a altas autoridades da administração pública federal.

Os números dos servidores públicos federais que tiveram punições expulsivas, no período de 2003 a 2016, demonstram que aproximadamente dois terços das demissões (66,32%) tiveram como causa atos relacionados a corrupção, conforme tabela a seguir:

Tabela 5 – Punições Expulsivas por Fundamentação

Fundamento 2003 a

2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Total

Ato Relacionado à Corrupção * 2025 361 315 379 363 332 343 4118

Abandono de Cargo, Inassiduidade

ou Acumulação Ilícita de Cargos 665 107 154 98 126 138 158 1446 Proceder de Forma Desidiosa 105 14 6 12 11 9 10 167

Participação em Gerência ou Admin.

de Sociedade Privada 38 4 4 5 3 15 2 71

Outros 169 47 26 37 44 47 37 407

Total 3002 533 505 531 547 541 550 6209

Fonte: Controladoria-Geral da União

*São consideradas penalidades fundamentadas em atos relacionados à corrupção aquelas efetivadas com base nos incisos LXI e IX , do artigo 43, da Lei n° 4878/65, nos incisos IX, XII, XIII e XVI do artigo 117 , da Lei n° 8112/90, e incisos IV, X e XI, do artigo 132, da Lei n° 8112/90.

A representação gráfica da tabela 5, a seguir, demonstra a dimensão das punições motivadas por atos de corrupção em relação ao total de punições expulsivas aplicadas:

Gráfico 5 – Representação gráfica das punições por fundamentação

Fonte: Controladoria-Geral da União

Apesar de o Poder Executivo Federal ter estruturado um sistema de correição, ao se avaliar os números apresentados pela CGU, a situação mostra-se preocupante quando Alencar e Gico Jr. (2011), ao investigar a eficácia do sistema judicial brasileiro na penalização de servidores públicos federais demitidos por corrupção no período de 1993 a 2005, constataram que apenas um terço dos servidores públicos demitidos administrativamente (34,01%) são processados criminalmente e menos de um quarto (24,26%) responderam a processos judiciais cíveis. Além das baixas chances de os servidores virem a ser processados, a condenação judicial parece ser uma realidade distante, conforme afirmam os autores:

[...] a chance de ser efetivamente condenado criminalmente é de meros 3,17%, enquanto a chance de ser responsabilizado civilmente é – novamente – ainda menor, apenas 1,59%.

Diante desses resultados, é possível afirmar-se que a eficácia do sistema judicial no combate à corrupção no Brasil é desprezível, o que apenas torna o controle administrativo ainda mais relevante. (ALENCAR; GICO JR, 2011).

Por outro lado, a pesquisa revelou positivamente que apenas 4,5% dos servidores demitidos (441) foram judicialmente reintegrados, de onde se pode concluir que é um mito a afirmação de que os processos administrativos de

demissão são majoritariamente anulados pelo Poder Judiciário (ALENCAR; GICO JR, 2011).

O entrevistado nº 01, ao ser perguntado sobre a atuação da CGU na promoção do enforcement, relatou que à época de criação da CGU havia um clima de impunidade na administração pública e que sua criação nasceu com a perspectiva de dar uma basta a essa impunidade. Acrescentou que grande parte dos dirigentes federais à época, ao serem cobrados pela CGU quanto às apurações, respondiam que não tinham servidores capacitados a compor comissões de Processo Administrativo Disciplinar. Com isso, uma das primeiras iniciativas foi o lançamento de um programa de capacitação de membros de comissões de Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Esse programa foi dirigido ao atendimento dos órgãos federais, mas alcançou ainda servidores de outras esferas (Tribunais, Estados), quando demandado. O entrevistado informou ainda que a CGU realizou estudos visando ao aprimoramento da legislação que trata dos direitos e deveres dos servidores, com o objetivo de aprimorar o rito do processo disciplinar, mas houve dificuldades em aprovar tais mudanças, seja pela resistência dos sindicatos, seja pela dificuldade do processo legislativo em si. Destacou que uma das mudanças promovidas foi a Sindicância Patrimonial, já que dependia apenas de um decreto para sua implementação. Outra iniciativa importante destacada foi o cadastro de servidores expulsos, lançado em 2012, que possibilita evitar que servidores que foram apenados pelo governo federal venham a ser contratados por outros poderes ou esferas de governo.

