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4. ASPECTOS ARQUITETÔNICOS DAS CIDADES DE MARIANA E OURO

4.2. O Estilo Patrimônio

Com o objetivo de adequar a nova arquitetura ao conjunto existente, os arquitetos pertencentes ao corpo técnico do SPHAN adotaram como critério para a aprovação de projetos, orientações no sentido da adoção de um “colonial simplificado”. Este consistia na utilização das linhas e proporções da arquitetura colonial, mas de forma que não se caracterizasse como uma imitação. Num primeiro momento, como poucos eram os projetos aprovados, havia meios de controlar caso a caso. Até mesmo fotografias das edificações vizinhas eram solicitadas (FIG. 75, 76 e 77) (MOTTA, 1987).

FIGURAS 75 e 76 - Fachada da nova edificação a ser aprovada e o croqui da nova edificação inserida no entorno.

Fonte: MOTTA Lia. O SPHAN EM OURO PRETO: uma história de conceitos e critérios. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº. 22. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória,

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FIGURA 77 - Foto de edificação vizinha à nova edificação.

Fonte: MOTTA Lia. O SPHAN EM OURO PRETO: uma história de conceitos e critérios. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº. 22. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória,

1987.

As figuras acima demonstram como funcionava o processo de aprovação de projetos. Na figura 7 está a elevação da fachada da nova edificação; a figura 9 é uma foto da edificação vizinha. A figura 8 é uma perspectiva da edificação inserida no contexto.

As ingênuas previsões modernistas afirmavam que as cidades de Ouro Preto e Mariana não cresceriam mais. Entretanto, por estarem situadas no quadrilátero ferrífero, região de forte vocação mineradora - industrial, teve início na década de 60 do século passado uma exploração econômica expressiva de suas reservas minerais. Com a instalação de empresas mineradoras de grande porte, iniciava-se o “ciclo do alumínio”, que levou, a partir de então, a um acelerado crescimento demográfico.

Na década de 40, a grande maioria das solicitações era de reforma, reparos, limpeza de fachadas e ampliações, havendo apenas duas solicitações de permissão para construção nova. Esta é a década de menor número de pedidos. Na década seguinte, o número de solicitações é cerca de cinco vezes maior, perfazendo um total de 96. Esta é a década de maior volume de demandas, só igualada em termos numéricos à década de 80. Nos anos 50, a maioria das solicitações era de recursos para as diversas obras de reparo, pois ao que parece, havia na SPHAN um programa que liberava recursos para quem não apresentasse condições financeiras. Já na década de 80, cerca de 70%

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dos pedidos solicitavam autorização para construções novas. Na década de 60 verificamos a mesma tendência da década anterior, sendo a maioria das solicitações, pedidos enviados por pessoas carentes, narrando a estado de pobreza em que se encontram, sem condições de bancar os reparos necessários para salvarem suas casas da ruína. [...] A década de 70, revela curiosamente um número muito baixo de solicitações encaminhadas à SPHAN: apenas 30, contra 90 solicitações na década seguinte. Os dados estatísticos indicam que esta mesma década foi a de maior crescimento demográfico urbano em Mariana e que, portanto, a SPHAN deveria ter recebido um maior número de solicitações. [...]

Na década de 80, com a instalação do escritório local, verificamos um número de solicitações bastante superior ao da década de 70. Tais demandas apresentavam as mesmas tendências da encaminhadas no período anterior: cerca de dois terços das solicitações referem-se à construção nova, e o restante à reformas, ampliações e construções de um segundo pavimento (FISCHER, 1993: p. 82, 83 e 84).

Constatou-se então que, com o aumento de pedidos de aprovação de projetos, não seria mais possível continuar a analisar cada caso em particular e, naquele momento, foram criadas as primeiras “normas”. Para que um projeto obtivesse a aprovação, deveria utilizar elementos estruturais da fachada em madeira, tais como: beirais de cachorro, vãos em caixões externos e folhas em rótulas, calhas ou guilhotinas. Coincidiu com aquele período a Assembleia de Budapeste, em 1972, quando pela primeira vez foi recomendada a utilização de massa, escala, ritmo e aparência, de acordo com a estrutura urbana existente.

Ao mesmo tempo, ocorreu também a ocupação das regiões periféricas aos núcleos tombados. Apesar dessas novas áreas de expansão urbana não dependerem de aprovação de projetos, foram comuns as novas edificações seguirem as características de integração estética implantada pela instituição. Assim, a população local, já familiarizada com as normas de aprovação, logo as denominou de “estilo patrimônio”. Observa-se, porém, que a regulação do Patrimônio – como era comumente denominado pelos ouropretanos o escritório do serviço de proteção - concentrava-se nas fachadas e para a aprovação eram solicitadas apenas a fachada principal e uma planta por determinação da prefeitura (MOTTA, 1987).

