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4. ASPECTOS ARQUITETÔNICOS DAS CIDADES DE MARIANA E OURO

4.5. Ações modernizadoras

Em Mariana, a partir da década de 1980, observa-se uma tendência modernizadora, por parte da administração do prefeito João Ramos Filho. Em seus dois mandatos, foram construídas diversas construções ditas “modernas”. Entre elas, destacou-se o Ginásio Poliesportivo (FIG. 92 e 93) que, apesar de localizado na parte nova da cidade, foi motivo de muita polêmica, por estar apenas 400m da Catedral da Sé, construída no núcleo histórico.

Após uma fracassada tentativa por parte da SPHAN de salvar a antiga fábrica de tecidos São José, propondo ao prefeito a sua adaptação para um novo centro de lazer, em abril de 1986, a prefeitura dava início à demolição da referida edificação, datada do início deste século. Sua localização, apesar de se encontrar na chamada Cidade Nova, dista cerca de 400 metros da catedral da Sé, construída em 1711, em pleno núcleo histórico. Realizadas as concorrências públicas e divulgadas as plantas de projeto, dá-se início, em princípios de 1987, às obras físicas do ginásio, com a construção dos pilares de sustentação, com cerca de 15m de altura, equivalentes a um prédio de 5 andares.

As obras avançaram rapidamente, destacando-se um novo volume na paisagem urbana, de sete mil metros quadrados, em concreto e estrutura metálica, destoando inevitavelmente do entorno. Sua configuração arquitetônica associada a uma exagerada volumetria e tão diferenciada do contexto urbano circundante, que se impõe a sua vista de qualquer ponto da cidade. Neste aspecto, inclusive diversos partidários de João Ramos Filho observam, que o seu tamanho é exagerado e sua localização demasiadamente próxima ao núcleo histórico.

Realmente, o Ginásio Poliesportivo, com capacidade para 10.000 pessoas, em município com cerca de 20.000 habitantes, na época, expõe proporções superdimensionadas, incluindo diversas lojas no nível térreo, acima do qual encontram-se quadra e arquibancada protegidas por cobertura metálica (FISCHER, 1993: p.77).

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Segundo Fischer (1993), a representação administrativa do SPHAN comunicou o fato à Divisão Regional, em Belo Horizonte. Porém, o embargo só aconteceu no dia 16 de julho de 1987, quando a construção já se encontrava na cobertura. Sendo anulado pouco tempo depois, após realização de uma manifestação pública que concentrou cerca de cinco mil pessoas, em protesto à interrupção da obra do ginásio, que foi inaugurado em 12 de novembro de 1988.

FIGURAS 92 e 93 - Vista parcial da cidade, à esquerda as igrejas do Carmo e São Francisco de Assis, e, à direita o Ginásio Poliesportivo. Detalhe do Ginásio Poliesportivo.

Fonte: Projeto de Requalificação Urbanística e Arquitetônica - Mariana, Volume I - autor: Gustavo Penna.

Dezoito anos após, com o intuito de pleitear o título da UNESCO de Patrimônio Cultural da Humanidade, foi confiado ao arquiteto Gustavo Penna, em 2006, a tarefa de corrigir os desvios e agressões contra a paisagem urbana de Mariana e dotá-la de equipamentos urbanos indispensáveis a um Centro de Atenção ao Turista, Centro de Convenções, Centro de Cultura e Artes, um Centro Olímpico e a uma Arena Multimeios, para que a cidade pudesse realmente usufruir

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todo o seu potencial turístico. Para corrigir a arquitetura destoante do Ginásio Poliesportivo, foi proposta a sua retirada e instalação de sua estrutura em terreno mais afastado do centro histórico. No seu lugar foi proposto o Centro de Convenções (FIG. 94), com arquitetura que retoma a antiga escala e a relação com o entorno, o ribeirão e a praça. Ao convidar um dos mais renomados arquitetos do estado, com vasto currículo em projetar equipamentos de grande porte, a administração municipal buscou promover a inserção de uma arquitetura contemporânea de melhor qualidade, assim como recomenda na Carta de Machu Picchu de 1977.

A forma do Centro de Convenções é simples, recuada do alinhamento, vazada em ritmos que rememoram as janelas da fábrica demolida. O castelo d`água referencia a chaminé de outrora e recompõe a relação iconográfica com a Torre da Estação. Uma grande marquise conduz o público do passeio junto à Avenida Getúlio Vargas até o Átrio de Entrada com acesso independente aos Pavilhões de Feiras, Teatro e Setor de Convenções. Os Pavilhões de Feiras podem funcionar em conjunto ou separadamente, tendo 1.600m2 de área total e capacidade para atender 1.500 pessoas, contando com saguão para recepção de público com áreas de apoio e café. O acesso ao Teatro, para 520 lugares, é feito através de foyer que possui espaços de apoio para a realização de coffe- breaks e coquetéis durante os eventos. O Setor de Convenções possui saguão para eventos, 2 auditórios para 150 lugares, que podem ser conjugados num auditório maior para 300 pessoas, e 6 salas de conferências para 50 pessoas cada, podendo também ser rearranjadas em diversos tamanhos, como num grande salão para 400 pessoas. As docas para carga e descarga atendem diretamente todos os setores do Centro de Convenções, com acesso de serviço pela Rua André Corsino da Silveira independente do acesso de público. O estacionamento para público tem capacidade para 86 veículos (PENNA, 2007: p.47, vol. II.).

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FIGURA 94 - Perspectiva do projeto do novo Centro de Convenções, em implantação no local do Ginásio Poliesportivo.

Fonte: Projeto de Requalificação Urbanística e Arquitetônica - Mariana, Volume I - autor: Gustavo Penna.