4.3.2.2 Responsabilização de Pessoas Jurídicas

A Lei nº 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, representa importante avanço ao prever a responsabilização objetiva, no âmbito civil e administrativo, de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira. A lei aprovada torna as pessoas jurídicas objetivamente responsáveis pelos atos lesivos e criminosos de corrupção, independentemente da vontade das pessoas que a integram, sendo suficiente que sejam comprovados o ato de corrupção e o nexo de causalidade entre ele e a conduta de qualquer representante das pessoas jurídicas envolvidas.

Além de atender a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, a nova lei fecha uma lacuna no ordenamento jurídico do país ao tratar diretamente da conduta dos corruptores. A CGU é responsável por grande parte dos procedimentos previstos na lei, como instauração e julgamento dos processos administrativos de responsabilização e celebração dos acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo Federal.

As principais inovações da Lei Anticorrupção são:

Responsabilidade Objetiva: empresas podem ser responsabilizadas em casos de corrupção, independentemente da comprovação de culpa.

Penas mais rígidas: valor das multas pode chegar até a 20% do faturamento bruto anual da empresa, ou até 60 milhões de reais, quando não for possível calcular o faturamento bruto. Na esfera judicial, pode ser aplicada até mesmo a dissolução compulsória da pessoa jurídica.

Acordo de Leniência: Se uma empresa cooperar com as investigações, ela pode conseguir uma redução das penalidades.

Abrangência: Lei pode ser aplicada pela União, estados e municípios e tem competência inclusive sobre as empresas brasileiras atuando no exterior.

Acerca da responsabilização de pessoas jurídicas, o entrevistado nº 01 afirmou que uma vez que a apuração de responsabilidade dos servidores foi organizada, como para a ocorrência de atos de corrupção existe, via de regra, um corrupto e um corruptor, a CRG se inspirou em legislações de outros países, para responsabilizar as pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção. Inicialmente a CRG instruiu as declarações de inidoneidade, em seguida foram criados os cadastros de empresas inidôneas e suspensas, chegando aos processos de responsabilização com a Lei Anticorrupção.

Cabe destacar os cadastros de restrição relacionados às pessoas jurídicas, que são divulgados no Portal da Transparência. O primeiro foi a ser criado foi o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), lançado em 2008, com o objetivo de compilar as penalidades administrativas aplicadas pelos diversos entes federativos a empresas e profissionais que praticaram graves infrações administrativas. A partir da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) tornou-se obrigatória a manutenção do cadastro atualizado para os entes públicos, de todos os Poderes e

Esferas de Governo. Para atender a essa exigência, a CGU desenvolveu o Sistema Integrado de Registro do CEIS/CNEP, que é alimentado diretamente pelos órgãos e entidades do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios brasileiros. O CEIS tem por objetivo consolidar a relação das empresas e pessoas físicas que sofreram sanções que restringiram o direito de participar de licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública. Já o Cadastro Nacional das Empresas Punidas (CNEP) busca consolidar a relação de penalidades aplicadas pela Administração Pública a pessoas jurídicas com base na Lei 12.846/2013.

Por fim, destaca-se a criação do Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas (CEPIM), que é um banco de informações mantido pela CGU a partir de dados fornecidos pelos órgãos e entidades da administração pública federal e tem por objetivo consolidar e divulgar relação das entidades privadas sem fins lucrativos que estão impedidas de celebrar convênios, contratos de repasse ou termos de parceria com a administração pública federal, nos termos do Decreto nº 7.592, de 28/10/2011. Loureiro destaca a iniciativa do cadastro, ressaltando que: “a ação aqui se configura pela simples agilidade em reunir informações e disponibilizá- las” LOUREIRO et al. (2016, p. 393-394).

A atuação da CGU mostra resultados positivos no que se refere ao aumento do enforcement no Brasil; entretanto, a limitação da atuação disciplinar ao Poder Executivo Federal, em conformidade com sua competência institucional, demonstra a lacuna existente na Administração Pública brasileira quanto ao papel que poderia ser desempenhado por uma agência anticorrupção com atuação mais abrangente. Cabe destacar ainda a necessidade de aperfeiçoamento da legislação para combater a impunidade administrativa, bem como uma articulação do executivo com os poderes legislativo e judiciário e as demais esferas de governo, com o objetivo de aprimorar as ações de enforcement visando a reduzir a impunidade, com objetivo de alcançar a redução da corrupção no Brasil.