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Comumente à ocupação da periferia, ocorreu uma valorização dos terrenos localizados no centro histórico e em seu entorno imediato. A partir da década de 1960, surgiram vários pedidos de aprovação de novos loteamentos em Ouro Preto, onde o tamanho dos lotes, a malha em xadrez, com quadras e lotes regulares, e a implantação da edificação no terreno resultaram em descaracterização urbanística e paisagística.

Ficou caracterizada, portanto, mais especificamente na década de 60, a nova forma de morar, que correspondia a um novo lote, uma nova implantação das casas no lote, uma nova disposição dos cômodos e uma nova relação com a rua, induzindo a uma arquitetura bastante diferente da tradicional.

(...) Dos projetos apresentados, que situavam a casa no lote, 78% pediam afastamento de pelo menos uma divisa. Esta situação era inédita, considerando do referencial setecentista do Patrimônio, pois teve origem no Brasil no século XIX, e em Ouro Preto somente se configurou em maior escala nessa fase, em razão da retomada de seu crescimento. Da mesma forma era atípica a dimensão das casas em planta (MOTTA, 1987: p.114).

Apesar da adoção de novos critérios, como o parecer contrário a alguns volumes e a negação ao afastamento frontal, as primeiras normas adotadas pelo Patrimônio continuavam em vigor, mas, o que anteriormente era apenas um instrumento que visava à repetição das linhas tradicionais, passou a ser uma definição da utilização de alguns elementos. Naquele momento, configuravam-se como uma exigência rígida para o detalhamento das novas edificações. Portanto, continuava a ser produzida uma arquitetura muito homogênea, onde eram exigidos alguns elementos, tais como: telhados em duas águas, com telha canal, galbo no contrafeito e beiral encachorrado, janelas em guilhotina com caixilhos, medindo 1,00x 1,50m, e cerdura de 10 cm ou 12 cm, pinturas em cor branca nas alvenarias e cor escura na madeiras.

Até mesmo na cor das fachadas houve um enrijecimento, pois, na década de 1940, a cor branca não era uma exigência, pois se aceitavam outras

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cores, desde que fossem claras. Porém, com o passar do tempo e de acordo com as novas formas de morar, foram sendo incorporados às edificações alguns novos elementos, tais como basculantes para banheiros. Estes, a partir da década de 1970, tiveram as medidas fixadas em 80x80cm, criando assim uma “arquitetura híbrida”. O hibridismo acontecia nas fachadas laterais e de fundos, que eram dispensadas no processo de aprovação. Assim, eram ignoradas as marcas dos novos tempos (FIG. 78, 79 e 80) (MOTTA, 1987).

FIGURAS 78 e 79 - Beiral em concreto com elementos imitando beiral encachorrado. Fachada lateral com basculantes.

Fonte: MOTTA Lia. O SPHAN EM OURO PRETO: uma história de conceitos e critérios. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº. 22. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória,

1987.

FIGURA 80 - Fachada principal com portões de garagem.

Fonte: MOTTA Lia. O SPHAN EM OURO PRETO: uma história de conceitos e critérios. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº. 22. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória,

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Como o patrimônio solicitava apenas o desenho da fachada principal da edificação, ocorreram algumas falhas tais como em edificações localizadas em esquinas, como a da figura 77, onde a fachada da rua lateral, que deveria ter recebido também o tratamento conferido a uma fachada principal.

Todo este processo resultou numa falsificação do conjunto, pois, ao adotar a tática de estudar caso a caso, o SPHAN acabou perdendo a noção do todo. E nem mesmo tinha condição para tal pela falta de pessoal técnico. As normas, na prática, acabaram com o “caso a caso”. Ao mesmo tempo, o conjunto arquitetônico de Ouro Preto cresceu: “É possível estimar que a SPHAN havia aprovado 3.000 edificações novas nestas condições até 1985, quadruplicando o conjunto oficial da cidade, que no instante do tombamento tinha aproximadamente 1.000 edificações” (FIG. 81 e 82) (MOTTA, 1987: p.116).

FIGURA 81 - Vista panorâmica de Ouro Preto por João Emanuel Pohl em 1851, no alto, ao centro, a Igreja do Carmo, e mais abaixo, à direita a Matriz do Pilar.

Fonte: MOTTA Lia. O SPHAN EM OURO PRETO: uma história de conceitos e critérios. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº. 22. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória,

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FIGURA 82 - Vista panorâmica de Ouro Preto 1985, no alto, ao centro, a Igreja do Carmo, e mais abaixo, à direita a Matriz do Pilar.

Fonte: MOTTA Lia. O SPHAN EM OURO PRETO: uma história de conceitos e critérios. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº. 22. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória,

1987.