Ainda, nos anos 80 do século passado, outra construção em Mariana causou polêmica no centro histórico, a Residência do Arcebispo (FIG. 95), projeto encomendado ao arquiteto Éolo Maia pelo então arcebispo Dom Oscar de Oliveira. Um projeto difícil pelo fato de o SPHAN, naquele momento, não possuir normas nem critérios definidos.

Segundo o arquiteto, ele e a equipe fizeram cinco estudos diferentes para a SPHAN, porque esta não definia claramente critérios e diretrizes, “não falava o que queria, se era uma coisa moderna ou coloniosa. (...) Então nós criamos alguns critérios; o primeiro, era não atrapalhar a volumetria da praça. A casa era muito grande, e então, tinha o problema de escala. Essa casa tem 2500m²! E depois, a nossa intensão não era criar uma coisa tipo Pompideau, uma coisa muito chocante, porque Mariana é uma cidade muito tranqüila, e muito simples. Então a gente usou uma cobertura de telha, porque lá também tem uma perspectiva... Tem muito morro, você vê as casas em cima. E criamos um quadro de aço, como uma espécie de película, de fachada falsa, branca, onde tem a marcação das casas do redor, para diluir esse volume. (...) Mas ela tem uma presença, tem uma proposta de uma arquitetura contemporânea” (FISCHER, 1993: p. 80).

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FIGURA 95 - Residência do Arcebispo de Mariana.

Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/30-projetos-obras-chaves-para-01-03-2009.html

Após muita polêmica, a Residência do Arcebispo foi concluída em 1987. A construção considerou aspectos do entorno imediato - estrutura, cheios e vazios, volumetria, elementos construtivos etc - preconizados pela Carta de Nairobi, de 1976, que ressaltava a necessidade de se assegurar a harmonia das novas construções nos conjuntos históricos, através da análise do contexto urbano.

Ao realizar entrevistas com os moradores sobre as duas edificações mais polêmicas construídas na cidade, a Residência do Arcebispo e o Ginásio Poliesportivo, e que foram embargadas durante algum tempo pelo SPHAN, (FISCHER, 1993) constatou-se a preferência da população pela segunda edificação, ressaltando a simpatia da comunidade em relação ao prefeito, contra a impopularidade do bispo, e ainda, o fato de a Residência do Bispo ser considerada uma propriedade privada e o Ginásio um bem de utilidade pública:

A maior parte dos entrevistados se mostra contrária à construção da Casa do Bispo, sendo que boa parte dos políticos e a totalidade dos entrevistados ligados á associações e ao Movimento Renovador de

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Mariana, assumem tal posição. As críticas por eles formuladas referem- se ao desrespeito às normas de preservação e à própria concepção do projeto, considerado um projeto “descaracterizador”, “que abre precedentes”. A polêmica em torno da Casa do Bispo é rica em meandros e abre espaço à interpretações. Vale notar que, mesmo constituindo uma construção menos comprometedora que o Ginásio Poliesportivo, pelo menos em termos de volumetria e concepção arquitetônica, a Casa do Bispo catalisa críticas que são da desaprovação de que ela abriu precedentes para a construção do Ginásio. Ao que tudo indica, aquela construção parece ter aberto um outro tipo de precedente: ironicamente ela reforça o discursso modernizante (FISCHER, 1993: p. 140).

Fischer (1993) constatou, em sua pesquisa, que as práticas descaracterizadoras receberam o apoio popular, e pareciam refletir desejos e anseios coletivos, nos quais os agentes sociais passaram a ser informados por um sistema de pró-modernização, mesmo que isso implicasse na descaracterização do tecido urbano original:

A grande maioria dos entrevistados acha, que a parte nova da cidade deveria ter ruas asfaltadas, iluminação moderna, shopping-center, casas com fachadas modernas e prédios altos. Alguns afirmam mesmo que estes “benefícios” poderiam ser entendidos à parte antiga. Estas opiniões mais radicalmente favoráveis à “modernização” da cidade são encontradas entre entrevistados das diversas faixas de renda e mais freqüentes entre a população jovem (FISCHER, 1993: p.113).

Como se percebem, vários foram os aspectos que colaboraram para a criação de uma visão equivocada acerca da preservação do patrimônio artístico cultural em Minas Gerais. Desde as primeiras intervenções, a intenção de se manter intactos os cenários dos conjuntos urbanos tombados acabou por promover a simplificação do estilo colonial, nas novas edificações construídas naquele contexto, o que resultou no “estilo patrimônio”. Quando ocorreu uma evolução do conceito, na década de 1960, tal prática já havia sido consolidada. O anseio modernizador da década de 1980 trouxe consigo novas “arquiteturas”, nem todas, porém, de boa qualidade.

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Apesar do contexto adverso, com a inserção urbana racional do Grande Hotel, na década de 1940, e a arquitetura sob medida da Residência do Arcebispo, na década de 1980, ocorria uma progressiva continuidade histórica/ arquitetônica, nos núcleos de Mariana e Ouro Preto. Porém, a nova inserção na Praça Tiradentes, no início dos anos 2000, não veio a acrescentar este rol de intervenções, e em aspectos morfológicos a reconstrução do volume e fachadas corroborou um retrocesso.

Assim, para elucidar a questão, em caráter comparativo serão apresentados a seguir os estudos de caso da Residência do Arcebispo e do Centro Cultural e Turístico do Sistema FIEMG, desde o contexto histórico da intervenção, à evolução urbana das praças, onde estão inseridos e os estudos morfológicos do entorno.

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5. CASO 1 - RESIDÊNCIA DO ARCEBISPO DE MARIANA